Atenção:
- Decreto extraído do site www.planalto.gov.br - Contém referências legais e doutrinárias, anotações pessoais, resenha de jurisprudência, negritos e realces de texto para fins didáticos.
- O presente Código está dividido em duas páginas devido a extensão do texto. Nesta página temos apenas a Parte Especial. Clique aqui para acessar a Parte Geral (art. 1.º ao art. 120).
- Última atualização do texto legal em 22/10/2024.
- Para pesquisar palavras-chave na página clique as teclas: "Ctrl + F" (Windows) ou "Command + F" (Mac).
Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Código Penal
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei:
PARTE GERAL
(...)
Art. 1.º ao Art. 120 - Clique aqui para acessar estes artigos.
PARTE ESPECIAL
TÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A VIDA
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de 06 (seis) a 20 (vinte) anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1.º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2.° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
F̶e̶m̶i̶n̶i̶c̶í̶d̶i̶o̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Vide Lei 14.717, de 2023)
V̶I̶ ̶-̶ ̶c̶o̶n̶t̶r̶a̶ ̶a̶ ̶m̶u̶l̶h̶e̶r̶ ̶p̶o̶r̶ ̶r̶a̶z̶õ̶e̶s̶ ̶d̶a̶ ̶c̶o̶n̶d̶i̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶s̶e̶x̶o̶ ̶f̶e̶m̶i̶n̶i̶n̶o̶:̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela Lei n.º 13.142, de 2015)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
VIII - (VETADO):
VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido: (Incluído pela Lei n.º 13.964, de 2019) (Vigência)
Homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
IX - contra menor de 14 (quatorze) anos: (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
Pena - reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§̶ ̶2̶.̶º̶-̶A̶ ̶-̶ ̶C̶o̶n̶s̶i̶d̶e̶r̶a̶-̶s̶e̶ ̶q̶u̶e̶ ̶h̶á̶ ̶r̶a̶z̶õ̶e̶s̶ ̶d̶e̶ ̶c̶o̶n̶d̶i̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶s̶e̶x̶o̶ ̶f̶e̶m̶i̶n̶i̶n̶o̶ ̶q̶u̶a̶n̶d̶o̶ ̶o̶ ̶c̶r̶i̶m̶e̶ ̶e̶n̶v̶o̶l̶v̶e̶:̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
̶I̶ ̶-̶ ̶v̶i̶o̶l̶ê̶n̶c̶i̶a̶ ̶d̶o̶m̶é̶s̶t̶i̶c̶a̶ ̶e̶ ̶f̶a̶m̶i̶l̶i̶a̶r̶;̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
̶I̶I̶ ̶-̶ ̶m̶e̶n̶o̶s̶p̶r̶e̶z̶o̶ ̶o̶u̶ ̶d̶i̶s̶c̶r̶i̶m̶i̶n̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶à̶ ̶c̶o̶n̶d̶i̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶m̶u̶l̶h̶e̶r̶.̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de: (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade; (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
III - 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Homicídio culposo
§ 3.º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei n.º 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.
Aumento de pena
§ 4.º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)
§ 5.º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei n.º 6.416, de 24.5.1977)
§ 6.º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei n.º 12.720, de 2012)
§̶ ̶7̶.̶º̶ ̶A̶ ̶p̶e̶n̶a̶ ̶d̶o̶ ̶f̶e̶m̶i̶n̶i̶c̶í̶d̶i̶o̶ ̶é̶ ̶a̶u̶m̶e̶n̶t̶a̶d̶a̶ ̶d̶e̶ ̶1̶/̶3̶ ̶(̶u̶m̶ ̶t̶e̶r̶ç̶o̶)̶ ̶a̶t̶é̶ ̶a̶ ̶m̶e̶t̶a̶d̶e̶ ̶s̶e̶ ̶o̶ ̶c̶r̶i̶m̶e̶ ̶f̶o̶r̶ ̶p̶r̶a̶t̶i̶c̶a̶d̶o̶:̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
I̶ ̶-̶ ̶d̶u̶r̶a̶n̶t̶e̶ ̶a̶ ̶g̶e̶s̶t̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶o̶u̶ ̶n̶o̶s̶ ̶0̶3̶ ̶(̶t̶r̶ê̶s̶)̶ ̶m̶e̶s̶e̶s̶ ̶p̶o̶s̶t̶e̶r̶i̶o̶r̶e̶s̶ ̶a̶o̶ ̶p̶a̶r̶t̶o̶;̶ ̶(̶I̶n̶c̶l̶u̶í̶d̶o̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶1̶0̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶1̶5̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
̶I̶I̶ ̶-̶ ̶c̶o̶n̶t̶r̶a̶ ̶p̶e̶s̶s̶o̶a̶ ̶m̶a̶i̶o̶r̶ ̶d̶e̶ ̶6̶0̶ ̶(̶s̶e̶s̶s̶e̶n̶t̶a̶)̶ ̶a̶n̶o̶s̶,̶ ̶c̶o̶m̶ ̶d̶e̶f̶i̶c̶i̶ê̶n̶c̶i̶a̶ ̶o̶u̶ ̶c̶o̶m̶ ̶d̶o̶e̶n̶ç̶a̶s̶ ̶d̶e̶g̶e̶n̶e̶r̶a̶t̶i̶v̶a̶s̶ ̶q̶u̶e̶ ̶a̶c̶a̶r̶r̶e̶t̶e̶m̶ ̶c̶o̶n̶d̶i̶ç̶ã̶o̶ ̶l̶i̶m̶i̶t̶a̶n̶t̶e̶ ̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶v̶u̶l̶n̶e̶r̶a̶b̶i̶l̶i̶d̶a̶d̶e̶ ̶f̶í̶s̶i̶c̶a̶ ̶o̶u̶ ̶m̶e̶n̶t̶a̶l̶;̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶(̶R̶e̶d̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶a̶d̶a̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶º̶ ̶1̶4̶.̶3̶4̶4̶,̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶2̶2̶)̶ ̶ ̶ ̶ ̶ ̶V̶i̶g̶ê̶n̶c̶i̶a̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
̶I̶I̶I̶ ̶-̶ ̶n̶a̶ ̶p̶r̶e̶s̶e̶n̶ç̶a̶ ̶f̶í̶s̶i̶c̶a̶ ̶o̶u̶ ̶v̶i̶r̶t̶u̶a̶l̶ ̶d̶e̶ ̶d̶e̶s̶c̶e̶n̶d̶e̶n̶t̶e̶ ̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶a̶s̶c̶e̶n̶d̶e̶n̶t̶e̶ ̶d̶a̶ ̶v̶í̶t̶i̶m̶a̶;̶ ̶(̶R̶e̶d̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶a̶d̶a̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶7̶7̶1̶/̶2̶0̶1̶8̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
̶I̶V̶ ̶-̶ ̶e̶m̶ ̶d̶e̶s̶c̶u̶m̶p̶r̶i̶m̶e̶n̶t̶o̶ ̶d̶a̶s̶ ̶m̶e̶d̶i̶d̶a̶s̶ ̶p̶r̶o̶t̶e̶t̶i̶v̶a̶s̶ ̶d̶e̶ ̶u̶r̶g̶ê̶n̶c̶i̶a̶ ̶p̶r̶e̶v̶i̶s̶t̶a̶s̶ ̶n̶o̶s̶ ̶i̶n̶c̶i̶s̶o̶s̶ ̶I̶,̶ ̶I̶I̶ ̶e̶ ̶I̶I̶I̶ ̶d̶o̶ ̶c̶a̶p̶u̶t̶ ̶d̶o̶ ̶a̶r̶t̶.̶ ̶2̶2̶ ̶d̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶1̶.̶3̶4̶0̶,̶ ̶d̶e̶ ̶7̶ ̶d̶e̶ ̶a̶g̶o̶s̶t̶o̶ ̶d̶e̶ ̶2̶0̶0̶6̶.̶ ̶(̶R̶e̶d̶a̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶a̶d̶a̶ ̶p̶e̶l̶a̶ ̶L̶e̶i̶ ̶n̶.̶º̶ ̶1̶3̶.̶7̶7̶1̶/̶2̶0̶1̶8̶)̶ (Revogado pela Lei nº 14.994, de 2024)
Redação anterior:
"II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; (Incluído pela Lei n.º 13.104, de 2015)"
"III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (Incluído pela Lei n.º 13.104, de 2015)"
"II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei n.º 13.771/2018)"
Legislação correlata:
- Vide: Art. 121-A do Código Penal - Feminicídio e causas de aumento de pena.
- Vide: Art. 1.º da Lei n.º 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos).
- Vide: Art. 406 e seguintes do Código de Processo Penal - Procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri.
- Vide: Lei Maria da Penha - Violência doméstica e/ou familiar.
- Vide: Lei n. 14.541/2023 - Dispõe sobre a criação e o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
- Vide: Lei n.º 14.022/2020, que alterou a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
- Vide: Art. 152 da Lei de Execução Penal.
"Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Incluído pela Lei n.º 11.340, de 2006)"
- Vide: Lei n.º 13.819/2019
"Art. 7.º Nos casos que envolverem investigação de suspeita de suicídio, a autoridade competente deverá comunicar à autoridade sanitária a conclusão do inquérito policial que apurou as circunstâncias da morte."
- Vide: Decreto n.º 10.096/2021 - Institui o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio.
- Vide: Art. 226, § 1º, da Lei n. 8.069/90 (ECA) - "Aos crimes cometidos contra a criança e o adolescente, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995".
- Vide: Lei n. 14.717/2023 - Institui pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
- Vide: Lei n. 14.811/2024 - Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Jurisprudência:
01) Homicídio na direção de veículo automotor – Dolo eventual ou culpa consciente – Exame a ser realizado pelo juiz togado - Pronúncia – Não aplicação do princípio do in dubio pro societate:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
STJ - REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 26/03/2018 (Sexta Turma)
Homicídio na direção de veículo após suposta ingestão de bebida alcoólica. Dolo eventual versus culpa consciente. Aferição. Juiz togado. Pronúncia. Filtro processual.
Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte.
Observe-se, inicialmente a indagação a respeito da presença do dolo eventual: se o conceito jurídico-penal acerca do que é dolo eventual já produz enormes dificuldades ao julgador togado, que emite juízos técnicos, apoiados em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões que definem seus julgamentos? O legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, portanto, não se pode desprezar esse "filtro de proteção para o acusado" e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam presentes as condições necessárias e suficientes para tanto. Note-se que a primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). Deste modo, não é consentâneo, aos objetivos a que representa na dinâmica do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, a decisão de pronúncia relegar a juízes leigos, com a cômoda invocação da questionável regra do in dubio pro societate, a tarefa de decidir sobre a ocorrência de um estado anímico cuja verificação demanda complexo e técnico exame de conceitos jurídico-penais.
02) Homicídio na direção de veículo automotor - Motorista embriagado - Dolo eventual - Competência do Tribunal do Júri - Afastada desclassificação para o crime do art. 302 do CTB - Motorista que dirigia na contramão:
Homicídio na direção de veículo automotor e competência do tribunal do júri (Informativo n.º 904 do STF – Primeira Turma)
A Primeira Turma, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus” em que se pleiteava a reforma da decisão que reconheceu a ocorrência de dolo eventual em relação a homicídio cometido por motorista embriagado na direção de veículo automotor, firmada a competência do tribunal do júri. O impetrante apontava equívoco no enquadramento legal realizado na origem. Pleiteava a desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 302 (1) do Código de Trânsito Brasileiro. O Colegiado considerou legítima a tipificação da conduta como crime doloso, de competência do tribunal do júri, ante o reconhecimento da evolução jurisprudencial na análise do que vem a ser dolo eventual e culpa consciente.
No caso, verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem. Vencidos, em parte, os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que deferiram a ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para a prevista no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, ante a aplicação dos princípios da especialidade e da legalidade.
(1) Código de Trânsito Brasileiro: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. ”
STF - HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 29.5.2018. (HC-124687)
03) Homicídio qualificado - Meio cruel - Compatibilidade com o dolo eventual:
DIREITO PENAL - REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020 (Informativo n.º 665 do STJ - Sexta Turma)
Qualificadora. Meio cruel. Dolo eventual. Compatibilidade.
A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual. No caso concreto, o acórdão, mantendo a sentença de pronúncia no que se refere à materialidade, à autoria e ao elemento subjetivo do agente (dolo eventual), afastou a qualificadora do meio cruel, ao entendimento de que, por servir de fundamento para a configuração do dolo eventual, os fatos que a princípio ensejariam a crueldade do meio não poderiam ser utilizados para qualificar o crime. Tal entendimento não se harmoniza com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual não há falar em incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do meio cruel (art. 121, § 2º, III, do CP). O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, tais quais aqueles descritos no tipo penal relativo à mencionada qualificadora.
04) Homicídio qualificado - Qualificadoras subjetiva e objetiva - Cumulação - Possibilidade - Motivo torpe + feminicídio:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
STJ - HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, por unanimidade, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018 (Sexta Turma)
Homicídio qualificado. Qualificadoras com naturezas diversas. Subjetiva e objetiva. Possibilidade. Motivo torpe e feminicídio. Bis in idem. Ausência.
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Observe-se, inicialmente, que, conforme determina o art. 121, § 2º-A, I, do CP, a qualificadora do feminicídio deve ser reconhecida nos casos em que o delito é cometido em face de mulher em violência doméstica e familiar. Assim, "considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise" (Ministro Felix Fischer, REsp 1.707.113-MG, publicado em 07/12/2017).
05) Homicídio contra menor de 18 anos de idade - Aumento na pena-base - Consequências do delito - Tenra idade da vítima - Possibilidade de elevação, desde que não haja bis in idem com a regra do § 4.º do art. 121 do CP:
DIREITO PENAL - AgRg no REsp 1.851.435-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 12/08/2020, DJe 21/09/2020 (Informativo n.º 679 do STJ - Terceira Seção)
Homicídio. Consequências do crime. Valoração negativa. Vítima de tenra idade. Fundamentação concreta e idônea.
A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime.
Em princípio, o homicídio perpetrado contra vítima de tenra idade (adolescente ou criança) ostenta reprovabilidade idêntica àquele perpetrado contra um adulto, pois ambos vulneram o objeto jurídico tutelado pela norma (vida).
Não há como ignorar, no entanto, o fato de que o homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta.
Há que se sopesar, ainda, as consequências do homicídio contra vítima de tenra idade no núcleo familiar respectivo: pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Não se pode olvidar, ademais, o aumento crescente do número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil, o que reclama uma resposta estatal.
Não ignoro que o legislador ordinário estabeleceu – no art. 121, § 4º, do Código Penal – o aumento de pena para o crime de homicídio doloso praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos. Nada obsta, contudo, que o magistrado, ao se deparar com crime de homicídio perpetrado contra uma vítima com 14 anos de idade ou mais (mas com menos de 18 anos), aumente a pena na primeira fase da dosimetria, pois, como referenciado acima, um crime perpetrado contra um adolescente ostenta consequências mais gravosas do que um homicídio comum.
Assim, deve prevalecer a orientação no sentido de que a tenra idade da vítima (menor de 18 anos de idade) é elemento concreto e transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada, para evitar bis in idem, a hipótese em que aplicada a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º (parte final), do Código Penal.
Feminicídio
Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
I – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado: (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
Coautoria (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (Redação dada pela Lei n.º 13.968, de 2019)
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: (Redação dada pela Lei n.º 13.968, de 2019)
Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos. (Redação dada pela Lei n.º 13.968, de 2019)
§ 1.º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1.º e 2.º do art. 129 deste Código: (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
Pena - reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
§ 2.º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
§ 3.º A pena é duplicada: (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
§ 4.º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
§ 5º Aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável. (Redação dada pela Lei nº 14.811, de 2024)
§ 6.º Se o crime de que trata o § 1.º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2.º do art. 129 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.968, de 2019)
§ 7.º Se o crime de que trata o § 2.º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)
Redação anterior:
"Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único - A pena é duplicada:
Aumento de pena
I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência."
"§ 5.º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual. (Incluído pela Lei n.º 13.968, de 2019)"
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 13.819/2019 - Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998.
- Vide: Art. 226, § 1º, da Lei n. 8.069/90 (ECA) - "Aos crimes cometidos contra a criança e o adolescente, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995".
- Vide: Lei n. 14.811/2024 - Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.
Jurisprudência:
01) Gravidez - Interrupção - Feto anencéfalo - Tipicidade afastada - Constitucionalidade - Laicidade do Estado:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
(STF - ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011)
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 03 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Jurisprudência:
01) Gravidez - Interrupção - Feto anencéfalo - Tipicidade afastada - Constitucionalidade - Laicidade do Estado:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
(STF - ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011)
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de 1/3 (um terço), se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Jurisprudência:
01) Gravidez - Interrupção - Feto anencéfalo - Tipicidade afastada - Constitucionalidade - Laicidade do Estado:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
(STF - ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011)
CAPÍTULO II
DAS LESÕES CORPORAIS
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Lesão corporal de natureza grave
§ 1.º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos.
§ 2.° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3.° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena
§ 4.° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5.° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6.° Se a lesão é culposa: (Vide Lei n.º 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de 02 (dois) meses a 01 (um) ano.
Aumento de pena
§ 7.º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4.º e 6.º do art. 121 deste Código. (Redação dada pela Lei n.º 12.720, de 2012)
§ 8.º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5.º do art. 121. (Redação dada pela Lei n.º 8.069, de 1990)
Violência Doméstica (Incluído pela Lei n.º 10.886, de 2004)
§ 9.º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei n.º 11.340, de 2006)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1.º a 3.º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9.º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei n.º 10.886, de 2004)
§ 11. Na hipótese do § 9.º deste artigo, a pena será aumentada de 1/3 (um terço) se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei n.º 11.340, de 2006)
§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços. (Incluído pela Lei n.º 13.142, de 2015)
§ 13. Se a lesão é praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código: (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024)
Redação anterior:
"§ 7° No caso de lesão culposa, aumenta-se a pena de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses do art. 121, § 4°."
"§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) "
"§ 8º Aplica-se igualmente à lesão culposa o disposto no § 5º do artigo 121. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)"
"§ 9 o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) "
"Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) "
"Pena - detenção, de 03 (três) meses a 03 (três) anos. (Redação dada pela Lei n.º 11.340, de 2006)"
"§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) "
"Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) "
Legislação correlata:
- Vide a Lei dos Crimes Hediondos:
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...) I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2.º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3.º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)"
- Vide: Art. 88 da Lei n.º 9.099/1995 (JEC)
"Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas."
- Vide: Art. 168 do Código de Processo Penal.
"Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
§ 1.º. No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.
§ 2.º. Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no artigo 129, § 1º, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime.
§ 3.º. A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal."
- Vide: Art. 152 da Lei de Execução Penal.
"Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)"
- Vide: Lei n.º 11.340/2006 - Lei Maria da Penha.
- Vide: Lei n. 14.541/2023 - Dispõe sobre a criação e o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
- Vide: Lei n.º 14.022/2020, que alterou a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
- Vide: Art. 226, § 1º, da Lei n. 8.069/90 (ECA) - "Aos crimes cometidos contra a criança e o adolescente, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995".
Notas:
- Vide: Súmula 600 do STJ - Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.
- Vide: Súmula 589 do STJ - É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
- Vide: Súmula 588 do STJ - A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
- Vide: Súmula 542 do STJ - A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.
- Vide: Súmula 172 do STJ - Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.
- Seguindo-se o teor da súmula n.º 172, se houver caso, por exemplo, de delito de abuso de autoridade cumulado com lesão, será cindido o processo, ficando a lesão praticada por policial militar na Justiça Militar.
- Nos crimes de lesões corporais dolosas de natureza leve (art. 129, caput, do CP) e lesões corporais culposas (art. 129, § 6.º), a ação penal passou a ser pública condicionada à representação, em razão do que dispõe o art. 88 da Lei n. 9.099/95. Não há, entretanto, qualquer menção expressa a esse respeito no Código Penal.
- Admite-se tentativa de lesão corporal, na jurisprudência, se demonstrado de forma inequívoca o animus vulnerandi.
- Para a configuração da agravante da lesão corporal de natureza grave em face da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias, é prescindível que a ocupação habitual seja laborativa, podendo abranger qualquer atividade regularmente desempenhada pela vítima. Esse prazo de 30 dias segue o art. 10 do CP, ou seja, é prazo de natureza penal (conta-se o primeiro dia). Para o exame descrito no art. 168 do CPP, o prazo também é penal, computando-se o dia de início.
- O crime de lesão corporal grave pode ser preterdoloso, mas se resultar em perigo de vida (inc. II) será necessariamente preterdoloso (dolo na lesão e culpa no perigo de vida). Caso o agente assuma o risco de causar a morte, responderá por homicídio na forma tentada.
- Debilidade permanente corresponde a enfraquecimento e/ou diminuição da capacidade funcional. Dizer permanente não significa que é perpétua a debilidade, mas que a recuperação é incerta e perdurará por tempo indeterminado. A possibilidade de a vítima usar prótese, por exemplo, não afasta a qualificadora da debilidade. Perda de dente (ou dentes) e perda de dedo (ou dedos) dependerá de avaliação pericial para apurar eventual debilidade permanente.
- Aceleração de parto: O crime exige sujeito especial (gestante). Se ocorrer aborto, segue-se o inc. V do parágrafo 2.º do art. 129 do CP. Na aceleração de parto o agente não quer e nem assume o risco do aborto. O agente deve ter conhecimento que a vítima é gestante, do contrário haverá responsabilidade penal objetiva. Não se trata de conduta estritamente preterdolosa (por exemplo, o agente visa o abortamento como crime posterior, mas acaba gerando apenas a aceleração do parto).
- Lesão Gravíssima: É expressão cunhada inicialmente pela doutrina ao parágrafo 2.º. Pode ser crime preterdoloso. A lesão gravíssima ou seguida de morte contra agente policial passou a ser crime hediondo no ano de 2015.
- Crime de vitriolagem: Refere-se à ação de arremessar ácido sulfúrico contra a vítima, gerando lesões corporais deformantes. Corresponde a uma lesão gravíssima, em razão da deformidade permanente que gera na pele da vítima. A denominação decorre do substantivo "vitríolo", utilizado vulgarmente para se referir ao ácido sulfúrico e alguns sulfatos.
Jurisprudência:
01) Lesão corporal grave – Comprovação do delito por outros meios que não o auto de exame de corpo de delito - Cabimento:
Lesão corporal grave e laudo pericial (Informativo n.º 684 do STF)
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que requerida a reforma da condenação imposta ao paciente por crime de lesão corporal de natureza grave para simples. A defesa argumentava que, ante a ausência de laudo pericial a apontar o grau das lesões sofridas pela vítima, não se caracterizaria a qualificadora de perigo de vida (CP, art. 129, § 1º, II). O Colegiado informou que constara da sentença que o risco de morte fora latente, uma vez que envolveria dano provocado em região extremamente vital (pescoço). Demais disso, houvera necessidade de intervenção cirúrgica e de internação. Aludiu ao acórdão do tribunal estadual em que consignadas a existência de provas documentais e a possibilidade de substituição da prova pericial por testemunhal, desde que desaparecidos os vestígios da conduta (CPP, art. 167). Na sequência, extraiu-se dos autos não ter sido possível realizar a perícia porque a vítima teria desaparecido. Ademais, assinalou-se a efetiva comprovação das lesões mediante prova testemunhal e relatórios de atendimento hospitalar. Alfim, asseverou-se inexistir nulidade, porquanto a falta de laudo pericial não impediria o reconhecimento da materialidade do adversado delito por outros meios.
STF - HC 114567/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.10.2012. (HC-114567)
02) Lesão gravíssima - Transmissão dolosa do vírus HIV – Tentativa de homicídio – Impropriedade – Desclassificação para o art. 131 (ou para o 129, § 2.º, II):
Portador do Vírus HIV e Tentativa de Homicídio (Informativo n.º 584 do STF – Primeira Turma)
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o portador do vírus HIV que, tendo ciência da doença e deliberadamente a ocultando de seus parceiros, pratica tentativa de homicídio ao manter relações sexuais sem preservativo. Trata-se de writ impetrado contra o indeferimento, pelo STJ, de liminar em idêntica medida na qual se reitera o pleito de revogação do decreto de prisão preventiva e de desclassificação do delito para o de perigo de contágio de moléstia grave (CP: “Art. 131 Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: ...”). Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator, salientando a existência de sentença de pronúncia e aduzindo que, em prol de uma boa política judiciária, a situação em tela estaria a ensejar a manifestação do STF, conheceu do writ. No mérito, concedeu, em parte, a ordem para imprimir a desclassificação do crime e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns do Estado-membro. Em interpretação sistemática, reputou descabido cogitar-se de tentativa de homicídio, porquanto haveria crime específico, considerada a imputação. Registrou, relativamente ao tipo subjetivo, que se teria no art. 131 do CP a presença do dolo de dano, enquanto que no art. 121 do CP verificar-se-ia a vontade consciente de matar ou a assunção do risco de provocar a morte. Afirmou não ser possível potencializar este último tipo a ponto de afastar, tendo em conta certas doenças, o que disposto no aludido art. 131 do CP. Após os votos dos Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia acompanhando o relator, pediu vista o Min. Ayres Britto. HC 98712/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 27.4.2010. (HC-98712)
Portador do Vírus HIV e Tentativa de Homicídio - 2 (Informativo n.º 603 do STF – Primeira Turma)
Em conclusão de julgamento, a Turma deferiu habeas corpus para imprimir a desclassificação do delito e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns estaduais. Tratava-se de writ em que se discutia se o portador do vírus HIV, tendo ciência da doença e deliberadamente a ocultando de seus parceiros, teria praticado tentativa de homicídio ao manter relações sexuais sem preservativo. A defesa pretendia a desclassificação do delito para o de perigo de contágio de moléstia grave (CP: “Art. 131 Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: ...”) — v. Informativo 584. Entendeu-se que não seria clara a intenção do agente, de modo que a desclassificação do delito far-se-ia necessária, sem, entretanto, vinculá-lo a um tipo penal específico. Tendo em conta que o Min. Marco Aurélio, relator, desclassificava a conduta para o crime de perigo de contágio de moléstia grave (CP, art. 131) e o Min. Ayres Britto, para o de lesão corporal qualificada pela enfermidade incurável (CP, art. 129, § 2º, II), chegou-se a um consenso, apenas para afastar a imputação de tentativa de homicídio. Salientou-se, nesse sentido, que o Juiz de Direito, competente para julgar o caso, não estaria sujeito sequer à classificação apontada pelo Ministério Público.
STF - HC 98712/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 5.10.2010. (HC-98712)
03) Deformidade permanente – Reparação posterior por cirurgia não afasta a caracterização da qualificadora:
DIREITO PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL QUALIFICADO PELA DEFORMIDADE PERMANENTE.
A qualificadora “deformidade permanente” do crime de lesão corporal (art. 129, § 2º, IV, do CP) não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine ou minimize a deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo da vítima.
STJ - HC 306.677-RJ, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/5/2015, DJe 28/5/2015.
04) Acidente de trabalho – Lesão corporal culposa – Incompetência da Justiça Federal – Ausência de interesse da União:
Lesões Corporais: Acidente de Trabalho e Incompetência da Justiça Federal
Lesão corporal decorrente de acidente de trabalho, por si só, não confere à Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento de ação penal. Com base nessa orientação, a Turma desproveu recurso extraordinário em que o Ministério Público Federal sustentava ofensa ao art. 109, IV e VI, da CF, ao argumento de que a União deveria zelar pelo cumprimento de normas internacionais quanto a acidente do trabalho, das quais o Brasil é signatário. Aduzia, ainda, que o referido delito configuraria crime contra a organização do trabalho, o que também atrairia a competência da Justiça Federal. No caso, a recorrida fora denunciada pela prática do delito previsto no art. 129, §§ 6º e 7º, do CP, pelo fato de, na condição de proprietária de empresa privada, ter agido com negligência e concorrido para a ofensa à integridade física de empregado, que tivera seu dedo amputado enquanto operava determinado maquinário. Preliminarmente, tendo em conta que o presente recurso fora interposto em data anterior à publicação da Emenda Regimental 21/2007 — a qual implementou as normas necessárias à demonstração da repercussão geral em matéria constitucional para admissão de recurso extraordinário —, conheceu-se do recurso, embora o recorrente não houvesse apontado tal requisito de admissibilidade. No mérito, verificou-se não existir interesse direto e específico da União capaz de atrair a competência da Justiça Federal, a qual cabe julgar os crimes que ofendam o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores. Precedente citado: RE 156527/PA (DJU de 27.5.94).
STF - RE 588332/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 31.3.2009. (RE-588332)
05) Violência doméstica – Crime com violência ou grave ameaça – Impossibilidade de substituição de pena:
DIREITO PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE PRATICADA NO ÂMBITO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE PENA. Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de condenação por crime de lesão corporal previsto no art. 129, § 9º, do CP. A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pressupõe, entre outras coisas, que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça. A violência física se expressa de inúmeras maneiras, sendo comum a todas elas o uso da força e a submissão da vítima, que fica acuada. Embora haja casos de violência doméstica com requintes de crueldade extrema e outros que se restrinjam às vias de fato (tapas, empurrões, socos, por exemplo), a violência praticada em maior ou menor grau de intensidade caracteriza-se pelo simples fato de o agente utilizar a força, de forma agressiva, para submeter a vítima. O termo “violência” contido no art. 44, I, do CP, que impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não comporta quantificação ou qualificação. A Lei Maria da Penha surgiu para salvaguardar a mulher de todas as formas de violência (não só física, mas moral e psíquica), inclusive naquelas hipóteses em que a agressão possa não parecer tão violenta. Precedentes citados: HC 182.892-MS, DJe 20/6/2012, e HC 192.417-MS, DJe 19/12/2011.
STJ - HC 192.104-MS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/10/2012.
CAPÍTULO III
DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE
Perigo de contágio venéreo
Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 1.º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2.º - Somente se procede mediante representação.
Perigo de contágio de moléstia grave
Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
Abandono de incapaz
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1.º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2.º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
§ 3.º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei n.º 10.741, de 2003)
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1.º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.
§ 2.º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de 02 (dois) a 06 (seis) anos.
Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (Incluído pela Lei n.º 12.653, de 2012).
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: (Incluído pela Lei n.º 12.653, de 2012).
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei n.º 12.653, de 2012).
Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. (Incluído pela Lei n.º 12.653, de 2012).
Maus-tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de 02 (dois) meses a 01 (um) ano, ou multa.
§ 1.º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
§ 2.º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 12 (doze) anos.
§ 3.º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei n.º 8.069, de 1990)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 226, § 1º, da Lei n. 8.069/90 (ECA) - "Aos crimes cometidos contra a criança e o adolescente, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995".
Jurisprudência:
01) Agravante por parentesco não se aplica ao crime de maus-tratos:
Notícias do STJ - DECISÃO - 29/12/2010 - 09h15 – HC 142102
Não cabe agravante por parentesco em crime de maus-tratos
É inadmissível o aumento de pena pela agravante de parentesco em condenação pelo crime de maus-tratos. Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao conceder parcialmente habeas corpus a um acusado de praticar maus-tratos contra seus dois filhos. A Turma redimensionou a pena por considerar indevida a incidência de agravante relativa ao parentesco entre o acusado e as vítimas. O acusado e sua esposa foram denunciados pelos crimes previstos nos artigos 136, parágrafos 1º e 2º, do Código Penal (crime de maus-tratos). Eles teriam deixado seus filhos sós em casa e sem alimentação, sendo que um deles, um bebê de apenas dois anos, faleceu por motivo de desidratação aguda. Conforme consta do processo, as crianças eram privadas de alimentos e cuidados básicos. Na sentença, a pena-base foi fixada em seis anos de reclusão, aumentada de um ano por ter sido cometida contra os filhos (agravante), e mais a metade da pena, com mais o aumento de um terço por ter sido praticada contra menor de 14 anos. No total, o pai foi condenado a 14 anos de reclusão, em regime fechado. No pedido de habeas corpus, o pai das vítimas solicitou a nulidade da sentença por falta de individualização das penas; alegou falta de fundamentação na fixação da pena-base e pediu também a retirada da agravante em virtude do parentesco. Ao final, requeria a fixação de uma nova decisão. A fixação da pena-base acima do mínimo legal foi determinada com base nos maus antecedentes do réu, na culpabilidade e nas circunstâncias do crime. De acordo com o ministro relator Og Fernandes, o acusado não juntou comprovação ao processo de que os maus antecedentes seriam referentes a processo em andamento ou condenações sem o trânsito em julgado. Assim, esse e os demais pedidos foram rejeitados no habeas corpus. Somente foi aceito o pedido em relação à retirada da agravante. A Turma considerou que a agravante relativa ao parentesco entre o pai e a vítima não é possível porque tal circunstância integra o tipo penal e não poderia ocorrer duas vezes (bis in idem). Assim, a pena do réu foi redimensionada para 12 anos de reclusão, mantido o regime fechado. A concessão foi estendida à esposa, que teve a pena de 12, reduzida para 10 anos, também em regime fechado.
02) Maus tratos - Incidência da agravante do art. 61, inc. II, "e", do CP - Crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge - Bis in idem não reconhecido - Parentesco não é elementar do crime: (Atenção: A discussão não consta na ementa, apenas no teor do acórdão, cujo excerto segue abaixo)
MAUS TRATOS. CRIME E AUTORIAS COMPROVADOS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. Como afirmou a Julgadora, condenando os recorrentes: Extrai-se dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que os acusados mantinham a vítima sem as mínimas condições para sua subsistência, deixando-a sem água e sem alimento, bem como em condições precárias de higiene. Conforme a prova carreada nos autos, vê-se a forma cruel com que o infante foi tratado, passando fome e sede. (...) Nesse sentido, ressalta-se a existência de provas suficientes de que o óbito do infante está diretamente ligado à prática de maus tratos, desprezo acima da média e negligência demasiada por parte dos acusados. Salienta-se que o tipo penal em questão, pune a conduta daquele que, tendo a autoridade, guarda ou vigilância, priva de cuidados indispensáveis, expondo a perigo a vida e a saúde, sendo que, no caso dos autos, submetendo a vítima, criança de tenra idade, à condições de sofrimento físico exacerbado ocasionando sua morte. DECISÃO: Apelos defensivos desprovidos. Unânime. (Apelação Crime Nº 70077408615, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 13/06/2018)
"(...) 3. Os recursos também não procedem em relação aos pedidos subsidiários. Não há bis in idem no reconhecimento, em desfavor da apelante, da agravante do artigo 61, II, e, do Código Penal. Isso porque o parentesco não é elementar do tipo penal do crime de maus tratos.
Afinal, o artigo 136 do Código Penal imputa o crime àquele que detém a autoridade, guarda ou vigilância da vítima. Ou seja, para cometê-lo não é necessário ser parente da vítima. O delito pode ser cometido, por exemplo, por um vizinho que está cuidando de uma criança, por um professor etc. (...)".
CAPÍTULO IV
DA RIXA
Rixa
Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 02 (dois) meses, ou multa.
Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 10.671/2003 - Estatuto do Torcedor.
CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA A HONRA
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
§ 1.º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2.º - É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3.º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n.º I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 53 e 27, ambos da Constituição Federal/1988 - Imunidade parlamentar formal e material.
- Vide: Arts. 519 a 523 do Código de Processo Penal - Rito processual.
- Vide: Art. 85 do Código de Processo Penal.
"Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade."
- Vide: Arts. 324 e seguintes do Código Eleitoral.
- Vide:
"Art. 26 da Lei n.º 7.170/1983 - Lei de Segurança Nacional. Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
- Vide: Lei n.º 12.735/2012 - Delegacias digitais.
"Art. 4.º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado."
Notas:
- Sobre queixa-crime, vide art. 41 e seguintes do Código de Processo Penal.
- No delito de calúnia fala-se da intenção do agente como animus calumniandi.
- O dispositivo legal em questão tutela a honra objetiva. Trata-se da reputação da pessoa, a ideia que as outras pessoas têm a respeito do indivíduo em relação às suas qualidades, sejam elas morais, intelectuais ou físicas.
- Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e imprecisas feitas à pessoa do querelante. (Vide Inq. 1937/DF, julgado pelo STF).
Jurisprudência:
01) Crime contra a honra - Lei de Imprensa – Revogação – Aplicação do Código Penal – Queixa-crime contra Deputado Federal – Competência STF – Atipicidade reconhecida:
Notícias do STF - Publicação: Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2010
STF confirma rejeição de queixa-crime contra o deputado federal Enio Bacci (PDT-RS)
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve nesta quinta-feira (25) decisão do ministro Carlos Alberto Menezes Direito (falecido) que, em 5 de junho de 2008, rejeitou queixa-crime em que o deputado federal Enio Bacci (PDT-RS) era acusado de cometer crimes contra a honra do delegado Alexandre Vieira, por ocasião de uma entrevista concedida no dia 10 de abril de 2007 para a Rádio Gaúcha. Na época, Bacci era secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Vieira recorreu da decisão do ministro por meio de um agravo de instrumento. Com isso, a decisão individual de Menezes Direito foi analisada pelo colegiado nesta tarde. Coube ao ministro Dias Toffoli, por ter sucedido Menezes Direito, levar o caso ao plenário. Com exceção dos ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e os demais ministros presentes ao plenário concordaram com os termos da decisão de Menezes Direito.
Crimes contra a honra
Quando rejeitou a queixa-crime, o ministro Menezes Direito acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF). Na ocasião, ele afirmou que os fatos descritos pelo delegado na acusação “não sinalizam a prática, nem sequer em tese, de crimes contra a honra por parte do querelado [o deputado Enio Bacci]”. Na entrevista concedida por Bacci à Rádio Gaúcha, o então secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul acusou Alexandre Vieira de ser autor e divulgador de e-mails que imputariam a Bacci a prática de exigência de dinheiro para remover autoridades policiais e influenciar na escolha do procurador-geral de Justiça do estado. Em outra afirmação apontada como ofensiva, Bacci disse: “quando a gente mexe com os criminosos há uma reação e então surgem alguns e-mails anônimos, que vêm de alguns policiais envolvidos com máquinas caça-níqueis, com máfias do tráfico de drogas e assim por diante”. O ministro Dias Toffoli analisou, ponto a ponto, e rejeitou, uma a uma, as condutas apontadas como criminosas. Segundo ele, os fatos descritos na queixa-crime “não sinalizam a prática, nem sequer em tese, de crimes contra a honra”. Ele acrescentou que, após a entrevista do deputado, Alexandre Vieira foi ouvido pelo programa e teve a oportunidade de refutar as acusações de imediato. Toffoli citou ainda trecho de parecer do Ministério Público Federal (MPF), segundo o qual, “a entrevista supostamente desonrosa revela explicações do [então secretário de segurança pública] em relação aos questionamentos que lhe foram feitos”. O parecer arremata que, no caso, “não há o emprego de expressão ofensiva nem injuriosa” e que “portanto, o teor da entrevista tem mero cunho informativo e de crítica”. A queixa-crime, autuada no STF como Inquérito (Inq 2575), acusava o deputado de cometer os crimes de calúnia, difamação e injúria previstos na Lei de Imprensa. Como esses dispositivos da norma foram suspensos pelo STF em fevereiro de 2009, Menezes Direito seguiu a orientação do Plenário do Supremo, que permitiu a tramitação de processos baseados na Lei de Imprensa quando fosse possível aplicar regras dos Códigos Penal e Civil. Por isso, Menezes Direito analisou a queixa-crime contra Bacci com base nos artigos do Código Penal que descrevem os crimes de calúnia (artigo 138), injúria (artigo 140) e difamação (artigo 139).
Divergência
Tanto Marco Aurélio quanto Joaquim Barbosa discordaram da possibilidade de uma denúncia ser analisada, no mérito, e rejeitada por meio de decisão individual de ministro. O ministro Marco Aurélio acrescentou que a queixa-crime cita trechos da entrevista concedida por Bacci que merecem ser examinados pelo plenário, com a possibilidade de as partes se pronunciarem perante o colegiado.
“Estou aqui diante de um quadro que me leva, em primeiro lugar, dizer que a queixa-crime, como a denúncia, a não ser em situação autorizada expressamente pela lei, deve vir ao colegiado, não podendo o relator simplesmente liquidar qualquer dessas peças. Em segundo lugar, o contexto suscita o questionamento para saber se pelo menos se tem aqui o crime menos grave, que é o crime de injúria”, disse Marco Aurélio.
02) Crime contra a honra – Competência – Publicação em periódico – Local da impressão – Publicação na internet – Local onde se encontrar o responsável pela veiculação:
COMPETÊNCIA. INTERNET. CRIMES CONTRA HONRA. (Informativo n.º 434 do STJ)
A Seção entendeu, lastreada em orientação do STF, que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967) não foi recepcionada pela CF/1988.
Assim, nos crimes contra a honra, aplicam-se, em princípio, as normas da legislação comum, quais sejam, o art. 138 e seguintes do CP e o art. 69 e seguintes do CPP. Logo, nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional, deve-se fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão, uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem, de acordo com o art. 70 do CPP. Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na Internet, a competência fixa-se em razão do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias, indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários. Precedentes citados do STF: ADPF 130-DF, DJe 6/11/2009; do STJ: CC 29.886-SP, DJ 1º/2/2008.
STJ - CC 106.625-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/5/2010.
03) Exceção da Verdade - Crime contra autoridade com prerrogativa de foro - Análise de admissibilidade na 1.ª instância:
Notícias do STJ - Publicada em 02/07/2013 - 09h59
DECISÃO - Rcl 7391
Primeira instância pode extinguir exceção da verdade contra autoridade com foro sem julgar mérito
A exceção da verdade contra autoridade com prerrogativa de foro passa por juízo de admissibilidade da primeira instância, que também processa e instrui o feito antes de remetê-lo ao tribunal competente. A decisão, da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mantém a extinção de processo oposto por advogado contra ação penal privada movida por desembargador do Mato Grosso.
A ministra Laurita Vaz afirmou que a exceção da verdade só deve ser remetida à instância superior, para seu julgamento de mérito, se for admitida pelo juízo de instrução.
No caso, a juíza mato-grossense entendeu que a exceção não poderia ter seguimento, porque dizia respeito a outros fatos que não os tidos pelo desembargador como lesivos à sua honra na ação penal privada movida contra o advogado. Por isso, extinguiu o processo sem avaliar seu mérito, considerando o pedido juridicamente impossível.
A relatora do caso no STJ ressaltou que eventual erro na decisão da juíza pela extinção pode ser atacado pelas vias recursais ordinárias.
04) Queixa-crime contra autor de incidente de falsidade de assinatura em processo cível – Descabimento – Ausência de Dolo – Meio autorizado por lei como defesa:
Notícias do STJ - REsp 1023818
Não cabe queixa-crime contra autor de incidente de falsidade (de assinatura) no âmbito cível:
Ânimo de defender um direito sem intenção de caluniar não configura crime
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o trancamento de ação em que um cidadão alegava ter sido alvo de calúnia lançada por outra pessoa, em razão de esta ter ingressado com incidente de falsidade para apurar adulteração de assinatura. Segundo a Sexta Turma, é preciso haver a intenção de ofender a vítima para configurar o crime contra a honra. Além disso, a pessoa que arguiu a falsidade se valeu de um expediente autorizado para defender direito legítimo.
A decisão baseou-se em voto do relator do recurso especial, Ministro Og Fernandes. O incidente se deu no bojo de uma ação de arbitramento de aluguel e foi rejeitado pelo juízo estadual. Com o resultado, o apontado pela suposta falsificação ajuizou queixa-crime por calúnia. Ele entendeu que, em razão do incidente, a pessoa lhe teria atribuído falsamente a conduta definida como “falsificação de documento particular” (artigo 298 do Código Penal).
A queixa-crime foi recebida, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu habeas corpus determinando o trancamento da ação. O TJSP constatou que não se poderia afirmar que a pessoa pretendeu ofender a honra subjetiva do cidadão, até porque ela estaria exercendo direito previsto na legislação civil.
Ao analisar o recurso, a Sexta Turma confirmou o entendimento da segunda instância. Além de não haver demonstração do dolo específico, a intenção da pessoa era de apurar a nulidade de documento produzido em seu desfavor. Ela estaria no exercício de um direito legítimo de ampla defesa, o que não enseja ofensa à honra da outra parte no processo.
O caso: Na hipótese dos autos, o cidadão apôs sua própria assinatura sobre o nome de seu pai na procuração objeto do incidente, porque tinha poderes para tanto, mediante instrumento público outorgado pelo seu pai. Ocorre que essa procuração não fazia qualquer menção ao instrumento público anteriormente outorgado entre pai e filho, razão por que não havia como a outra parte no processo (que moveu o incidente) conhecer a circunstância. Ela comparou as assinaturas e percebeu que deveria constar a assinatura do pai, e não do filho.
05) Crime contra honra de magistrado – Expressões utilizadas por advogados – Limites da representação feita pelo juiz ao Ministério Público – Elemento subordinante – Imunidade judiciária – Natureza relativa:
Crime contra a Honra e Limites da Representação Penal – 1 (Informativo n.º 572 do STF)
A Turma, superando a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu, de ofício, habeas corpus para extinguir, desde a origem, processo penal instaurado contra advogado acusado pela suposta prática de crimes contra a honra de magistrado. No caso, o paciente fora denunciado, com co-réu, pelo Ministério Público Federal como incurso nos artigos 138, 139 e 140, todos c/c o art. 141, II, do CP, em concurso formal, em decorrência de representação formulada por juiz federal que, no exercício de suas funções, sentira-se ofendido em sua honra subjetiva com expressões utilizadas pelo paciente nas razões de apelação por ele apresentadas nos autos de ação penal que tramitava perante aquele juízo. Entendeu-se que a inicial acusatória oferecida pelo parquet teria extrapolado os limites materiais delineados na representação. Salientou-se que esta constitui delatio criminis postulatória, traduzindo elemento subordinante e condicionante do ajuizamento, pelo Ministério Público, da ação penal de que é titular. Consignou-se que, embora o ofendido, em sua representação, tivesse sido claro ao manifestar a sua vontade de que o autor das expressões reputadas contumeliosas respondesse, unicamente, por injúria (CP, art. 140), o órgão ministerial, em ação penal condicionada à representação, agira ultra vires, porquanto ultrapassara os limites materiais previamente definidos em tal peça, dado que procedera a uma ampliação objetiva indevida. Por conseguinte, estaria inválida a mencionada exordial acusatória relativamente aos delitos de calúnia e de difamação (CP, artigos 138 e 139, respectivamente), permanecendo, porém, pertinente ao crime de injúria. HC 98237/SP, rel. Min. Celso de Mello, 15.12.2009. (HC-98237)
Crime contra a Honra e Imunidade Profissional do Advogado – 2
Em seguida, aduziu-se haver outro fundamento da impetração que se revelaria suficiente para afastar, de igual modo, a acusação formulada no que concerne aos delitos de difamação e injúria, qual seja, a imunidade judiciária que o ordenamento pátrio garante, ao advogado, como prerrogativa profissional decorrente da essencialidade do exercício da advocacia.
Mencionou-se, entretanto, que essa inviolabilidade ostenta caráter relativo, pois não é invocável em face dos limites estabelecidos pela lei, em especial, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e pelo Código Penal. Na situação dos autos, reconheceu-se incidente a causa de exclusão da delituosidade (CP, art. 142, I), haja vista que as irrogações decorreram do estrito exercício, pelo paciente, de sua atividade profissional como advogado, eis que as passagens supostamente injuriosas guardariam nexo de causalidade e de pertinência com o objeto do litígio em cujo âmbito o recurso penal fora deduzido (cláusula de imunidade judiciária). Ademais, consideraram-se presentes as denominadas excludentes anímicas — que implicam descaracterização do elemento subjetivo dos crimes contra a honra —, ao se evidenciar no comportamento do paciente a existência do animus defendendi. Por fim, ante a identidade de situações, estenderam-se, também de ofício, os efeitos da decisão ao co-réu.
STF - HC 98237/SP, rel. Min. Celso de Mello, 15.12.2009. (HC-98237)
06) Crime contra a honra – Prescrição – Contagem pelo Código Penal (e não pela Lei de Imprensa):
Notícias do STJ - DECISÃO - 26/02/2010 - 08h59 – Resp 1158071
Prescrição – Contagem pelo CP e não pela Lei de Imprensa:
STJ mantém condenação contra Mainardi por difamação a Paulo Henrique Amorim
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de habeas corpus apresentado por Maurício Ramos Thomaz em favor do jornalista Diogo Mainardi. Apesar de não ser o representante constituído por Mainardi, ele tentava obter o reconhecimento de prescrição de pena imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSD) contra o jornalista. Ele está sendo processado pelo também jornalista Paulo Henrique Amorim, por supostos crimes de injúria e difamação.
No habeas corpus analisado pela Sexta Turma, Maurício Ramos Thomaz invocou a chamada “tese da prescrição retroativa”. Alegou que teria transcorrido o prazo de “mais que o dobro da pena aplicada, a saber, seis meses” entre a data do recebimento da queixa (11 de dezembro de 2006) e o julgamento da apelação que o condenou (18 de agosto de 2008). A condenação do TJSP foi de três meses e 15 dias de detenção.
A Sexta Turma acompanhou por unanimidade o voto do relator, desembargador convocado Celso Limongi. Ele esclareceu que é preciso identificar a lei aplicável ao caso, ou seja, se a prescrição deve ser calculada de acordo com as regras do Código Penal ou nos moldes da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967), norma em que se baseou a queixa apresentada contra Mainardi.
De acordo com o relator, como o TJSP condenou o jornalista baseado no Código Penal (artigos 139 e 140), a prescrição da pena imposta deve ser calculada segundo os critérios estabelecidos nessa lei. Sendo assim, só estaria prescrita a punição com o transcurso de dois anos.
07) Crime contra a honra – Entrevista em jornal de circulação regional – Circunscrição municipal não violada – Vereador:
HONRA. CRIME DE IMPRENSA. LEI 5.250/67. VEREADOR. INVIOLABILIDADE. ART. 29, VI, DA CF/88. O vereador goza de inviolabilidade (art. 29, VI, CF/88), por palavras proferidas no desempenho da representação popular. Ofensas proferidas no recinto da Câmara de Vereadores e entrevista concedida a jornal local, tendo por objeto a atuação administrativa e política do prefeito e secretário da fazenda, estão vinculadas ao interesse público. O conteúdo da entrevista, em jornal regional, em nada altera a situação, pois as palavras foram proferidas na circunscrição do município. Inteligência do art. 29, VI, da CF/88. Apelo improvido. (Apelação Crime Nº 70002381556, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Julgado em 11/02/2004)
08) Crime contra a honra - Disputa eleitoral - Legislação especial - Princípio da especialidade:
EMENTA CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. DECLARAÇÕES PROFERIDAS EM AMBIENTE ELEITORAL E PARA FINS DE PROPAGANDA ELEITORAL. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇAO. ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” NÃO RECONHECIDA. MÉRITO FAVORÁVEL AO ACUSADO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO FAVOR REI. FIGURAS PÚBLICAS. DECLARAÇÕES TEMATICAMENTE PERTINENTES À DIALÉTICA ELEITORAL. ATIPICIDADE DE CONDUTA. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. 1. Os crimes contra a honra previstos nos arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral se perfectibilizam quando as declarações ofensivas ocorrem no contexto de propaganda eleitoral ou para tal efeito e, preenchidas essas elementares objetivas do tipo, preferem aos crimes previstos respectivamente nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, em razão do princípio da especialidade. Emendatio libelli que se realiza na forma do art. 383 do CPP. 2. Natureza pública incondicionada da persecução criminal nos delitos contra a honra previstos na legislação eleitoral. Ilegitimidade ativa ad causam que não se declara no caso concreto, em atenção ao princípio do favor rei, presente a possibilidade de julgamento do mérito favoravelmente ao acusado. 3. A jurisprudência deste STF admite critérios particulares para aferir a ofensa à honra baseados na maior ou menor exposição pública da pessoa ofendida: (...) Ao dedicar-se à militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilit, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários (HC 78.426-6-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1 ª Turma, DJ de 7.5.1999). 4. Declarações no caso concreto compatíveis com a dialética do jogo político, limitadas ao campo das ideias, sem adjetivações nem desqualificação moral do interlocutor, e pertinentes ao ambiente eleitoral em que proferidas, a revelar atipicidade de conduta quanto aos crimes de calúnia, difamação e injúria. 5. Queixa-crime rejeitada com fundamento no artigo 395, III, do CPP.
(STF - Inq 3546, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 30-09-2015 PUBLIC 01-10-2015)
09) Crimes contra a honra - Calúnia, injúria e Difamação - Governador de Estado - Seara Pública - Política - Intervenção mínima - Necessidade de atribuição de fatos certos e determinados:
PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. DELITOS CONTRA A HONRA. GOVERNADOR DE ESTADO. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. AUSÊNCIA DAS ELEMENTARES OBJETIVAS DO TIPO. INJÚRIA. JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.
1. Queixa-crime na qual se imputa a Governador de Estado a suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 138, caput (calúnia), 139, caput (difamação) e 140, caput (injúria), na forma dos arts. 71, caput e 141, III, IV e § 2°, todos do Código Penal.
2. Delitos de calúnia e de difamação não configurados, já que não houve, por parte do querelado, a atribuição de fatos certos e determinados, praticados em determinadas condições de tempo e lugar.
3. A imputação de eventual prática de injúria, principalmente na seara pública, deve ser analisada de forma contextualizada.
4. O jogo político, no Estado de Direito, sujeita as pessoas que exercem ou tenham exercido cargos públicos de natureza política a suportarem maior exposição em certos aspectos, bem como a tolerarem opiniões, ainda que ásperas e rigorosas, quanto à sua atuação na condução da coisa pública. Atipicidade da conduta.
5. À luz do princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve ser adotado como ultima ratio, de forma subsidiária aos demais ramos do Direito.
6. Preliminares afastadas e queixa-crime rejeitada, nos termos do art. 395, I, II e III, do CPP.
(STJ - QC n. 11/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/2024, DJe de 8/10/2024.)
10) Crime contra a honra praticado por Desembargador(a) de TJ - Competência do STJ - Procedimento especial, com aplicação subsidiária do CPP - Querelantes - Legitimidade - Juízo de delibação não exige comprovação do dolo:
QUEIXA-CRIME. ACUSAÇÃO CONTRA DESEMBARGADORA DO TJRJ. PRERROGATIVA DE FORO NO STJ. CRIME DE CALÚNIA CONTRA PESSOA MORTA. QUEIXA PARCIALMENTE RECEBIDA.
1. É do Superior Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar a queixa-crime em questão, que imputa o crime de calúnia a Desembargadora do TJRJ, pois, caso contrário, a Acusada teria de responder perante juiz de direito vinculado ao mesmo Tribunal, o que afrontaria a isenção e independência que norteiam a atividade jurisdicional. Precedentes: QO na APn 878/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/11/2018, DJe 19/12/2018; APn 895/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019.
2. Por se tratar de crime de calúnia contra pessoa morta (art. 138, § 2.º, do Código Penal), os Querelantes - mãe, pai, irmã e companheira em união estável da vítima falecida - são partes legítimas para ajuizar a ação penal privada, nos termos do art. 24, § 1.º, do Código de Processo Penal ("§ 1.º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão").
3. A companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem autorização expressa no art. 3.º do CPP ("A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito").
4. Ademais, "o STF já reconheceu a 'inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico', aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva' [...]". (RE 646721, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017).
5. A despeito do cabimento, em tese, da proposta de suspensão condicional do processo, esta teria de ser ofertada concomitantemente com o ajuizamento da queixa-crime, conforme previsão da norma de regência ("ao oferecer a denúncia [ou queixa], poderá propor a suspensão do processo"). E, no caso, não houve tal proposta pelos Querelantes. Outrossim, a Querelada não se manifestou na primeira oportunidade (na resposta à acusação) sobre seu eventual interesse na proposta. Como se vê, o oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo incumberia exclusivamente aos Querelantes, sendo que a recusa infundada deveria ser alegada na primeira oportunidade que a Defesa tivesse para se pronunciar nos autos, sob pena de preclusão.
6. Se não bastasse, nesse interregno entre o oferecimento da queixa-crime e esta sessão de julgamento para análise do recebimento da acusação, sobreveio o recebimento de outra queixa-crime nos autos da APn 895/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019, pelo crime de injúria. Portanto, por estar respondendo a outra ação penal, a Querelada não preenche um dos requisitos objetivos do art. 89 da Lei n.º 9.099/1995, qual seja, o benefício pode ser oferecido "desde que o acusado não esteja sendo processado [...] por outro crime".
7. "5. Quando várias pessoas denigrem a imagem de alguém, via internet, cada uma se utilizando de um comentário, não há coautoria ou participação, mas vários delitos autônomos, unidos no máximo por conexão probatória. Precedente. 6. A falta de inclusão de autor de comentário autônomo na queixa-crime não configura, pois, renúncia tácita ao direito de queixa" (APn 895/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019).
8. É sabido que ao procedimento especial da Lei n.º 8.038/90 é aplicável, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (§ 5.º do art. 394 do CPP). Contudo, não se verifica nem a hipótese de rejeição liminar da queixa (art. 395 do CPP) nem a de absolvição sumária (art. 397 do CPP).
9. É certo que "O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia" (Apn 473/DF, CORTE ESPECIAL, Rel. Ministro GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008).
10. No entanto, "a inexistência de dolo específico é questão que deve situar-se no âmbito da instrução probatória, por não comportar segura ou precisa análise nesta fase processual, que é de formulação de um simples juízo de delibação. Caso em que as condutas em foco se amoldam, em tese, aos delitos invocados na peça acusatória, sendo que a defesa apresentada pelo querelado não permite concluir, de modo robusto ou para além de toda dúvida razoável, pela improcedência da acusação" (Inq 2036/PA, Tribunal Pleno, Rel.
Ministro CARLOS BRITTO, DJ de 22/10/2004).
11. A conduta da Querelada de divulgar mensagem em rede social, imputando à vítima falecida o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 ("Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa"), configura, em tese, o crime de calúnia.
12. Queixa-crime parcialmente recebida em desfavor da Querelada, como incursa no art. 138, § 2.º, c.c. o art. 141, inciso III, do Código Penal, apenas por ter imputado à vítima falecida o crime do art. 2.º, da Lei n.º 12.850/2013.
(STJ - APn 912/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/08/2019, DJe 22/08/2019)
11) Calúnia contra pessoa jurídica - Descabimento - Queixa-crime rejeitada - Ausência de justa causa - Greenpeace:
Notícias do STF - 01/12/2020 - 15h17
Plenário rejeita queixa-crime do Greenpeace contra ministro do Meio Ambiente
Segundo a relatora, ministra Cármen Lúcia, a conduta de Ricardo Salles se enquadra nos delitos de injúria e calúnia, somente possíveis contra pessoas físicas.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por maioria de votos, queixa-crime por difamação (PET 8481) proposta pelo Greenpeace Brasil contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em decorrência de declarações feitas por ele na internet e à imprensa, quando chamou os ativistas ambientais da organização não governamental de "ecoterroristas", entre outras declarações consideradas ofensivas pela entidade. No julgamento, realizado na sessão virtual concluída em 27/11, prevaleceu o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, segundo o qual os fatos descritos pelos advogados do Greenpeace não correspondem à figura penal da difamação, mas, em tese, aos crimes de injúria e calúnia, que somente se aplicam quando a vítima é pessoa física. Ficaram vencidos o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber.
“Ecoterroristas”
Na queixa-crime, a organização não governamental relatou que o ministro, no contexto do derramamento de óleo do litoral brasileiro ocorrido no ano passado, fez postagens em rede social usando expressões como "terrorista", "ecoterroristas" e "greenpixe" para se referir aos ativistas e à entidade. Também afirmou, em entrevista, que o Greenpeace teria depredado patrimônio público (em referência a um protesto em frente ao Palácio do Planalto) e insinuou possível relação entre um navio da entidade e o derramamento de óleo.
Injúria e calúnia
Com relação à primeira situação, a relatora assinalou que os fatos atribuídos a Salles não se enquadram no tipo penal de difamação, mas no de injúria. “Não há a imputação de fato preciso, concreto e determinado, mas sim de fatos genéricos, de valor depreciativo e de qualidade negativa atribuível à vítima", explicou. Sobre os demais fatos, a relatora afirmou que poderiam, em tese, configurar o crime de calúnia, uma vez que se imputa a eventual prática de crime ou se faz ilação nesse sentido. Ocorre que o STF, ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 83091, decidiu que a prática dos crimes de injúria e calúnia somente é possível quando a vítima é pessoa física. Como o Greenpeace do Brasil é pessoa jurídica, a ministra concluiu que a conduta praticada por Salles, por não configurar o delito de difamação, é atípica, "não havendo justa causa para a instauração da ação penal".
Requisitos
O ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber divergiram da relatora, ao votar pelo recebimento da queixa-crime. Para Fachin, as palavras atribuídas a Salles têm potencial de atingir a honra objetiva da entidade e, segundo ele, a definição dos tipos penais depende da apreciação mais aprofundada das provas que ainda serão produzidas. Ambos entenderam que foram preenchidos minimamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), o que autorizaria a abertura da ação penal para apuração dos fatos narrados.
Processo relacionado: Pet 8481
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456373&tip=UN)
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 53 e 27, ambos da Constituição Federal/1988 - Imunidade parlamentar formal e material.
- Vide: Arts. 519 a 523 do Código de Processo Penal - Rito processual.
- Vide: Arts. 324 e seguintes do Código Eleitoral.
- Vide: Art. 85 do Código de Processo Penal.
"Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade."
- Vide:
"Art. 26 da Lei n.º 7.170/1983 - Lei de Segurança Nacional. Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
- Vide: Lei n.º 7.716/89 - Define os crimes de preconceito de raça, cor, religião, descendência, etnia etc.
- Vide: Lei n.º 12.735/2012 - Delegacias digitais.
"Art. 4.º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado."
Notas:
- Sobre queixa-crime, vide art. 41 e seguintes do Código de Processo Penal.
- A intenção de difamar a honra alheia também é chamada de animus diffamandi (dolo específico).
- O animus jocandi, assim como o narrandi, consulendi ou defendendi, não autorizam o reconhecimento do delito de difamação.
- O crime de difamação consiste na imputação de fato que incide na reprovação ético-social, ferindo, portanto, a reputação do indivíduo, pouco importando que o fato imputado seja ou não verdadeiro (STJ - Apn 390/DF).
- Segundo a jurisprudência do STJ, a pessoa jurídica não pode ser vítima do delito de difamação (vide arestos abaixo).
- Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e imprecisas feitas à pessoa do querelante. (Vide Inq. 1937/DF, julgado pelo STF).
Jurisprudência:
01) Difamação – Atipicidade – Argumentação exposta por juiz de direito a fim de explicar instituto jurídico – Ausência de animus diffamandi:
QUEIXA-CRIME. ATIPICIDADE. DELITOS. (Informativo n.º 415 do STJ - Corte Especial)
Trata-se de queixa-crime oferecida contra desembargadora e juízes de Direito ante a alegada prática dos delitos tipificados, respectivamente, nos arts. 139 e 140 do CP, na forma do art. 70 do mesmo código, sob o argumento de terem os acusados ofendido a honra do querelante. Porém a Corte Especial rejeitou a queixa-crime ao entendimento de que o fato imputado aos querelados não se subsume ao tipo do art. 140, caput, do CP pela ausência do animus injuriandi. Não houve menosprezo ao querelante, nem foi sua honra subjetiva atingida. A resposta dada pelos querelados, embora veemente, nada tem de ofensiva seja à pessoa do querelante seja ao profissional. Quanto à difamação, entendeu a Min. Relatora que o delito requer a presença de dolo específico, qual seja, animus diffamandi. O tipo legal exige uma determinada tendência subjetiva de realizar a conduta típica, a saber: a finalidade de macular a reputação alheia, o ânimo de difamar. É indispensável, porém, o animus diffamandi, que indica o fim de ofender a honra alheia. Não atua com esse elemento subjetivo do tipo quem pratica o fato com animus jocandi, narrandi, consulendi, defendendi etc. A Min. Relatora não identificou o elemento subjetivo capaz de levar à configuração do tipo do art. 139, caput, do CP. As declarações do querelante à imprensa e a nota divulgada pela associação dos magistrados deixam transparecer que os querelados pretenderam corrigir o autor que agrediu o magistrado chamando-o de parcial, ao tempo em que hipotecaram, por intermédio da associação de classe, solidariedade ao colega ofendido sem nenhum escopo de macular a honra objetiva do querelante, fato que conduz à atipicidade do delito de difamação. Sendo assim, falta à peça acusatória o mínimo de plausibilidade, revelando-se ausente a justa causa, condição necessária para o recebimento da inicial acusatória nos termos do art. 395, III, do CPP. A atipicidade da conduta imputada aos querelados foi demonstrada, como ressaltado pelo MPF, diante da inadequação dos tipos objetivo e subjetivo do delito de difamação, revelando-se, portanto, desnecessário e constrangedor o curso do processo, capaz, por si só, de macular a dignidade dos acusados.
STJ - APn 568-AL, Rel. Min. Eliana Calmon, julgada em 12/11/2009.
02) Difamação dirigida a magistrado – Tipicidade reconhecida – Ofensa não irrogada na discussão da causa – Excludente do art. 142 não abrange o juiz:
Difamação e imunidade profissional de advogado (Informativo n.º 633 do STF – Primeira Turma)
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se pleiteava o trancamento da ação penal.
Na espécie, a paciente — condenada pelo crime de difamação — teria ofendido a reputação de magistrada, desmerecendo a sua capacitação funcional, diante dos serventuários e demais pessoas presentes no cartório da vara judicial.
De início, aduziu-se que as alegações de atipicidade da conduta e de inexistência de dolo não poderiam ser apreciadas nesta via, uma vez que, para chegar a conclusão contrária à adotada pelas instâncias ordinárias, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, não admissível nesta sede.
Em seguida, ponderou-se estar diante de fato, em tese, típico, ilícito e culpável, revestido de considerável grau de reprovabilidade.
Ressaltou-se que o comportamento da paciente amoldar-se-ia, em princípio, perfeitamente à descrição legal da conduta que a norma visaria coibir (CP, art. 139).
Desse modo, afirmou-se que não haveria falar em atipicidade da conduta. Ante as circunstâncias dos autos, reputou-se, também, que não se poderia reconhecer, de plano, a ausência do animus difamandi, identificado na sentença condenatória e no acórdão que a confirmara.
No tocante à alegação de que teria agido acobertada pela imunidade conferida aos advogados, asseverou-se que seria inaplicável à espécie a excludente de crime (CP, art. 142), haja vista que a ofensa não teria sido irrogada em juízo, na discussão da causa.
Acrescentou-se que a mencionada excludente não abrangeria o magistrado, que não poderia ser considerado parte na relação processual, para os fins da norma. Frisou-se, também, que a jurisprudência e a doutrina seriam pacíficas nesse sentido, na hipótese de ofensa a magistrado. O Min. Luiz Fux enfatizou que a frase proferida pela advogada encerraria uma lesão penal bifronte.
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Dias Toffoli, que concediam a ordem. Aquele, para assentar a atipicidade da conduta da paciente sob o ângulo penal; este, porquanto afirmava que a difamação estaria expressamente imunizada pelo § 2º do art. 7º do Estatuto da Advocacia.
STF - HC 104385/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 28.6.2011. (HC-104385)
03) Ofensa a magistrado - Reclamação ao CNJ por promotor apresentando expressões maledicentes - Dano moral configurado:
DECISÃO - REsp 1248828
Promotor de Justiça é condenado a indenizar desembargador por dano moral
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de um promotor de Justiça condenado a pagar indenização por danos morais a um desembargador do Amazonas. Ao formular reclamação disciplinar contra o magistrado junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o promotor utilizou expressões que foram consideradas irônicas e fez insinuações tidas por maledicentes, o que gerou o dever de indenizar.
Na reclamação, o promotor questionou duas decisões do desembargador, tomadas em dois habeas corpus. Além de desqualificar o magistrado, ele sugeriu a existência de um conluio no tribunal e a tomada de decisões sem imparcialidade.
Humilhado
Ao analisar a reclamação, o CNJ decidiu que não houve configuração de infração disciplinar ou ilícito penal. A sindicância nem chegou a ser instaurada e a reclamação disciplinar foi arquivada.
O desembargador, no entanto, decidiu processar o promotor de Justiça pelas afirmações feitas na reclamação. Apesar de a reclamação ter sido arquivada, o juízo de primeiro grau entendeu que as afirmações do promotor causaram danos de proporções degradantes ao magistrado, que se sentiu “desolado, humilhado e envergonhado”. A indenização foi fixada em R$ 30 mil.
Interposta apelação, o desembargador relator, monocraticamente, deu parcial provimento ao recurso e reduziu o valor da indenização por danos morais para R$ 20 mil.
Dignidade
A discussão chegou ao STJ em recurso especial. Nos autos, o promotor alegou que "o simples fato de representar contra os agentes públicos perante seus órgãos de controle não basta para causar dano de qualquer natureza ao representado". Disse também que, mesmo que as insinuações fossem tidas por "maledicentes" ou "ofensivas", o desembargador poderia ter requerido que fossem riscadas, conforme estabelece o artigo 15 do Código de Processo Civil (CPC).
Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, reconheceu que qualquer cidadão pode acionar o CNJ para apuração de fatos, como nas reclamações contra magistrados, mas no caso apreciado houve abuso do promotor em seu direito de reclamar, sendo, portanto, de sua inteira responsabilidade o excesso cometido.
“O manto do direito de peticionar não tolera abuso no uso de expressões que ofendam a dignidade do ser humano. O exercício do direito de forma anormal ou irregular deve sofrer reprimenda do ordenamento jurídico”, disse o relator.
Segundo o ministro, o promotor, por meio de vocabulário “vil e depreciativo”, procurou na reclamação ao CNJ desqualificar a atuação do desembargador, além de sugerir a existência de conluio entre ele e seus pares, incluindo o procurador que atuou nos julgamentos, que teriam sido conduzidos com parcialidade, “acabando assim por violar o patrimônio moral do magistrado”.
Valor compatível
Para Salomão, o fato de a reclamação ter sido arquivada não exclui o dano moral, porque “o manuseio da referida reclamação por diversos servidores do CNJ e do TJ local, o ofício assinado por juiz auxiliar da corregedoria, bem como o conhecimento pelo ministro corregedor do CNJ, que veio a determinar o arquivamento do pleito, afastam o caráter reservado e oculto da exordial”.
Quanto ao valor indenizatório de R$ 20 mil, o relator entendeu ser “compatível com a intensidade do sofrimento do recorrido, atentando, também, para as condições socioeconômicas de ambas as partes, nos termos da jurisprudência do STJ”.
A decisão foi confirmada de forma unânime pela Quarta Turma.
04) Difamação – Juíza acusou advogado de difamação por este ter peticionado mencionando que ela se afastou da sala de audiências durante o interrogatório de seu cliente – Atipicidade reconhecida – Ausência de animus difamandi:
ADVOGADO. CRIME DE DIFAMAÇÃO. AUSÊNCIA TEMPORÁRIA DO MAGISTRADO DA SALA DO INTERROGATÓRIO.
O paciente responde à ação penal pelo crime de difamação, por ter afirmado, ao peticionar em processo judicial em que atuava como advogado, que a juíza do feito, ainda que temporariamente, ausentou-se do interrogatório do seu cliente, deixando de assinar o referido ato. Ciente dessa manifestação, a juíza ofereceu representação ao Ministério Público Federal, requerendo que fossem tomadas as medidas criminais cabíveis, originando-se a denúncia pelo crime de difamação. A Turma concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal por atipicidade da conduta do paciente, por não ter sido caracterizado o animus difamandi, consistente no especial fim de difamar, na intenção de ofender, na vontade de denegrir, no desejo de atingir a honra do ofendido, sem o qual não se perfaz o elemento subjetivo do tipo penal em testilha, impedindo que se reconheça a configuração do delito. Precedentes citados: APn 603-PR, DJe 14/10/2011, e APn 599-MS, DJe 28/6/2010.
STJ - HC 202.059-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/2/2012.
05) Exceção da verdade - Crime contra autoridade com prerrogativa de fogo - Análise de admissibilidade na 1ª instância:
Notícias do STJ - Publicada em: 02/07/2013 - 09h59
DECISÃO - Rcl 7391
Primeira instância pode extinguir exceção da verdade contra autoridade com foro sem julgar mérito
A exceção da verdade contra autoridade com prerrogativa de foro passa por juízo de admissibilidade da primeira instância, que também processa e instrui o feito antes de remetê-lo ao tribunal competente. A decisão, da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mantém a extinção de processo oposto por advogado contra ação penal privada movida por desembargador do Mato Grosso.
A ministra Laurita Vaz afirmou que a exceção da verdade só deve ser remetida à instância superior, para seu julgamento de mérito, se for admitida pelo juízo de instrução.
No caso, a juíza mato-grossense entendeu que a exceção não poderia ter seguimento, porque dizia respeito a outros fatos que não os tidos pelo desembargador como lesivos à sua honra na ação penal privada movida contra o advogado. Por isso, extinguiu o processo sem avaliar seu mérito, considerando o pedido juridicamente impossível.
A relatora do caso no STJ ressaltou que eventual erro na decisão da juíza pela extinção pode ser atacado pelas vias recursais ordinárias.
06) Difamação proferida por civil contra militar – Competência da Justiça Estadual Comum:
Notícias do STF - Publicada terça-feira, 22 de outubro de 2013
Acusada de injúria e difamação contra militar será julgada pela Justiça Comum
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, deferiu o Habeas Corpus (HC) 116780 declarando a incompetência da Justiça Militar para processar uma civil acusada de difamação e injúria contra um oficial da Aeronáutica. O julgamento do caso foi retomado na sessão desta terça-feira (22) com o voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso, que seguiu a relatora do processo, ministra Rosa Weber.
Na sessão do dia 1º de outubro, ao conceder o HC, a ministra destacou que, embora a competência da Justiça Militar não se restrinja aos integrantes das Forças Armadas, ela deve ser interpretada restritivamente quanto ao julgamento de civil em tempos de paz por seu caráter anômalo. “O STF já assentou que o cometimento de delito militar por agente civil em tempos de paz se dá em caráter excepcional, para os casos em que a ofensa ao bem jurídico tutelado recaia sobre a função de natureza militar como a defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da Lei e da ordem”, sustentou a relatora em seu voto.
Segundo os autos, durante consulta na clínica odontológica da Base Aérea de Fortaleza, a paciente civil teceu comentários depreciativos à conduta clínica de um segundo-tenente dentista que a atendera em caráter emergencial. Inconformada por ter perdido o dente, a paciente afirmou que o militar “não tinha conduta como oficial e que, como dentista, não sabia fazer os procedimentos odontológicos e não era profissional”.
Em seguida, enviou e-mail ao comandante da Base Aérea relatando o episódio e reclamando do profissional, usando termos ofensivos e agressivos, o que motivou a denúncia pela suposta prática dos crimes de difamação e injúria, oferecida pelo Ministério Público Militar. O Conselho Permanente de Justiça para a Aeronáutica acolheu a preliminar de incompetência suscitada pela Defensoria Pública da União. Contudo, o Superior Tribunal Militar deu provimento a recurso do Ministério Público e definiu a competência da Justiça Militar.
De acordo com a relatora, não é possível enxergar na conduta da civil – ofensa às instituições militares, o que determinaria a fixação da competência da Justiça Castrense para o julgamento do processo. A ministra entendeu que as supostas ofensas proferidas e fatos difamatórios narrados na denúncia teriam sido proferidos em razão da conduta do ofendido durante atendimento odontológico à acusada, razão pela qual teriam ficado limitados à esfera pessoal da vítima.
O ministro Luiz Fux também seguiu o entendimento da relatora, formando a maioria para a concessão do HC.
Divergência
Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli votaram pela competência da Justiça Militar para julgar a ação penal. Eles entenderam pela aplicabilidade do artigo 9º, inciso III, do Código Penal Militar, que confere à Justiça castrense competência para julgar crimes praticados “em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo”.
Processo relacionado: HC 116780
07) Difamação - Vítima pessoa jurídica - Impossibilidade:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. C. PENAL. SÚMULA 83-STJ.
Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, nos crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não se inclui a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, (Cap. IV do Título I) só se protege a honra das pessoas físicas. (Precedentes).
Agravo desprovido.
(STJ - AgRg no Ag 672.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2005, DJ 17/10/2005, p. 335)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA.
Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, os crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não incluem a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, só protegem a honra das pessoas físicas (Precedentes). Recurso provido.
(STJ - REsp 603.807/RN, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 278)
CRIMINAL. RESP. DIFAMAÇÃO. SUJEITO PASSIVO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
I - A jurisprudência desta Corte, sem recusar à pessoa jurídica o direito à reputação, é firmada no sentido de que os crimes contra a honra só podem ser cometidos contra pessoas físicas.
II - Eventuais ofensas à honra das pessoas jurídicas devem ser resolvidas na esfera cível.
III - Recurso desprovido.
(STJ - REsp 493.763/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/08/2003, DJ 29/09/2003, p. 318)
AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. PROCESSUAL PENAL. INTERPELAÇÃO JUDICIAL. LEI DE IMPRENSA. CRIME DE INJÚRIA. SUJEITO PASSIVO: PESSOA JURÍDICA. 1. A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia, sujeitando-se apenas à imputação de difamação. Precedentes. 2. Cuidando-se de situação em que caracterizado, em tese, crime de injúria, é incabível a ação penal que tenha por objeto a apuração de ofensa à honra de pessoa jurídica de direito público. Conseqüência: inviabilidade de prosseguimento da medida preparatória de interpelação judicial. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF - Pet 2491 AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2002, DJ 14-06-2002 PP-00127 EMENT VOL-02073-01 PP-00197)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. ARTIGO 139 DO CÓDIGO PENAL. MANTIDA DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A QUEIXA-CRIME. A questão relativa à impossibilidade de figurar a pessoa jurídica como vítima dos crimes contra à honra já foi objeto de exame por esta Turma Recursal: MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. ART. 138 DO CÓDIGO PENAL. ILEGITIMIDADE DA PESSOA JURÍDICA. À exceção dos crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, cuja previsão encontra-se no art. 173, §5º, da Constituição Federal, bem como dos crimes contra o meio ambiente, de que trata a Lei 9.605/98, a pessoa jurídica é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação penal. Inexiste no ordenamento jurídico pátrio possibilidade de ser imputada a ente fictício a prática de crime contra a honra. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Crime Nº 71005734108, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em 26/10/2015) Hipótese em que as ofensas supostamente proferidas na Internet (Facebook), foram dirigidas contra o estabelecimento "Bar Cordel Rock Café", que não apenas figura como querelante, mas que narrou, na peça acusatória, que as palavras tinham o objetivo de atingir o referido estabelecimento. ofensas proferidas são dirigidas contra o estabelecimento de propriedade do querelante, que busca indenização por dano moral, o que deve ser pleiteado na esfera cível. RECURSO IMPROVIDO.(Recurso Crime, Nº 71005599360, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em: 05-04-2016)
08) Difamação - Vítima pessoa jurídica - Admissibilidade:
LEGITIMIDADE - QUEIXA-CRIME - CALÚNIA - PESSOA JURÍDICA - SÓCIO-GERENTE. A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia. A imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia. QUEIXA-CRIME - RECEBIMENTO - ESPECIFICAÇÃO DO CRIME. O pronunciamento judicial de recebimento da queixa-crime há de conter, necessariamente, a especificação do crime. AÇÃO PENAL PRIVADA - INDIVISIBILIDADE. A iniciativa da vítima deve direcionar-se à condenação dos envolvidos, estendendo-se a todos os autores do crime a renúncia ao exercício do direito de queixa em relação a um deles. QUEIXA-CRIME - ERRONIA NA DEFINIÇÃO DO CRIME. A exigência de classificação do delito na queixa-crime não obstaculiza a incidência do disposto nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal. QUEIXA-CRIME - ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - NARRATIVA - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. O fato de o integrante do Ministério Público, em entrevista jornalística, informar o direcionamento de investigações, considerada suspeita de prática criminosa, cinge-se à narrativa de atuação em favor da sociedade, longe ficando de configurar o crime de calúnia.
(STF - RHC 83091, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 05/08/2003, DJ 26-09-2003 PP-00012 EMENT VOL-02125-02 PP-00361)
09) Difamação - Vítima dirigente de pessoa jurídica - Ofensa não pode ser presumida ou superficialmente deduzida - Ausência de justa causa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS.
DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. DIRIGENTE DE EMPRESA. FALTA DE JUSTA CAUSA.
I - Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, os crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não incluem a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, só protegem a honra das pessoas físicas (Precedentes).
II - Quanto aos dirigentes das pessoas jurídicas, a ofensa, ou pretensa ofensa, não pode ser presumida ou superficialmente deduzida. Ela deve ser de ordem pessoal. Aqui, no caso, além da falta de justa causa, a peça vestibular acusatória é inepta.
Recurso provido, trancando-se a ação penal.
(STJ - RHC 8.859/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/11/1999, DJ 13/12/1999, p. 161)
10) Crime contra a honra - Disputa eleitoral - Legislação especial - Princípio da especialidade:
EMENTA CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. DECLARAÇÕES PROFERIDAS EM AMBIENTE ELEITORAL E PARA FINS DE PROPAGANDA ELEITORAL. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇAO. ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” NÃO RECONHECIDA. MÉRITO FAVORÁVEL AO ACUSADO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO FAVOR REI. FIGURAS PÚBLICAS. DECLARAÇÕES TEMATICAMENTE PERTINENTES À DIALÉTICA ELEITORAL. ATIPICIDADE DE CONDUTA. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. 1. Os crimes contra a honra previstos nos arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral se perfectibilizam quando as declarações ofensivas ocorrem no contexto de propaganda eleitoral ou para tal efeito e, preenchidas essas elementares objetivas do tipo, preferem aos crimes previstos respectivamente nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, em razão do princípio da especialidade. Emendatio libelli que se realiza na forma do art. 383 do CPP. 2. Natureza pública incondicionada da persecução criminal nos delitos contra a honra previstos na legislação eleitoral. Ilegitimidade ativa ad causam que não se declara no caso concreto, em atenção ao princípio do favor rei, presente a possibilidade de julgamento do mérito favoravelmente ao acusado. 3. A jurisprudência deste STF admite critérios particulares para aferir a ofensa à honra baseados na maior ou menor exposição pública da pessoa ofendida: (...) Ao dedicar-se à militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilit, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários (HC 78.426-6-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1 ª Turma, DJ de 7.5.1999). 4. Declarações no caso concreto compatíveis com a dialética do jogo político, limitadas ao campo das ideias, sem adjetivações nem desqualificação moral do interlocutor, e pertinentes ao ambiente eleitoral em que proferidas, a revelar atipicidade de conduta quanto aos crimes de calúnia, difamação e injúria. 5. Queixa-crime rejeitada com fundamento no artigo 395, III, do CPP.
(STF - Inq 3546, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 30-09-2015 PUBLIC 01-10-2015)
11) Crimes contra a honra - Calúnia, injúria e Difamação - Governador de Estado - Seara Pública - Política - Intervenção mínima - Necessidade de atribuição de fatos certos e determinados:
PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. DELITOS CONTRA A HONRA. GOVERNADOR DE ESTADO. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. AUSÊNCIA DAS ELEMENTARES OBJETIVAS DO TIPO. INJÚRIA. JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.
1. Queixa-crime na qual se imputa a Governador de Estado a suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 138, caput (calúnia), 139, caput (difamação) e 140, caput (injúria), na forma dos arts. 71, caput e 141, III, IV e § 2°, todos do Código Penal.
2. Delitos de calúnia e de difamação não configurados, já que não houve, por parte do querelado, a atribuição de fatos certos e determinados, praticados em determinadas condições de tempo e lugar.
3. A imputação de eventual prática de injúria, principalmente na seara pública, deve ser analisada de forma contextualizada.
4. O jogo político, no Estado de Direito, sujeita as pessoas que exercem ou tenham exercido cargos públicos de natureza política a suportarem maior exposição em certos aspectos, bem como a tolerarem opiniões, ainda que ásperas e rigorosas, quanto à sua atuação na condução da coisa pública. Atipicidade da conduta.
5. À luz do princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve ser adotado como ultima ratio, de forma subsidiária aos demais ramos do Direito.
6. Preliminares afastadas e queixa-crime rejeitada, nos termos do art. 395, I, II e III, do CPP.
(STJ - QC n. 11/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/2024, DJe de 8/10/2024.)
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
§ 1.º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2.º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a 01 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3.º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Redação anterior:
"§ 3.º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)"
"Pena - reclusão de 01 (um) a 03 (três) anos e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.459, de 1997)"
"§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)"
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 7.716/89 - Define os crimes de preconceito de raça, cor, religião, descendência e etnia, incluindo o crime de injúria racial a partir da entrada em vigor da Lei n. 14.532/2023.
- Vide: Arts. 53 e 27, ambos da Constituição Federal/1988 - Imunidade parlamentar formal e material.
- Vide: Arts. 519 a 523 do Código de Processo Penal - Rito processual.
- Vide: Art. 1.º da Constituição Federal/1988
"Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana; (...)"
- Vide: Art. 3.º da Constituição Federal/1988
"Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
- Vide: Art. 5.º da Constituição Federal/1988
"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;"
- Vide: Lei n.º 7.853/1989 - Tutela pessoas portadoras de deficiência; integração social; prevê crimes e atuação jurisdicional.
- Vide: Art. 88 da Lei n.º 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - crime de discriminação.
- Vide: Arts. 324 e seguintes do Código Eleitoral.
- Vide: Art. 85 do Código de Processo Penal.
"Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade."
- Vide: Lei n.º 12.260/2016 - Disciplina o terrorismo e organização terrorista.
- Vide: Lei n.º 12.735/2012 - Delegacias digitais.
"Art. 4.º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado."
- Vide: Decreto n.º 10.932/2022 - Promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013.
Notas:
- Atenção: A injúria racial antes prevista neste artigo (até a Lei n. 14.523/2023) era crime de ação pública condicionada (mediante representação), conforme a nova redação do art. 145, parágrafo único, do CP.
- Sobre queixa-crime, vide art. 41 e seguintes do Código de Processo Penal.
- Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e imprecisas feitas à pessoa do querelante. (Vide Inq. 1937/DF, julgado pelo STF).
- O crime de injúria racial é imprescritível, segundo decidido pelo STF (vide aresto abaixo).
Jurisprudência:
01) Crime de injúria racial - Infração penal imprescritível:
Notícias do STF - 28/10/2021 - 20h45
Injúria racial é crime imprescritível, decide STF
Para a maioria do Plenário, a injúria configura um dos tipos de racismo.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (28), que o crime de injúria racial configura um dos tipos penais de racismo e é imprescritível. Por maioria de votos, o colegiado negou o Habeas Corpus (HC) 154248, em que a defesa de uma mulher condenada por ter ofendido uma trabalhadora com termos racistas pedia a declaração da prescrição da condenação, porque tinha mais de 70 anos quando a sentença foi proferida.
Injúria qualificada
L.M.S., atualmente com 80 anos, foi condenada, em 2013, a um ano de reclusão e 10 dias-multa pelo juízo da Primeira Vara Criminal de Brasília (DF) por ter ofendido uma frentista de posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria qualificada pelo preconceito (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Ao analisar recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o crime de injúria racial seria uma categoria do crime de racismo, que é imprescritível.
Equivalência
Em voto apresentado em novembro de 2020, o relator do HC, ministro Edson Fachin, concordou com o entendimento do STJ e negou o habeas corpus. Segundo o ministro, com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de representação da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII).
Prescrição
Único a divergir, o ministro Nunes Marques considerou que os crimes de racismo e injúria racial não se equiparam, o que possibilita a decretação da prescrição.
Crime inafiançável
Em voto-vista apresentado nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes observou que a Constituição é explícita ao declarar que o racismo é crime inafiançável, sem fazer distinção entre os diversos tipos penais que configuram essa prática. O ministro lembrou que, segundo os fatos narrados nos autos, a conduta praticada por L.M.S. foi uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em relação à condição de negra da vítima. “Como dizer que isso não é a prática de racismo?”, indagou.
Inferiorização da vítima
Segundo ele, não é possível reconhecer a prescrição em um caso em que foi demonstrado que a agressora pretendeu, claramente, inferiorizar sua vítima. Ele considera necessário interpretar de forma plena o que é previsto pela Constituição quanto ao crime de racismo, incluindo a imprescritibilidade, para produzir resultados efetivos para extirpar essa prática, “promovendo uma espécie de compensação pelo tratamento aviltante dispensado historicamente à população negra no Brasil e viabilizando um acesso diferenciado à responsabilização penal daqueles que, tradicionalmente, vêm desrespeitando os negros”, afirmou.
Racismo estrutural
No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso observou que, embora com atraso, o país está reconhecendo a existência do racismo estrutural. Ele salientou que não são apenas as ofensas, pois muitas vezes a linguagem naturalizada embute um preconceito. “Não podemos ser condescendentes com essa continuidade de práticas e de linguagem que reproduzem o padrão discriminatório”, disse.
Também para a ministra Rosa Weber, as ofensas decorrentes da raça, da cor, da religião, da etnia ou da procedência nacional se inserem no âmbito conceitual do racismo e, por este motivo, são inafiançáveis e imprescritíveis.
Dignidade
No mesmo sentido, a ministra Cármen Lúcia considera que, nesse caso, o crime não é apenas contra a vítima, pois a ofensa é contra a dignidade do ser humano. Ela ressaltou que, de acordo com o Atlas da Violência, em 2018, os negros foram 75,7% das vítimas de homicídio. “Vivemos numa sociedade na qual o preconceito é enorme, e o preconceito contra pessoas negras é muito maior”, apontou.
Tratados internacionais
O ministro Ricardo Lewandowski salientou que a Constituição, ao estabelecer que a prática de racismo é imprescritível, não estipulou nenhum tipo penal. Segundo ele, isso ocorre porque, ao longo do tempo, essas condutas criminosas se diversificam e é necessário que os delitos específicos sejam definidos pelo Congresso Nacional. Lewandowski também lembrou que o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais em que se compromete a combater o racismo.
O ministro Dias Toffoli também acompanhou o entendimento pela imprescritibilidade do delito de injúria racial.
Efetividade das normas
Para o ministro Luiz Fux , presidente do STF, a discussão sobre a questão racial veio se desenvolvendo para assegurar proteção às pessoas negras e vem passando por uma série de mutações, alcançando uma dimensão social, e não meramente biológica. “As normas constitucionais dessa sociedade, que já foi escravocrata durante 400 anos e um péssimo exemplo para todo o mundo, só se podem tornar efetivas através não só da previsão em abstrato, mas da punição”, afirmou.
Processo relacionado: HC 154248
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=475646)
02) Injúria racial vs. Crime de racismo – Legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação penal – Crime em aeronave – Competência da Justiça Federal:
Injúria Preconceituosa e Legitimidade do Ministério Público - 1 (Informativo n.º 497 do STF – Primeira Turma)
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor de 2 cidadãos norte-americanos que pleiteavam o trancamento de ação penal contra eles instaurada pela suposta prática do ato de preconceito de procedência nacional (Lei 7.716/89, art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”). No caso, durante vôo internacional, um dos pacientes, com o incentivo de seu colega, também comissário de bordo, teria supostamente ofendido um passageiro brasileiro. Alegava a impetração: a) ilegitimidade do Ministério Público Federal para propor a ação penal, porque os fatos narrados na inicial configurariam, em tese, o crime previsto no art. 140, § 3º, do CP, de iniciativa do ofendido, e não o delito de injúria preconceituosa; e b) falta de justa causa para a ação penal, pois não haveria, nos autos, prova material suficiente para embasar a imputação. HC 90187/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 4.3.2008. (HC-90187)
Injúria Preconceituosa e Legitimidade do Ministério Público - 2
Entendeu-se que, na espécie, a questão relativa à legitimidade ad causam do MPF se confundiria com a própria necessidade de se instruir a ação penal, haja vista que seria no momento da prolação da sentença que o juiz poderia confirmar o tipo penal indicado na inicial acusatória ou, se reputar conveniente, desclassificar a conduta descrita, nos termos previstos no art. 383 (emendatio libelli) ou no art. 384 (mutatio libelli) do CPP. Dessa forma, concluiu-se que qualquer capitulação jurídica feita sobre um fato na denúncia é sempre provisória até a sentença, tornando-se definitiva apenas no instante decisório final. Logo, não caberia ao STF, em habeas corpus, antecipar-se ao magistrado de primeiro grau e, antes de iniciada a instrução criminal, firmar juízo de valor sobre as provas indiciárias trazidas aos autos para tipificar a conduta criminosa descrita. Rejeitou-se, de igual modo, o argumento de ausência de justa causa para a ação penal, porquanto existiriam elementos concretos suficientes com relação aos pacientes para amparar a denúncia, nos moldes em que fora proposta, e ensejar a continuidade da persecução penal. Ademais, salientou-se a jurisprudência consolidada da Corte no sentido de que o trancamento da ação penal por tal motivo, em sede de habeas corpus, constitui medida excepcional que, em princípio, não tem lugar quando os fatos narrados na denúncia caracterizam crime em tese. Enfatizou-se, por fim, que o contraditório se desenvolveria na ação penal, na qual produzidos os elementos de convicção do julgador e garantidos aos pacientes todos os meios de defesa constitucionalmente previstos. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por considerar que a definição sobre tratar-se de ação penal pública ou privada não dependeria de prova posterior, mas da descrição do fato narrado, deferia o writ para assentar que a presente ação necessitaria da iniciativa da vítima (CP, art. 141, § 3º) e que, no tocante ao segundo paciente, não se teria peça hábil a chegar-se a persecução criminal, já que deficiente quanto à exposição do verbo “incitar”.
STF - HC 90187/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 4.3.2008. (HC-90187)
03) Injúria racial - Inconstitucionalidade do tipo não reconhecida pelo STF em sede de habeas corpus:
Injúria qualificada e proporcionalidade da pena - 2
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma denegou habeas corpus em que se alegava a desproporcionalidade da pena prevista em abstrato quanto ao tipo qualificado de injúria, na redação dada pela Lei 10.741/2003 (“Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: ... § 3º. Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa”) — v. Informativo 631.
Preliminarmente, indeferiu-se, por maioria, questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de que a matéria fosse submetida ao Plenário, diante da arguição de inconstitucionalidade do preceito. Afirmou-se que a mera arguição de inconstitucionalidade feita pelo impetrante em sede de habeas corpus não ensejaria o deslocamento, de forma automática e incondicional, para o Plenário do STF, pois seria necessário juízo prévio de relevância, que justificasse o conhecimento do writ pelo Tribunal Pleno, conforme o art. 176, § 1º, do RISTF.
Vencido o suscitante. Destacou-se que o tipo qualificado de injúria teria como escopo a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana como postulado essencial da ordem constitucional, ao qual estaria vinculado o Estado no dever de respeito à proteção do indivíduo. Observou-se que o legislador teria atentado para a necessidade de se assegurar prevalência desses princípios. Asseverou-se que o impetrante pretenderia o trancamento da ação penal ao sustentar a inconstitucionalidade do art. 140, § 3º, do CP, questão não enfrentada em recurso especial no STJ.
HC 109676/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 11.6.2013. (HC-109676)
04) Injúria praticada por civil contra agente militar – Competência da Justiça Estadual Comum:
Notícias do STF: Terça-feira, 22 de outubro de 2013
Acusada de injúria e difamação contra militar será julgada pela Justiça Comum
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, deferiu o Habeas Corpus (HC) 116780 declarando a incompetência da Justiça Militar para processar uma civil acusada de difamação e injúria contra um oficial da Aeronáutica. O julgamento do caso foi retomado na sessão desta terça-feira (22) com o voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso, que seguiu a relatora do processo, ministra Rosa Weber.
Na sessão do dia 1º de outubro, ao conceder o HC, a ministra destacou que, embora a competência da Justiça Militar não se restrinja aos integrantes das Forças Armadas, ela deve ser interpretada restritivamente quanto ao julgamento de civil em tempos de paz por seu caráter anômalo. “O STF já assentou que o cometimento de delito militar por agente civil em tempos de paz se dá em caráter excepcional, para os casos em que a ofensa ao bem jurídico tutelado recaia sobre a função de natureza militar como a defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da Lei e da ordem”, sustentou a relatora em seu voto.
Segundo os autos, durante consulta na clínica odontológica da Base Aérea de Fortaleza, a paciente civil teceu comentários depreciativos à conduta clínica de um segundo-tenente dentista que a atendera em caráter emergencial. Inconformada por ter perdido o dente, a paciente afirmou que o militar “não tinha conduta como oficial e que, como dentista, não sabia fazer os procedimentos odontológicos e não era profissional”.
Em seguida, enviou e-mail ao comandante da Base Aérea relatando o episódio e reclamando do profissional, usando termos ofensivos e agressivos, o que motivou a denúncia pela suposta prática dos crimes de difamação e injúria, oferecida pelo Ministério Público Militar. O Conselho Permanente de Justiça para a Aeronáutica acolheu a preliminar de incompetência suscitada pela Defensoria Pública da União. Contudo, o Superior Tribunal Militar deu provimento a recurso do Ministério Público e definiu a competência da Justiça Militar.
De acordo com a relatora, não é possível enxergar na conduta da civil – ofensa às instituições militares, o que determinaria a fixação da competência da Justiça Castrense para o julgamento do processo. A ministra entendeu que as supostas ofensas proferidas e fatos difamatórios narrados na denúncia teriam sido proferidos em razão da conduta do ofendido durante atendimento odontológico à acusada, razão pela qual teriam ficado limitados à esfera pessoal da vítima.
O ministro Luiz Fux também seguiu o entendimento da relatora, formando a maioria para a concessão do HC.
Divergência
Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli votaram pela competência da Justiça Militar para julgar a ação penal. Eles entenderam pela aplicabilidade do artigo 9º, inciso III, do Código Penal Militar, que confere à Justiça castrense competência para julgar crimes praticados “em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo”.
HC 116780
05) Injúria no âmbito doméstico por divergência eleitoral – Competência da Justiça Comum, ainda que o fato se dê às vésperas da eleição:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PENAL RELACIONADA A INJÚRIA MOTIVADA POR DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS ÀS VÉSPERAS DE ELEIÇÃO. (Informativo n.º 454 do STJ – Terceira Seção)
Compete à Justiça Comum Estadual – e não à Justiça Eleitoral – processar e julgar injúria cometida no âmbito doméstico, desvinculada, direta ou indiretamente, de propaganda eleitoral, ainda que motivada por divergências políticas às vésperas de eleição.
De fato, o crime previsto no art. 326 do Código Eleitoral possui nítida simetria com o crime de injúria previsto no art. 140 do CP, mas com este não se confunde, distinguindo-se, sobretudo, pelo acréscimo de elementares objetivas à figura típica, que acabou por resultar em relevante restrição à sua aplicação, refletindo, também por isso, na maior especialização do objeto jurídico tutelado. Para que se visualize a distinção entre ambos os delitos, convém que se reproduzam os textos legais: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:[...]” e “Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro:[...]”. Como se vê, a injúria eleitoral somente se perfectibiliza quando a ofensa ao decoro ou à dignidade ocorrer na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. Ou seja, a caracterização do crime de injúria previsto na legislação eleitoral exige, como elementar do tipo, que a ofensa seja perpetrada na propaganda eleitoral ou vise fins de propaganda (TSE, HC 187.635-MG, DJe de 16/2/2011), sob pena de incorrer-se no crime de injúria comum. Ademais, há de se ressaltar que, na injúria comum, tutela-se a honra subjetiva, sob o viés da dignidade ou decoro individual, e, na injúria eleitoral, protegem-se esses atributos ante o interesse social, que se extrai do direito subjetivo dos eleitores à lisura da competição eleitoral ou do “inafastável aprimoramento do Estado Democrático de Direito e o direito dos cidadãos de serem informados sobre os perfis dos candidatos, atendendo-se à política da transparência” (STF, Inq 1.884-RS, Tribunal Pleno, DJ 27/8/2004). CC 134.005-PR. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/6/2014.
06) Queixa-crime - Legitimidade - Esposa pode ajuizar ação penal em razão de postagem ofensiva a seu cônjuge - Ofensa reflexa:
Notícias do STF (disponível em: www.stf.jus.br)
Terça-feira, 09 de outubro de 2018
1ª Turma: esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de postagem que sugere relação extraconjugal do marido
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada nesta terça-feira (9), deu provimento a agravo regimental na Petição (PET) 7417 e decidiu dar prosseguimento à queixa-crime por injúria apresentada por Sámya Rocha, esposa do deputado federal Weverton Rocha (PDT-MA), contra o senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Segundo os autos, Sámya se sentiu ofendida em razão de uma publicação feita pelo senador no Twitter insinuando a existência de uma relação amorosa homoafetiva entre o parlamentar federal e o presidente do PDT, Carlos Lupi. Por maioria de votos, os ministros entenderam que, apesar de a suposta ofensa ter sido dirigida ao deputado, sua mulher tem legitimidade para propor a ação penal, uma vez que pode ter sido ofendida de forma reflexa.
Em postagem no Twitter, o Roberto Rocha afirmou: “Não entendo o motivo dos constantes ataques que me fazem os pedetistas Lupi e Weverton. Logo eu que sempre torci pela felicidade do casal”. Para Sámya, o senador teria agido no intuito de atingir a honra e a reputação do deputado e também a imagem pública de sua relação conjugal. Ela afirma ainda que o senador, ao insinuar a existência de um relacionamento extraconjugal de seu marido, teria manifestado um pensamento que ofende a imagem que ela tem de si, chamando-a de mulher traída.
O agravo regimental foi interposto por Sámya Rocha contra decisão do relator da PET 7417, ministro Luiz Fux, que havia determinado o arquivamento do processo. Na sessão de hoje, o ministro votou pelo desprovimento do agravo, mantendo sua decisão. Segundo ele, como a suposta ofensa foi dirigida ao deputado federal, apenas ele teria legitimidade para oferecer a queixa-crime. Seu entendimento foi acompanhado pelo ministro Roberto Barroso, que também entendeu não haver legitimidade da esposa, pois não teria havido intenção de ofendê-la. Para Barroso, a intenção do senador seria a de ofender o deputado, sem mencionar a mulher.
O ministro Marco Aurélio abriu a divergência, dando provimento ao agravo para que a tramitação da queixa-crime tivesse prosseguimento. Em seu entendimento, a afirmação do senador, caso comprovado o dolo, pode configurar injúria reflexa à honra da mulher do deputado federal, conferindo a ela legitimidade ativa para propor a ação penal.
O ministro Alexandre de Moraes observou que a imputação por injúria ocorre quando a pessoa se sente ofendida em sua honra subjetiva, ou seja, o que os ofendidos pensam de si. Ele destacou que a mulher não está substituindo o deputado federal ao propor a ação penal, já que ela se sentiu ofendida pela insinuação de que seu marido formaria um casal com outra pessoa. Para o ministro Alexandre, se ela tem razão ou não ao se sentir ofendida é uma questão de mérito a ser decidida na ação penal, e negar a legitimidade para propor o feito seria impedir que se possa discutir os limites da honra subjetiva.
Ele citou o jurista Nelson Hungria, segundo o qual, quando se chama um homem de “corno”, embora esteja sendo imputado algo à honra da mulher, ele também se sente ofendido. “Se se reconhece, desde a década de 1960, que, quando se imputa um fato desonroso à mulher, mas chamando o marido de corno, isso ofende a honra subjetiva dele, por que o inverso não seria verdadeiro?”
A ministra Rosa Weber também acompanhou a divergência. Para ela, independentemente do gênero, o cônjuge tem legitimidade ativa para apresentar queixa-crime quando uma conduta imputada a seu parceiro faça com que a pessoa se sinta ofendida.
Processo relacionado: Pet 7417
DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL PRIVADA (Informativo n.º 919 do STF – Primeira Turma)
Injúria e legitimidade ativa do cônjuge
A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para reconhecer a legitimidade ativa ad causam de mulher de deputado federal para formalizar queixa-crime com imputação do crime de injúria, prevista no art. 140 (1) do Código Penal (CP), em tese perpetrada por senador contra a honra de seu marido. Determinou, por conseguinte, o prosseguimento da ação penal.
Na queixa-crime, a querelante se diz ofendida com a declaração do querelado, no Twitter, na qual insinua que seu marido mantém relação homossexual extraconjugal com outro parlamentar.
A Turma considerou que a afirmação do senador pode configurar injúria contra a honra da mulher do deputado federal, em face da apontada traição, o que lhe confere a legitimidade ativa. Citou, ademais, entendimento doutrinário que reconhece a legitimidade ativa do homem casado que é chamado de “corno” em relação a conduta desonrosa atribuída a sua mulher. Concluiu que o mesmo tratamento deve ser dado a uma mulher que se sente ofendida, em decorrência de alegada traição.
Vencidos os ministros Luiz Fux (relator) e Luís Roberto Barroso, que desproveram o recurso e mantiveram a decisão agravada. Para eles, em razão de a suposta ofensa ter sido dirigida ao deputado federal, não havendo sido sequer mencionada a sua mulher, apenas o parlamentar teria legitimidade para oferecer a queixa-crime.
1. CP: “Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Pet 7417 AgR/DF, rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9.10.2018. (Pet-7417)
07) Crime contra a honra - Disputa eleitoral - Legislação especial - Princípio da especialidade:
EMENTA CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. DECLARAÇÕES PROFERIDAS EM AMBIENTE ELEITORAL E PARA FINS DE PROPAGANDA ELEITORAL. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇAO. ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” NÃO RECONHECIDA. MÉRITO FAVORÁVEL AO ACUSADO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO FAVOR REI. FIGURAS PÚBLICAS. DECLARAÇÕES TEMATICAMENTE PERTINENTES À DIALÉTICA ELEITORAL. ATIPICIDADE DE CONDUTA. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. 1. Os crimes contra a honra previstos nos arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral se perfectibilizam quando as declarações ofensivas ocorrem no contexto de propaganda eleitoral ou para tal efeito e, preenchidas essas elementares objetivas do tipo, preferem aos crimes previstos respectivamente nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, em razão do princípio da especialidade. Emendatio libelli que se realiza na forma do art. 383 do CPP. 2. Natureza pública incondicionada da persecução criminal nos delitos contra a honra previstos na legislação eleitoral. Ilegitimidade ativa ad causam que não se declara no caso concreto, em atenção ao princípio do favor rei, presente a possibilidade de julgamento do mérito favoravelmente ao acusado. 3. A jurisprudência deste STF admite critérios particulares para aferir a ofensa à honra baseados na maior ou menor exposição pública da pessoa ofendida: (...) Ao dedicar-se à militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilit, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários (HC 78.426-6-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1 ª Turma, DJ de 7.5.1999). 4. Declarações no caso concreto compatíveis com a dialética do jogo político, limitadas ao campo das ideias, sem adjetivações nem desqualificação moral do interlocutor, e pertinentes ao ambiente eleitoral em que proferidas, a revelar atipicidade de conduta quanto aos crimes de calúnia, difamação e injúria. 5. Queixa-crime rejeitada com fundamento no artigo 395, III, do CPP.
(STF - Inq 3546, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 30-09-2015 PUBLIC 01-10-2015)
08) Injúria racial - Dolo - Conhecimento do fato de modo acidental pela vítima - Ofensa à honra subjetiva - Atipicidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.765.673-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020 (Informativo n.º 672 do STJ - Sexta Turma)
Injúria racial. Artigo 140, § 3.º, do Código Penal. Conversa telefônica. Conhecimento acidental da vítima. Ofensa à honra subjetiva. Ausência de dolo específico. Atipicidade da conduta.
A ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica.
O cerne da questão diz respeito ao momento da consumação e ao dolo específico exigido no tipo do art. 140, § 3º, do Código Penal.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assenta que o momento da consumação do delito de injúria acontece quando a vítima toma conhecimento da ofensa.Ademais, o tipo penal em questão exige que a ofensa seja dirigida ao ofendido com a intenção de menosprezá-lo, ofendendo-lhe a honra subjetiva. No caso, as palavras injuriosas foram proferidas por meio telefônico, não sendo previsível que a vítima estivesse ouvindo o teor da conversa pela extensão telefônica.Como a injúria se consuma com a ofensa à honra subjetiva de alguém, não há falar em dolo específico no caso em que a vítima não era o interlocutor na conversa telefônica e, acidentalmente, tomou conhecimento do seu teor.
09) Injúria contra pessoa jurídica - Descabimento - Queixa-crime rejeitada - Ausência de justa causa - Greenpeace:
Notícias do STF - 01/12/2020 - 15h17
Plenário rejeita queixa-crime do Greenpeace contra ministro do Meio Ambiente
Segundo a relatora, ministra Cármen Lúcia, a conduta de Ricardo Salles se enquadra nos delitos de injúria e calúnia, somente possíveis contra pessoas físicas.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por maioria de votos, queixa-crime por difamação (PET 8481) proposta pelo Greenpeace Brasil contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em decorrência de declarações feitas por ele na internet e à imprensa, quando chamou os ativistas ambientais da organização não governamental de "ecoterroristas", entre outras declarações consideradas ofensivas pela entidade. No julgamento, realizado na sessão virtual concluída em 27/11, prevaleceu o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, segundo o qual os fatos descritos pelos advogados do Greenpeace não correspondem à figura penal da difamação, mas, em tese, aos crimes de injúria e calúnia, que somente se aplicam quando a vítima é pessoa física. Ficaram vencidos o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber.
“Ecoterroristas”
Na queixa-crime, a organização não governamental relatou que o ministro, no contexto do derramamento de óleo do litoral brasileiro ocorrido no ano passado, fez postagens em rede social usando expressões como "terrorista", "ecoterroristas" e "greenpixe" para se referir aos ativistas e à entidade. Também afirmou, em entrevista, que o Greenpeace teria depredado patrimônio público (em referência a um protesto em frente ao Palácio do Planalto) e insinuou possível relação entre um navio da entidade e o derramamento de óleo.
Injúria e calúnia
Com relação à primeira situação, a relatora assinalou que os fatos atribuídos a Salles não se enquadram no tipo penal de difamação, mas no de injúria. “Não há a imputação de fato preciso, concreto e determinado, mas sim de fatos genéricos, de valor depreciativo e de qualidade negativa atribuível à vítima", explicou. Sobre os demais fatos, a relatora afirmou que poderiam, em tese, configurar o crime de calúnia, uma vez que se imputa a eventual prática de crime ou se faz ilação nesse sentido. Ocorre que o STF, ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 83091, decidiu que a prática dos crimes de injúria e calúnia somente é possível quando a vítima é pessoa física. Como o Greenpeace do Brasil é pessoa jurídica, a ministra concluiu que a conduta praticada por Salles, por não configurar o delito de difamação, é atípica, "não havendo justa causa para a instauração da ação penal".
Requisitos
O ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber divergiram da relatora, ao votar pelo recebimento da queixa-crime. Para Fachin, as palavras atribuídas a Salles têm potencial de atingir a honra objetiva da entidade e, segundo ele, a definição dos tipos penais depende da apreciação mais aprofundada das provas que ainda serão produzidas. Ambos entenderam que foram preenchidos minimamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), o que autorizaria a abertura da ação penal para apuração dos fatos narrados.
Processo relacionado: Pet 8481
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456373&tip=UN)
10) Injúria - Críticas contra gestor público - Ausência de dolo específico de ofender a honra alheia - Atipicidade - Liberdade de expressão:
STJ - HC 653.641-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 23/06/2021, DJe 29/06/2021. Terceira Seção
Tema
Crime contra a honra. Injúria. Críticas mais contundentes. Liberdade de expressão. Homem público. Crítica política. Animus injuriandi. Inexistência.
Destaque
Nos crimes contra honra não basta criticar o indivíduo ou a sua gestão da coisa pública, é necessário o dolo específico de ofender a honra alheia.
Informações do Inteiro Teor
O Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões no sentido de que as liberdades de expressão e de imprensa desfrutam de uma posição preferencial por serem pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades inerentes ao Estado democrático de Direito. O respeito às regras do jogo democrático, especialmente a proteção das minorias, apresenta-se como um limite concreto a eventuais abusos da liberdade de expressão. Estabelecidas essas balizas, é importante ressaltar que a postura do Estado, através de todos os seus órgãos e entes, frente ao exercício dessas liberdades individuais, deve ser de respeito e de não obstrução. Não é por outro motivo que, no julgamento da ADPF 130, o STF proibiu a censura de publicações jornalísticas, bem como reconheceu a excepcionalidade de qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. Esclareceu-se que eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Nesse passo, revela-se necessário ressaltar que a proteção da honra do homem público não é idêntica àquela destinada ao particular. É lícito dizer, com amparo na jurisprudência da Suprema Corte, que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilità, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários" Essa tolerância com a liberdade da crítica ao homem público apenas há de ser menor, "quando, ainda que situado no campo da vida pública do militante político, o libelo do adversário ultrapasse a linha dos juízos desprimorosos para a imputação de fatos mais ou menos concretos, sobretudo se invadem ou tangenciam a esfera da criminalidade" (HC 78426, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 16/03/1999). Como cediço, os crimes contra a honra exigem dolo específico, não se contentando com o mero dolo geral. Não basta criticar o indivíduo ou sua gestão da coisa pública, é necessário ter a intenção de ofendê-lo. Nesse sentido: "os delitos contra a honra reclamam, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de 'dolo específico', cognominado 'animus injuriandi' (APn 555/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJe de 14/05/2009). Em igual direção: APn 941/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe 27/11/2020. É de suma importância também ressaltar que o Direito Penal é uma importante ferramenta conferida à sociedade. Entretanto, não se deve perder de vista que este instrumento deve ser sempre a ultima ratio. Ele somente pode ser acionado em situações extremas, que denotem grave violação aos valores mais importantes e compartilhados socialmente. Não deve servir jamais de mordaça, nem tampouco instrumento de perseguições políticas aos que pensam diversamente do Governo eleito.
(Fonte: Informativos do STJ - Edição Especial n.º 4 - Disponível em https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?ativa=2)
11) Crimes contra a honra - Calúnia, injúria e Difamação - Governador de Estado - Seara Pública - Política - Intervenção mínima - Necessidade de atribuição de fatos certos e determinados:
PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. DELITOS CONTRA A HONRA. GOVERNADOR DE ESTADO. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. AUSÊNCIA DAS ELEMENTARES OBJETIVAS DO TIPO. INJÚRIA. JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.
1. Queixa-crime na qual se imputa a Governador de Estado a suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 138, caput (calúnia), 139, caput (difamação) e 140, caput (injúria), na forma dos arts. 71, caput e 141, III, IV e § 2°, todos do Código Penal.
2. Delitos de calúnia e de difamação não configurados, já que não houve, por parte do querelado, a atribuição de fatos certos e determinados, praticados em determinadas condições de tempo e lugar.
3. A imputação de eventual prática de injúria, principalmente na seara pública, deve ser analisada de forma contextualizada.
4. O jogo político, no Estado de Direito, sujeita as pessoas que exercem ou tenham exercido cargos públicos de natureza política a suportarem maior exposição em certos aspectos, bem como a tolerarem opiniões, ainda que ásperas e rigorosas, quanto à sua atuação na condução da coisa pública. Atipicidade da conduta.
5. À luz do princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve ser adotado como ultima ratio, de forma subsidiária aos demais ramos do Direito.
6. Preliminares afastadas e queixa-crime rejeitada, nos termos do art. 395, I, II e III, do CPP.
(STJ - QC n. 11/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 2/10/2024, DJe de 8/10/2024.)
12) Ofensas contra pessoas LGBTQIAPN+ - Racismo - Omissão legislativa - Homotransfobia - Crime de injúria racial:
Notícias do STF - 22/08/2023
STF equipara ofensas contra pessoas LGBTQIAPN+ a crime de injúria racial
A decisão afasta interpretação que retirava parte da aplicabilidade da decisão do Plenário sobre a criminalização da homotransfobia.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que atos ofensivos praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial. A decisão foi tomada na sessão virtual concluída em 21/8, no julgamento de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) contra acórdão no Mandado de Injunção (MI) 4733.
Enquadramento
No julgamento do mandado de injunção, em junho de 2019, o Tribunal havia reconhecido a omissão do Congresso Nacional em criminalizar a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual e determinado o enquadramento da homotransfobia no tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Legislativo edite lei sobre a matéria.
Interpretação equivocada
Nos embargos, a ABGLT alegava que essa decisão tem sido interpretada de forma equivocada, no sentido de que a ofensa contra grupos LGBTQIAPN+ configura racismo, mas a ofensa à honra de pessoas pertencentes a esses grupos vulneráveis não configura o crime de injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Segundo a associação, isso retira, em grande parte, a aplicabilidade prática da decisão do Plenário, e, por isso, pediu que se defina que o entendimento também se aplica ao crime de injúria racial.
Desamparo
Em seu voto pelo acolhimento do recurso, o relator, ministro Edson Fachin, explicou que, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 154248, também de sua relatoria, o STF já havia reconhecido que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo e, portanto, é imprescritível. Essa posição também foi inserida na legislação pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.532/2023. Assim, para o relator, uma vez que a Corte, no julgamento do MI, reconheceu que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial. "A interpretação que restringe sua aplicação aos casos de racismo e mantém desamparadas de proteção as ofensas racistas perpetradas contra indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+ contraria não apenas o acórdão embargado, mas toda a sistemática constitucional", afirmou.
Ampliação
Ficou vencido o ministro Cristiano Zanin, para quem a análise da matéria não é possível no âmbito de embargos de declaração, pois seria um novo julgamento do MI com ampliação do mérito.
Processo relacionado: MI 4733
(Fonte: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=512663)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE INJUNÇÃO. DEVER DO ESTADO DE CRIMINALIZAR AS CONDUTAS ATENTATÓRIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. HOMOTRANSFOBIA. DISCRIMINAÇÃO INCONSTITUCIONAL. OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL. HOMOTRANSFOBIA COMO RACISMO POR RAÇA. INJÚRIA RACIAL COMO ESPÉCIE DE RACISMO. PRECEDENTES. ATOS DE HOMOTRANSFOBIA PRATICADOS CONTRA MEMBROS DA COMUNIDADE LGBTQIA+ CONFIGURAM INJÚRIA RACIAL. OBSCURIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS
1. Diferentemente dos demais recursos, os embargos de declaração não se prestam a reforma da decisão, sendo cabíveis apenas nos casos de obscuridade, contradição ou omissão da decisão impugnada, bem como para corrigir eventual erro material (art. 1.022, do Código de Processo Civil.
2. Mandado de injunção julgado procedente, para (i) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
3. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo e por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. Precedentes. Entendimento positivado pela Lei 14.532/2023.
4. Tendo em vista que a injúria racial constitui uma espécie do crime de racismo, e que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo por raça, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial.
5. Embargos de Declaração conhecidos e acolhidos para sanar obscuridade.
Disposições comuns
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
§ 1.º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. (Redação dada pela Lei n.º 13.964, de 2019)
§ 2.º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. (Incluído pela Lei n.º 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 3º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
Redação anterior:
"II - contra funcionário público, em razão de suas funções;"
"Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro."
"IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei n.º 10.741, de 2003)"
Legislação correlata:
- Vide: Art. 85 do Código de Processo Penal.
"Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade."
- Vide:
"Art. 26 da Lei n.º 7.170/1983 - Lei de Segurança Nacional - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
- Vide: Lei n.º 12.735/2012 - Delegacias digitais.
"Art. 4.º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado."
Jurisprudência:
01) Crimes contra a honra - Concurso formal - Soma das penas - Acréscimo da exasperação para fins de definição da competência:
QUEIXA-CRIME. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA REAL. CONCURSO FORMAL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. PENA MÁXIMA DO CRIME MAIS GRAVE, ACRESCIDA DA EXASPERAÇÃO MÁXIMA, MAIS A METADE PELO CONCURSO. HIPÓTESE QUE NÃO ULTRAPASSA O LIMITE DE DOIS ANOS. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO.
Segundo orientação pacífica desta Corte, na hipótese de concurso formal, o limite de dois anos para se fixar a competência dos juizados especiais, dá-se-á pela consideração do máxima da pena do crime mais grave, acrescido de eventual exasperação máxima, mais a metade, que é o máximo da regra do concurso.
No caso dos autos, realizando-se a referida operação, verifica-se que o resultado compreende uma pena de dois anos, justamente dentro do limite dos crimes de menor potencial ofensivo.
Ordem concedida para anular o processo em trâmite no Juízo Comum e determinar o seu início perante os Juizados Especiais.
(STJ - HC n. 119.272/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25/11/2008, DJe de 15/12/2008.)
Exclusão do crime
Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:
I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.
Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 53 e 27, ambos da Constituição Federal/1988 - Imunidade parlamentar formal e material.
Retratação
Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.
Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. (Incluído pela Lei n.º 13.188, de 2015)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 13.188/2015 - Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
Jurisprudência:
01) Retratação - Ato unilateral - Calúnia contra pessoa falecida - Ato anterior à sentença - Admissibilidade - Extinção da punibilidade:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 03/03/2021. (Informativo n.º 687 do STJ - Corte Especial)
Queixa-crime. Calúnia contra pessoa morta. Retratação cabal antes da sentença. Ato unilateral. Extinção da punibilidade. Artigos 143 e 107, VI, do Código Penal.
A retratação da calúnia, feita antes da sentença, acarreta a extinção da punibilidade do agente independente de aceitação do ofendido.
Consoante as diretrizes do Código Penal: "Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa." A retratação, admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não exige isso. O Código, quando quis condicionar o ato extintivo da punibilidade à aceitação da outra parte, o fez de forma expressa, como no caso do perdão ofertado pelo querelante depois de instaurada a ação privada. Como é sabido, não há como se fazer analogia in malam partem, contra o réu, para lhe impor condição para causa extintiva da punibilidade que a Lei Penal não exigiu. Na verdade, basta que a retratação seja cabal. Vale dizer: deve ser clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito. Ademais, em se tratando de ofensa irrogada por meios de comunicação - como no caso, que foi por postagem em rede social na internet -, o parágrafo único do art. 143 do Código Penal dispõe que "a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa".A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja feita pelo mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do ato, que é essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça uma faculdade. Portanto, se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo veículo de comunicação para apresentar a retratação, não se afigura razoável desmerecê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal.
Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.
Jurisprudência:
01) Pedido de explicações - Crime contra a honra - Ilegitimidade da pessoa jurídica para atuar como postulante:
AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO (ART. 144 DO CÓDIGO PENAL). SUPOSTO CRIME CONTRA A HONRA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM EXCLUSIVA DO SUJEITO PRETENSAMENTE OFENDIDO. ILEGITIMIDADE, POR CONSEQUÊNCIA, DE PESSOA JURÍDICA, QUE NÃO PODE ATUAR SEQUER COMO SUBSTITUTA PROCESSUAL DE SEUS ASSOCIADOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Diretório Nacional de Partido Político não ostenta legitimidade para formular o pedido de explicações a que se refere o art. 144 do Código Penal. 2. A imputação do cometimento de lavagem de dinheiro a pessoa jurídica é crime impossível, por isso que incabível a presente ação, dada a impropriedade de seu objeto. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF - Pet 5143 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014)
Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2.º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3.º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei n.º 12.033. de 2009)
Legislação correlata:
- Sobre queixa-crime, vide art. 41 e seguintes do Código de Processo Penal.
- Vide:
"Art. 1.º da Lei n.º 12.033/2009. Esta Lei torna pública condicionada a ação penal em razão de injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. "
Notas:
- Vide: Súmula 714 do STF - É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.
- Segundo entendimento majoritário firmado na referida Súmula n.º 714 do STF, em se tratando de ação penal por crime contra honra de servidor público em razão de suas funções, será concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do MP, condicionada à representação do ofendido. Destarte, em caso de crime contra a honra de servidor público em razão de suas funções teremos o seguinte quadro: Se o servidor público optar pela queixa-crime: a) será possível perdão do ofendido; b) possível haver a retratação extintiva da punibilidade; e c) possível haver perempção. Mas se o servidor público optar pela representação (ao Ministério Público), a) não caberá perdão do ofendido, pois este é exclusivo da ação penal de iniciativa privada; b) não caberá retratação extintiva da punibilidade, pois também é exclusiva da ação privada; e c) não haverá perempção para o MP.
- Obs: Se a ação ilícita ocorrer durante propaganda eleitoral, é crime eleitoral. Consequentemente, a ação é pública incondicionada.
- Obs: Se o crime é contra a honra do Presidente da República ou de Chefe de Governo Estrangeiro, a ação penal é pública condicionada à representação do Ministro da Justiça.
- A ação penal, nos crimes contra a honra, em consonância com o que dispõe o art. 145, caput, do CP, em regra, cabe à vítima, ou seja, é de iniciativa privada.
Jurisprudência:
01) Injúria racial – Ação pública condicionada – Representação da vítima não precisa ser formal:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. FALTA DE CABIMENTO. ART. 140, § 3°, DO CP. INJÚRIA RACIAL OU PRECONCEITUOSA. REPRESENTAÇÃO.
PRESCINDIBILIDADE DE FORMALIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEVIDÊNCIA. SUPERVENIENTE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IRRELEVÂNCIA.
1. A homologação de suspensão condicional do processo não torna prejudicado pleito de trancamento da ação penal, porquanto descumpridas as condições impostas, a ação penal pode ser retomada. Precedentes (HC n. 304.952/MS, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 17/3/2016).
2. A condição de procedibilidade da ação penal condicionada deve ser reconhecida quando constatado que, logo depois dos fatos, a vítima compareceu à delegacia para relatar a suposta injúria racial, registrou o boletim de ocorrência, levou testemunha para prestar declarações e assinou o termo, pois inequívoca sua intenção de promover a responsabilidade penal do agente. Precedente.
3. Não há falar em trancamento da ação penal por atipicidade da conduta, pois a imputação é clara, uma vez que a denúncia narra a utilização de expressões pejorativas, relacionadas à cor para atacar a honra subjetiva da vítima.
4. Writ não conhecido.
(STJ - HC 349.938/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 25/04/2016)
02) Crime contra honra de particular durante depoimento no âmbito da Justiça Federal – Competência da Justiça Comum Estadual:
CC 148.350-PI, Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 9/11/2016, DJe 18/11/2016.
TEMA
Conflito negativo de competência. Crimes contra a honra de particular supostamente cometidos durante depoimento prestado à Procuradoria do Trabalho. Competência da Justiça estadual.
DESTAQUE
Não compete à Justiça federal processar e julgar queixa-crime proposta por particular contra particular, somente pelo fato de as declarações do querelado terem sido prestadas na Procuradoria do Trabalho.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Tratou-se de conflito de competência negativo em razão da divergência entre Juízo federal e Juízo estadual para processar e julgar ações penais privadas nas quais se buscava apurar a prática dos crimes de calúnia e difamação pelos querelados, em depoimento prestado em inquérito civil instaurado por Procuradoria Regional do Trabalho. Estando em análise nas queixas-crime a prática de delitos contra a honra, e não de falso testemunho, tampouco se vislumbrando nos autos indícios de que os depoimentos prestados por querelados perante o parquet trabalhista são falsos, estaremos diante de verdadeira relação entre particulares e não haverá nenhum interesse ou violação de direito que afete a União, de modo que a causa não se enquadrará em nenhuma das hipóteses do art. 109 da Constituição Federal e não incidirá, assim, a Súmula n. 165 do STJ, que assim dispõe: "compete a justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista."
CAPÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL
SEÇÃO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a (01) um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1.º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de 03 (três) pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2.º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3.º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.
Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais: (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying) (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real: (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024)
Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
§ 2º Somente se procede mediante representação, exceto na hipótese prevista no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
Redação anterior:
"Parágrafo único - Somente se procede mediante representação."
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 11.340/2006 - Lei Maria da Penha.
- Vide: Lei n.º 14.022/2020, que alterou a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Notas:
- Vide: Súmula 589 do STJ - É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
- Vide: Súmula 588 do STJ - A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
- A ameaça com incidência da Lei Maria da Penha terá ação penal mediante representação.
- Vide crime de coação no curso do processo, art. 344 do CP.
Jurisprudência:
01) Ameaça via Whatsapp e Facebook - Competência - Local onde a vítima toma conhecimento do fato:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO POR WHATSAPP E FACEBOOK. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. DELITO FORMAL. CONSUMAÇÃO NO LOCAL ONDE A VÍTIMA CONHECE DAS AMEAÇAS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. O crime de natureza formal, tal qual o tipo do art. 147 do Código Penal, se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento da ameaça. 2. Segundo o art. 70, primeira parte, do Código de Processo Penal, "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração". 3. No caso, a vítima tomou conhecimento das ameaças, proferidas via Whatsapp e pela rede social Facebook, na Comarca de Naviraí, por meio do seu celular, local de consumação do delito e de onde requereu medidas protetivas. 4. Independentemente do local em que praticadas as condutas de ameaça e da existência de fato anterior ocorrido na Comarca de Curitiba, deve-se compreender a medida protetiva como tutela inibitória que prestigia a sua finalidade de prevenção de riscos para a mulher, frente à possibilidade de violência doméstica e familiar.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 1º Vara Criminal da Comarca de Naviraí/MS, ora suscitado.
(STJ - CC 156.284/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 06/03/2018)
02) Ameaça de irmão contra irmã – Competência da Vara do Juizado de Violência Doméstica – Desnecessidade de coabitação:
LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE AMEAÇA ENTRE IRMÃOS.
A Turma, cassando o acórdão recorrido, deu provimento ao recurso para estabelecer a competência de uma das varas do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para examinar processo em que se apura a prática do crime de ameaça. Na hipótese, o recorrido foi ao apartamento da sua irmã, com vontade livre e consciente, fazendo várias ameaças de causar-lhe mal injusto e grave, além de ter provocado danos materiais em seu carro, causando-lhe sofrimento psicológico e dano moral e patrimonial, no intuito de forçá-la a abrir mão do controle da pensão que a mãe de ambos recebe. Para os integrantes da Turma, a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo deve ser analisada em face do caso concreto, para verificar a aplicação da Lei Maria da Penha, tendo o recorrido se valido de sua autoridade de irmão da vítima para subjugar a sua irmã, com o fim de obter para si o controle do dinheiro da pensão, sendo desnecessário configurar a coabitação entre eles. Precedentes citados: CC 102.832-MG, DJe 22/4/2009, e HC 115.857-MG, DJe 2/2/2009.
STJ - REsp 1.239.850-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/2/2012.
03) Ameaça de nora contra sogra - Não configurada - Exigência de 3 requisitos: relação íntima de afeto + motivação de gênero + vulnerabilidade:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO PENAL REFERENTE A SUPOSTO CRIME DE AMEAÇA PRATICADO POR NORA CONTRA SUA SOGRA.
É do juizado especial criminal (e não do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher) a competência para processar e julgar ação penal referente a suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) praticado por nora contra sua sogra na hipótese em que não estejam presentes os requisitos cumulativos de relação íntima de afeto, motivação de gênero e situação de vulnerabilidade.
Isso porque, para a incidência da Lei 11.340/2006, exige-se a presença concomitante desses requisitos. De fato, se assim não fosse, qualquer delito que envolvesse relação entre parentes poderia dar ensejo à aplicação da referida lei. Nesse contexto, deve ser conferida interpretação restritiva ao conceito de violência doméstica e familiar, para que se não inviabilize a aplicação da norma.
STJ - HC 175.816-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/6/2013.
Perseguição
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
Pena – reclusão, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
§ 1.º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
I – contra criança, adolescente ou idoso; (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2.º-A do art. 121 deste Código; (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
III – mediante concurso de 02 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
§ 2.º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
§ 3.º Somente se procede mediante representação. (Incluído pela Lei n.º 14.132, de 2021)
Nota:
- O tipo penal visa repreender o agir chamado "stalking".
Violência psicológica contra a mulher (Incluído pela Lei n.º 14.188, de 2021)
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei n.º 14.188, de 2021)
Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei n.º 14.188, de 2021)
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 5.º e 7.º, ambos da Lei n.º 11.340/2006 - Lei Maria da Penha - Violência psicológica.
- Vide: Art. 12-C da Lei n.º 11.340/2006 - Afastamento do agressor.
- Vide: Art. 18 e seguintes da Lei n.º 11.340/2006 - Medidas protetivas.
Seqüestro e cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei n.º 10.446, de 2002)
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1.º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005)
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei n.º 11.106, de 2005)
V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei n.º 11.106, de 2005)
§ 2.º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 13-A do Código de Processo Penal:
"Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3.º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o nome da autoridade requisitante; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o número do inquérito policial; e (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
- Vide: Art. 5.º, inc. XII, da CF/88 - Quebra de sigilo.
- Vide: Dec. n.º 9.603/2018 - Regulamenta a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
- Vide: Lei n.º 10.446/2002 - Competência da Polícia Federal para investigar quando houver repercussão interestadual ou internacional.
- Vide: Lei n.º 14.022/2020, que alterou a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Redução a condição análoga à de escravo
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
§ 2.º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003)
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 13-A e 13-B, ambos do Código de Processo Penal.
"Art. 13-A do CPP. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3.º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o nome da autoridade requisitante; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o número do inquérito policial; e (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
"Art. 13-B do CPP. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 1.º Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 2.º Na hipótese de que trata o caput, o sinal: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 3.º Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.(Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 4.º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
- Vide: Art. 5.º, inc. XII, da CF/88 - Quebra de sigilo.
- Vide: Dec. n.º 9.603/2018 - Regulamenta a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Tráfico de Pessoas (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
IV - adoção ilegal; ou (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
V - exploração sexual. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 1.º A pena é aumentada de um terço até a metade se: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 2.º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Arts. 13-A e 13-B, ambos do Código de Processo Penal.
"Art. 13-A do CPP. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3.º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o nome da autoridade requisitante; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o número do inquérito policial; e (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
"Art. 13-B do CPP. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 1.º Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 2.º Na hipótese de que trata o caput, o sinal: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 3.º Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.(Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
§ 4.º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
- Vide: Art. 5.º, inc. XII, da CF/88 - Quebra de sigilo.
- Vide: Dec. n.º 9.603/2018 - Regulamenta a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
- Vide: Decreto n.º 10.364/2020 - Promulga o Acordo de Cooperação Estratégica entre a República Federativa do Brasil e o Serviço Europeu de Polícia, firmado em Haia, em 11 de abril de 2017.
SEÇÃO II
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
Violação de domicílio
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) meses, ou multa.
§ 1.º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, além da pena correspondente à violência.
§ 2.º - (Revogado pela Lei n.º 13.869, de 2019) (Vigência)
§ 3.º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:
I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;
II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.
§ 4.º - A expressão "casa" compreende:
I - qualquer compartimento habitado;
II - aposento ocupado de habitação coletiva;
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
§ 5.º - Não se compreendem na expressão "casa":
I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;
II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.
Redação anterior:
"§ 2.º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder."
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 5.º, inc. XI , da CF/88 - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"
- Vide:
"Art. 293 do CPP. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.
Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito."
- Vide:
"Art. 245 do CPP. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. (...)"
- Vide: Lei n.º 13.869/2019 - Lei do Abuso de Autoridade
"Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:
I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre."
SEÇÃO III
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA
Violação de correspondência
Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Sonegação ou destruição de correspondência
§ 1.º - Na mesma pena incorre:
I - quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói;
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
III - quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior;
IV - quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal.
§ 2.º - As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem.
§ 3.º - Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico:
Pena - detenção, de um a três anos.
§ 4.º - Somente se procede mediante representação, salvo nos casos do § 1.º, IV, e do § 3.º.
Correspondência comercial
Art. 152 - Abusar da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo:
Pena - detenção, de três meses a dois anos.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
SEÇÃO IV
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
Divulgação de segredo
Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1.º Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único renumerado pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 1.º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – detenção, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Violação do segredo profissional
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 7.º, § 6.º e seguintes da Lei n.º 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) - violação de sigilo profissional.
Invasão de dispositivo informático (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Redação dada pela Lei n.º 14.155, de 2021)
Pena – reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.
§ 1.º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
§ 2.º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico. (Redação dada pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 3.º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Pena – reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 4.º Na hipótese do § 3.º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
§ 5.º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
I - Presidente da República, governadores e prefeitos; (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Redação anterior:
"Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência"
"§ 2.º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012)"
"Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência"
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 12.737/2012 - Delitos informáticos.
- Vide: Decreto n.º 10.364/2020 - Promulga o Acordo de Cooperação Estratégica entre a República Federativa do Brasil e o Serviço Europeu de Polícia, firmado em Haia, em 11 de abril de 2017.
- Vide: Lei n.º 12.965/2014 - Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
- Vide: Lei n.º 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
- Vide: Decreto n.º 10.222/2020 - Aprova a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética.
- Vide: Decreto n.º 9.637/2018 - Institui a Política Nacional de Segurança da Informação, dispõe sobre a governança da segurança da informação, e altera o Decreto n.º 2.295, de 4 de agosto de 1997, que regulamenta o disposto no art. 24, caput , inciso IX, da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, e dispõe sobre a dispensa de licitação nos casos que possam comprometer a segurança nacional.
Ação penal (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
TÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
CAPÍTULO I
DO FURTO
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1.º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2.º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3.º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4.º - A pena é de reclusão de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 4.º-A. A pena é de reclusão de 04 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
§ 4.º-B. A pena é de reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
§ 4.º-C. A pena prevista no § 4.º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso: (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional; (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável. (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 5.º - A pena é de reclusão de 03 (três) a 08 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 6.º A pena é de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. (Incluído pela Lei n.º 13.330, de 2016)
§ 7.º A pena é de reclusão de 04 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
Notas:
- Vide: Súmula 567 do STJ - Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.
- Vide: Súmula 511 do STJ – É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2.º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.
- Vide: Súmula 442 do STJ - É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo.
- A presença de sistema eletrônico de vigilância em estabelecimento comercial não torna crime impossível a tentativa de furto de um produto desse estabelecimento, por absoluta ineficácia do meio, conforme entendimento consolidado do STJ. Para aplicação dos benefícios do furto privilegiado, indispensável é a presença de dois requisitos: a) primariedade e b) coisa de pequeno valor (segundo jurisprudência majoritária, até o valor de 01 s.m.).
- O § 1.º do art. 155 do CP trata do furto na forma majorada. Já as modalidades do § 4.º configuram o furto qualificado.
- O § 2.º do art. 155 do CP é chamado de furto privilegiado. Tal benefício aplica-se também ao crime de receptação dolosa (vide art. 180 do CP).
- O § 3.º do art. 155 do CP equipara à coisa móvel a energia elétrica e outras, desde que tenham valor econômico. A ligação clandestina de luz, água e gás, por exemplo, caracteriza crime permanente (afastando o chamado "crime continuado").
- Termo médio do furto previsto no caput: 2 anos e 6 meses - Peso aproximado de cada circunstância judicial do art. 59 do CP: 4 meses e 15 dias.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 44 do Código Penal - Substituição de pena.
- Vide: Art. 77 do Código Penal - Sursis.
- Vide: Lei n.º 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD.
- Vide: Lei n.º 12.965/2014 - Marco Civil da Internet.
Jurisprudência:
01) Furto - Princípio da Insignificância - Bem de valor irrelevante - Propriedade de Associação Beneficente - Não aplicação - Furto praticado com induzimento de menor de idade (próprio filho):
DIREITO PENAL - RHC 93.472-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 15/03/2018, DJe 27/03/2018
Furto. Bem de irrelevante valor pecuniário. Induzimento do próprio filho de nove anos a participar do ato de subtração. Vítima. Associação sem fins lucrativos. Especial reprovabilidade da conduta. Princípio da insignificância. Não incidência.
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de bem de inexpressivo valor pecuniário de associação sem fins lucrativos com o induzimento de filho menor a participar do ato.
No caso em análise, teria a paciente, segundo a denúncia, subtraído um cofrinho contendo R$ 4,80 (quatro reais e oitenta centavos) da Associação dos Voluntários de Combate ao Câncer - AVCC, induzindo seu filho de apenas 09 anos a pegar o objeto e colocá-lo na sua bolsa. Nesse contexto, verifica-se o princípio da insignificância não se aplica ao caso, porquanto, as características dos fatos revelam reprovabilidade suficiente para a consumação do delito, embora o ínfimo valor da coisa subtraída. O referido princípio se aplica a fatos dotados de mínima ofensividade, desprovidos de periculosidade social, de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e que a lesão jurídica provocada seja inexpressiva. (STF, HC n. 84.412-0/SP, Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJU de 19/11/2004). Observa-se, assim, que não há falar em mínima ofensividade e nem reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, porquanto foi subtraído o bem com o induzimento do próprio filho menor da ora paciente a pegá-lo e, lamentavelmente, contra uma instituição sem fins lucrativos que dá amparo a crianças com câncer. Ainda que irrelevante a lesão pecuniária provocada, porque inexpressivo o valor do bem, a repulsa social do comportamento é evidente. Viável, por conseguinte, o reconhecimento da tipicidade conglobante do comportamento irrogado.
02) Furto - Princípio da Insignificância – Bem de pequeno valor - Necessário exame caso a caso - Critérios a serem sopesados: ausência de periculosidade social, mínima ofensividade e pela ausência de reprovabilidade social:
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de três “habeas corpus” impetrados contra julgados que mantiveram condenação dos pacientes por crime de furto e afastaram a aplicação do princípio da insignificância. No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. No HC 123.533/SP, a paciente fora condenada pela prática de furto qualificado de dois sabonetes líquidos íntimos avaliados em R$ 40,00. O tribunal de origem não aplicara o princípio da insignificância em razão do concurso de agentes e a condenara a um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto e cinco dias-multa. Por fim, no HC 123.734/MG, o paciente fora sentenciado pelo furto de 15 bombons caseiros, avaliados em R$ 30,00. Condenado à pena de detenção em regime inicial aberto, a pena fora substituída por prestação de serviços à comunidade e, embora reconhecida a primariedade do réu e a ausência de prejuízo à vítima, o princípio da insignificância não fora aplicado porque o furto fora qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo.
O Ministro Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem em todos os “habeas corpus”, por entender cabível o princípio da insignificância e, por conseguinte, reconheceu a atipicidade material das condutas dos pacientes e anulou os efeitos penais dos processos em exame.nPontuou que, segundo estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, 49% das pessoas estariam presas por crimes contra o patrimônio e, dentre esse número, 14% da população carcerária brasileira estaria presa por furto simples ou qualificado. Lembrou que a comissão que elaborara o anteprojeto do Código Penal — ainda em deliberação no Congresso Nacional — teria proposto significativa descarcerização do furto em geral, com previsão expressa do princípio da insignificância. Nos termos desse anteprojeto, também não haveria fato criminoso quando, cumulativamente, se verificassem as seguintes condições: “a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e c) inexpressividade da lesão jurídica provocada”.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 2
O relator frisou que os “habeas corpus” ora sob julgamento seriam emblemáticos: envolveriam furto de bens de valor inferior a R$ 50,00.
Em dois deles, os pacientes teriam sido condenados à pena de prisão em regime semiaberto e estariam presos se a liminar não tivesse sido deferida. Não obstante, em matéria de descaminho, se a sonegação de impostos somasse R$ 20.000,00, não haveria incriminação porque a fazenda pública não executaria dívidas de valor inferior ao mencionado. Ademais, o entendimento do STF seria no sentido de não haver crime, em face do princípio da insignificância. O desconforto que a existência dessa dualidade causaria aos cidadãos, acrescido à realidade carcerária, não poderia passar despercebido à Corte. Asseverou que a ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância geraria o risco de casuísmos, além de prejudicar a uniformização da jurisprudência e agravar a precária situação do sistema carcerário. Observou que precedentes do STF admitiriam o princípio da insignificância em caso de furto desde que o agente não fosse reincidente e que não tivesse sido hipótese de furto qualificado. Apontou que toda a teoria do princípio da insignificância deveria ser reconduzida aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Assim, o referido postulado incidiria quando, embora a conduta fosse formalmente típica, o desvalor da ação ou do resultado se mostrasse irrelevante. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou presente alguma qualificadora não deveria, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância. Seria necessária motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências e a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de rejeição do princípio da insignificância, exigiria a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que deveriam ser referentes a crimes da mesma espécie. Mesmo quando afastado o princípio da insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituiria sanção desproporcional, inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos benefícios. HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 3
O relator assinalou que, no caso do HC 123.108/MG, a reincidência do paciente — antes, ele furtara roupas em um varal e, agora, um chinelo — não deveria ser tratada como impedimento a que fosse aplicado o princípio da insignificância. Caso se entendesse que o furto de coisa de valor ínfimo pudesse ser punido em caso de reincidência do agente, seria necessário admitir que a insignificância passaria do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Não seria possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta fosse típica para uns e não fosse para outros — os reincidentes — sob pena de se ter configurado inaceitável direito penal do autor e não do fato. Ademais, para que a reincidência excluísse a incidência do princípio da insignificância, não bastaria mera existência de inquéritos ou processos em andamento, mas condenação transitada em julgado e por crimes da mesma espécie. Necessário, ainda, que a sanção guardasse proporcionalidade com a lesão causada. O encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos teria efeitos desastrosos, não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo e, reflexamente, para a segurança pública. Propôs que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante fosse fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se, para os reincidentes, a aplicação do art. 33, § 2º, do CP. Embora a prisão domiciliar somente fosse prevista na LEP em hipóteses restritas, a realidade do sistema prisional obrigaria juízes e tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não se submetesse a regime mais gravoso do que aquele a que tivesse direito por falta de vagas. Ponderou que a pena privativa de liberdade em regime aberto domiciliar deveria ser, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, a afastar as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º, do CP, que deveriam ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Assentou que as sanções restritivas de direito teriam caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, notadamente em casos alcançados pelo princípio da insignificância. Somente em caso de descumprimento da pena restritiva deveria haver a reconversão para sanção privativa de liberdade em regime aberto domiciliar. No HC 123.108/MG, à época dos fatos em questão, o paciente teria duas condenações transitadas em julgado por crime de furto simples e esse fato não afastaria a aplicação do princípio da insignificância, ante o desvalor do resultado, traduzido pelo ínfimo valor do bem subtraído. Em seguida, o julgamento foi suspenso. HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 4
A incidência do princípio da insignificância deve ser feita caso a caso. Essa a orientação do Plenário ao concluir julgamento conjunto de três “habeas corpus” impetrados contra julgados que mantiveram a condenação dos pacientes por crime de furto e afastaram a aplicação do mencionado princípio — v. Informativo 771.
No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. Nesse caso, o Colegiado, por decisão majoritária, denegou a ordem, mas concedeu “habeas corpus” de ofício para fixar o regime aberto para cumprimento de pena. No HC 123.533/SP, a paciente fora condenada pela prática de furto qualificado de dois sabonetes líquidos íntimos avaliados em R$ 40,00. O tribunal de origem não aplicara o princípio da insignificância em razão do concurso de agentes e a condenara a um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto e cinco dias-multa. Na espécie, o Pleno, por maioria, denegou a ordem, mas concedeu “habeas corpus” de ofício para fixar o regime aberto para cumprimento de pena. Por fim, no HC 123.734/MG, o paciente fora sentenciado pelo furto de 15 bombons caseiros, avaliados em R$ 30,00. Condenado à pena de detenção em regime inicial aberto, a pena fora substituída por prestação de serviços à comunidade e, não obstante reconhecida a primariedade do réu e a ausência de prejuízo à vítima, o juízo de piso afastara a incidência do princípio da insignificância porque o furto fora praticado mediante escalada e com rompimento de obstáculo. No caso, o Colegiado, por decisão majoritária, denegou a ordem. HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 5
O Plenário aduziu ser necessário ter presentes as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade resultante da aplicação do princípio da insignificância. Negar a tipicidade significaria afirmar que, do ponto de vista penal, as condutas seriam lícitas. Além disso, a alternativa de reparação civil da vítima seria possibilidade meramente formal e inviável no mundo prático. Sendo assim, a conduta não seria apenas penalmente lícita, mas imune a qualquer espécie de repressão. Isso estaria em descompasso com o conceito social de justiça, visto que as condutas em questão, embora pudessem ser penalmente irrelevantes, não seriam aceitáveis socialmente. Ante a inação estatal, poder-se-ia chegar à lamentável consequência da justiça privada. Assim, a pretexto de favorecer o agente, a imunização de sua conduta pelo Estado o deixaria exposto a uma situação com repercussões imprevisíveis e mais graves. Desse modo, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio, envolveria juízo muito mais abrangente do que a simples expressão do resultado da conduta. Importaria investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, traduzido pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela ausência de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância do resultado meramente material, acabasse desvirtuado o objetivo do legislador quando formulada a tipificação legal. Aliás, as hipóteses de irrelevância penal não teriam passado despercebidas pela lei, que conteria dispositivos a contemplar a mitigação da pena ou da persecução penal. Para se conduzir à atipicidade da conduta, portanto, seria necessário ir além da irrelevância penal prevista em lei. Seria indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta, a fim de que a finalidade da lei fosse alcançada. HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 6
No que se refere aos casos em que fora imposto o regime inicial semiaberto para cumprimento de pena, o Colegiado afirmou que seria desproporcional para a reprovação e prevenção quanto à conduta imputada. De acordo com a jurisprudência da Corte, seria necessário valorar os vetores subjetivos a respeito da causa penal (CP, art. 59), no sentido de individualizar a pena. A pena privativa de liberdade deveria se restringir às hipóteses de reconhecida necessidade, tendo em vista seu custo elevado, as consequências deletérias para infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação. Haveria situações que, embora enquadráveis no enunciado normativo, não mereceriam as consequências concebidas pelo legislador. Caberia ao intérprete calibrar eventuais excessos e produzir a solução mais harmônica com o sistema jurídico. Dever-se-ia ter presente a regra geral de proporcionalidade, compatível com a natureza e a repercussão do delito. Seria indispensável, porém, que a avaliação se desse caso a caso, pois a uniformização de tratamento não seria desejável, tendo em vista as díspares realidades sociais, econômicas e culturais existentes no País. O Ministro Roberto Barroso (relator) reajustou seu voto. Vencidos, no HC 123.108/MG, a Ministra Rosa Weber e os Ministros Celso de Mello, que concediam a ordem; Edson Fachin, que não conhecia do “habeas corpus”; e Marco Aurélio, que denegava a ordem. Quanto ao HC 123.533/SP, ficaram vencidos os Ministros Celso de Mello e Rosa Weber, que não conheciam do “habeas corpus”, mas concediam a ordem de ofício; Edson Fachin, que não conhecia do “habeas corpus”; e Marco Aurélio, que denegava a ordem. No que se refere ao HC 123.734/MG, ficaram vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que não conheciam do “habeas corpus”; e o Ministro Celso de Mello, que concedia a ordem.
STF - HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123108), HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123533), HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 3.8.2015. (HC-123734)
03) Furto Tentado – Princípio da Insignificância (Aceitação Social + Lesão Irrelevante) – Inocorrência:
TENTATIVA. FURTO. LIVRO. (Informativo n.º 423 do STJ)
A Turma negou ordem de habeas corpus que sustentava a ausência de justa causa para a ação penal pela atipicidade da conduta do paciente, em razão do valor da res furtiva, na tentativa de furto de um código comentado em livraria (R$ 150,00).
Para o Min. Relator, a tentativa de furto do código subsume-se à definição jurídica do furto tentado, como também se amolda à tipicidade subjetiva uma vez que presente o dolo e ultrapassa a análise da tipicidade material, sendo proporcional a pena aplicada, de um ano e dois meses de reclusão no regime semiaberto e 46 dias-multa pela prática de tentativa de furto (art. 155, caput, c/c art. 14, II, ambos do CP). Ressalta que, para aplicar o princípio da insignificância, é necessário observar a insignificância da conduta (aceitação social) e a insignificância do resultado (lesão relevante), pois a intervenção do direito penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade.
Precedente citado do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004.
STJ - HC 152.738-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 18/2/2010.
04) Furto – Princípio da Insignificância – Subtração de maquinário utilizado pela vítima para o trabalho - Não aplicação - Réu que responde a outros crimes contra o patrimônio::
DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de uma máquina de cortar cerâmica avaliada em R$ 130 que a vítima utilizava usualmente para exercer seu trabalho e que foi recuperada somente alguns dias depois da consumação do crime praticado por agente que responde a vários processos por delitos contra o patrimônio. A doutrina e a jurisprudência do STF e do STJ admitem a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância como critério para a verificação judicial da relevância penal da conduta humana sob julgamento. Para empreender essa tarefa, importa avaliar empiricamente o valor do bem ou dos bens furtados, a situação econômica da vítima, as circunstâncias em que o crime foi perpetrado e a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Se, do ponto de vista da mera dogmática penal, estes últimos fatos não poderiam ser considerados como óbice ao reconhecimento da insignificância penal – por aparentemente sinalizar a prevalência do direito penal do autor e não do fato –, não deve o juiz, na avaliação da conduta formalmente correspondente a um tipo penal, ignorar o contexto que singulariza a conduta como integrante de uma série de outras de igual natureza, as quais, se não servem para caracterizar a continuidade delitiva, bem evidenciam o comportamento humano avesso à norma penal e ao convívio respeitoso e harmônico que se espera de todo componente de uma comunhão social. Assim, por razões derivadas predominantemente de política criminal, não se deve admitir a incidência do princípio da bagatela em casos nos quais o agente é contumaz autor de crimes contra o patrimônio, ressalvadas, vale registrar, as hipóteses em que a inexpressividade da conduta ou do resultado é tão grande que, a despeito da existência de maus antecedentes, não se justifica a utilização do aparato repressivo do Estado para punir o comportamento formalmente tipificado como crime. De fato, a conduta perpetrada pelo paciente – subtração de uma máquina de cortar cerâmica avaliada em R$ 130 – não se revela de escassa ofensividade penal e social. Além disso, o fato de o paciente ostentar, na certidão de antecedentes criminais, inúmeros processos em curso por delitos contra o patrimônio, a denotar sua habitualidade criminosa, é altamente censurável a conduta do agente, porquanto, o maquinário subtraído era usualmente utilizado pela vítima para exercer seu trabalho. Não se pode considerar, também, como inexpressiva a lesão jurídica provocada, visto o valor da ferramenta de trabalho subtraída e a sua recuperação pela vítima tão somente após alguns dias da consumação do delito.
STJ - HC 241.713-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/12/2013.
05) Furto - Princípio da Insignificância - Rompimento de obstáculo - Possibilidade de aplicação:
Princípio da insignificância e rompimento de obstáculo (Informativo n.º 644 do STF – Segunda Turma)
A 2ª Turma concedeu habeas corpus para aplicar o postulado da insignificância em favor de condenado pela prática do crime de furto qualificado mediante ruptura de barreira (CP: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa”), a fim de cassar sua condenação. Na espécie, o paciente pulara muro, subtraíra 1 carrinho de mão e 2 portais de madeira (avaliados em R$ 180,00) e, para se evadir do local, arrombara cadeado. Decorrido algum tempo, quando ainda transitava na rua, a polícia militar fora acionada e lograra êxito na apreensão dele e na devolução dos bens furtados à vítima. Inicialmente, consignou-se que não houvera rompimento de obstáculo para adentrar o local do crime, mas apenas para sair deste, o que não denotaria tamanha gravidade da conduta. Na seqüência, salientaram-se a primariedade do paciente e a ambiência de amadorismo para a consecução do delito. Assim, concluiu-se que a prática perpetrada não seria materialmente típica, porquanto presentes as diretivas para incidência do princípio colimado: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
STF - HC 109363/MG, rel. Min. Ayres Britto, 11.10.2011. (HC-109363)
06) Furto qualificado - Princípio da Insignificância - Não reconhecimento - Delito mediante concurso de agentes para subtrair novilha de minifúndio de região interiorana:
HC N. 97.051-RS (Informativo n.º 593 do STF)
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.
2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.
3. Para a incidência do princípio da insignificância, além de serem relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada -, devem ser analisados, em cada caso, de forma cautelar e rigorosa, a realidade sócio-econômica do País e o conjunto de valores éticos juridicamente aproveitados pelo sistema penal para determinar se a conduta pode ou não ser considerada típica para a configuração do delito. Precedentes.
4. No caso dos autos, em que o delito se fez por três agentes, “na Localidade de Lajeado Taquara, interior do Município de Alecrim/RS”, que “subtraíram, para si, do interior da propriedade da vítima (...), uma novilha da raça holandesa”, de pouco valor material, é certo, porém inestimável para um agricultor de uma região na qual predomina o minifúndio, não é de se desconhecer que não se há de levar a efeito exame que considere mais o valor material do bem subtraído que os valores que têm de orientar a conduta de pessoas modestas que vivem em povoações nas cercanias de cidades interioranas. Associados a estes valores de ético-jurídico, verificam-se, ainda, o alto grau de reprovabilidade do comportamento dos Pacientes e a expressividade da lesão jurídica causada à vítima na espécie em pauta, circunstâncias suficientes para afastar a incidência do princípio da insignificância.
5. As causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis com as de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal. Precedentes.
6. Ordem parcialmente concedida, para, reconhecendo a compatibilidade entre as causas especiais de diminuição (privilégio) e de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal, restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
* noticiado no Informativo 563
07) Furto qualificado - Concurso de agentes - Subtração de gêneros alimentícios - Principio da insignificância - Aplicabilidade:
DIREITO PENAL - HC 553.87 2-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020 (Informativo n.º 665 do STJ - Quinta Turma)
Furto qualificado. Trancamento da ação penal. Atipicidade material da conduta. Ausência de lesividade do fato imputado. Princípio da insignificância. Reconhecimento. Possibilidade. A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem. O referido princípio deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de "certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC n. 98.152/MG, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).Na hipótese analisada, verifica-se que os fatos autorizam a incidência excepcional do princípio da insignificância, haja vista as circunstâncias em que o delito ocorreu. Muito embora esteja presente uma circunstância qualificadora - o concurso de agentes - os demais elementos descritos nos autos permitem concluir que, neste caso, a conduta perpetrada não apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da norma penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e seu valor reduzido.
08) Furto - Princípio da Insignificância - Não reconhecimento - Bem infungível - Disco de Ouro da vítima:
TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. HC. APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. (Info 461 do STJ – Sexta Turma)
Trata-se, no caso, do furto de um “Disco de Ouro”, de propriedade de renomado músico brasileiro, recebido em homenagem à marca de 100 mil cópias vendidas. Apesar de não existir nos autos qualquer laudo que ateste o valor da coisa subtraída, a atitude do paciente revela reprovabilidade suficiente para que não seja aplicado o princípio da insignificância, haja vista a infungibilidade do bem.
Para aplicar o referido princípio, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da ordem jurídica provocada.
Assim, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados: HC 146.656-SC, DJe 1º/2/2010; HC 145.963-MG, DJe 15/3/2010, e HC 83.027-PE, DJe 1º/12/2008.
STJ - HC 190.002-MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 3/2/2011.
09) Furto Tentado – Insignificância – Aplicabilidade in casu – Subtração de um violão:
HC N. 94.770-RS - REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO.
1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística.
2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que adota São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo.
3. O paciente se apropriou de um violão cujo valor restou estimado em R$ 90.00 [noventa reais]. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado, bem assim à integridade da ordem social.
Ordem deferida.
10) Furto - Princípio da Insignificância (que exclui o crime) não se confunde com "Bagatela" (que reduz pena):
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO. BAGATELA. (Informativo n.º 346 do STJ)
No âmbito do furto, não há que se confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. O primeiro [bem de pequeno valor] pode caracterizar privilégio (art. 155, § 2º, do CP), com a previsão, pela lei penal, de pena mais branda compatível com a pequena gravidade da conduta. O segundo [insignificância], necessariamente, exclui o crime diante da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado (princípio da insignificância). No caso dos autos, houve o furto consumado de uma carteira contendo um talonário de cheques e sessenta reais em dinheiro, pelo que não há que se falar em irrelevância da conduta. A subtração de bens cujo valor é considerado ínfimo não é indiferente para o Direito Penal, visto que a opção por não reprimir tal conduta representaria incentivo a esses pequenos delitos que, juntos, trariam a desordem social. Precedentes citados: HC 47.105-DF, DJ 10/4/2006, e RHC 17.892-DF, DJ 19/12/2005.
STJ - REsp 746.854-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008.
11) Furto - Princípio da Insignificância – Aplicação mesmo ao réu reincidente, com maus antecedentes ou com ações penais em curso:
DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA HIPÓTESE DE ACUSADO REINCIDENTE OU PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES. Ainda que se trate de acusado reincidente ou portador de maus antecedentes, deve ser aplicado o princípio da insignificância no caso em que a conduta apurada esteja restrita à subtração de 11 latas de leite em pó avaliadas em R$ 76,89 pertencentes a determinado estabelecimento comercial. Nessa situação, o fato, apesar de se adequar formalmente ao tipo penal de furto, é atípico sob o aspecto material, inexistindo, assim, relevância jurídica apta a justificar a intervenção do direito penal.
STJ - HC 250.122-MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 2/4/2013.
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. FERRAGENS. (Informativo n.º 441 do STJ – Sexta Turma)
O paciente, auxiliado por dois menores, subtraiu para si ferragens de uma construção civil no valor de R$ 100.
Esse contexto permite a aplicação do princípio da insignificância, quanto mais se já consolidado, na jurisprudência, que condições pessoais desfavoráveis, maus antecedentes, reincidência e ações penais em curso não impedem a aplicação desse princípio.
Precedentes citados do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; do STJ: HC 124.185-MG, DJe 16/11/2009; HC 83.143-DF, DJ 1º/10/2007, e HC 126.176-RS, DJe 8/9/2009.
STJ - HC 163.004-MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 5/8/2010.
12) Furto - Princípio da Insignificância – Não aplicação ao réu reincidente – Vítima pobre – Prática mediante arrombamento:
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA.
Mesmo considerando tratar-se da tentativa de furto de um secador de cabelos (R$ 40,00), não há que falar em mínima ofensividade da conduta, enquanto o comportamento do agente, reincidente na prática de crimes contra o patrimônio (tal como se vê do acórdão recorrido), revela suficiente periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, o que inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Precedentes citados do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; HC 84.424-SP, DJ 7/10/2005; do STJ: RHC 17.892-DF, DJ 19/12/2005, e HC 47.247-MS, DJ 12/6/2006.
STJ - RHC 24.326-MG, Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 17/3/2009.
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. MOTOR ELÉTRICO. (Informativo n.º 476 do STJ – Sexta turma)
A Turma não aplicou o princípio da insignificância no caso em que o paciente foi denunciado pelo furto de um motor elétrico avaliado em R$ 88,00. De acordo com o Min. Relator, não obstante o pequeno valor da res furtiva, o réu é reincidente e a conduta delituosa foi perpetrada mediante arrombamento da janela da residência da vítima, um lavrador de frágil situação financeira.
Precedentes citados do STF: HC 96.202-RS, DJe 27/5/2010; do STJ: HC 130.365-SP, DJe 1º/2/2011; HC 152.875-SP, DJe 7/6/2010, e HC 139.600-RS, DJe 29/3/2010.
STJ - HC 195.178-MS, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), julgado em 7/6/2011.
13) Furto - Princípio da insignificância - Réu reincidente específico - Não aplicação:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO. INSIGNIFICÂNCIA. CONCEITO INTEGRAL DE CRIME. PUNIBILIDADE CONCRETA. CONTEÚDO MATERIAL. BEM JURÍDICO TUTELADO. GRAU DE OFENSA. COMPORTAMENTO SOCIAL. REITERAÇÃO DELITIVA ESPECÍFICA. DEVOLUÇÃO DOS BENS SUBTRAÍDOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção, à luz dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
2. As hipóteses de aplicação do princípio da insignificância se revelam com mais clareza no exame da punibilidade concreta - possibilidade jurídica de incidência de uma pena -, que atribui conteúdo material e sentido social a um conceito integral de delito como fato típico, ilícito, culpável e punível, em contraste com estrutura tripartite (formal).
3. Por se tratar de categorias de conteúdo absoluto, a tipicidade e a ilicitude não comportam dimensionamento do grau de ofensa ao bem jurídico tutelado - compreendido a partir da apreciação dos contornos fáticos e dos condicionamentos sociais em que se inserem o agente e a vítima.
4. O diálogo entre a política criminal e a dogmática na jurisprudência sobre a bagatela é também informado pelos elementos subjacentes ao crime, que se compõem do valor dos bens subtraídos e do comportamento social do acusado nos últimos anos.
5. A reincidência ou reiteração delitiva é elemento histórico objetivo, e não subjetivo, ao contrário do que o vocábulo possa sugerir. Isso porque não se avalia o agente (o que poderia resvalar em um direito penal do autor), mas, diferentemente, analisa-se, de maneira objetiva, o histórico penal do indivíduo, que poderá indicar aspecto impeditivo da incidência da referida exclusão da punibilidade. Essa análise, portanto, não se traduz no exame do indivíduo em si ou no que ele representa para a sociedade como pessoa, mas nas consequências reais, concretas e objetivas, extraídas de seu comportamento histórico avesso ao direito e na perspectiva, apoiada em tais evidências, de recidiva de tal comportamento. Sob pena de violação do princípio da isonomia, o indivíduo que furta uma vez não pode ser igualado ao que furta habitualmente, escorando-se este, conscientemente, na impunidade.
6. O legislador penal confere relevo ao histórico de vida pregressa do réu para outorgar-lhe a redução da pena, em forma de causa especial de diminuição da sanção, como, v.g., se verifica em diversas cominações da parte especial, a exemplo da descrita no art. 155, § 2º, do CP, reproduzida em diversos outros preceitos penais, como nos arts. 171, § 1º, 168, § 3º, 180, § 5º, e 337-A, § 2º. Em todos esses dispositivos, fica evidenciado, sem margem a tergiversações, que o legislador penal, máxime em crimes que afetam o patrimônio alheio, dá importância ao comportamento pretérito do agente para conceder-lhe o benefício da redução da pena. De igual modo, a Parte Geral do Código Penal dá vários exemplos de interferência da primariedade e/ou dos bons antecedentes penais do réu para fins de individualizar a sanção ou para conceder ou não certos benefícios. Destaco os arts. 44, III, 59, caput, 71, parágrafo único, 77, II, e 83. Igualmente, em leis extravagantes (v. g., art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990) e na Lei de Execução Penal (art. 112 da Lei n. 7.210/1984).
7. Na espécie, a reincidência específica do réu é incompatível com a aplicação do princípio da insignificância. Apesar de o valor dos bens furtados de pessoa jurídica não haver sido estimado, não se pode presumir que um par de óculos e um relógio de pulso tenham valor ínfimo, dada a natureza desses produtos.
8. A mera restituição dos bens furtados à vítima não constitui, por si só, razão suficiente para reconhecimento da bagatela.
9. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no HC 583.008/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 14/05/2021)
14) Furto - Princípio da Insignificância - Réu com histórico de ações de mesma natureza - Descabimento - Valor irrisório do bem, só por si, não autoriza o reconhecimento da insignificância:
FURTO SIMPLES. CRIME IMPOSSÍVEL. SISTEMA ELETRÔNICO DE VIGILÂNCIA. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. RES FURTIVA. VALOR IRRISÓRIO.
A Turma, cassando a liminar deferida, denegou a ordem na qual se pretendia o reconhecimento da ocorrência de crime impossível ou absolvição do paciente pela aplicação direta do princípio da insignificância e, subsidiariamente, a alteração do regime inicial de cumprimento da pena. Na espécie, o paciente foi condenado, pelo delito descrito no art. 155, caput, do Código Penal (CP), à pena de três anos e quatro meses de reclusão em regime semiaberto. Inicialmente, ressaltou o Min. Relator a posição firmada neste Superior Tribunal em diversos precedentes de que a presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial não se mostra infalível para impedir a consumação dos delitos de furto. Logo, não seria o caso do reconhecimento da figura do crime impossível. Em seguida, destacou que, para a exclusão da tipicidade material pela aplicação do princípio da insignificância, como consabido, seria necessária a apreciação dos seguintes requisitos: a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovação do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ponderou, dessa forma, que a suposta inexpressividade da lesão jurídica provocada, configurada pela pequena lesão causada ao patrimônio da vítima, não deve ser utilizada como único parâmetro para aplicação do aludido princípio sob pena de relativizar o direito de propriedade, bem como estimular a prática reiterada de furtos de bens pequeno valor. Considerou, ademais, que o crime tratado nos autos não representa fato isolado na vida do paciente, razão pela qual a sua conduta não deve ser tida como penalmente irrelevante, mas comportamento altamente reprovável a ser combatido pelo Direito Penal. Inclusive, consta dos autos que o paciente, após ter tentado subtrair outros itens por diversas vezes no mesmo estabelecimento comercial, teria sido advertido de que, se houvesse outra tentativa, a Polícia Militar seria acionada. Por fim, diante da ausência de flagrante ilegalidade suportada pelo paciente apta a viabilizar a análise da matéria no mandamus, foi mantido o regime prisional semiaberto. Precedente citado do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004.
STJ - HC 181.138-MG, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 8/11/2011.
15) Furto - Princípio da Insignificância – Réu criminoso habitual (não reincidente) – Não aplicação pois poderia incentivar a prática de pequenos delitos:
STF – HC 114462
2ª Turma: reiteração na prática criminosa afasta princípio da insignificância
“O ilícito não pode ser meio de vida em um estado democrático de direito”. Com esta observação, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia desempatou o julgamento do Habeas Corpus (HC) 114462 para determinar o julgamento de C.R.M. pela tentativa de furto de duas tábuas de construção, no valor de R$ 20 reais. O caso foi analisado em sessão da Segunda Turma da Corte realizada nesta terça-feira (11). Com a decisão, a Turma negou a ordem de HC em que a Defensoria Pública da União (DPU) pedia a aplicação do princípio da insignificância e revogou liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso (aposentado) em julho de 2012, que havia determinado a suspensão da ação penal contra C.R.M. junto à Vara Criminal da Comarca de Bento Gonçalves (RS). Ao determinar ao juiz de primeiro grau que dê curso ao processo, a Turma aplicou entendimento no sentido de que a reiteração da prática delitiva afasta o reconhecimento da insignificância penal. Conforme consta dos autos, C.R.M. já foi beneficiado duas vezes com aplicação do princípio da insignificância, em ações de que foi réu. Além disso, responde a mais três ações nas quais é acusado de furto.
Votos
O relator do processo, ministro Teori Zavascki, observou que a situação narrada nos autos deve ser analisada de forma mais abrangente, não se examinando somente o resultado material da conduta, mas também levando em consideração a contumácia do réu. Com base em jurisprudência da Turma, o relator destacou que, para aplicação do princípio, “importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe se desvirtuando o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação penal”. Seu voto negando a ordem de HC foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
Os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello foram vencidos na votação. Mendes afirmou estar em jogo a segurança jurídica, pois o processo penal havia sido suspenso por liminar deferida há mais de um ano pelo ministro Cezar Peluso e que o fato supostamente delituoso que deu origem à denúncia ocorreu em maio de 2009.
Por seu turno, o ministro Celso de Mello disse que caberia aplicar ao caso o princípio da presunção de inocência, já que não há condenação de C.R.M. transitada em julgado. Para o ministro, a aplicação por duas vezes do princípio da insignificância não significa condenação, tampouco o acusado foi condenado nos outros três processos ainda em curso.
Trâmite
O juiz de primeiro grau rejeitou a denúncia formulada contra C.R.M. Por isso, o Ministério Público apelou ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que deu provimento ao recurso para determinar o recebimento da denúncia. Contra essa decisão, a defesa impetrou HC no STJ, que negou o pedido. Em seguida, a DPU impetrou HC no Supremo.
RHC N. 112.707-DF - RELATORA: MIN. ROSA WEBER
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS.
1. Avalia-se a pertinência do princípio da insignificância, em casos de pequenos furtos, a partir não só do valor do bem subtraído, mas também de outros aspectos relevantes da conduta imputada.
2. Não tem pertinência o princípio da insignificância se o crime de furto é praticado mediante ingresso subreptício na residência da vítima, com violação da privacidade e da tranquilidade pessoal desta.
3. A existência de registros criminais pretéritos contra o recorrente obsta por si só a aplicação do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (v.g.: HC 109.739/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora.
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. TENTATIVA. FURTO QUALIFICADO. ALIMENTO. HABITUALIDADE. CONDUTA. (Informativo n.º 472 do STJ – Quinta Turma)
Noticiam os autos que o paciente foi absolvido sumariamente em primeira instância pela prática do crime previsto no art. 155, § 4º, IV, c/c 14, II, ambos do CP (tentativa de furto qualificado). Houve apelação e o tribunal a quo reformou a decisão do juiz, dando provimento ao recurso do MP estadual para receber a denúncia oferecida contra os pacientes. Irresignada, a Defensoria Pública interpôs embargos de declaração que foram rejeitados. Daí o habeas corpus, sustentando que deve ser reconhecida a atipicidade da conduta em razão da aplicação do princípio da insignificância, haja vista o irrisório valor da res furtiva (6 kg de carne avaliados em R$ 51,00).
No entanto, para a maioria dos ministros da Turma, a habitualidade da conduta tida por criminosa descaracteriza sua insignificância. Assim, se consta dos autos que o paciente continua praticando delitos de pequeno valor patrimonial, não se poderia dar salvo conduto à prática delituosa. Por outro lado, somados os reiterados delitos, ultrapassar-se-ia o pequeno valor, que, assim, deixa de ser irrisório e passa a ter relevância para a vítima. Ademais, mesmo verificada a necessidade e utilidade da medida de política criminal do princípio da insignificância, é imprescindível que sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, como exige a jurisprudência do STF: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência total de periculosidade social da ação, o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.
Destarte, cabe ao intérprete da lei penal delimitar o âmbito de abrangência dos tipos penais abstratamente positivados no ordenamento jurídico, de modo a excluir de sua proteção aqueles fatos provocadores de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado, nos quais tem aplicação o princípio da insignificância. Anotou-se ainda que, nesses casos, não é possível aplicar esse princípio, pois haveria a possibilidade de incentivar o pequeno delinquente, sabendo que nunca será apenado, a fazer sucessivos furtos de pequenos valores. Com esses argumentos, entre outros, a Turma, por maioria, denegou a ordem. O Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ) ficou vencido por entender que, no caso, não se trata de reincidência, mas de habitualidade na repetição da conduta e a habitualidade é uma conduta que lhe é atribuída, mas que não teve ainda o crivo do Poder Judiciário, ou seja, nem do contraditório nem do devido processo legal. Precedente citado do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004.
STJ - HC 196.132-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 10/5/2011.
16) Furto - Princípio da insignificância – Baixo valor do bem (R$ 200,00) – Réu primário – Vetores a serem observados – Subsidiariedade do sistema penal:
DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na subtração, por réu primário e sem antecedentes, de um par de óculos avaliado em R$ 200,00. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal. Posto isso, conveniente trazer à colação excerto de julgado do STF (HC 98.152-MG, DJ 5/6/2009), no qual foram apresentados os requisitos necessários para a aferição do relevo material da tipicidade penal: “O postulado da insignificância – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal”. Na hipótese em análise, verifica-se a presença dos referidos vetores, de modo a atrair a incidência do princípio da insignificância.
STJ - AgRg no RHC 44.461-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/5/2014.
17) Furto privilegiado e qualificado – Possibilidade:
FURTO QUALIFICADO. PRIVILÉGIO. PRIMARIEDADE. PEQUENO VALOR. RES FURTIVA. (Informativo n.º 481 do STJ – Terceira Seção)
A Seção, pacificando o tema, julgou procedente os embargos de divergência, adotando orientação de que o privilégio estatuído no § 2º do art. 155 do CP mostra-se compatível com as qualificadoras do delito de furto, desde que as qualificadoras sejam de ordem objetiva e que o fato delituoso não seja de maior gravidade. Sendo o recorrido primário e de pequeno valor a res furtiva, verificando-se que a qualificadora do delito é de natureza objetiva – concurso de agentes – e que o fato criminoso não se revestiu de maior gravidade, torna-se devida a incidência do benefício legal do furto privilegiado, pois presente a excepcionalidade devida para o seu reconhecimento na espécie. Precedentes citados do STF: HC 96.843-MS, DJe 23/4/2009; HC 100.307-MG, DJe 3/6/2011; do STJ: AgRg no HC 170.722-MG, DJe 17/12/2010; HC 171.035-MG, DJe 1º/8/2011, e HC 157.684-SP, DJe 4/4/2011.
STJ - EREsp 842.425-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgados em 24/8/2011.
HC. FURTO PRIVILEGIADO E QUALIFICADO. (Informativo n.º 459 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública contra acórdão do TJ em que o paciente foi condenado ao cumprimento de dois anos de reclusão em regime aberto, substituído por prestação de serviços à comunidade por igual período e, ainda, ao pagamento de dez dias-multa por violação do art. 155, § 4.º, III e IV, do CP. Isso porque o paciente, juntamente com o corréu e mediante o emprego de chave falsa (mixa), subtraiu para si um aparelho toca-cds que se achava instalado no interior do veículo, sendo que não houve prejuízo à vítima, pois a res furtiva foi recuperada. As instâncias ordinárias reconheceram que o paciente era primário, bem como que a res furtiva foi avaliada em R$ 150,00 – consta do auto de avaliação indireta juntado aos autos que esse valor era inferior ao salário mínimo vigente de R$ 240,00 à época do delito (janeiro de 2004). Busca a impetração o reconhecimento do furto privilegiado, aplicando-se ao paciente pena de multa; para isso, alega que a conduta perpetrada pelo agente se amolda ao tipo previsto no art. 155, § 2.º, do CP. Para o Min. Relator, a questão dos autos envolve admitir ou não, em nosso ordenamento jurídico, a figura do furto qualificado-privilegiado. Assevera que o acentuado desvalor de ação nas hipóteses de furto qualificado não pode ser abalado ou neutralizado pela configuração de dados componentes do furto privilegiado (menor desvalor de resultado e primariedade), visto que o furto privilegiado se identificaria com o furto bisonho de um réu primário. Afirma não guardar o furto privilegiado relação com as maneiras de agir (revoltantes e atrevidas) descritas no § 4.º do art. 155 do CP (furto qualificado). Ademais, explica que, se o desvalor de resultado não distingue, em termos do bem jurídico patrimônio, o ilícito penal do ilícito civil, carece de sentido jurídico aceitar que, no furto, um menor desvalor de resultado possa nulificar o acentuado desvalor de ação (fator decisivo, aqui, na identificação do grau do injusto). Considera ainda o Min. Relator, entre outras questões, que, se fosse aplicado ao § 4º o disposto no § 2.º, ter-se-ia acentuada diferença de tratamento penal na aplicação ao réu reincidente em comparação ao primário; no concurso de agentes, o primário ficaria com pena simbólica e o reincidente, com pena acima de dois anos de reclusão (dada a agravante), mas ressalta que a mesma situação poderia ocorrer em processos distintos. Observa, com base na doutrina e na jurisprudência, que, se fosse diferente, toda tentativa de furto seria, em verdade, tentativa de furto privilegiado. Conclui que, ainda que a res furtiva seja de pequeno valor (e não ínfimo, porquanto esse implicaria a incidência do princípio da insignificância) e o réu seja primário, não se aplica ao furto qualificado a minorante do § 2.º do mesmo artigo e codex citados. Não obstante os abalizados argumentos do Min. Relator, a Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu a ordem, aderindo, por maioria, ao voto vista do Min. Jorge Mussi, de acordo com a mais recente orientação do Supremo Tribunal Federal a qual afirma não haver qualquer incompatibilidade teórica ou legal da incidência do privilégio do § 2.º do art. 155 do CP às hipóteses de furto qualificado, desde que as qualificadoras sejam de ordem objetiva e que a pena final não fique restrita à multa. O voto vista aplicou, em favor do paciente, o privilégio do § 2º do art. 155 do CP, observando que sua pena definitiva ficou em oito meses de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período em local e hora a serem designados pelo juízo da execução, além do pagamento de sete dias-multa, mantidos, no mais, a sentença e o acórdão impugnado. Também noticiou que a Sexta Turma deste Superior Tribunal vem reconhecendo a compatibilidade entre o furto qualificado e o privilégio disposto no § 2.º do art. 155 do CP, conforme a orientação do STF. Precedentes citados do STF: HC 102.490-SP, DJe 18/6/2010; HC 97.034-MG, DJe 7/5/2010; HC 99.569-MG, DJe 12/3/2010; HC 99.581-RS, DJe 5/3/2010; HC 96.752-RS, DJe 14/8/2009; HC 96.843-RS, DJe 14/6/2009; no STJ: REsp 77.143-SP, DJ 10/6/1996; REsp 84.671-SP, DJ 17/2/1997; HC 124.238-MG, DJe 7/12/2009, e HC 118.206-MG, DJe 8/6/2009.
STJ - HC 157.684-SP, Rel. originário Min. Felix Fischer, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 7/12/2010.
HC N. 97.051-RS (Informativo n.º 593 do STF)
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. (...). 5. As causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis com as de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal. Precedentes. 6. Ordem parcialmente concedida, para, reconhecendo a compatibilidade entre as causas especiais de diminuição (privilégio) e de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal, restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
* noticiado no Informativo 563
HC N. 97.034-MG (Informativo n.º 585 do STF)
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. INCIDÊNCIA DO PRIVILÉGIO DA PRIMARIEDADE E DO PEQUENO VALOR DA COISA SUBTRAÍDA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de homicídio privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso. Noutro dizer, tratando-se de qualificadora de caráter objetivo (meios e modos de execução do crime), é possível o reconhecimento do privilégio (sempre de natureza subjetiva).
2. A mesma regra de interpretação é de ser aplicada no caso concreto, dado que as qualificadoras do concurso de pessoas e da destreza em nada se mostram incompatíveis com: a) o fato de ser a acusada penalmente primária; b) inexpressividade financeira da coisa subtraída.
Precedentes de ambas as Turmas do STF: HCs 94.765 e 96.843, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); HC 97.051, da relatoria da ministra Cármen Lúcia (Primeira Turma); e HC 98.265, da minha relatoria (Primeira Turma).
3. Ordem concedida para reconhecer a incidência do privilégio do § 2º do art. 155 do CP.
18) Furto privilegiado – Serviço Público – Ligação clandestina de água – Descabimento do princípio da insignificância:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. FURTO DE ÁGUA DE COMPANHIA DE ABASTECIMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Além da subsunção formal da conduta humana a um tipo penal, deve haver uma aplicação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, para aferir se houve ofensividade relevante aos valores tidos como indispensáveis à ordem social. 2. Esta Corte Superior tem entendido ser inviável a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, ante a audácia demonstrada pelo agente, a caracterizar maior grau de reprovabilidade da sua conduta. 3. O reconhecimento do privilégio legal - direito subjetivo do réu - exige a conjugação de dois requisitos objetivos, consubstanciados na primariedade e no pequeno valor da coisa furtada, que, na linha do entendimento pacificado neste Superior Tribunal, deve ter como parâmetro o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos. 4. A conduta do paciente - da subtração da água mediante rompimento de obstáculo (lacre do hidrômetro e uso de um by pass) não se revela como de escassa ofensividade penal e social, visto que a lesão jurídica não se resume à água subtraída da empresa vítima, mas, mas da imposição de uma série de riscos a toda sociedade. Em tempos de escassez hídrica, aquele que furta água não precisa se preocupar em economizar, pois sobre ele não incidirão dispositivos como bandeiras tarifárias, multas por excesso de consumo etc. 5. Ademais, as perdas de água não se apresentam apenas como um problema econômico decorrente da falta de pagamento pela água consumida, pois têm implicações mais amplas, com repercussões significativas no que concerne à saúde pública, com a possibilidade de contaminação da rede por ligações clandestinas, à necessidade de investimentos para as ações de redução ou manutenção das perdas, - que não são cobertos pelo eventual pagamento da água furtada -, à perda de funcionamento eficiente do sistema, entre outros. 6. A importância em se coibir a prática do furto de bem tão precioso para a vida e a cidadania tem movido inúmeras agências governamentais e internacionais em torno da preservação da água, a ponto do Painel de especialistas em perdas de águas da IWA (Associação Internacional da Água) estabelecer entre as metas de manejo da água - desde a captação, passando pelo tratamento, até a distribuição - a necessidade de reduzir os impactos dos furtos que causam perdas desnecessárias para o sistema de distribuição. 7. A prática disseminada das ligações clandestinas de água - os "gatos" - acabam por ter um último efeito deletério: por aumentarem demasiadamente os índices de perda das companhias de abastecimento - risco esse avaliado pelos bancos no momento de avaliar os projetos de investimento - inviabilizam o acesso a linhas de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, atrasando, assim, o cronograma de expansão das companhias de abastecimento e de saneamento, postergando, assim, o acesso da população mais carente à água limpa e à rede de coleta de resíduos, direitos humanos garantidos na Constituição Federal de 1988. 8. Situação que se diferencia - pela exclusividade da tese defensiva da insignificância da conduta - da julgada no RHC nº 59.656-MG, em que a Sexta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso (este relator ficou vencido), por considerar que o pagamento do débito perante a companhia de água antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade, mediante aplicação analógica do disposto nos arts. 34 da Lei nº 9.249/1995 e 9º da Lei nº 10.684/2003. 9. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no HC 308.536/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 06/06/2016)
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO PRIVILEGIADO. PROVA. SENTENÇA QUE ABSOLVEU O RÉU COM BASE NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REFORMA. CONDENAÇÃO. QUALIFICADORA DA FRAUDE. RECONHECIMENTO. A materialidade e a autoria restaram suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos. Não só o réu confessou espontaneamente a prática subtrativa, tanto em sede policial como em juízo, como também o desvio por ele realizado nos canais de água que abasteciam a sua residência foi confirmado por um dos servidores da companhia de distribuição, responsáveis pela verificação do ilícito, tudo de acordo, ademais, com os documentos e imagens acostadas aos autos. Assim, inexistem dúvidas de que o réu construiu desvio nos canais de água que abasteciam a sua residência, fazendo com que apenas pequeno volume consumido fosse contabilizado pelo hidrômetro, conduta que somente foi revelada, quando da realização de inspeção pelos servidores da companhia, a fim de averiguar o motivo da brusca redução do consumo de água naquele local. Por outro lado, deve ser reformada a sentença, no ponto em que absolveu o réu, com base no princípio da insignificância, cuja aplicação deve se orientar, não apenas pelo valor da res, que deve ser desprezível, mas também pelo desvalor da conduta e do resultado, pela repercussão do fato na pessoa da vítima e pelas condições pessoais do acusado. Na espécie, não estão presentes as circunstâncias que autorizariam a aplicação do aludido princípio, em especial considerando o bem objeto do furto, bastante precioso à coletividade, assim como o prejuízo verificado e a existência de circunstância a qualificar o crime. Quanto à qualificadora fraude, impositivo seu reconhecimento, pois o réu, ao alterar os canais que abasteciam de água sua residência, utilizou-se de manobra enganosa para ludibriar a companhia vítima, fazendo com que apenas pequena parcela do consumo fosse contabilizada pelo hidrômetro. PRIVILEGIADORA. RECONHECIMENTO. Nada obsta o reconhecimento da privilegiadora do art. 155, §2º, do CP no furto qualificado, desde que presentes os requisitos ali elencados. Na espécie, em se tratando de réu primário, bem como de pequeno valor a res, pois inferior ao salário mínimo então vigente, é de ser reconhecida, para ele, a privilegiadora do furto. PENA. DOSIMETRIA. Diante da presença de um vetor negativo do art. 59 do CP, a pena base foi afastada quatro meses do mínimo legal. A seguir, presente a atenuante da confissão espontânea, tornou-se provisória a pena de 02 (dois) anos de reclusão. Na terceira fase, reconhecida a privilegiadora do furto, a pena foi reduzida pelo índice de 1/3, perfazendo-se definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. tornando-se definitiva, porquanto ausentes outras causas moduladoras, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. A pena de multa foi fixada em 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária mínima, à vista dos vetores do art. 59 do CP e das aparentes condições econômicas do réu. Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, foi substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo. Em caso de conversão, o regime para inicial cumprimento da pena privativa é o aberto, conforme art. 33, §2º, “c”, do CP. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS CUSTAS, COM BASE NO ART. 98 DO CPC. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.(Apelação Crime, Nº 70073742132, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em: 28-03-2018)
19) Furto privilegiado - Insignificância não se confunde com bagatela – Possibilidade de caracterização do privilégio ao furto de bem de pequeno valor:
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO. BAGATELA. (Informativo n.º 346 do STJ)
No âmbito do furto, não há que se confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. O primeiro [bem de pequeno valor] pode caracterizar privilégio (art. 155, § 2º, do CP), com a previsão, pela lei penal, de pena mais branda compatível com a pequena gravidade da conduta. O segundo [insignificância], necessariamente, exclui o crime diante da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado (princípio da insignificância). No caso dos autos, houve o furto consumado de uma carteira contendo um talonário de cheques e sessenta reais em dinheiro, pelo que não há que se falar em irrelevância da conduta. A subtração de bens cujo valor é considerado ínfimo não é indiferente para o Direito Penal, visto que a opção por não reprimir tal conduta representaria incentivo a esses pequenos delitos que, juntos, trariam a desordem social. Precedentes citados: HC 47.105-DF, DJ 10/4/2006, e RHC 17.892-DF, DJ 19/12/2005.
REsp 746.854-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008.
20) Furto – Arrependimento posterior - Pagamento do débito antes do oferecimento (ou do recebimento) da denúncia – Extinção de punibilidade – Impossibilidade - Cabe apenas redução de pena:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - RHC 101.299-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, por unanimidade, julgado em 13/03/2019, DJe 04/04/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Terceira Seção)
Furto de energia elétrica mediante fraude. Pagamento do débito antes do recebimento da denúncia. Extinção da Punibilidade. Impossibilidade. Não aplicação analógica do art. 34 da Lei n. 9.249/1995.
No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade.
Saliente-se que são três os fundamentos para a não aplicação do instituto de extinção de punibilidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia. Em primeiro lugar, seria diversa a política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária. O furto de energia elétrica, além de atingir a esfera individual, tem reflexos coletivos e, não obstante seja tratado na prática como conduta sem tanta repercussão, se for analisado sob o aspecto social, ganha conotação mais significativa, ainda mais quando considerada a crise hidroelétrica recentemente vivida em nosso país. A intenção punitiva do Estado nesse contexto deve estar associada à repreensão da conduta que afeta bem tão precioso da humanidade. Desse modo, o papel do Estado, nos casos de furto de energia elétrica, não deve estar adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve coibir ou prevenir eventual prejuízo ao próprio abastecimento elétrico do país, que ora se reflete na ausência ou queda do serviço público, ora no repasse, ainda que parcial, do prejuízo financeiro ao restante dos cidadãos brasileiros. Em segundo lugar, há impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei n. 9.249/1995 aos crimes contra o patrimônio, porquanto existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da "dívida" antes do recebimento da denúncia (art. 16 do Código Penal). Destarte, ainda que se pudesse observar a existência de lacuna legal, não nos poderíamos valer desse método integrativo, uma vez que é nítida a discrepância da ratio legis entre as situações jurídicas apresentadas, em que uma a satisfação estatal está no pagamento da dívida e a outra no papel preventivo do Estado, que se vê imbuído da proteção a bem jurídico de maior relevância. Por fim, diferentemente do imposto, a tarifa ou preço público tem tratamento legislativo diverso. A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário.
DIREITO PENAL - HC 412.208-SP, Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 20/03/2018, DJe 23/03/2018.
Furto de energia elétrica. Extinção da punibilidade pelo pagamento do débito antes do recebimento da denúncia. Impossibilidade. Novo entendimento.
Não configura causa de extinção de punibilidade o pagamento de débito oriundo de furto de energia elétrica antes do oferecimento da denúncia.
De início, quanto à configuração de causa de extinção de punibilidade, ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça se posicionava no sentido de que o pagamento do débito oriundo do furto de energia elétrica, antes do oferecimento da denúncia, configurava causa de extinção da punibilidade, pela aplicação analógica do disposto no art. 34 da Lei n. 9.249/1995 e do art. 9º da Lei n. 10.684/2003. Ocorre que a Quinta Turma desta Corte, no julgamento do AgRg no REsp 1.427.350/RJ, DJe 14/3/2018, modificou a posição anterior, passando a entender que o furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao arrependimento posterior. Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis n. 9.249/1995 e n. 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal. Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da "dívida" antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena. Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no art. 34 da Lei n. 9.249/1995 e no art. 9º da Lei n. 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.
21) Furto - Bem sob administração militar - Delito praticado por civil em ambiente militar - Competência da Justiça Castrense:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 145.721-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, por unanimidade, julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018
Furto nas dependências de local sujeito à administração militar. Militar em serviço. Res furtiva sob administração militar. Competência do juízo castrense.
Compete à Justiça Militar processar e julgar o crime de furto, praticado por civil, de patrimônio que, sob administração militar, encontra-se nas dependências desta.
Preliminarmente, importante consignar que não se desconhece a tramitação da ADPF n. 289 perante a Suprema Corte, na qual a Procuradoria-Geral da República pretende o reconhecimento da incompetência da Justiça Militar da União para julgamento de civis em tempo de paz. Contudo, inexistindo pronunciamento com efeito erga omnes nesse sentido, ou edição de Súmula Vinculante, permanece o entendimento firmado no sentido de se considerar crime militar o furto praticado em local sujeito à administração militar em detrimento de patrimônio sob administração militar. Na hipótese analisada, ainda que praticado por civil, extrai-se dos autos que o furto ocorreu nas dependências do Parque de Material Aeronáutico, a res furtiva estava na posse de soldado da Aeronáutica em serviço e pertence ao material bélico das Forças Armadas. Por esse motivo, restou configurado o crime militar, nos termos do art. 9º, inciso III, alínea I, "a", do Código Penal Militar. No mesmo sentido, observa-se precedente no qual é possível verificar a competência da Justiça Estadual quando o objeto material do delito é de propriedade privada, nos levando à conclusão que, se pertencesse à administração militar, a competência seria da Justiça Castrense.
(STJ - CC 115.311-PA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe 21/03/2011).
22) Fraude em medidor de energia elétrica para apontar consumo menor - Induzimento em erro da companhia de eletricidade - Estelionato - Tipicidade - Infração diversa do furto:
DIREITO PENAL - AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019 (Informativo n.º 648 do STJ - Quinta Turma)
Alteração no medidor de energia elétrica. Fraude por uso de substância. Redução do consumo de energia. Induzimento ao erro da companhia elétrica. Tipicidade legal. Estelionato.
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato.
Não se desconhece o precedente firmado nos autos do RHC n. 62.437/SC, em 2016, em que o Ministro Nefi Cordeiro consigna que a subtração de energia por alteração de medidor sem o conhecimento da concessionária, melhor se amolda ao delito de furto mediante fraude e não ao de estelionato. Ao que se pode concluir dos estudos doutrinários, no furto, a fraude visa a diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da res (inversão da posse). O bem é retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. Por sua vez, no estelionato, a fraude objetiva fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade. No caso dos autos, verifica-se que as fases "A" e "B" do medidor estavam isoladas por um material transparente, que permitia a alteração do relógio e, consequentemente, a obtenção de vantagem ilícita aos acusados pelo menor consumo/pagamento de energia elétrica - por induzimento em erro da companhia de eletricidade. Assim, não se trata da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de serviço lícito, prestado de forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo – fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato).
Furto de coisa comum
Art. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa.
§ 1.º - Somente se procede mediante representação.
§ 2.º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.
CAPÍTULO II
DO ROUBO E DA EXTORSÃO
Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1.º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: (Redação dada pela Lei n.º 13.654, de 2018)
I – (revogado); (Redação dada pela Lei n.º 13.654, de 2018)
II - se há o concurso de 02 (duas) ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
VII - se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca; (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
§ 2.º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
§ 2.º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
§ 3.º Se da violência resulta: (Redação dada pela Lei n.º 13.654, de 2018)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 07 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
Redação anterior:
"§ 2.º - A pena aumenta-se de um terço até metade:"
"I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;"
"§ 3.° Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de quinze a trinta anos, sem prejuízo da multa."
"§ 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de cinco a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)"
"§ 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90"
Legislação correlata:
- Sobre armas de fogo de uso proibido ou restrito, vide notas ao art. 16 do Estatuto do Desarmamento.
- Vide: Art. 29 do Código Penal - Concurso de agentes.
- Vide: Lei n.º 8.072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos.
Notas:
- O crime de roubo é classificado como delito complexo.
- Bens jurídicos protegidos: patrimônio, integridade física da vítima e liberdade da pessoa.
- Vide: Súmula 719 do STF - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
- Vide: Súmula 610 do STF - Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.
- Vide: Súmula 582 do STJ - Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.
- Vide: Súmula 443 do STJ - O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.
- Vide: Súmula 442 do STJ - É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo.
- Vide: Súmula 174 do STJ - No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena. (CANCELADA)
- Vide: Enunciado n.º 03 do GNCCRIM/CNPG: (ART. 157, parágrafo 2.º, VII, CP) O conceito de arma branca, previsto no inciso VII do § 2.º, do art. 157, engloba as armas próprias e impróprias. (Fonte: https://www.cnpg.org.br/)
- Arma branca: Até a entrada em vigor da Lei n.º 13.654/2018 (em 24/04/2018) prevalecia o entendimento de que o roubo mediante uso de arma branca recebia a majoração do parágrafo 2.º. Contudo, a referida lei revogou o inc. I do § 2.º e acrescentou a elementar "arma de fogo" no inc. I do § 2.º-A, o que ensejou o crescimento na doutrina e na jurisprudência da ideia de que o roubo mediante emprego de arma branca não autorizava mais a majoração de pena. Conforme alguns julgados abaixo colacionados, pode-se perceber que eventual uso de arma branca pelo agente poderia, tão somente, elevar a pena na primeira fase do cálculo (art. 59 do CP), ao serem apreciadas as circunstâncias do delito. Por se tratar de nova lei em benefício do réu, vale lembrar, a regra passou a valer para casos pretéritos. Já com a entrada em vigor da Lei n.º 13.964/2019, em 23/1/2020 (chamada de "Pacote Anticrime"), o roubo mediante uso de arma branca voltou a ser elencado no art. 157, em seu § 2.º, agora recolocado no inc. VII. Além disso, essa norma mais recente acrescentou o § 2.º-B, ao art. 157, que trata da prática do roubo mediante uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido.
Recurso Repetitivo:
- Vide: DIREITO PENAL - ProAfR no REsp 1.708.301-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 20/03/2018, DJe 26/03/2018 - A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.711.986-MG, de sorte a definir tese sobre a seguinte controvérsia: se é ou não necessária a apreensão e perícia da arma de fogo para a incidência da majorante do art. 157, § 2.º, I, do Código Penal.
Jurisprudência:
01) Roubo - Competência - Crime contra agência da ECT (Correios) – Justiça Estadual – Valores de propriedade do Banco Postal (Convênio com o Bradesco) – Lesão a ente privado tão somente:
COMPETÊNCIA. ROUBO. CORREIOS.
No caso, compete à Justiça estadual o processo e julgamento da ação penal instaurada em razão do roubo qualificado perpetrado na agência dos Correios, pois os valores subtraídos, conforme as instâncias ordinárias, eram de exclusiva propriedade do Banco Postal (convênio entre o Bradesco e a EBCT). Assim, o prejuízo é dirigido ao franqueado, sem que haja qualquer lesão a bens, serviços, ou interesses da União. Precedentes citados: HC 109.810-MG, DJe 19/12/2008; HC 39.200-SP, DJ 19/12/2005; CC 46.791-AL, DJ 6/12/2004; CC 27.343-SP, DJ 24/9/2001, e CC 30.537-PR, DJ 20/8/2001.
STJ - HC 96.684-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/8/2010.
02) Roubo - Latrocínio – Competência da Justiça Federal – Troca de tiros contra policiais federais:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR CRIME DE LATROCÍNIO.
Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de latrocínio no qual tenha havido troca de tiros com policiais rodoviários federais que, embora não estivessem em serviço de patrulhamento ostensivo, agiam para reprimir assalto a instituição bancária privada. O art. 109 da CF prevê que compete à Justiça Federal processar e julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. Assim, se um servidor público federal é vítima de um delito em razão do exercício de suas funções, tem-se que o próprio serviço público é afetado, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito (Súmula 147 do STJ). No caso, observa-se que, embora os policiais rodoviários federais não estivessem em serviço de patrulhamento ostensivo, possuem, como agentes policiais, o dever legal de prender em flagrante quem estiver praticando crime, nos termos do art. 301 do CPP: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Assim, o certo é que era incumbência dos policiais rodoviários federais, naquele momento, reprimir a prática criminosa, motivo pelo qual não há dúvidas de que agiram no exercício de suas funções, o que revela a competência da Justiça Federal. Precedente citado: RHC 31.553-MT, Quinta Turma, DJe 26/8/2013.
STJ - HC 309.914-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/4/2015, DJe 15/4/2015.
03) Roubo - Momento da consumação – Posse do bem, mesmo não sendo mansa, pacífica, no curso de perseguição ou mesmo sem sair da esfera de vigilância da vítima – Teoria da Apprehensio:
DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA DESIGNADA COMO “ROUBO DE USO”.
É típica a conduta denominada “roubo de uso”.
De início, cabe esclarecer que o crime de roubo (art. 157 do CP) é um delito complexo que possui como objeto jurídico tanto o patrimônio como a integridade física e a liberdade do indivíduo. Importa assinalar, também, que o ânimo de apossamento – elementar do crime de roubo – não implica, tão somente, o aspecto de definitividade, pois se apossar de algo é ato de tomar posse, de dominar ou de assenhorar-se do bem subtraído, que pode trazer o intento de ter o bem para si, de entregar para outrem ou apenas de utilizá-lo por determinado período. Se assim não fosse, todos os acusados de delito de roubo, após a prisão, poderiam afirmar que não pretendiam ter a posse definitiva dos bens subtraídos para tornar a conduta atípica. Ressalte-se, ainda, que o STF e o STJ, no que se refere à consumação do crime de roubo, adotam a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, segundo a qual se considera consumado o delito no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica ou haja perseguição policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. Ademais, a grave ameaça ou a violência empregada para a realização do ato criminoso não se compatibilizam com a intenção de restituição, razão pela qual não é possível reconhecer a atipicidade do delito “roubo de uso”.
STJ - REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/4/2014.
04) Roubo - Momento da consumação - Posse mansa e pacífica – Esfera de vigilância da vítima - Saída do bem - Desnecessidade:
STF - HC N. 96.696-SP
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO INDEPENDENTEMENTE DA POSSE MANSA E PACÍFICA DA COISA. PRECEDENTES. DECISÃO IMPUGNADA. REEXAME DE PROVA. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À SÚMULA 7 DO STJ. IMPROCEDÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
I - A jurisprudência desta Corte tem entendido que a consumação do roubo ocorre no momento da subtração, com a inversão da posse da res, independentemente, portanto, da posse pacífica e desvigiada da coisa pelo agente.
II – No caso em espécie, o STJ não reexaminou matéria de prova ao julgar o recurso especial. Partiu, sim, das premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido, de forma que não há falar em violação à Súmula 7 daquela Corte.
III – Habeas Corpus denegado.
HC N. 95.998-SP (Informativo n.º 550 do STF)
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. CÓDIGO PENAL. CRIME DE ROUBO (ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL). MOMENTO CONSUMATIVO. CESSADA A VIOLÊNCIA E INVERTIDA A POSSE DOS BENS SUBTRAÍDOS. PERSEGUIÇÃO PELA POLÍCIA. CAPTURA DO ACUSADO. ROUBO CONSUMADO. PRECEDENTES.
1. É de se considerar consumado o roubo quando o agente, cessada a violência ou a grave ameaça, inverte a posse da coisa subtraída. Desnecessário que o bem objeto do delito saia da esfera de vigilância da vítima. O simples fato de a vítima comunicar imediatamente o ocorrido à polícia, com a respectiva captura do acusado nas proximidades do local do crime, não descaracteriza a consumação do delito. Precedentes: RE 102.490, da relatoria do ministro Moreira Alves (Plenário); HC 89.958, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 94.406, da relatoria do ministro Menezes Direito; HC 89.653, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; HCs 89.619 e 94.552, ambos de minha relatoria. 2. Ordem denegada.
05) Roubo de uso – Tipicidade reconhecida:
DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA DESIGNADA COMO “ROUBO DE USO”.
É típica a conduta denominada “roubo de uso”. De início, cabe esclarecer que o crime de roubo (art. 157 do CP) é um delito complexo que possui como objeto jurídico tanto o patrimônio como a integridade física e a liberdade do indivíduo. Importa assinalar, também, que o ânimo de apossamento – elementar do crime de roubo – não implica, tão somente, o aspecto de definitividade, pois se apossar de algo é ato de tomar posse, de dominar ou de assenhorar-se do bem subtraído, que pode trazer o intento de ter o bem para si, de entregar para outrem ou apenas de utilizá-lo por determinado período. Se assim não fosse, todos os acusados de delito de roubo, após a prisão, poderiam afirmar que não pretendiam ter a posse definitiva dos bens subtraídos para tornar a conduta atípica. Ressalte-se, ainda, que o STF e o STJ, no que se refere à consumação do crime de roubo, adotam a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, segundo a qual se considera consumado o delito no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica ou haja perseguição policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. Ademais, a grave ameaça ou a violência empregada para a realização do ato criminoso não se compatibilizam com a intenção de restituição, razão pela qual não é possível reconhecer a atipicidade do delito “roubo de uso”. REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/4/2014.
06) Roubo forjado em concurso de agentes - Simulação - Ajuste prévio entre vítima e suposto assaltante - Pedido de desclassificação para crime de estelionato denegado - Classificação típica mantida:
DIREITO CONSTITUCIONAL – CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO (Informativo n.º 980 do STF - Primeira Turma)
Roubo forjado e classificação jurídica
A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de roubo em concurso de agentes. No caso, o paciente, funcionário de uma empresa, tinha a atribuição de movimentar quantias em dinheiro. O corréu, mediante grave ameaça, simulando portar arma de fogo, exigiu a entrega dos valores que estavam em seu poder e no de outra pessoa, na ocasião, e o paciente, fingindo ser vítima, previamente ajustado com o suposto assaltante, entregou a quantia. A defesa alegou nulidade processual, consistente em suposto desrespeito ao art. 402 do Código de Processo Penal (CPP) (1), pois não teve a oportunidade de requerer diligências ao término da instrução. Ademais, considerou inadequada a classificação jurídica dos fatos, que consubstanciariam estelionato e não roubo. A Turma, inicialmente, afastou a suposta nulidade. Afirmou que a falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento pressupõe seja o inconformismo veiculado em momento oportuno, ou seja, quando da apresentação de alegações finais. No caso, a defesa deixou de se insurgir nas alegações finais e nas razões de apelação. Além disso, a impetração sequer apontou quais diligências seriam requeridas. Ademais, o enquadramento dos fatos no tipo penal alusivo ao roubo mostrou-se adequado. Trata-se de crime complexo, cuja estrutura típica exige a realização da subtração patrimonial mediante violência ou grave ameaça à pessoa. O fato de o assalto envolver situação forjada entre o paciente e o corréu não viabiliza a ocorrência de estelionato, pois a caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção do agente de realizar o mal prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da coisa alheia móvel seja revestida de aptidão a causar fundado temor ao ofendido. Nesse sentido, a ameaça praticada pela simulação do porte de arma de fogo constitui meio idôneo a aterrorizar. Por sua vez, a circunstância de não ter o paciente feito grave ameaça contra a vítima não é relevante, porquanto a vinculação subjetiva com o corréu, a configurar o concurso de agentes, legitima sejam os fatos, em relação a ambos os acusados, enquadrados no tipo de penal de roubo, observado o art. 29 do Código Penal (CP) (2). Vencido o ministro Luiz Fux, que deferiu a ordem.
(1) CPP/1941: “Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.”
(2) CP/1940: “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
STF - HC 147584/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (HC-147584)
07) Coisa alheia móvel - Dívida de valor - Corrida de táxi - Atipicidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.757.543-RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/09/2019, DJe 07/10/2019
Dívida de corrida de táxi. Coisa alheia móvel. Não caracterização. (Informativo n.º 658 do STJ - Sexta Turma)
A dívida de corrida táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais.
No caso, o agente se negou a efetuar o pagamento da corrida de táxi e desferiu um golpe de faca no motorista, sem (tentar) subtrair objeto algum, de modo a excluir o animus furandi, o que afasta a conduta do núcleo do tipo de roubo qualificado pelo resultado, composto pelo verbo subtrair e pelo complemento "coisa alheia móvel". A equiparação da dívida de transporte com a coisa alheia móvel prevista no tipo do art. 157 do Código Penal não pode ser admitida em razão dos princípios elementares da tipicidade e da legalidade estrita que regem a aplicação da lei penal. A doutrina conceitua coisa como "tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes". Ademais, embora a dívida do agente para com o motorista tenha valor econômico, de coisa não se trata, ao menos para fins de definição jurídica exigida para a correta tipificação da conduta. Aliás, de acordo com a doutrina, "os direitos reais ou pessoais não podem ser objeto de furto".
08) Roubo majorado - Princípio da Insignificância – Inaplicabilidade - Concurso de agentes - Violência e/ou grave ameaça:
Princípio da Insignificância e Crime de Roubo - 2 (Informativo n.º 595 do STF – Primeira Turma)
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual a Defensoria Pública da União pleiteava o reconhecimento do princípio da insignificância em favor de condenado por roubo majorado pelo concurso de pessoas (CP, art. 157, § 2º, II) — v. Informativo 567. Na espécie o paciente, em companhia de dois adolescentes, empregara grave ameaça, simulando portar arma de fogo sob a camiseta, e subtraíra a quantia de R$ 3,25. Enfatizou-se que, apesar de ínfimo o valor subtraído, houvera concurso de pessoas, dentre as quais adolescentes, o que agravaria o contexto. Reportou-se, ademais, à jurisprudência do STF no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo. O Min. Ayres Britto destacou que o reconhecimento do mencionado princípio, na situação concreta dos autos, poderia servir como estímulo à prática criminosa. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por concluir pela insignificância do procedimento, ante a peculiaridade da situação.
STF - HC 97190/GO, rel. Min. Dias Toffoli, 10.8.2010. (HC-97190)
ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. (Informativo n.º 439 do STJ)
In casu, o ora recorrido foi condenado à pena de cinco anos e quatro meses de reclusão e 13 dias-multa, pela prática do delito roubo circunstanciado, em virtude da subtração, mediante violência, de um cupom fiscal e o valor de R$ 10,00 (art. 157, § 2º, II, c/c 29 e 65, I e III, d, todos os CP). O tribunal a quo, em sede de apelação, reconheceu a incidência do princípio da insignificância, uma vez que não restou caracterizada significativa lesão ao patrimônio e à pessoa, cumulativamente, e julgou extinta a punibilidade do recorrido. Assim, o cerne da questão posta no especial cinge-se à possibilidade da incidência do principio da insignificância no delito de roubo. A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que é inviável a aplicação do princípio da insignificância em crimes perpetrados com violência ou grave ameaça à vítima, não obstante o ínfimo valor da coisa subtraída. Ademais, o STF já decidiu que o referido princípio não se aplica ao delito de roubo.
Precedentes citados do: STF: RE-AgR 454.394-MG, DJ 23/3/2007; do STJ: REsp 468.998-MG, DJ 25/9/2006, e REsp 778.800-RS, DJ 5/6/2006.
STJ - REsp 1.159.735-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15/6/2010.
09) Roubo de máquina caça-níqueis – Bem jurídico utilizado para fins ilícitos – Irrelevância – Tipicidade:
ROUBO QUALIFICADO TENTADO. RES FURTIVA. BEM ILÍCITO. (Informativo n.º 478 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de paciente condenado por crime de tentativa de roubo qualificado de duas máquinas caça-níqueis à pena de dois anos e 20 dias de reclusão em regime inicial fechado. Sustenta o impetrante a atipicidade da conduta porque a tentativa de roubo incidiu sobre duas máquinas caça-níqueis, que são bens ilícitos. Assim, busca a impetração, liminarmente e no mérito, a absolvição do paciente e, subsidiariamente, requer a fixação do regime inicial intermediário. Para a Min. Relatora, ao contrário do que sustenta o impetrante, é típica a conduta de roubar as máquinas caça-níqueis porque, apesar da proibição à exploração do jogo de azar vigente em nosso ordenamento jurídico, a res furtiva tem relevância econômica, pois atinge o patrimônio da vítima, objeto jurídico tutelado pela lei penal. Por outro lado, reconhece que o regime inicial de cumprimento da pena deve ser o semiaberto nos termos da Súm. n. 269-STJ, visto que a pena-base imposta ao paciente foi fixada no mínimo legal em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais favoráveis.
Daí asseverar a Min. Relatora que, tendo em vista o quantum da pena definitiva aplicada, apesar de reincidência, afigura-se possível o condenado iniciar o cumprimento de sua reprimenda no regime prisional semiaberto.
Diante do exposto, a Turma concedeu parcialmente a ordem.
Precedentes citados: HC 132.817-SP, DJe 21/9/2009, e HC 120.039-SP, DJe 11/5/2009.
STJ - HC 202.784-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/6/2011.
10) Roubo - Prova - Palavra da vítima merece especial valoração:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO IMPRÓPRIO MAJORADO TENTADO. EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES. MÉRITO. Inequívocas a materialidade e a autoria do delito, diante da consistente palavra da vítima, corroborada por outros elementos de prova dos autos. PALAVRA DA VÍTIMA. Em delitos como o da espécie, não raras vezes cometidos sem a presença de testemunhas, a palavra da vítima merece ser recepcionada com especial valor para a elucidação do fato, sob pena de não ser possível a responsabilização penal do autor desse tipo de ilícito patrimonial. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. INAPLICABILIDADE. Configurada a violência e a grave ameaça contra a vítima, que foi agredida com uma paulada, para assegurar a posse da res, verifica-se a tipicidade do crime de roubo impróprio. CONCURSO DE AGENTES. Comprovado pela prova testemunhal, sendo desnecessário o prévio ajuste de vontades para a prática do delito, bastando um agente aderir à conduta do outro. MAJORANTE DA ARMA. ARMA IMPRÓPRIA. AFASTAMENTO. LEI POSTEIOR MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL. A Lei n.º 13.654/18 revogou o inc. I do § 2º do art. 157 do CP, inserindo, todavia, o § 2º-A, inc. I, que aumenta a pena quando o crime de roubo é cometido com o emprego de arma de fogo apenas. Com a revogação do inciso I, a majorante não mais alcança os crimes cometidos com o emprego de arma imprópria ou branca. Tratando-se de lei posterior mais benéfica, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal. APENAMENTO. Redimensionado. REGIME. Fixado o regime inicial semiaberto, por maioria. PENA DE MULTA. Redução. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70078156056, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 11/10/2018)
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. ELEMENTARES DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Aproxima o magistrado da reconstituição processual do fato e autoriza a formação do juízo condenatório perseguido pelo dominus litis na denúncia a narrativa da vítima apontando o inculpado como um dos autores do injusto subtrativo praticado mediante grave ameaça no interior de ônibus-lotação. Defesa técnica que não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar inculpação graciosa ou fato outro capaz de afastar a credibilidade do relato colhido à luz do contraditório e da ampla defesa. Inteligência do artigo 156 do CPP. Substrato probante que prevalece sobre o álibi e sobre a tese de inocência oferecidos em pretório. Inicial presunção de inocência derruída ao longo do processo-crime, observadas as garantias constitucionais postas em benefício do acusado. (...) APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70078776788, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 26/09/2018)
11) Roubo - Prova - Reconhecimento do réu pela vítima - Validade - Ausência de má-fé:
APELAÇÃO CRIME DEFENSIVA. CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO USO DE ARMA, NA SUA FORMA TENTADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE VAI MANTIDA. RECONHECIMENTO QUE NÃO DEIXA DÚVIDAS QUANTO À CORREÇÃO DO APONTE. O ACUSADO RECONHECIDO EM FOTOGRAFIA DE CELULAR DEIXADO NO LOCAL DO ROUBO, BEM COMO EM SEDE POLICIAL, POR FOTOGRAFIA E PESSOALMENTE. RECONHECENÇA CONFIRMADA EM JUÍZO E AUSENTES MOTIVOS A SUPOR DE MÁ-FÉ OU EQUÍVOCO DA PARTE DO OFENDIDO. MAJORANTE E PENA MANTIDAS. Recurso desprovido. (Apelação Crime Nº 70079249819, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 06/02/2019)
12) Roubo - Prova - Inobservância dos ditames do art. 226 do CPP não gera nulidade do processo - Elemento informativo:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. ELEMENTARES DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. (...). INFRINGÊNCIA AO ARTIGO 226 DO CPP. MERA IRREGULARIDADE. A eventual inobservância das recomendações previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal não acarreta a nulidade dos atos recognitivos realizados na Delegacia de Polícia e em juízo. Por se tratar de elemento informativo e de cunho indiciário, o reconhecimento obtido na fase administrativa não tem o condão de nulificar o posterior processo judicial. Prescindível que a vítima inicialmente descreva o criminoso ou que, quando da sua recognição, seja perfilado junto de pessoas que com ele possuam semelhança física, bastando veja-se apontado como autor da infração a fim de que o ato surta seus efeitos como meio de prova. Precedentes. (...) APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70078776788, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 26/09/2018)
13) Roubo majorado - Emprego de arma de fogo – Potencial ofensivo inerente ao próprio artefato – Desnecessidade de perícia – palavra da vítima - Validade - Comprovação do não funcionamento da arma passa a ser ônus de quem alega:
ROUBO. MAJORANTE. ARMA.
A Seção, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, conhecer dos EREsp, apesar de o acórdão colacionado como paradigma advir do julgamento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No mérito, firmou, também por maioria, que a aplicação da majorante constante do art. 157, § 2º, I, do CP não necessita da apreensão e da perícia da arma utilizada na prática do roubo se outros meios de prova evidenciarem seu emprego, por exemplo, os depoimentos dos condutores, da vítima e das testemunhas, ou mesmo quaisquer meios de captação de imagem. Anotou que essa exigência de apreensão e perícia da arma não decorre da lei, que recentes precedentes do STF têm a arma, por si só, como instrumento capaz de qualificar o roubo desde que demonstrada sua utilização por qualquer modo (potencial lesivo in re ipsa) e que, por isso, cabe ao imputado demonstrar a falta de seu potencial lesivo, tal como nas hipóteses de arma de brinquedo, defeituosa ou incapaz de produzir lesão (art. 156 do CPP). Precedentes citados do STF: HC 96.099-RS, DJe 5/6/2009, e HC 104.984-RS, DJe 30/11/2010.
STJ - EREsp 961.863-RS, Rel. originário Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para acórdão Min. Gilson Dipp, julgados em 13/12/2010.
Para aumento de pena por uso de arma em roubo é dispensável a perícia
Notícias do STJ - Decisão – 19.01.2011 – Terceira Seção – Resp 961863 – HC 108289
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu não ser necessária a apreensão e a realização de perícia em arma para que incida o aumento da pena por uso de arma em roubo se outras provas evidenciarem o seu emprego. A tese foi definida em julgamento na Terceira Seção, por quatro votos a dois. O caso trata da condenação de um homem por roubo com emprego de arma de fogo (majorante que resulta no aumento da pena). A defesa recorreu ao STJ para que a majorante não fosse considerada, já que a arma não teria sido periciada. O recurso (Resp 961.863) foi julgado pela Quinta Turma, que reconheceu o uso da arma. Invocando divergência com posição adotada pela Sexta Turma (HC 108.289), que também julga matéria de Direito Penal no STJ, a defesa recorreu novamente, desta vez para que a questão fosse pacificada na Terceira Seção, órgão que reúne os ministros da Quinta e da Sexta Turma. O entendimento vencedor foi do ministro Gilson Dipp. Para ele, deve ser mantido o aumento da pena por emprego de arma de fogo, mesmo não tendo havido apreensão da arma e perícia, se por outros meios de prova o uso puder ser evidenciado (testemunho, confissão, por exemplo). O ministro Dipp afirmou que, na verdade, a divergência entre as Turmas da Terceira Seção do STJ é quanto à lesividade da arma, e não ao uso efetivo. Ambas reconhecem a possibilidade de incidência da majorante quando o uso é demonstrado por outros meios, mas a Sexta Turma exigia a prova de potencial lesivo da arma. Com a decisão, a Terceira Seção firma a tese de que a arma é em si efetivamente capaz de produzir lesão. Isto é, o conceito de arma, para o ministro Dipp, já traz em si potencial de lesividade. A posição vai ao encontro de precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual o potencial lesivo integrar a própria natureza da arma (HC 96.099). O ministro Dipp ainda destacou que cabe ao agressor/réu a prova em contrário. “A eventual hipótese de não se constituir a arma de instrumento de potencial lesivo deve ser demonstrada pelo agente: assim na arma de brinquedo, na arma defeituosa ou na arma incapaz de produzir a lesão ameaçada”, explicou.
ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA.
I - Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato.
II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa.
III - A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial.
IV - Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal.
V - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves.
VI - Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo.
VII - Precedente do STF.
VIII - Ordem indeferida.
(STF - HC 96099, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2009, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-03 PP-00498 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 410-427)
HC N. 93.353-SP - (Informativo n.º 532 do STF)
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA.
I. Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato.
II. Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa.
III. A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial.
IV. Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal.
V. A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves.
VI. Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo.
VII. Precedente do STF.
VIII. Ordem indeferida.
14) Roubo majorado - Arma de fogo – Desnecessidade de perícia e de apreensão se o potencial ofensivo é comprovado por outros meios:
HC N. 105.263-MG (Informativo n.º 619 do STF)
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Penal. Sentença penal condenatória. Crime do art. 157, § 2º, inciso I, do CP. Incidência da majorante em razão do emprego da arma. Precedentes. 1. Firmado nesta Corte Suprema o entendimento de que a incidência da majorante do inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal prescinde da apreensão da arma, se comprovado, por outros meios, o seu emprego.
2. Habeas corpus denegado.
HC N. 96.861-SP (Informativo n.º 604 do STF - Plenário)
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ROUBO QUALIFICADO – ARMA – PERÍCIA. Prescinde de apreensão e perícia da arma de fogo a qualificadora decorrente de violência ou ameaça com ela implementadas – artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento (Informativo n.º 605 do STF – Segunda Turma)
É desnecessária a apreensão e a perícia da arma de fogo para caracterizar a majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, se por outros meios for comprovado seu emprego na prática criminosa. A 2ª Turma, em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da colegialidade, e para evitar decisões díspares entre as Turmas, deliberou acompanhar essa orientação, formalizada pelo Plenário no julgamento do HC 96099/RS (DJe de 5.6.2009) e, em conseqüência, indeferiu habeas corpus em que sustentada a necessidade de apreensão e perícia de arma de fogo para fins de verificação da sua potencialidade lesiva e conseqüente incidência da referida causa de aumento. Consignou-se que tal entendimento já vinha sendo adotado pela 1ª Turma e que a 2ª Turma teria, em casos análogos, sufragado tese em sentido diametralmente oposto após a prolação do citado paradigma. Os Ministros Gilmar Mendes, relator, e Celso de Mello ressalvaram sua convicção pessoal.
STF - HC 103046/RJ e HC 104984/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.10.2010. (HC-103046)
Roubo: Emprego de Arma Branca e Causa de Aumento (Informativo n.º 605 do STF – Segunda Turma)
Ao aplicar a orientação anteriormente exposta, a 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que a defesa pretendia fosse anulada condenação imposta ao paciente pela prática de roubo circunstanciado pelo emprego de arma branca (CP, art. 157, § 2º, I), sem que o referido instrumento tivesse sido apreendido e periciado.
STF - HC 100854/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.10.2010. (HC-100854)
HC N. 100.861-RS (Informativo n.º 579 do STF)
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ARMA NÃO APREENDIDA. DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS. VALOR PROBANTE. ORDEM DENEGADA.
1. À falta de apreensão da arma de fogo, mas comprovado o seu emprego por outros meios idôneos de prova, não há que se desclassificar o delito para roubo simples.
2. A incidência da majorante do inciso I do § 2º do art. 157 do CP se explica pelo maior potencial de intimidação e consequente rendição da vítima, provocadas pelo uso de arma de fogo.
Precedentes: HCs 96.099, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski (Plenário); e 94.236, da minha relatoria. 3. Ordem denegada.
ROUBO. ARMA. APREENSÃO. (Informativo n.º 353 do STJ – Sexta Turma)
A Turma, por maioria, reiterou que, para caracterizar-se a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, há a necessidade de apreender e realizar perícia na arma, com o intuito de constatar sua potencialidade lesiva, a menos que sua eficácia evidencie-se incontroversa por outros meios de prova, tais como o relato de testemunhas ou vítimas. In casu, retirada a causa de aumento, a pena deve ser fixada em seu mínimo legal, a modificar o regime de cumprimento da pena. O Min. Paulo Gallotti acompanhou esse entendimento com ressalvas. Precedentes citados do STF: HC 72.315-MG, DJ 26/5/1995; do STJ: HC 59.350-SP, DJ 25/5/2007; HC 36.182-SP, DJ 21/3/2005; AgRg no HC 79.973-SP, DJ 10/12/2007, e HC 88.060-SP, DJ 17/12/2007.
STJ - HC 97.376-SP, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 22/4/2008.
PROVA EMPRESTADA. PERÍCIA. ARMA. (Informativo n.º 432 do STJ)
Trata-se de paciente condenado à pena de seis anos de reclusão em regime inicial fechado, mais multa por infringência ao art. 157, § 2º, I e II, do CP (roubou um veículo com o objetivo de fugir da cena do crime de latrocínio que cometeu). Houve apelação e o TJ reduziu a reprimenda para cinco anos e seis meses, além de 26 dias-multa. Agora, em habeas corpus, sustenta a nulidade da sentença fundamentada exclusivamente em prova emprestada, afirma ser imprescindível a apreensão e perícia de arma de fogo para incidência da majorante do emprego de arma e, por fim, alega que o aumento da pena em razão de duas majorantes não foi corretamente fundamentado. Para o Min. Relator, a súplica quanto à prova emprestada não pode ser acolhida, visto que tanto a jurisprudência do Supremo quanto a deste Superior Tribunal admitem a prova emprestada no processo penal, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, quando a prova emprestada for um dos elementos de convicção que sustentam o decreto condenatório. Ressalta que, no caso dos autos, essas premissas foram observadas e, segundo a denúncia, a prova emprestada foi colhida de processo entre as mesmas partes. Quanto a ser imprescindível apreensão e perícia da arma de fogo para a incidência de majorante, também não acolheu a irresignação. Ainda expôs estudo com base na doutrina e jurisprudência sobre a prova pericial no direito processual pátrio. Assim destaca, entre outras considerações, que, conforme dispõe o art. 158 do CPP, é indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, sob pena de tornar-se nulo o processo. É indispensável a perícia quando as infrações deixam vestígios mas, se esses vestígios desaparecem, a perícia pode ser suprida pela prova testemunhal (art. 167 do CPP). Por outro lado, aponta doutrina de que a conjugação do princípio do livre convencimento fundamentado (ou da persuasão racional, ex vi art. 155 do CPP), com a denominada busca da verdade real processual, com a limitação estabelecida pelo sistema, numa visão mais moderna, estabelece que a livre convicção do juiz não é absoluta, é condicionada às provas colhidas no processo, às admitidas, às sujeitas a um juízo de credibilidade e ao valor legal da prova, se for o caso. Afirma não haver incompatibilidade entre o disposto no art. 155 e o 158 do CPP, apenas há a prudência do legislador ao dar garantias contra acusações injustas. Observa ainda que a injustificável falta de exame de corpo de delito, apesar de constituir uma nulidade por força legal, também pode, eventualmente, ensejar a falta de prova essencial da materialidade do delito ou circunstância qualificadora ou majorante, tudo a depender do caso em si. Esse entendimento deve ser aplicado também para verificar a ocorrência da majorante do emprego de arma no crime de roubo. Assinala que, para a configuração da majorante, a realização da perícia, quando possível, torna-se imprescindível. Contudo, ressalta ficar comprovado, nos autos, que o autor efetuou disparos com arma de fogo e, nesse caso, sua apreensão e perícia estão dispensadas; pois, nessa circunstância, ficou evidenciada sua potencialidade lesiva. Explica que como não consta dos autos o motivo pelo qual a arma não foi apreendida e periciada, na impossibilidade da realização do exame pericial, incide o art. 167 do CPP. Quanto ao aumento da pena acima do patamar mínimo, em razão de duas majorantes, registra ser isso possível desde que fundamentado (art. 68, parágrafo único, e 157, § 2º, ambos do CP). No entanto, na espécie, há ausência de circunstâncias que possam justificar o aumento além do mínimo legal e ainda verifica a hipótese de concessão de HC de ofício quanto à fixação do regime semiaberto para o cumprimento da pena, uma vez que preenchidos os requisitos do art. 33, § 2º, b e § 3º, c/c o art. 59, todos do CP. Diante do exposto, a Turma concedeu parcialmente a ordem somente para aplicar o aumento mínimo de 1/3, em razão das majorantes, e de ofício concedeu-a a fim de fixar o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena. Precedentes citados do STF: HC 67.707-RS, DJ 14/8/1992; HC 95.019-SP, DJe 9/10/2009; HC 69.591-SE, DJ 29/9/2006; HC 72.283-SP, DJ 9/6/1995; HC 76.420-SP, DJ 14/8/1998; do STJ: HC 47.813-RJ, DJ 10/9/2007; HC 103.510-RJ, DJe 19/12/2009; REsp 336.553-SP, DJ 24/3/2003; HC 37.900-RJ, DJ 1º/8/2005; HC 25.097-RS, RS, DJ 16/6/2003; HC 1.257-PE, DJ 14/9/1992, e HC 101.895-SP, DJe 8/9/2008.
STJ - HC 155.149-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/4/2010 (ver Informativo n. 345-STJ).
APELAÇÃO. ROUBO. ABSOLVIÇÃO. Considerando que a prova colhida não deixa dúvida acerca da materialidade e autoria do delito, é de ser mantida a condenação do réu. REINCIDÊNCIA. Mantida. MAJORANTES DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES. Devidamente demonstradas. Comprovado o emprego de arma de fogo para a prática do delito, o reconhecimento da majorante se impõe, independentemente de apreensão e perícia. CRIME ÚNICO. Não caracterizado, porquanto atingido patrimônio de duas vítimas. MULTA. Mantida. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. Concedida com isenção da exigibilidade do pagamento das custas. PENA DE RECLUSÃO. Redimensionada. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70025767328, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 15/10/2008)
15) Roubo majorado - Arma de fogo – Artefato sem potencial ofensivo - Afastamento da majorante:
PERÍCIA. ARMA. FOGO. POTENCIALIDADE LESIVA. QUALIFICADORA. (Informativo n.º 449 do STJ – Sexta Turma)
A jurisprudência assente na Turma dispõe que, para incidir a majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, é imprescindível apreender a arma para, posteriormente, aferir sua potencialidade lesiva mediante perícia. No caso, o exame pericial constatou que ela não se encontrava apta para a realização de disparo, assim, afasta-se o acréscimo decorrente do emprego de arma. Logo, a Turma concedeu a ordem, afastando a mencionada qualificadora. Precedentes citados: HC 111.769-SP, DJe 3/8/2009, e AgRg no HC 111.143-RS, DJe 2/3/2009.
STJ - HC 118.439-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 28/9/2010.
ARMA. FOGO. INIDONEIDADE. PERÍCIA. OUTROS MEIOS. PROVA. (Informativo n.º 478 do STJ – Sexta Turma)
A Turma, entre outras questões, reiterou o entendimento adotado pela Terceira Seção, com ressalva da Min. Relatora, de que é prescindível a apreensão e perícia de arma de fogo para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, impondo-se a verificação, caso a caso, da existência de outras provas que atestem a utilização do mencionado instrumento. No caso, o magistrado de primeiro grau e a corte estadual assentaram a existência de prova pericial suficiente a demonstrar a inidoneidade da arma de fogo utilizada pelo réu, dada sua ineficácia para a realização dos disparos. Assim, a Turma concedeu a ordem a fim de afastar a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do CP e reduziu a pena para cinco anos e quatros meses de reclusão a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, mais 13 dias-multa.
STJ - HC 199.570-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/6/2011.
16) Roubo majorado - Violência equivalente a vias de fato (tapa na vítima) - Impossibilidade de aplicação da insignificância:
Notícia do STJ – HC 149877
Insignificância não pode ser aplicada em caso de roubo envolvendo tapa na cara
Se, ao abordar a pessoa com intenção criminosa, o indivíduo desferir tapa no rosto da vítima e seu comparsa a ameaçar, ordenando que fique quieta, o crime é de roubo e não de furto. Nos delitos de roubo, ainda que o valor do objeto furtado seja pequeno, não se aplica o princípio da insignificância, uma vez que, nesse caso, além da propriedade, a liberdade individual e a integridade física e moral de quem está sob ameaça são violados e esses são valores que não podem ser considerados insignificantes. Com essa orientação, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus a J.R.R. e M.B.J.
Afirmam os autos que os dois assaltantes foram condenados pela prática do crime de roubo circunstanciado (art. 157 do Código Penal). A pena foi estipulada em cinco anos e quatro meses de prisão, em regime inicial semiaberto. A Defensoria Pública apelou da condenação ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), argumentando que o crime seria de furto e não de roubo, pois o bem foi restituído à vítima e não teria havido grave ameaça. Requereu também a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o pequeno valor do objeto, um aparelho celular avaliado em R$ 65.
Entretanto o TJMG manteve a condenação: “Autoria e materialidade incontestes. Princípio da Insignificância, inaplicabilidade. Perseguição, delito consumado. Violência física e grave ameaça. Tapa no rosto. Palavra da vítima.” Em face da decisão desfavorável, o defensor público recorreu ao STJ para que fosse analisada a possibilidade de aplicação do crime de bagatela. No pedido, pretendia que a prisão em regime inicial semiaberto fosse substituída por pena restritiva de direitos ou fosse concedida a suspensão condicional do processo.
Mas o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do processo, refutou os argumentos da defesa, ressaltando que o princípio da insignificância não pode ser empregado indistintamente, porque existe o risco de incentivar a prática de pequenos delitos e de gerar insegurança social. “Apesar do ínfimo valor do bem subtraído, o caso sub judice não merece a aplicação do princípio da insignificância, eis que o delito de roubo não ofende apenas o patrimônio furtado, mas também a integridade física da vítima, que jamais pode ser considerada como um irrelevante penal. A violência aplicada à vítima torna a conduta irremediavelmente relevante, restando afastada a alegação de atipicidade pela eventual bagatela da coisa roubada.”
Em seu voto, o ministro esclareceu que a consumação do roubo ocorre quando o agente consegue retirar o bem da esfera de disponibilidade da vítima, mesmo que, por breve momento, tornando desnecessário o fato de o criminoso ter ou não conseguido a posse tranquila do objeto subtraído, fora da vigilância da vítima. Com base nesse entendimento, que segue a jurisprudência do STJ, o relator negou habeas corpus, no que foi acompanhado pelos demais magistrados da Quinta Turma.
17) Roubo majorado - Emprego de arma branca - (In)constitucionalidade da Lei n.º 13.654/2018 - Validade do diploma legal:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBOS MAJORADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. I - PRELIMINAR DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DO RÉU EM AUDIÊNCIA REALIZADA NO JUÍZO DEPRECADO. A defesa do réu foi devidamente intimada da expedição da carta precatória e não postulou a condução do acusado ao juízo deprecado. Nulidade não configurada. II - PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º DA LEI 13.654/2018. REJEIÇÃO. Não há qualquer violação ao processo legislativo constitucional no trâmite do projeto de lei que originou a Lei nº 13.654/2018. A revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal estava prevista na proposição inicial veiculada no PLS 149/2015 e foi submetida à votação em ambas as casas do Congresso Nacional. A eliminação do dispositivo revogatório só seria possível mediante a apresentação de emenda supressiva. Nenhuma emenda supressiva foi apresentada em qualquer das Comissões legislativas que examinaram a proposição. Não tendo sido apresentada e votada emenda supressiva que retirasse do projeto de lei o artigo que revogou o emprego de arma previsto no inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, resulta evidente que a ausência de tal dispositivo na compilação do projeto de lei e da emenda votados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado consiste em mero erro material. Tal irregularidade, ademais, não comprometeu a vontade do legislador, que está expressa em todos os atos e votações documentados, e nenhuma repercussão teve na lisura do processo legislativo, posto que corrigido pelo órgão competente, antes de ser enviado para a Casa revisora, no caso, a Câmara dos Deputados. Tampouco se pode cogitar da inconstitucionalidade material do diploma legal que se está examinando por violação ao princípio da proibição da proteção insuficiente: a utilização de arma branca na prática do crime de roubo apenas deixa de ser considerada uma majorante, mas não deixa de ser uma circunstância do crime, a ser valorada na 1ª fase do apenamento. Além disso, a revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal não se mostra absurda, inclusive porque evita discussões infindáveis quanto à majoração da pena no caso de crimes praticados com arma de fogo e arma branca, o que não é tão incomum, especialmente, nos delitos praticados por mais de um agente. Inconstitucionalidade formal e material inexistentes. III MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA. Inequívocas a materialidade e a autoria do delito, diante da consistente palavra das vítimas, da prisão em flagrante dos réus em posse de parte da res furtivae e das demais provas dos autos. PALAVRA DA VÍTIMA. Em delitos como o da espécie, não raras vezes cometidos sem a presença de testemunhas, a palavra da vítima merece ser recepcionada com especial valor para a elucidação do fato, sob pena de não ser possível a responsabilização penal do autor desse tipo de ilícito patrimonial. MAJORANTE DO USO DE ARMA DE FOGO. Utilização de um simulacro de arma de fogo. Impossibilidade de reconhecimento da majorante, porquanto tal objeto não pode ser considerado arma para o efeito de aumento de pena, mas tão somente para caracterizar a grave ameaça, elementar do crime de roubo. FACA. AFASTAMENTO DA MAJORANTE. LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL. A Lei n.º 13.654/18 revogou o inc. I do § 2º do art. 157 do CP, inserindo, todavia, o § 2º-A, inc. I, que aumenta a pena quando o crime de roubo é cometido com o emprego de arma de fogo apenas. Ou seja, a majorante não mais alcança os crimes cometidos com o emprego de arma branca. Tratando-se de lei posterior mais benéfica, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal, afastando-se a majorante. APENAMENTO. Pena carcerária e de multa cumulativa reduzidas. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70078221165, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 11/10/2018)
AGRAVO EM EXECUÇÃO. APLICAÇÃO DE LEI Nº 13.654/18. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA (IMPRÓPRIA). 1. PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 4º DA LEI Nº 13.654/2018, QUE REVOGOU O INCISO I DO §2º DO ARTIGO 157 DO CP. EQUÍVOCO NO TRÂMITE LEGISLATIVO DO PROJETO DE LEI Nº 149/2015. DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. MERA IRREGULARIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA, POR MAIORIA. RELATORA VENCIDA. 2. MAJORANTE. EMPREGO DE ARMA. FACA. AFASTAMENTO PELO JUIZ DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS. POSSIBILIDADE. Superveniência da revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do CP pela Lei nº 13.654/18, não mais considerando majorado o roubo empregado com arma imprópria. Novatio legis in mellius , que retroage, alcançando o reeducando. Escorreito o decote da adjetivadora pelo magistrado da Vara de Execuções. PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO REJEITADA, POR MAIORIA. AGRAVO EM EXECUÇÃO IMPROVIDO, À UNANIMIDADE. (Agravo Nº 70078962107, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 26/09/2018)
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO IMPRÓPRIO TENTADO. PRELIMINAR DE OFÍCIO. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 4º DA LEI Nº 13.654/2018, QUE REVOGOU O INCISO I DO §2º DO ARTIGO 157 DO CP. EQUÍVOCO NO TRÂMITE LEGISLATIVO DO PROJETO DE LEI Nº 149/2015. DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. MERA IRREGULARIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA, POR MAIORIA. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. A materialidade e a autoria restaram suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos. Ainda que o réu tenha permanecido silente, foi preso em flagrante, ainda no local do fato, na posse da arma branca (faca) utilizada para a prática delitiva e dos valores em dinheiro retirados do caixa do estabelecimento comercial, enquanto as carteiras de cigarros subtraídas foram localizadas em um cesto de lixo, existente no banheiro anexo ao estabelecimento vítima, local em que o réu ingressara momentos antes de ser detido. Tal quadro ainda foi corroborado pela inquirição judicial da proprietária do estabelecimento vítima, do terceiro que a esta prestou auxílio e do policial militar responsável pela detenção de THIAGO. Assim, inexistem dúvidas de que o réu, após investir contra a proprietária do estabelecimento comercial, fazendo com que ela deixasse o local, subtraiu quantia em dinheiro e carteiras de cigarros ali existentes, bens na posse dos quais deixava o local, quando foi confrontado por terceiro, contra o qual empregou grave ameaça, utilizando-se de arma branca (faca), a fim de assegurar a detenção da coisa, momento em que abordado e detido, contudo, por policiais militares, configurando-se, assim, o crime de roubo impróprio, na forma tentada, como constou da denúncia. Condenação mantida. MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. ARMA BRANCA. LEI Nº 13.654/2018 QUE RESTRINGIU A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO AO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APLICAÇÃO DA NOVATIO LEGIS IN MELIUS OU LEX MITIOR, COM O AFASTAMENTO DA MAJORANTE. In casu, considerando a entrada em vigor da Lei nº 13.654, em 24 de abril de 2018, que revogou o inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal, mantendo, na atual redação, conforme inciso I do § 2º-A, do mesmo dispositivo legal, tão somente a majoração pelo emprego de arma de fogo, imperioso o afastamento da causa de aumento, pois utilizada, in casu, uma arma branca. Lei posterior mais benéfica novatio legis in melius ou lex mitior que retroage para beneficiar o réu. PENA. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. PRELIMINAR DE OFÍCIO REJEITADA, POR MAIORIA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70077110344, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 26/09/2018)
18) Roubo majorado - Emprego de arma branca - Abolitio criminis - Novatio legis in mellius reconhecida:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PENAL - REsp 1.519.860-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 17/05/2018, DJe 25/05/2018 (Informativo n.º 626 do STJ)
Roubo. Emprego de arma branca. Majorante revogada. Abolitio Criminis. Lei n. 13.654/2018. Novatio legis in mellius.
Diante da abolitio criminis promovida pela Lei n. 13.654/2018, que deixou de considerar o emprego de arma branca como causa de aumento de pena, é de rigor a aplicação da novatio legis in mellius.
Preliminarmente cumpre salientar que, sobreveio à decisão impugnada a promulgação da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que modificou o Código Penal nos dispositivos referentes aos crimes de furto e roubo. Essa alteração legislativa suprimiu a previsão contida no inciso I do § 2º, do art. 157, que apresentava hipótese de causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma. Esta Corte possuía entendimento jurisprudencial consolidado reconhecendo que a previsão contida no dispositivo revogado abrangia não apenas armas de fogo, mas qualquer "artefato que tem por objetivo causar dano, permanente ou não, a seres vivos e coisas", nos termos do art. 3º, inciso IX, do Decreto n. 3.665/2000. No entanto, a atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida mediante emprego de arma de fogo, assim considerado o instrumento que "(...) arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil", de acordo com o Decreto citado. Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis da majorante, na hipótese de o delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo. Na hipótese, o réu realizou a subtração fazendo uso de arma branca (faca). Diante desse fato, deve-se aplicar a lei nova, mais benéfica ao acusado, em consonância com o art. 5.º, XL, da Constituição Federal, afastando-se o aumento de 1/3 aplicado na terceira fase do cálculo da pena.
19) Roubo majorado - Emprego de arma branca - Novatio legis in mellius reconhecida:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. APENADO CONDENADO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA BRANCA. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. READEQUAÇÃO DA PENA CARCERÁRIA. TESE MINISTERIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ARTIGO 4º, DA LEI 13.654/2018, E DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE. (IN)CONSTITUCIONALIDADE FORMAL: O erro de redação contido na publicação do texto aprovado pelo CCJ no Diário do Senado Federal não maculou a tramitação legislativa do PSL 149/2015, na medida em que o texto aprovado pela CCJ continha expressamente a cláusula de revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal, tendo sido retificado antes da remessa do projeto para a Câmara dos Deputados. A CORELE se limitou a corrigir erro material constante no texto publicado, fazendo constar a revogação aquiescida pela CCJ e a Emenda Aditiva admitida, encaminhando à Câmara de Deputados texto fiel ao que aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Erro material em texto publicado que não contamina o trâmite legislativo, o qual se mostra regular e sem irregularidade que determine a declaração incidental de inconstitucionalidade. (IN)CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. Em que pese o desacerto da extirpação da natureza majorada do roubo praticado com o emprego de arma branca ou arma imprópria, não há falar em inconstitucionalidade material da norma, mormente porque possibilitada ao julgador, na análise concreta do fato, a valoração do armamento específico utilizado, se não de fogo, como circunstância judicial contemplada na sanção basilar. AGRAVO EM EXECUÇÃO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70078976859, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandro Luz Portal, Julgado em 11/10/2018)
APELAÇÃO-CRIME. ROUBO MAJORADO. EMPREGO DE ARMA BRANCA (FACA). 1. PRELIMINAR DE OFÍCIO. LEI Nº 13.654/2018. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. REJEIÇÃO, POR MAIORIA. EQUÍVOCO NO TRÂMITE LEGISLATIVO DO PROJETO DE LEI Nº 149/2015. DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. MERA IRREGULARIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA. RELATORA VENCIDA. 2. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. Prova amplamente incriminatória. Relatos da vítima no sentido de que, em via pública, foi abordada pelo acusado que, encostando uma faca em suas costas, exigiu a entrega do dinheiro, reconhecendo-o, pessoalmente, como sendo o autor do delito. Relevância da palavra da vítima, corroborada pelo relato da testemunha que, do interior da empresa de monitoramento, viu pelas imagens capturadas pelas câmeras de vigilância, o réu com duas facas nas mãos. Policiais civis que, em cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência do inculpado, apreenderam as facas utilizadas na ação. Réu que assistindo as imagens capturadas, identificou-se, mas recusou a rapina, dizendo que não se recordava e que estava possuído por entidade religiosa. Versão inverossímil e absolutamente insuficiente a derruir o robusto acervo probatório construído pela acusação. Elementos de convicção suficientes para sustentar a condenação. Prova segura à condenação, que vai mantida. 3. MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. AFASTAMENTO. LEI 13.654/18. Emprego de arma. Prova segura quanto ao emprego de arma branca (faca), à perpetração do delito. Vítima que afirmou que a arma foi colocada contra suas costas, fazendo com que entregasse seu patrimônio. Superveniência da revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do CP pela Lei nº 13.654/18, não mais considerando majorado o roubo empregado com arma imprópria. Novatio legis in mellius , que retroage, alcançando o réu. Majorante afastada. Conduta desclassificada para os lindes do art. 157, caput, do CP. 4. APELO MINISTERIAL. PENA. DOSIMETRIA. Na 1ª fase, o sentenciante fixou a basilar no mínimo legal, 4 anos de reclusão. Circunstâncias mais gravosas do delito, praticado em via pública de pacata cidade do interior do Estado, o réu caminhando ao lado da vítima por um longo trajeto, mantendo uma das facas apontada para suas costas durante toda a ação, evidenciando maior audácia e destemor. Com a revogação da majorante do emprego de arma imprópria, o uso do artefato deverá repercutir na primeira fase de aplicação da pena, porquanto mais gravosas as circunstâncias se comparado com o roubo simples, acentuando sobremaneira a gravidade da conduta. Uso de arma que intensifica o poder de intimidação sobre a vítima, reduzindo-lhe drasticamente o poder de reação, desbordando, portanto, da previsão típica. Pena elevada para 5 anos de reclusão, assim definitivada. PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO REJEITADA, POR MAIORIA, RELATORA VENCIDA. NO MÉRITO, À UNANIMIDADE, APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO PARA AFASTAR A MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. CONDUTA DESCLASSIFICADA PARA OS LINDES DO ART. 157, CAPUT, DO CP. APELO MINISTERIAL PROVIDO, À UNANIMIDADE, PARA AUMENTAR A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA 5 ANOS DE RECLUSÃO, MANTIDAS AS DEMAIS DISPOSIÇÕES SENTENCIAIS. (Apelação Crime Nº 70076029248, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 26/09/2018)
20) Roubo majorado - Emprego de arma branca - Não reconhecimento da majorante - Nova lei - Continuidade típico-normativa - Conduta permanece reprovada pelo ordenamento - Alteração legal restringe-se ao aspecto quantitativo da pena:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. LEI 13.654/2018. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. TESE MINISTERIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. DECISÃO QUE AFASTA A MAJORANTE DO EMPREGO DE FACA MANTIDA. Agitação da matéria de inconstitucionalidade formal das inovações da Lei n.º 13.654/18 que deveria seguir os canais apropriados, sujeitando-se ao controle concentrado de quem detém a competência para fiscalização do devido processo legislativo, evitando-se interpretações esparsas e díspares, em um cenário de total insegurança jurídica. De toda sorte, o vício apontado pelo Parquet consiste em mera irregularidade, verdadeiro erro material. Igualmente, inexiste violação ao princípio da proibição da proteção deficiente, porquanto a figura de roubo com emprego de armas impróprias não foi descriminalizada, remanescendo como conduta reprovada pelo ordenamento jurídico, passível de repressão e, portanto, sob a tutela estatal. A alteração restringe-se, pois, ao aspecto quantitativo da reprimenda, ante o afastamento da circunstância majoradora. AGRAVO MINISTERIAL DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70078857919, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 26/09/2018)
21) Roubo majorado - Emprego de arma branca - Não reconhecimento da majorante - Nova lei (13.654/2018) - Continuidade típico-normativa - Possibilidade de aumento de pena na primeira fase do cálculo da pena (art. 59 do CP):
DIREITO PENAL - HC 556.629-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 23/03/2020 (Informativo n.º 668 do STJ - Quinta Turma)
Roubo. Dosimetria. Arma Branca. Novatio legis in mellius. Lei n. 13.654/2018. Aplicabilidade ao fato delituoso em análise. Instrumento de crime utilizado para a valoração da pena como circunstância judicial. Pena-base acima do mínimo legal. Possibilidade.
Nos caso em que se aplica a Lei n. 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora.
Após a revogação do inciso I do artigo 157 do CP pela Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante, a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo, porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora. Nesse sentido: "[...] embora o emprego de arma branca não se subsuma mais a qualquer uma das majorantes do crime de roubo, pode eventualmente ser valorado como circunstância judicial desabonadora pelas instâncias ordinárias".
(STJ - AgRg no AREsp n. 1.351.373/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12.2.2019, DJe 19.2.2019)".
AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DO ARTIGO 4º DA LEI Nº 13.654/2018. REJEIÇÃO. Inocorre inconstitucionalidade formal do artigo 4.º da Lei n.º 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2.º do artigo 157 do Código Penal. Ausência de desrespeito aos requisitos procedimentais na elaboração do texto legislativo. Projeto que, desde a sua apresentação, sempre previu a extirpação do inciso I do § 2º do artigo 157 do Diploma Material, questão esta apreciada e votada pelos Plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, em estrita observância ao sistema bicameral. Vícios supostamente existentes os quais restaram sanados durante os trâmites legalmente previstos. Ainda que suprimido o inciso I do § 2º do Código Penal, não há falar em ofensa ao princípio da proteção insuficiente, não se podendo olvidar que a novel legislação não descriminaliza o crime de roubo mediante o emprego de arma branca, mas tão somente afasta a possibilidade de usá-lo como forma de majoração da pena quando do cálculo dosimétrico, de modo que a proteção do bem jurídico tutelado pela norma penal permanece subsistindo. Possibilidade de sopesar o dito artifício nas circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, haja vista potencializar o poder intimidatório do criminoso e facilitar o despojamento patrimonial da vítima. AGRAVO EM EXECUÇÃO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70078964566, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 26/09/2018)
EMBARGOS INFRINGENTES. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO (1º FATO). EMPREGO DE ARMA (FACA). MAJORANTE AFASTADA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL POSTERIOR MAIS BENÉFICA (LEI Nº 13.654/18). DOSIMETRIA DA PENA CORPORAL. PENA DE MULTA. - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI Nº 13.654/18. PRELIMINAR SUSCITADA PELO PARQUET, EM PARECER. REJEIÇÃO. O Projeto de Lei n.º 149 de 2015 já apresentava, desde o princípio, em seu artigo 3º, a disposição de revogação do inc. I do § 2.º do art. 157 do CP, referente à majorante de emprego de arma. E, no curso de sua tramitação, a emenda aditiva apresentada se restringiu a propor modificações tão somente ao artigo 1º do Projeto de Lei em evidência, sem objetivar qualquer alteração da disposição contida no artigo 3º Projeto de Lei nº 149 de 2015. E submetido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o projeto foi aprovado sem ignorar a emenda nos exatos termos em que foi proposta. - MAJORANTE PELO EMPREGO DE ARMA BRANCA. Em que pese cabalmente comprovado o uso de uma faca na consecução da prática delituosa, a incidência da causa de aumento descrita no inc. I do § 2.º do art. 157 do CP deve ser afastada, considerando a entrada em vigor da Lei nº 13.654, em 23 de abril de 2018, que revogou o referido inciso, preservando, na atual redação, a majoração da pena tão somente pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2.º-A, inc. I, do CP). Aplicação retroativa da lei nova mais benéfica ao agente (novatio legis in mellius). Circunstância que, no entanto, deve repercutir no montante de afastamento da pena-base do piso legal. - DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Basilar recrudescida em 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, tendo em vista que o uso da faca, no caso, representou circunstância evidentemente mais gravosa do crime. Mantido o agravamento da pena em 06 (seis) meses pela recidiva. Na terceira fase, reduzida a fração de aumento para 1/3, pela incidência da majorante remanescente (concurso de pessoas). Corporal do crime de roubo redimensionada para 06 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão. - PENA DE MULTA (1.º FATO). No que toca à sanção pecuniária, que, segundo o método bifásico (STJ, REsp n.º 897876/RS e REsp n.º 671.195/RS), deve guardar proporção com a pena-base, considerando-se os vetores do art. 59 do CP, irretocável a sua fixação em 20 (vinte) dias-multa, mantida a razão mínima dada a precária condição econômica do réu. - EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. Adesão ao entendimento assentado pelo plenário do STF no julgamento do HC 126.292/SP. Possibilidade de se executar provisoriamente a pena confirmada por esta segunda instância, sem ofensa ao princípio constitucional da presunção da inocência. Determinada a execução provisória da pena. REJEITADA A PRELIMINAR SUSCITADA PELO PARQUET. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. DE OFÍCIO, AFASTADA A MAJORANTE PELO EMPREGO DE ARMA. (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70078104460, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 31/08/2018)
22) Roubo majorado - Emprego de arma de fogo - Nova lei - Continuidade típico-normativa - Novatio legis in pejus (13.654/2018):
AGRAVO EM EXECUÇÃO. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA MAJORANTE EM RAZÃO DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. LEI Nº 13.654/2018. IMPOSSIBILIDADE. A inovação legislativa introduzida pela Lei n.º 13.654/2018 não revogou a hipótese de majoração de pena em virtude do emprego de arma de fogo na prática do crime de roubo, mas apenas deslocou sua previsão para o § 2º-A, inciso I, aumentando-se a pena em 2/3 em razão da referida causa de aumento de pena, caracterizando Novatio Legis in Pejus. Decisão de origem mantida. AGRAVO DESPROVIDO. POR MAIORIA. (Agravo Nº 70078942885, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Mello Guimarães, Julgado em 11/10/2018)
23) Roubo majorado - Porte de granada – Grave ameaça – Configuração - Desnecessidade de apreensão e perícia do artefato para configurar a majorante:
Porte de granada: desnecessidade de apreensão e perícia (Informativo n.º 674 do STF – Primeira Turma)
A 1ª Turma denegou habeas corpus no qual postulada a exclusão da majorante de emprego de arma de fogo, prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, em face de porte de granada no delito de roubo. Aplicou-se, relativamente ao artefato em questão, jurisprudência do STF firmada nas hipóteses de ausência de apreensão e de perícia de arma de fogo.
STF - HC 108034/MG, rel. Min. Rosa Weber, 7.8.2012. (HC-108034)
24) Roubo majorado - Concurso de agentes - Causa de aumento não pressupõe que todos os agentes tenham subtraído o bem e/ou utilizado arma:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. ELEMENTARES DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Aproxima o magistrado da reconstituição processual do fato e autoriza a formação do juízo condenatório perseguido pelo dominus litis na denúncia a narrativa da vítima apontando o inculpado como um dos autores do injusto subtrativo praticado mediante grave ameaça no interior de ônibus-lotação. Defesa técnica que não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar inculpação graciosa ou fato outro capaz de afastar a credibilidade do relato colhido à luz do contraditório e da ampla defesa. Inteligência do artigo 156 do CPP. Substrato probante que prevalece sobre o álibi e sobre a tese de inocência oferecidos em pretório. Inicial presunção de inocência derruída ao longo do processo-crime, observadas as garantias constitucionais postas em benefício do acusado. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. IMPOSSIBILIDADE. Consiste o crime de roubo na subtração de coisa móvel integrante do acervo patrimonial de alguém mediante violência física ou moral praticada em detrimento de seu possuidor ou de terceiro, bem como de qualquer outro meio capaz de reduzi-los à incapacidade de resistência. Vis compulsiva que consiste na promessa de realizar mal injusto e grave ao ofendido, que o impeça de oferecer resistência à investida criminosa, cuja exteriorização pode se dar por meio de palavras, de movimentos corporais ou da utilização de objeto ou de outro artifício capaz de cumprir com o desígnio intimidatório. Prova acostada que torna inequívoco o emprego do mencionado expediente durante a prática delitiva, haja vista ter o acusado abordado a vítima motorista do ônibus lotação durante o desempenho de seu ofício, ocasião em que de inopino viu-se calçada com uma faca nas costas, sendo, então, anunciado o assalto e ordenado que lhe entregasse o numerário do caixa. Fato que intimidou o lesado a ponto de também permitir que os comparsas do réu subtraíssem bens móveis pertencentes aos demais tripulantes do veículo. Ações direcionadas a neutralizar oposição à tomada patrimonial e, com isso, potencializar a obtenção de êxito na empreitada que determinam a manutenção da condenação nos moldes em que prolatada pelo juízo de primeiro grau. Inalterado o afastamento da majorante pelo emprego de arma em razão da revogação do inciso I do §2º do artigo 157 do Estatuto Repressivo pelo advento da Lei nº 13.654 de 23 de abril de 2018. RECONHECIMENTO. INFRINGÊNCIA AO ARTIGO 226 DO CPP. MERA IRREGULARIDADE. A eventual inobservância das recomendações previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal não acarreta a nulidade dos atos recognitivos realizados na Delegacia de Polícia e em juízo. Por se tratar de elemento informativo e de cunho indiciário, o reconhecimento obtido na fase administrativa não tem o condão de nulificar o posterior processo judicial. Prescindível que a vítima inicialmente descreva o criminoso ou que, quando da sua recognição, seja perfilado junto de pessoas que com ele possuam semelhança física, bastando veja-se apontado como autor da infração a fim de que o ato surta seus efeitos como meio de prova. Precedentes. MAJORANTES. CONCURSO DE PESSOAS. A causa de aumento de pena em razão do concurso de pessoas não pressupõe que, no crime de roubo, todos os agentes subtraiam bens e empreguem violência ou profiram grave ameaça contra a vítima. Basta que um deles assim proceda e que esta circunstância seja do conhecimento e conte com a aprovação dos demais. ASPECTO DA DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REDIMENSIONAMENTO. REGIME EXPIATÓRIO. INÍCIO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. Basilar, inicialmente dosada no piso legal, recrudescida em razão de contar o réu com péssimos antecedentes, registrando cinco condenatórias por delitos de roubo majorado (processos nº 001/2.17.0057644-3, 001/2.17.0040617-3, 001/2.17.0049172-3 e 001/2.17.0059073-0, fls. 94-98) afora outro feito com denúncia recebida por furto (processo nº 086/2.14.0000237-4, fls. 94-98), a denotar, respectivamente, péssimos antecedentes e personalidade isenta de freios inibitórios. No que tange às circunstâncias do delito, o emprego de arma branca potencializou o poder de ameaça e, por conseguinte, de ofensa aos bens jurídicos tutelados. Nova pena de partida fixada em 05 (cinco) anos de reclusão, sem agravantes ou atenuantes, ao final sendo majorada de 1/3 (um terço) pelo concurso de pessoas, totalizando 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, inexistindo outras causas de aumento ou diminuição. Regime expiatório recrudescido para o inicial fechado em face dos péssimos antecedentes e da personalidade do agente. Inteligência do artigo 33, §2º, alínea a e b e §3º, do Estatuto Repressivo. MULTA. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. A multa, porque disposta no preceito secundário da norma incriminadora na qual incidiu o agente, não dá margem ao acolhimento do pedido de isenção embasado na precariedade de sua situação econômica. REPARAÇÃO DE DANOS À VÍTIMA. NORMA DE CARÁTER COGENTE. MANUTENÇÃO. A fixação de verba reparatória mínima em favor da vítima, nos termos previstos no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, é efeito da condenação do réu. Possui aplicação cogente ainda que não haja pedido expresso do Ministério Público ou da vítima. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70078776788, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 26/09/2018)
25) Roubo majorado - Concurso de agentes - Liame subjetivo pode ser comprovado pela narrativa dos agentes policiais:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA E PELO CONCURSO DE PESSOAS. PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º DA LEI 13.654/2018 SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEIÇÃO NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY, QUE SE TRANSCREVE. (...) VALIDADE DOS TESTEMUNHOS DOS POLICIAIS MILITARES RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO EM FLAGRANTE DO RÉU. Em linha de princípio qualquer pessoa pode ser testemunha, conforme dicção do artigo 202 do CPP, rememorando-se que no sistema processual penal brasileiro não há prova tarifada, o que, anote-se, não vem prejudicado pelas restrições previstas nos artigos 206 a 209 do CPP. Nesta linha, pois, não estão impedidos de depor os policiais civis e militares em razão de suas funções, competindo ao juiz a avaliação da credibilidade de suas declarações em exercício do princípio do livre convencimento motivado. AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO CONCURSO DE PESSOAS. IMPOSSIBILIDADE. O liame subjetivo entre os agentes configurativo da majorante do concurso de pessoas ficou demonstrado pela palavra dos policiais militares, tendo ficado clara a divisão de tarefas previamente acordada entre o réu e seu comparsa. (...) PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO REJEITADA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDA. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO, EM PARTE. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70077091080, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 30/08/2018)
26) Roubo majorado - Concurso de pessoas – Basta dois ou mais agentes – Desnecessidade de identificação dos comparsas – Possibilidade de reconhecimento ainda que o coautor seja inimputável:
CONCURSO. AGENTES. CARACTERIZAÇÃO. (Informativo n.º 472 do STJ – Sexta Turma)
A Turma, entre outras questões, asseverou que, para caracterizar o concurso de agentes, basta que duas ou mais pessoas concorram para a prática delituosa, não sendo necessária a identificação dos corréus. Consignou-se, ainda, que essa causa de aumento pode ser reconhecida mesmo nas hipóteses em que o crime (in casu, roubo) tenha sido supostamente cometido na companhia de inimputável. Segundo o Min. Relator, os motivos que impõem o agravamento da punição são o maior risco que a pluralidade de pessoas proporciona à integridade física e ao patrimônio alheios e o maior grau de intimidação infligido à vítima. Precedentes citados: HC 85.631-SP, DJe 23/11/2009; HC 169.151-DF, DJe 2/8/2010; HC 131.763-MS, DJe 14/9/2009, e HC 88.444-DF, DJe 13/10/2009.
STJ - HC 197.501-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/5/2011.
27) Roubo Majorado – Concurso de pessoas - Corréu que não atirou responde também pela morte causada por disparo do comparsa durante o crime:
ROUBO ARMADO. DISPAROS. COAUTORIA. (Informativo n.º 466 do STJ – Sexta Turma)
A Turma entendeu, entre outras questões, que o paciente condenado por roubo armado seguido de morte responde como coautor, ainda que não tenha sido o responsável pelos disparos que resultaram no óbito da vítima. Na espécie, ficou demonstrado que houve prévio ajuste entre o paciente e os outros agentes, assumindo aquele o risco do evento morte. Precedentes citados: REsp 622.741-RO, DJ 18/10/2004; REsp 418.183-DF, DJ 4/8/2003, e REsp 2.395-SP, DJ 21/5/1990.
STJ - HC 185.167-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15/3/2011.
28) Roubo majorado - Pena-base - Aumento - Concurso de pessoas - Uso de armas - Ambiente rural - Restrição da liberdade das vítimas - Elevação de pena devidamente motivada:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS. MOTIVAÇÃO CONCRETA. TERCEIRA FASE. FRAÇÃO DE AUMENTO. CAUSAS DE AUMENTO. SÚMULA N. 443 DO STJ. NÃO VIOLAÇÃO. REGIME FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(...)
2. Acerca das circunstâncias, ficou registrado que o crime foi praticado com pluralidade de agentes, em zona rural, com restrição de liberdade das vítimas por período de tempo considerável, o que justifica de maneira idônea a valoração negativa da referida circunstância judicial, haja vista a redução da capacidade de resistência dos ofendidos e a exposição a maior perigo dos bens jurídicos tutelados.
3. A menção de que o delito foi cometido com emprego de várias armas de fogo, em concurso de agentes com a subtração de elevada quantidade de gado, demonstra, ineludivelmente, a maior gravidade do comportamento ilícito, a justificar o aumento da pena na terceira fase acima da fração mínima, sem violação da Súmula n. 443 do STJ.
(...)
5. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no AREsp 1498574/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020)
29) Roubo - Vítimas diversas - Crime único - Descabimento:
APELAÇÃO. ROUBO. ABSOLVIÇÃO. Considerando que a prova colhida não deixa dúvida acerca da materialidade e autoria do delito, é de ser mantida a condenação do réu. REINCIDÊNCIA. Mantida. MAJORANTES DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES. Devidamente demonstradas. Comprovado o emprego de arma de fogo para a prática do delito, o reconhecimento da majorante se impõe, independentemente de apreensão e perícia. CRIME ÚNICO. Não caracterizado, porquanto atingido patrimônio de duas vítimas. MULTA. Mantida. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. Concedida com isenção da exigibilidade do pagamento das custas. PENA DE RECLUSÃO. Redimensionada. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70025767328, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 15/10/2008)
30) Roubo - Interior de ônibus - Crime único - Bens subtraídos do cobrador e da empresa de transporte - Não aplicação do concurso formal:
DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DE CRIME ÚNICO EM ROUBO PRATICADO NO INTERIOR DE ÔNIBUS.
Em roubo praticado no interior de ônibus, o fato de a conduta ter ocasionado violação de patrimônios distintos – o da empresa de transporte coletivo e o do cobrador – não descaracteriza a ocorrência de crime único se todos os bens subtraídos estavam na posse do cobrador.
É bem verdade que a jurisprudência do STJ e do STF entende que o roubo perpetrado com violação de patrimônios de diferentes vítimas, ainda que em um único evento, configura concurso formal de crimes, e não crime único. Todavia, esse mesmo entendimento não pode ser aplicado ao caso em que os bens subtraídos, embora pertençam a pessoas distintas, estavam sob os cuidados de uma única pessoa, a qual sofreu a grave ameaça ou violência. Precedente citado: HC 204.316-RS, Sexta Turma, DJe 19/9/2011. AgRg no REsp 1.396.144-DF, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), julgado em 23/10/2014.
31) Roubo qualificado - Latrocínio – Duas vítimas – Casal – Crime único não reconhecido, ainda que o casal seja formado em comunhão universal de bens:
LATROCÍNIO. PATRIMÔNIO. CASAL.
Na espécie, o paciente foi condenado pela prática de dois crimes de latrocínio – um consumado e outro tentado – em concurso formal.
Na impetração, sustentou-se que os delitos foram praticados contra um casal, o que caracterizaria violação de apenas um patrimônio, devendo ser reconhecido, portanto, o cometimento de crime único.
Nesse contexto, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, denegou a ordem de habeas corpus por entender que o fato de as vítimas serem casadas não necessariamente significa que os objetos subtraídos de sua residência compunham um patrimônio comum indivisível.
Segundo salientou o Min. Relator, mesmo nas hipóteses de os cônjuges adotarem o regime da comunhão universal, há bens que não se comunicam, como os do caso: foram subtraídos, entre outros itens, um par de alianças de ouro e quantia em dinheiro proveniente, ao que tudo indica, da aposentadoria por eles recebida.
Concluiu, portanto, que, in casu, foram cometidos dois crimes contra duas vítimas diferentes mediante uma única ação e lesão a mais de um patrimônio, o que caracteriza o concurso formal nos termos do art. 70 do CP, ainda que as vítimas fossem casadas civilmente.
Precedente citado: REsp 729.772-RS, DJ 7/11/2005.
STJ - HC 122.061-RS, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 3/5/2011.
Extorsão
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1.º - Se o crime é cometido por 02 (duas) ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.
§ 2.º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3.º do artigo anterior. (Vide Lei n.º 8.072/1990)
§ 3.º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 06 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2.º e 3.º, respectivamente. (Incluído pela Lei n.º 11.923, de 2009)
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 157 do CP (...) § 3.º Se da violência resulta: (Redação dada pela Lei n.º 13.654, de 2018)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 13.654, de 2018)"
- Vide: Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos)
"Art. 1.º (...) III - extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º); (Redação dada pela Lei n.º 13.964, de 2019)"
- Vide:
"Art. 13-A do CPP. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3.º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o nome da autoridade requisitante; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o número do inquérito policial; e (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
- Vide: Art. 5.º, inc. XII, da CF/1988 - Quebra de sigilo.
- Vide: Dec. n.º 9.603/2018 - Regulamenta a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Notas:
- Vide: Súmula 96 do STJ – O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.
- Vide: Arts. 13-A e 13-B, ambos do CPP, sobre requisição (imediata) de informações cadastrais e interceptação de sinais telemáticos e informações.
- Vide: Lei n.º 10.466/2002 – Competência da Polícia Federal para investigar crimes com motivação política ou em razão da função pública.
- Vide: Art. 9.º da LCH – Aumento de pena pela metade se envolver pessoas descritas no art. 224.
- No sequestro relâmpago o dinheiro é fornecido pela vítima. Na extorsão mediante sequestro outras pessoas que pagam o resgate.
Extorsão mediante seqüestro
Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena - reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 1.º Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 2.º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 3.º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 4.º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei n.º 9.269, de 1996)
Legislação correlata:
- Vide: Lei dos Crimes Hediondos.
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...)
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ l.º, 2.º e 3.º); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)"
"Art. 9.º da Lei n.º 8.072/90 As penas fixadas no art. 6.º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3.º, 158, § 2.º, 159, caput e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal."
- Vide:
"Art. 13-A do CPP. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3.º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
I - o nome da autoridade requisitante; (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
II - o número do inquérito policial; e (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. (Incluído pela Lei n.º 13.344, de 2016) (Vigência)"
- Vide: Art. 288 do CP - Quadrilha ou bando.
- Vide: Art. 288-A - Milícia privada.
- Vide: Lei n.º 12.850/2013 - Define organização criminosa.
- Vide: Art. 5.º, inc. XII, da CF/1988 - Quebra de sigilo.
- Vide: Dec. n.º 9.603/2018 - Regulamenta a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
- Vide: Lei n.º 10.446/2002 - Competência da Polícia Federal para investigar quando houver repercussão interestadual ou internacional.
Notas:
- Sujeito Ativo: Comum.
- Sujeito Passivo: Comum.
- Privação de animal em troca de vantagem financeira: Pode se enquadrar no art. 158 do CP.
- Consuma com a privação de liberdade.
- É crime permanente.
- Admite tentativa.
- Pessoa jurídica pode ser vítima de extorsão mediante sequestro? Sim, segundo Rogério Sanches, desde que seja a PJ a pagadora do resgate. O sequestro pode ser de qualquer pessoa, ligada ou não a empresa.
- Lesão corporal ou morte em terceiro que não seja o sequestrado: Por exemplo, caso morra o segurança da vítima; ou um policial etc. Prevalece o entendimento de que só permanecem essas qualificadoras se for contra a própria vítima. Para os terceiros atingidos caberia cumulação com lesões corporais ou homicídio (posição de Fernando Capez).
Jurisprudência:
01) Extorsão mediante sequestro – Morte da vítima antes do pedido de resgate – Irrelevância – Afastada competência do Tribunal do Júri:
EXTORSÃO. SEQUESTRO. MORTE. CONSUMAÇÃO. (Informativo n.º 447 do STJ – Sexta Turma)
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor da ora paciente condenada à pena de 26 anos de reclusão a ser cumprida no regime integralmente fechado, pela prática do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte, em que a defesa pretende a cassação da sentença criminal com a determinação de que se remetam os autos ao Tribunal do Júri, sob o argumento de que, na verdade, trata-se de crime contra vida, razão pela qual sustenta que não houve a correta tipificação penal. Aduz a defesa que os elementos constitutivos do tipo não se consumaram, pois não ocorreu a exigência de resgate, uma vez que todos os réus foram presos de imediato e o homicídio foi praticado anteriormente à extorsão. A Turma denegou a ordem, afastando a incidência do crime de homicídio ao fundamento de que a intenção dos agentes, inclusive da ora paciente, era pleitear o resgate no valor ajustado entre os acusados, sendo que a morte da vítima deu-se em decorrência de sua resistência e dos incessantes gritos de socorro. Registrou-se o ensinamento do Min. Assis Toledo manifestado em precedente deste Superior Tribunal no sentido de que a extorsão mediante sequestro qualificada pelo resultado morte não se descaracteriza quando a morte do próprio sequestrado ocorre no momento de sua apreensão, como ocorreu in casu. Precedentes citados: HC 87.764-SC, DJe 25/5/2009, e RHC 1.846-GO, DJ 20/4/1992.
STJ - HC 113.978-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/9/2010.
02) Sequestro e roubo – Atipicidade em virtude da privação da liberdade visar apenas a obtenção do bem (veículo subtraído):
Elemento subjetivo do tipo: seqüestro e roubo de veículos (Informativo n.º 615 do STF – Primeira Turma)
Ante o empate na votação, a 1.ª Turma deferiu habeas corpus, de ofício, para excluir, da condenação do paciente, a pena relativa ao crime de seqüestro. Tratava-se, na espécie, de recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de condenado pela prática dos delitos de quadrilha armada, roubo qualificado, seqüestro e cárcere privado. A defesa requeria o reconhecimento: a) da continuidade delitiva em relação aos crimes de roubo praticados pelo paciente, afastado o concurso material imposto pelo tribunal de justiça local; b) da tese de que a condenação pelo crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e por crime de formação de quadrilha armada consistiria em bis in idem; c) da atipicidade do crime de seqüestro. Prevaleceu o voto proferido pelo Min. Dias Toffoli, relator, que, inicialmente, não conheceu do recurso. No tocante ao primeiro argumento, aduziu que o exame do tema demandaria o revolvimento de matéria fática, incabível na sede eleita. Rejeitou o alegado bis in idem, dada a autonomia do crime de quadrilha ou bando. No que concerne à última assertiva, registrou que a questão não fora apreciada na origem. Contudo, vislumbrou a possibilidade da concessão da ordem de ofício. Asseverou que os crimes de seqüestro e cárcere privado imputados ao recorrente na denúncia, na realidade, tiveram escopo único, exclusivamente voltado à consumação do crime de roubo de veículos automotores, ainda que a privação de liberdade das vítimas tivesse ocorrido por razoável período de tempo. Enfatizou que estas teriam sido colocadas espontaneamente em liberdade pelos criminosos, tão-logo assegurada a posse mansa e pacífica da res furtiva. Em razão disso, considerou não caracterizado o crime de seqüestro por ausência do elemento subjetivo do tipo. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia votaram pela não concessão, de ofício, do writ.
STF - RHC 102984/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 8.2.2011. (RHC-102984)
Extorsão indireta
Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
CAPÍTULO III
DA USURPAÇÃO
Alteração de limites
Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, e multa.
§ 1.º - Na mesma pena incorre quem:
Usurpação de águas
I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;
Esbulho possessório
II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
§ 2.º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.
§ 3.º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Jurisprudência:
01) Esbulho possessório - Imóvel do Programa Minha Casa Minha Vida - Contrato de alienação fiduciária - Possuidor indireto - Legitimidade ativa concorrente - Competência da Justiça Federal - Interesse da União:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021
Crime de esbulho possessório. Art. 161, II, do Código Penal. Imóvel do Programa Minha Casa Minha vida. Vítima. Possuidor direto. Alienação fiduciária. Caixa Econômica Federal. Possuidora indireta. Reintegração de posse. Legitimação ativa concorrente. Art. 109, IX, da CF. Recursos orçamentários Federais. Interesse da União. Competência da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida. O art. 161, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. O crime de esbulho possessório pressupõe uma ação física de invadir um terreno ou edifício alheio, no intuito de impedir a utilização do bem pelo seu possuidor. Portanto, tão-somente aquele que tem a posse direta do imóvel pode ser a vítima, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. No que diz respeito ao contrato de alienação fiduciária, o art. 23, parágrafo único, da Lei n. 9.514/1997, estabelece que "[c]om a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel." Assim, na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, enquanto o devedor fiduciário permanecer na posse direta do bem, tão-somente ele pode ser vítima do crime de esbulho possessório. Apenas se, por alguma razão, passar o credor fiduciário a ter a posse direta do bem é que será ele a vítima. Entretanto, o fato de o credor fiduciário não ser a vítima do crime, não retira o seu interesse jurídico no afastamento do esbulho ocorrido, uma vez que o possuidor indireto, no âmbito cível, da mesma forma que o possuidor direto, possui legitimidade para propor a ação de reintegração de posse, prevista no art. 560 do atual Código de Processo Civil, cuidando-se de hipótese de legitimação ativa concorrente. No caso, além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, a possuidora direta e devedora fiduciária, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente da empresa pública federal, embora seja na esfera civil, é suficiente para evidenciar a existência do seu interesse jurídico na apuração do referido delito. E, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição da República, a existência de interesse dos entes nele mencionados, é suficiente para fixar a competência penal da Justiça Federal. Há, ainda, outro aspecto da situação em exame, que evidencia a existência de interesse jurídico, agora da União, e que também instaura a competência federal, nos termos do artigo mencionado. Com efeito, o imóvel objeto do esbulho foi adquirido pela vítima, no âmbito do programa governamental "Minha Casa Minha Vida", criado pela Lei n. 11.977/2009. Nele, nos termos do arts. 2.º, inciso I, e 6.º da referida Lei, os imóveis são subsidiados pela União, a qual efetiva parte do pagamento do bem, com recursos orçamentários, no momento da assinatura do contrato com o agente financeiro. Saliente-se que o fato de o bem ter sido adquirido, em parte, com recursos orçamentários federais, não leva à permanência do interesse da União, ad aeternum, na apuração do crime de esbulho possessório em que o imóvel esbulhado tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, ao menos enquanto estiver o imóvel vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a sua compra e no qual houve o subsídio federal, persiste o interesse da União.
(Fonte: Informativo de Jurisprudência n.º 700 do STJ - Terceira Seção)
Supressão ou alteração de marca em animais
Art. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e multa.
CAPÍTULO IV
DO DANO
Dano
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos; (Redação dada pela Lei nº 13.531, de 2017)
IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 109 da CF/1988 - Competência da Justiça Federal.
Nota:
- O delito qualificado conforme o inc. IV é de ação penal privada (mediante queixa - art. 167 do CP).
Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia
Art. 164 - Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 06 (seis) meses, ou multa.
Nota:
- Ação penal privada (mediante queixa - art. 167 do CP).
Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico
Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Alteração de local especialmente protegido
Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:
Pena - detenção, de 01 (um) mês a 01 (um) ano, ou multa.
Ação penal
Art. 167 - Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa.
CAPÍTULO V
DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA
Apropriação indébita
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1.º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
I - em depósito necessário;
II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
III - em razão de ofício, emprego ou profissão.
Apropriação indébita previdenciária (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 3.º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 4.º A faculdade prevista no § 3.º deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei n.º 13.606, de 2018)
Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza
Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre:
Apropriação de tesouro
I - quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;
Apropriação de coisa achada
II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.
Art. 170 - Nos crimes previstos neste Capítulo, aplica-se o disposto no art. 155, § 2.º.
CAPÍTULO VI
DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES
Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1.º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2.º.
§ 2.º - Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
Defraudação de penhor
III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Fraude na entrega de coisa
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
Fraude eletrônica
§ 2.º-A. A pena é de reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 2.º-B. A pena prevista no § 2.º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional. (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 3.º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Estelionato contra idoso ou vulnerável (Redação dada pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 4.º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso. (Redação dada pela Lei n.º 14.155, de 2021)
§ 5.º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
I - a Administração Pública, direta ou indireta; (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
II - criança ou adolescente; (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
III - pessoa com deficiência mental; ou (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei n.º 13.964/2019)
Redação anterior:
"Estelionato contra idoso
§ 4.º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. (Incluído pela Lei n.º 13.228, de 2015)"
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
- Vide: Lei n.º 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Vide: Art. 155, § 2.º, do Código Penal - Furto privilegiado.
"Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. (furto privilegiado)."
- Vide: Lei n.º 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD.
- Vide: Lei n.º 12.965/2014 - Marco Civil da Internet.
- Vide: Art. 70 do Código de Processo Penal - Competência.
"§ 4.º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção. (Incluído pela Lei n.º 14.155, de 2021)"
Notas:
- Vide: Súmula 554 do STF - O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.
- Vide: Súmula 246 do STF - Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos.
- Vide: Súmula 244 do STJ - Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.
- Vide: Súmula 17 do STJ – Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
- Vide: Enunciado n.º 04 do GNCCRIM/CNPG: (Art. 171, § 5.º, do CP - Art. 91 da Lei 9.099/95 c/c. art. 3.º do CPP) Nas investigações e processos em curso, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecer representação no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. (Fonte: https://www.cnpg.org.br/)
- Diferença entre furto mediante fraude e o crime de estelionato: No primeiro, o agente emprega a fraude para subtrair o bem sem o consentimento do proprietário. A fraude é utilizada para viabilizar a subtração da res. Já no estelionato há o emprego do meio fraudulento para iludir o ofendido a entregar voluntariamente o bem. O criminoso utiliza meio ardiloso para iludir a vítima e fazer com que esta lhe entregue o objeto pretendido.
- Não configura crime de estelionato o advogado receber honorários advocatícios, ainda que o cliente seja beneficiado com a AJG (Vide precedente abaixo).
- Frustrar pagamento de cheque dado em pagamento de dívida de jogo: Não é crime para doutrina majoritária. Isso porque, em tese, seria tal ação um ilícito civil.
Jurisprudência:
01) Estelionato - Competência - Obtenção de empréstimo vinculado à folha de pagamento do INSS – Ausência de interesse da União – Competência da Justiça Estadual Comum:
COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. EMPRÉSTIMO. APOSENTADA. (Informativo n.º 432 do STJ – Terceira Seção)
Cuida-se da suposta prática de estelionato mediante a contratação fraudulenta de empréstimo consignado em folha de pagamento de proventos do INSS. Constatou-se que foi utilizada a senha de um representante de corretora de seguros para realizar o empréstimo fraudulento na instituição financeira privada e consigná-lo na folha de pagamento da aposentada. Diante disso, constata-se que o estelionato não foi cometido em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou suas entidades autárquicas, o que afasta a competência da Justiça Federal e determina a da Justiça comum estadual. Precedentes citados: CC 102.207-SP, DJe 3/8/2009; CC 38.293-RS, DJ 9/6/2003, e AgRg no CC 37.487-RS, DJ 20/10/2003.
STJ - CC 100.725-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/4/2010.
02) Estelionato - Competência - Percepção de empréstimo (na modalidade CDC) junto ao Banco do Brasil (Sociedade de Economia Mista) com documento falso – Ausência de interesse da União – Competência da Justiça Estadual – Deslocamento para a Justiça Federal ocorre apenas em obtenção de financiamentos:
COMPETÊNCIA. CRIME. SISTEMA FINANCEIRO. DESCLASSIFICAÇÃO. ESTELIONATO. (Informativo n.º 436 do STJ – Terceira Seção)
Trata-se de conflito negativo de competência entre TRF e juízo de direito de vara criminal estadual.
Consta dos autos que o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia por utilização de documentos falsos para contraírem empréstimos na modalidade CDC no Banco do Brasil, o que viola o art. 19, caput e parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, bem como os arts. 297 e 304 c/c 69 e 71, todos do CP, causando, dessa forma, prejuízos ao banco. Sobreveio a sentença proferida pelo titular da vara criminal federal, condenando a ré a seis anos de reclusão e ao pagamento de 30 dias-multa no menor valor unitário. Então, a ré interpôs recurso de apelação, sustentando, em preliminar, a incompetência absoluta da Justiça Federal ao fundamento de que não foi comprovado o prejuízo patrimonial da União, mas apenas o da sociedade de economia mista com foro na Justiça estadual e, no mérito, buscava a desclassificação do crime para estelionato, o que resultaria também na incompetência absoluta da Justiça Federal. O TRF acolheu as alegações da defesa ao argumento de que a conduta da ré não poderia ser considerada crime financeiro, mas sim estelionato, visto que o prejuízo causado atingira apenas o patrimônio da instituição financeira, por isso declarou a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia, revogando a prisão preventiva imposta à ré. Assim, após deslocados os autos para a Justiça comum estadual, o Parquet estadual afirmou que já se havia manifestado sobre o tema no sentido de ser a competência da Justiça Federal e pugnou que os autos fossem devolvidos ao TRF para que ele suscitasse o conflito de competência. Dessa forma, o julgamento, em questão de ordem, foi retificado pelo TRF, suscitando o conflito de competência. Para o Min. Relator, o art. 19 da Lei n. 7.492/1986 exige, para configuração do crime contra o sistema financeiro, a utilização de fraude para obter financiamento de instituição financeira, o que difere da obtenção de empréstimo. Isso porque os financiamentos são operações realizadas com destinação específica, em que, para a obtenção de crédito, existe alguma concessão por parte do Estado como incentivo, assim há vinculação entre a concessão do crédito e o patrimônio da União. Também se exige a comprovação da aplicação desses recursos, por exemplo: os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de consumo duráveis, rurais e imobiliários. Dessarte, segundo o Min. Relator, na hipótese dos autos, tem razão o suscitante, pois não houve lesão ao patrimônio da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, conforme exigido pelo art. 109, IV, da CF/1988, visto que, em todas as vezes, a ré obteve empréstimo na modalidade de crédito direto ao consumidor (CDC); isso causou lesão exclusivamente à instituição financeira, como apontou o TRF. Por outro lado, quanto à imputação pelos delitos de uso de documento falso e falsificação de documento público tipificados nos arts. 304 e 297 do CP, destaca não existirem, nos autos, elementos que apontem a utilização dos documentos falsos em outras situações que não a obtenção dos empréstimos, por isso incide, na espécie, a Súm. n. 17-STJ. Diante do exposto, a Seção conheceu do conflito para declarar competente o juízo da vara criminal, o suscitado. Precedentes citados: CC 104.893-SE, DJe 29/3/2010; CC 106.283-SP, DJe 3/9/2009, e CC 31.125-SP, DJ 1º/7/2004.
STJ - CC 107.100-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/5/2010.
03) Estelionato via site da Internet - Competência Estadual (in casu) – Vínculo Etiológico com delitos apurados na Justiça Federal não verificado:
COMPETÊNCIA. CRIMES. INTERNET. (Informativo n.º 384 do STJ – Terceira Seção)
Discute-se a competência para processar e julgar diversos crimes veiculados em sites da Internet: divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes, estelionato, facilitação de prostituição e corrupção de menores. O juízo federal reconheceu como de sua competência o delito de divulgação de imagens pornográficas e suscitou o conflito de competência em relação aos demais delitos. Por outro lado, o parecer do Ministério Público Federal reconheceu a existência de conexão probatória ou instrumental (em que o vínculo é objetivo, pois as infrações nutrem relação de causa e efeito). Por esse motivo, todos os delitos deveriam ser apreciados pela Justiça Federal. Para a Min. Relatora, é imprescindível verificar se, entre os crimes de estelionato, facilitação de prostituição e corrupção de menores, haveria vínculo etiológico com o delito do art. 241 do ECA, esse último de competência da Justiça Federal. Assim, sob esse prisma, o delito contra o patrimônio perpetrado por meio de outro site não tem liame instrumental, relação de causa e efeito, para justificar a competência federal. Ademais, o fato de esse delito, em tese, ter extravasado limites estaduais não autoriza o reconhecimento de afetação de bens jurídicos da União, nem nas hipóteses elencadas no art. 109 da CF/1988. Já os crimes de facilitação de prostituição e corrupção de menores praticados no mesmo site do crime de divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes, em razão do reconhecimento da conexão instrumental ou probatória e à luz da Súm. n. 122-STJ, devem ser julgados na Justiça Federal. Com esse entendimento, a Seção declarou competente o juízo de Direito da vara criminal, o suscitado, para processar e julgar o crime de estelionato, e o juízo federal criminal e juizado especial, o suscitante, para julgar os demais crimes.
STJ - CC 101.306-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/2/2009.
04) Estelionato - Competência - Depósito em conta bancária de terceiro - Compete ao juízo no qual se situa a conta favorecida a apreciação da ação penal:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/12/2019, DJe 19/12/2019 (Informativo n.º 663 do STJ - Terceira Seção)
Estelionato. Depósito em favor de conta bancária de terceiro. Competência. Divergência na Terceira Seção. Juízo do local da agência beneficiária do depósito. Competente.
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida. Até recentemente, a jurisprudência desta Corte orientava que, nos casos em que a vítima houvesse sido induzida a erro a efetuar depósito ou transferência bancária para conta de terceiro, o local da consumação do crime de estelionato seria o da agência bancária onde efetivada a transferência ou o depósito. Em precedentes mais recentes, a Terceira Seção modificou tal orientação, estabelecendo diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante falsificação ou adulteração de cheque (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou da transferência bancária). Ocorre que há precedente subsequente (CC n. 166.009/SP, julgado em 28/8/2019) que restaurou a orientação primeva, no sentido de que o prejuízo, na hipótese de transferência bancária, seria o do local da agência bancária da vítima. Em razão da oscilação do entendimento jurisprudencial da própria Terceira Seção, a matéria foi novamente apreciada pelo colegiado. Anote-se que a melhor solução jurídica seria aquela que estabelece distinção entre a hipótese de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado (competência do Juízo do local onde a vítima mantém conta bancária), daquela na qual a vítima é induzida a efetivar depósito ou transferência bancária em prol do beneficiário da fraude (competência do Juízo onde situada a agência bancária beneficiária do depósito ou transferência). Assim, se o crime só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário da fraude.
05) Estelionato praticado por advogado – Recebimento de precatório - Vantagem ilícita – Crime instantâneo:
Estelionato: Prestações Periódicas e Crime Instantâneo (Informativo n.º 497 do STF)
A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para pronunciar a prescrição da pretensão punitiva do Estado relativamente ao paciente, condenado por estelionato em razão de, na qualidade de advogado, haver induzido em erro sua cliente, obtendo para si crédito a ser por ela recebido de município, através de precatório, decorrente de ação indenizatória anteriormente ajuizada. Entendeu-se que a circunstância de a satisfação do crédito se dar por meio de precatório não alteraria a conduta praticada pelo paciente, a qual consubstanciaria crime instantâneo, verificada a vantagem ilícita em prejuízo de terceiro, muito embora, sob o ângulo pecuniário, essa fosse alcançada posteriormente. Entretanto, não obstante haver-se enfatizado que o desdobramento do ato, no tocante à percepção das parcelas, seria simples conseqüência do crime instantâneo, concluiu-se pela aludida prescrição, tendo em conta que o delito fora perpetrado em 1997. Vencido o Min. Menezes Direito que indeferia o writ ao fundamento de tratar-se, no caso, de crime permanente, cuja prescrição se prolongaria no tempo.
STF - HC 88872/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.3.2008. (HC-88872)
06) Estelionato majorado - Princípio da insignificância - Ofensa ao patrimônio público - Inaplicabilidade:
PENAL E PROCESSUAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO CONTRA PROGRAMA DE SEGURO-DEFESO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. SÚMULA 438. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
(...)
3. Segundo a jurisprudência da Suprema Corte e deste Tribunal Superior, na aplicação do princípio da insignificância, devem ser utilizados os seguintes parâmetros: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) lesão jurídica inexpressiva, os quais devem estar presentes, concomitantemente, para a incidência do referido instituto.
4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que no delito previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal não se aplica o princípio da insignificância para o trancamento da ação penal, uma vez que a conduta ofende o patrimônio público, a moral administrativa e a fé pública, bem como é altamente reprovável.
Precedentes.
5. Recurso ordinário desprovido.
(STJ - RHC 61.931/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 15/02/2016)
PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. INOCORRÊNCIA. CONFISSÃO DA RECORRENTE. DILAÇÃO PROBATÓRIA INVIÁVEL NA VIA ELEITA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
(...)
II - Não se verifica, da apreciação dos elementos contidos no recurso, a atipicidade da conduta pela ausência da elementar "obtenção de vantagem ilícita", uma vez que, fosse de fato devido o salário-maternidade, como alega a recorrente, não seriam necessários documentos falsos para instruir o pedido de concessão do benefício junto à autarquia previdenciária.
III - A denúncia descreve que, tanto no procedimento administrativo do INSS, quanto no inquérito policial, a recorrente confessou que os documentos foram elaborados com o intuito exclusivo de obter, irregularmente, o benefício do salário-maternidade, condição que evidencia a necessidade da manutenção da ação penal, a fim de que se produzam provas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
IV - Não há se falar em incidência do princípio da insignificância na hipótese em que a recorrente, em tese, mediante uso de documento ideologicamente falso, obteve dos cofres públicos o benefício do salário-maternidade, conduta que ofende o patrimônio público, a fé pública e a moral administrativa. (Precedentes).
Recurso ordinário desprovido.
(STJ - RHC 55.701/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 27/05/2015)
07) Estelionato - Princípio da Insignificância – Condição Pessoal do Réu – Policial Militar da Reserva – Não Aplicação – Comportamento não esperado por parte de agente público:
ESTELIONATO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA.
Policial rodoviário da reserva remunerada (ora paciente) utilizou-se de documento falso (passe conferido aos policiais da ativa) para comprar passagem de ônibus intermunicipal no valor de R$ 48,00. Por esse motivo, foi denunciado pela suposta prática do crime de estelionato previsto no art. 171 do CP. Sucede que a sentença o absolveu sumariamente em razão do princípio da insignificância, mas o MP estadual interpôs apelação e o TJ determinou o prosseguimento da ação penal. Agora, no habeas corpus, busca a impetração seja restabelecida a decisão de primeiro grau devido à aplicação do referido princípio. Para o Min. Relator, a conduta do paciente não preenche os requisitos necessários para a concessão da benesse pretendida. Explica que, embora o valor da vantagem patrimonial seja de apenas R$ 48,00 (valor da passagem), as circunstâncias que levam à denegação da ordem consistem em ser o paciente policial da reserva, profissão da qual se espera outro tipo de comportamento; ter falsificado documento para parecer que ainda estava na ativa; além de, ao ser surpreendido pelos agentes, portar a quantia de R$ 600,00 no bolso, a demonstrar que teria plena condição de adquirir a passagem. Assim, tais condutas do paciente não se afiguram como um irrelevante penal, nem podem ensejar constrangimento ilegal. Por fim, assevera que não caberia também, na via estreita do habeas corpus, o exame da alegação da defesa quanto a eventuais dificuldades financeiras do paciente. Esclarece ainda que, de acordo com a jurisprudência do STF, para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Diante dessas considerações, a Turma denegou a ordem e cassou a liminar deferida para sobrestar a ação penal até o julgamento do habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; do STJ: HC 146.656-SC, DJe 1º/2/2010, e HC 83.027- PE, DJe 1º/12/2008.
STJ - HC 156.384-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/4/2011.
08) Estelionato - Fraude em medidor de energia elétrica para apontar consumo menor - Induzimento em erro da companhia de eletricidade - Tipicidade - Infração diversa do furto:
DIREITO PENAL - AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019 (Informativo n.º 648 do STJ - Quinta Turma)
Alteração no medidor de energia elétrica. Fraude por uso de substância. Redução do consumo de energia. Induzimento ao erro da companhia elétrica. Tipicidade legal. Estelionato.
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato.
Não se desconhece o precedente firmado nos autos do RHC n. 62.437/SC, em 2016, em que o Ministro Nefi Cordeiro consigna que a subtração de energia por alteração de medidor sem o conhecimento da concessionária, melhor se amolda ao delito de furto mediante fraude e não ao de estelionato. Ao que se pode concluir dos estudos doutrinários, no furto, a fraude visa a diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da res (inversão da posse). O bem é retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. Por sua vez, no estelionato, a fraude objetiva fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade. No caso dos autos, verifica-se que as fases "A" e "B" do medidor estavam isoladas por um material transparente, que permitia a alteração do relógio e, consequentemente, a obtenção de vantagem ilícita aos acusados pelo menor consumo/pagamento de energia elétrica - por induzimento em erro da companhia de eletricidade. Assim, não se trata da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de serviço lícito, prestado de forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo – fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato).
09) Estelionato - Pagamento via cheque – Ressarcimento da vítima antes do oferecimento da denúncia exclui a punibilidade:
ESTELIONATO. RESSARCIMENTO DOS DANOS ÀS VÍTIMAS ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. PECULIARIDADES DO CASO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1- A pronta reparação dos danos às vítimas não indica comportamento penalmente reprovável a ponto de impor juízo de censura penal. 2- Situação peculiar da acusada que adultera cheque no dia em que se interna para ganhar seu bebê e que, menos de um mês após, ressarce os prejuízos e indeniza as vítimas, inclusive com a entrega de um automóvel Fusca do marido. APELO DESPROVIDO.
(Apelação Crime Nº 70008849051, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 26/08/2004)
ALEGAÇÕES FINAIS. AUSÊNCIA. NULIDADE. Declaração da nulidade do processo a partir da sentença, diante da ausência de alegações finais. PRELIMINAR ACOLHIDA. ESTELIONATO. PAGAMENTO COM CHEQUE FURTADO. RESSARCIMENTO DA VÍTIMA ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. Ressarcida a vítima antes do oferecimento da denúncia, é de se declarar extinta a punibilidade do réu. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU QUANTO AO PRIMEIRO FATO DENUNCIADO.
(Apelação Crime Nº 70016803967, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 30/05/2007)
10) Estelionato - Uso por terceiro de cheque furtado, a fim de praticar o delito, não se enquadra no § 2.º, inc. VI – Trata-se de estelionato na forma fundamental:
DIREITO PENAL. RESSARCIMENTO DE DANO DECORRENTE DE EMISSÃO DE CHEQUE FURTADO.
Não configura óbice ao prosseguimento da ação penal – mas sim causa de diminuição de pena (art. 16 do CP) – o ressarcimento integral e voluntário, antes do recebimento da denúncia, do dano decorrente de estelionato praticado mediante a emissão de cheque furtado sem provisão de fundos. De fato, a conduta do agente que emite cheque que chegou ilicitamente ao seu poder configura o ilícito previsto no caput do art. 171 do CP, e não em seu § 2º, VI. Assim, tipificada a conduta como estelionato na sua forma fundamental, o fato de ter o paciente ressarcido o prejuízo à vítima antes do recebimento da denúncia não impede a ação penal, não havendo falar, pois, em incidência do disposto na Súmula 554 do STF, que se restringe ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos, prevista no art. 171, § 2.º, VI, do CP. A propósito, se no curso da ação penal ficar devidamente comprovado o ressarcimento integral do dano à vítima antes do recebimento da peça de acusação, esse fato pode servir como causa de diminuição de pena, nos termos do previsto no art. 16 do CP. Precedentes citados: RHC 29.970-SP, Quinta Turma, DJe 3/2/2014; e HC 61.928-SP, Quinta Turma, DJ 19/11/2007.
STJ - HC 280.089-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/2/2014.
11) Estelionato – Uso de cheque roubado – Impossibilidade de absorção pelo delito do art. 157 do CP – Desígnios e bens jurídicos autônomos:
DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
O delito de estelionato não será absorvido pelo de roubo na hipótese em que o agente, dias após roubar um veículo e os objetos pessoais dos seus ocupantes, entre eles um talonário de cheques, visando obter vantagem ilícita, preenche uma de suas folhas e, diretamente na agência bancária, tenta sacar a quantia nela lançada. Isso porque a falsificação da cártula, no caso, não é mero exaurimento do crime antecedente, porquanto há diversidade de desígnios e de bens jurídicos lesados. Dessa forma, inaplicável o princípio da consunção. Precedente citado: REsp 1.111.754-SP, Sexta Turma, DJe 26/11/2012.
STJ - HC 309.939-SP, Rel. Min. Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ-SC), julgado em 28/4/2015, DJe 19/5/2015.
12) Estelionato - Pagamento via cheque – Ressarcimento por terceiro à vítima (e não pelo réu) – Não extinção da punibilidade:
APELAÇÃO CRIME. ESTELIONATO. EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. 1. DECISÃO ABSOLUTÓRIA. REFORMA. A materialidade do delito está suficientemente comprovada por cópia do cheque emitido pelo réu, que foi devolvido por insuficiência de fundos, sendo que o mesmo está autenticado por policial, funcionário público, presumindo-se a veracidade da declaração, ainda mais quando nenhuma mácula quanto ao conteúdo material foi acenada. O ressarcimento do dano antes do oferecimento da denúncia somente exclui a punibilidade quando feito de forma voluntária, e pelo próprio agente, o que inocorreu no caso presente. Autoria inequívoca à luz da prova produzida nos autos, tendo o réu confessado a prática delitiva na fase inquisitorial. O dolo se evidencia na medida em que, sabedor da insuficiência de fundos na sua conta-corrente, emitiu um cheque, cujo aceite pelo funcionário do estabelecimento comercial só ocorreu porque terceiro, também ludibriado, o avalizou, e, posteriormente, resgatou a dívida. Condenação que se fazia imperativa. 2. DOSIMETRIA DA PENA. Pena-base fixada em 1 ano e 3 meses de reclusão, porque desfavorecem o réu as circunstâncias do delito e o prejuízo suportado pela vítima, definitivada neste patamar em razão da ausência de modificadoras outras. Multa arbitrada em 12 dias-multa, à razão unitária mínima. (...). APELO MINISTERIAL PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70012375713, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 20/12/2006)
13) Estelionato - Pagamento via cheque – Ressarcimento da vítima após oferecida denúncia – Causa que pode diminuir a pena:
ESTELIONATO. PAGAMENTO DE CONTA EM POSTO DE GASOLINA COM CHEQUE DE TERCEIRO, FURTADO. PROVA. PENA. Configura o crime de estelionato a entrega, como se seu fosse, de cheque de terceiro, furtado, para pagamento, em posto de gasolina, de despesas atinentes a abastecimento de veículo. Defeitos formais do cheque, correspondentes a rasuras no espaço destinado ao ano, que não impediram a consumação do ilícito penal. Réu que se valeu do fato de o frentista ter ido consultar superior, sobre a possibilidade de recebimento da cártula, para fugir do local, assim obtendo a vantagem e impingindo ao proprietário do posto o prejuízo correspondente. Comportamento este, aliás, incompatível com a alegação, desfiada apenas em juízo, de inocência em relação à origem do cheque. O ressarcimento do prejuízo após o oferecimento da denúncia apenas se presta para atenuar a pena. A reincidência é agravante legal, que como tal há de ser considerada. Hipótese, porém, em que, de qualquer forma, neutralizada que restou pela atenuante, não haveria alteração do resultado prático da ação penal, certo que aquém do mínimo legal, onde restou plasmada, a sanção não teria como ser disposta em razão de atenuante. Apelo não provido, por maioria. (Apelação Crime Nº 70018080192, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 01/02/2007)
14) Estelionato contra a Previdência – Prescrição – Crime classificado como instantâneo de efeitos permanentes:
Estelionato Previdenciário: Natureza e Prescrição (Informativo n.º 598 do STF – Segunda Turma)
A Turma concedeu, em parte, habeas corpus para reconhecer que a fraude perpetrada por terceiros no estelionato previdenciário consubstancia crime instantâneo de efeitos permanentes. Inicialmente, superou-se a alegada violação ao princípio da colegialidade, pois a decisão monocrática proferida pelo STJ fora fundamentada na orientação jurisprudencial dominante naquela Corte, a permitir a atuação do relator (CPC, art. 557, § 1º-A). Frisou-se que, ao julgar o HC 86467/RS (DJU de 22.6.2007), o STF alterara a jurisprudência, até então consolidada, em matéria de prescrição do crime de estelionato previdenciário, ao reputar que a conduta deve ser classificada como crime instantâneo de efeitos permanentes. Lembrou-se que o mencionado precedente estabelece como marco inicial da contagem do prazo prescricional a data em que ocorreu o pagamento indevido da primeira parcela, ocasião em que o dano ter-se-ia aperfeiçoado. Destacou-se que o entendimento não seria válido para o beneficiário da fraude perpetrada, mas apenas para aquela pessoa que falsificara os dados que possibilitaram ao beneficiário receber as prestações indevidas. Tendo em conta que o habeas não estaria instruído com cópia dos atos que demonstrariam de forma inequívoca os marcos interruptivos da prescrição, remeteu-se ao juízo competente a análise da ocorrência dela. Por fim, enfatizou-se que, na hipótese da extinção da punibilidade, a execução da pena deverá ter início imediato.
STF - HC 91716/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 31.8.2010. (HC-91716)
Natureza do Crime de Estelionato contra a Previdência
O denominado estelionato contra a Previdência Social (CP, art. 171, § 3º) é crime instantâneo de efeitos permanentes e, como tal, consuma-se ao recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade dos pacientes, tendo em conta a ocorrência da prescrição retroativa. Aduziu-se que, nesta espécie de crime, o prazo prescricional seria aquele previsto no art. 111, I, do CP. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ por reputar que, no caso específico dos crimes de estelionato praticados contra a Previdência Social, a execução e a consumação do crime se prolongariam no tempo, não sendo necessário que a fraude ou o ardil fossem renovados a cada período de tempo.
STF - HC 95379/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 25.8.2009. (HC-95379)
HC N. 95.379-RS - RELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: AÇÃO PENAL. Prescrição da pretensão punitiva. Ocorrência. Estelionato contra a Previdência Social. Art. 171, § 3º, do CP. Uso de certidão falsa para percepção de benefício. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Diferença do crime permanente. Delito consumado com o recebimento da primeira prestação do adicional indevido. Termo inicial de contagem do prazo prescritivo. Inaplicabilidade do art. 111, III, do CP. HC concedido para declaração da extinção da punibilidade. Precedentes. Voto vencido. É crime instantâneo de efeitos permanentes o chamado estelionato contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal) e, como tal, consuma-se ao recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
* noticiado no Informativo 557
HC N. 99.363-ES - REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: AÇÃO PENAL. Prescrição da pretensão punitiva. Ocorrência. Estelionato contra a Previdência Social. Art. 171, § 3º, do CP. Uso de certidão falsa para percepção de benefício. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Diferença do crime permanente. Delito consumado com o recebimento da primeira prestação do adicional indevido. Termo inicial de contagem do prazo prescritivo. Inaplicabilidade do art. 111, III, do CP. HC concedido para declaração da extinção da punibilidade. Precedentes. Voto vencido. É crime instantâneo de efeitos permanentes o chamado estelionato contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal) e, como tal, consuma-se ao recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
15) Estelionato previdenciário – Crime classificado como permanente quando praticado pelo próprio beneficiário:
Estelionato Previdenciário: Natureza e Prescrição (Informativo n.º 583 do STF – Primeira Turma)
O denominado estelionato contra a Previdência Social (CP, art. 171, § 3º), quando praticado pelo próprio beneficiário do resultado do delito, é crime permanente. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus no qual se pleiteava a declaração de extinção da punibilidade de condenado por fraude contra a Previdência Social em proveito próprio por haver declarado vínculo empregatício inexistente com empresas, com o fim de complementar período necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição. Consignou-se que o STF tem distinguindo as situações: a do terceiro que implementa fraude para que uma pessoa diferente possa lograr o benefício — em que configurado crime instantâneo de efeitos permanentes — e a do beneficiário acusado pela fraude, que comete crime permanente enquanto mantiver em erro o INSS. Precedentes citados: HC 75053/SP (DJU de 30.4.98); HC 79744/SP (DJU de 12.4.2002) e HC 86467/RS (DJU de 22.6.2007).
STF - HC 99112/AM, rel. Min. Marco Aurélio, 20.4.2010. (HC-99112)
16) Estelionato previdenciário – Descabimento da causa de extinção de punibilidade do art. 9.º da Lei n.º 10.684/2003 – Possível, contudo, ser reconhecido o arrependimento posterior:
DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL E DEVOLUÇÃO DA VANTAGEM INDEVIDA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
Não extingue a punibilidade do crime de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do CP) a devolução à Previdência Social, antes do recebimento da denúncia, da vantagem percebida ilicitamente, podendo a iniciativa, eventualmente, caracterizar arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP. O art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê hipótese excepcional de extinção de punibilidade, “quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”, que somente abrange os crimes de sonegação fiscal, apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, ontologicamente distintos do estelionato previdenciário, no qual há emprego de ardil para o recebimento indevido de benefícios. Dessa forma, não é possível aplicação, por analogia, da causa extintiva de punibilidade prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003 pelo pagamento do débito ao estelionato previdenciário, pois não há lacuna involuntária na lei penal a demandar o procedimento supletivo, de integração do ordenamento jurídico. Precedente citado: AgRg no Ag 1.351.325-PR, Quinta Turma, DJe 5/12/2011.
STJ - REsp 1.380.672-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24/3/2015, DJe 6/4/2015.
17) Estelionato – Cobrança de honorários – Cliente com AJG – Pacto de honorários entre cliente e advogado é lícito:
Estelionato: Assistência Judiciária Gratuita e Cobrança de Honorários – 1 (Informativo n.º 576 do STF – Primeira Turma)
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 171, caput, do CP pleiteia o trancamento de ação penal, ao argumento de atipicidade da conduta imputada. Na espécie, o paciente teria auferido vantagem para si, em prejuízo alheio, ao cobrar honorários advocatícios de cliente beneficiado pela assistência judiciária gratuita, bem como forjado celebração de acordo em ação de reparação de danos para levantamento de valores referentes a seguro de vida. Aduz a impetração, ademais, que, depois de ofertada e recebida a denúncia, juízo cível homologara, por sentença, o citado acordo, reputando-o válido, isento de qualquer ilegalidade, que os autores não teriam sofrido prejuízo algum, e que os honorários advocatícios eram efetivamente devidos. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, por considerar que ambas as condutas descritas na denúncia não caracterizam qualquer crime, concedeu a ordem para trancar a ação penal em curso, no que foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli. STF - HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2010. (HC-95058)
Estelionato: Assistência Judiciária Gratuita e Cobrança de Honorários - 2 (Informativo n.º 576 do STF – Primeira Turma)
Observou, inicialmente, que, consoante jurisprudência pacífica desta Suprema Corte, o trancamento de ação penal somente seria cabível em sede de habeas corpus quando, de modo flagrante, e que não demande o exame aprofundado dos elementos probatórios, ficar evidenciada a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de elementos indiciários demonstrativos de autoria e prova da materialidade. Nesse diapasão, ressaltou que, do confronto entre a inicial acusatória e a sentença homologatória cível, saltaria aos olhos a atipicidade dos fatos imputados ao paciente. Consignou, assim, não haver qualquer ilegalidade ou crime no fato de um advogado pactuar com seu cliente — em contrato de risco — a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando este goza do benefício da gratuidade de justiça. Frisou que tal entendimento, aliás, estaria pacificado na Súmula 450 deste Tribunal (“são devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita.”). Asseverou que o parquet estadual laborara em equívoco ao apontar, na exordial acusatória, que o paciente estaria impossibilitado de cobrar honorários advocatícios, por força art. 3.º, V, da Lei 1.060/50, uma vez que o referido dispositivo apenas isentaria a pessoa necessitada de pagar os honorários resultantes da sucumbência, ou seja, aqueles devidos ao advogado da parte contrária, mas não os que ela contrata com o seu patrono, levando em conta o eventual proveito que terá na causa. Assentou, por derradeiro, que a acusação de ter o paciente forjado a celebração de acordo em ação de reparação de danos também se mostrara equivocada, porquanto o pacto tido como fraudulento fora homologado no juízo cível, que atestara estar ele isento de quaisquer vícios, além de não ter causado qualquer prejuízo aos menores envolvidos. STJ - HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2010. (HC-95058)
Estelionato: Assistência Judiciária Gratuita e Cobrança de Honorários - 3 (Informativo n.º 576 do STF – Primeira Turma)
Em divergência, o Min. Marco Aurélio indeferiu o writ por entender que o contexto apresenta peculiaridades que sugerem o trânsito da ação penal. Averbou que a singularidade básica — além da notícia de que o mencionado acordo teria resultado de um conluio — seria a nomeação do paciente como advogado dativo. Destacou, destarte, que, como advogado dativo, não poderia o paciente, por de trás da cortina, celebrar um acordo com o assistido, o menos afortunado, para lograr honorários. Registrou não conceber que, numa situação concreta, em que houvesse designação, pelo Estado-juiz, de defensor dativo, este viesse a entabular — asseverando presumir-se que sem conhecimento do juízo — um acordo com aquele necessitado da assistência jurídica, para tomar uma carona no resultado da ação intentada. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia. STF - HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2010. (HC-95058)
Estelionato: assistência judiciária gratuita e cobrança de honorários – 4 (Informativo n.º 678 do STF – Primeira Turma)
Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação penal ao fundamento de atipicidade de conduta (CP, art. 171, caput). Na espécie, o paciente supostamente teria auferido vantagem para si, em prejuízo alheio, ao cobrar honorários advocatícios de cliente beneficiado pela assistência judiciária gratuita, bem como forjado celebração de acordo em ação de reparação de danos para levantamento de valores referentes a seguro de vida. Aduzia a impetração que, depois de ofertada e recebida a denúncia, juízo cível homologara, por sentença, o citado acordo, reputando-o válido, isento de qualquer ilegalidade; que os autores não teriam sofrido prejuízo algum; e que os honorários advocatícios seriam efetivamente devidos — v. Informativo 576. Consignou-se não haver qualquer ilegalidade ou crime no fato de advogado pactuar com seu cliente — em contrato de risco — a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando gozasse do benefício da gratuidade de justiça. Frisou-se que esse entendimento estaria pacificado no Enunciado 450 da Súmula do STF (“São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita”). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, que denegava o writ, e Cármen Lúcia, que o concedia parcialmente para trancar a ação penal apenas quanto à conduta referente à cobrança de honorários advocatícios de parte amparada pela gratuidade da justiça, ante a falta de justa causa para o seu prosseguimento. Por outro lado, denegava a ordem quanto à segunda conduta imputada ao paciente ao destacar que, na denúncia, teriam sido descritos comportamentos típicos quanto à forja na formalização de acordo, sendo factíveis e obviados os indícios de autoria e materialidade delitivas.
STF - HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (HC-95058)
18) Estelionato - Representação - Processo em curso - Denúncia já oferecida - Nova lei - Irretroatividade:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020 (Informativo n.º 674 do STJ - Quinta Turma)
Crime de estelionato. Regra do § 5.º do art. 171 do Código Penal acrescentada pela Lei n.º 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Representação. Condição de procedibilidade. Aplicação retroativa a processos em curso. Inviabilidade.
A retroatividade da representação no crime de estelionato não alcança aqueles processos cuja denúncia já foi oferecida.
A Lei n. 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO. APLICAÇÃO RETROATIVA. INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO. MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA. INTERESSE NA RESPOSTA PENAL DO ESTADO. REGIME MAIS GRAVOSO. RÉU REINCIDENTE E QUE OSTENTA MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A discussão gira em torno da incidência das recentes alterações legislativas (Lei n. 13.964/19) sobre a natureza da ação penal do crime de estelionato de forma retroativa ou não nas persecuções penais em curso, pois, com o advento da Lei n. 13.964/201 9, conhecida como "pacote anticrime", houve alteração do art. 171 do Código Penal - CP, passando a ação penal a ser proposta somente mediante representação.
2. Esta Quinta Turma passou a entender que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo, ao mais quando se constata que foi demonstrada a intenção da vítima em autorizar a persecução criminal, caso dos autos.
3. Tratando-se de réu reincidente e que ostenta maus antecedentes, torna-se cabível a imposição de regime mais gravoso para o início de cumprimento da pena.
4. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp 1872308/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 21/09/2020)
Notícias do STF - 13/10/2020 - 20h22
1.ª Turma: exigência de representação da vítima de estelionato não retroage a denúncias anteriores ao pacote anticrime
Os ministros entenderam que, nesse tipo de crime, não é necessário que a vítima autorize a ação penal se já houve denúncia do Ministério Público.
Por decisão unânime tomada na tarde desta terça-feira (13), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, nos crime de estelionato, não é necessária a exigência da representação (autorização) da vítima para o cabimento de ação penal nos casos em que o Ministério Público já tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal (CP). Esta é a primeira vez que a Turma analisa a matéria.
Representação da vítima
A nova regra para a instauração da ação penal pelo crime de estelionato, introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), incluiu o requisito ao mudar a natureza da ação penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação da vítima. Dessa forma, o promotor não pode mais denunciar o acusado do crime de estelionato se a vítima não se manifestar nesse sentido, salvo quando se tratar de crime contra a Administração Pública (direta ou indireta), criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, maior de 70 anos de idade ou incapaz.
Lesão a hipossuficientes
A decisão da Primeira Turma ocorreu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 187341, impetrado em favor de Eric Fabiano Arlindo que, por meio de sua empresa, lesava pessoas hipossuficientes ao oferecer a renegociação de dívidas. Há registros de que ele teria cometido o crime contra mais de 100 vítimas e, no caso concreto, induziu a erro duas pessoas, ao fazê-las acreditar que seriam ajuizadas ações visando à revisão contratual dos juros de contrato de financiamento de um veículo. Por esse fato, Arlindo foi condenado pela Sexta Câmara de Direito Criminal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a um ano de reclusão, em regime aberto, além de 10 dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade.
A defesa buscava a extinção da punibilidade com base no artigo 107, inciso V, do Código Penal, e argumentou ainda a necessidade de aplicação da norma mais benéfica introduzida pelo Pacote Anticrime, que passou a exigir representação do ofendido como condição para a abertura da ação penal relativa ao crime de estelionato. A condenação foi mantida pelo TJ-SP e, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o relator negou medida liminar. Contra essa decisão, os advogados recorreram ao Supremo por meio do HC analisado hoje pela Turma.
Condição de procedibilidade
O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, orientou a decisão unânime da Corte. Ele observou que o tema é extremamente recente, sendo essencial o pronunciamento da Corte diante do novo tratamento dado a um antigo tipo penal. No seu entendimento, a nova legislação não prevê a manifestação da vítima como condição ao prosseguimento da ação penal quando o Ministério Público já tiver oferecido a denúncia, independentemente do momento da prática do delito. Segundo o relator, a representação da vítima é obrigatória nos casos em que não tenha sido iniciada a ação penal, em razão da incidência do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal. No entanto, a nova regra não pode retroagir às hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, pois, naquele momento, a norma processual em vigor definia a ação como pública incondicionada para o delito de estelionato.
Ato jurídico perfeito
No voto condutor, o ministro Alexandre de Moraes destacou que, como não possibilidade de retratação da representação após o oferecimento da denúncia, conforme dispõe o artigo 25 do Código de Processo Penal, a hipótese em julgamento é de ato jurídico perfeito. Sendo assim, a manifestação de interesse ou desinteresse da vítima sobre essa denúncia não repercute mais na continuidade da persecução penal.
Indeferimento
No caso em julgamento, o relator não verificou ilegalidade, constrangimento ilegal ou decisão absurda que justifique a concessão excepcional do habeas corpus. A seu ver, a decisão questionada negou corretamente a necessidade de representação da vítima do estelionato, uma vez que a denúncia já tinha sido oferecida antes da reforma legislativa que modificou a natureza da ação penal de incondicionada para pública condicionada.
Leia a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.
Processo relacionado: HC 187341
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453253&tip=UN)
19) Estelionato - Necessidade de representação - Processo em curso - Pacote Anticrime - Retroatividade - Aplicação em favor do réu:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PACOTE ANTICRIME. LEI N. 13.964/2019. § 5º DO ART. 171 DO CP. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO COMO REGRA. NOVA LEI MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE. ART. 5º, XL, DA CF. APLICAÇÃO DO ART. 91 DA LEI N. 9.099/1995 POR ANALOGIA.
1. As normas que disciplinam a ação penal, mesmo aquelas constantes do Código de Processo Penal, são de natureza mista, regidas pelos cânones da retroatividade e da ultratividade benéficas, pois disciplinam o exercício da pretensão punitiva.
2. O processo penal tutela dois direitos de natureza pública: tanto os direitos fundamentais do acusado, voltados para a liberdade, quanto a pretensão punitiva. Não interessa ao Estado punir inocentes, tampouco absolver culpados, embora essa última solução se afigure menos danosa.
3. Não é possível conferir a essa norma, que inseriu condição de procedibilidade, um efeito de extinção de punibilidade, quando claramente o legislador não o pretendeu.
4. A retroação do § 5º do art. 171 do Código Penal alcança todos os processos em curso, ainda sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal. Aplicação do art. 91 da Lei n. 9.099/1995 por analogia.
5. O ato jurídico perfeito e a retroatividade da lei penal mais benéfica são direitos fundamentais de primeira geração, previstos nos incisos XXXVI e XL do art. 5º da Constituição Federal. Por se tratarem de direitos de origem liberal, concebidos no contexto das revoluções liberais, voltam-se ao Estado como limitadores de poder, impondo deveres de omissão, com o fim de garantir esferas de autonomia e de liberdade individual. Considerar o recebimento da denúncia como ato jurídico perfeito inverteria a natureza dos direitos fundamentais, visto que equivaleria a permitir que o Estado invocasse uma garantia fundamental frente a um cidadão.
6. Ordem parcialmente concedida, confirmando-se a liminar, para determinar a aplicação retroativa do § 5.º do art. 171 do Código Penal, inserido pela Lei n. 13.964/2019, devendo ser a vítima intimada para manifestar interesse na continuação da persecução penal em 30 dias, sob pena de decadência, em aplicação analógica do art. 91 da Lei n. 9.099/1995.
(STJ - HC 583.837/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 12/08/2020)
20) Estelionato - Necessidade de representação - Pacote Anticrime - Retroatividade para beneficiar o réu - Cabimento - Acordo e ressarcimento à vítima antes do recebimento da denúncia - Ausência de procedibilidade:
Notícias do STF - 22/06/2021 - 18h49
2ª Turma decide que dispositivo da Lei Anticrime deve retroagir para benefício do acusado
Alteração no Código Penal condicionou a abertura de persecução penal à manifestação da vítima.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que a alteração no Código Penal que tornou necessária a manifestação da vítima para o prosseguimento de acusação por estelionato pode retroagir para beneficiar o réu. O entendimento se formou no julgamento do Habeas Corpus (HC) 180421, com relatoria do ministro Edson Fachin, no qual também se determinou o trancamento da ação penal aberta pelo Ministério Público (MP) contra o acusado.
Venda de automóvel
O impetrante do HC é o dono de uma revendedora de automóvel, e o caso discute a venda de um carro deixado com ele em regime de consignação. Na época dos fatos, o MP podia apresentar denúncia mesmo sem expressa vontade da vítima. Porém, alteração no parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal, introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), condicionou o prosseguimento do processo à manifestação do prejudicado contra o suposto estelionatário.
Não interesse
O julgamento foi retomado com o ajuste de voto do ministro Gilmar Mendes, em razão de discussão sobre a tipicidade do delito diante de termo tratado entre as partes em que se acertou a devolução do bem e o estorno do valor pago. O acordo, promovido antes do recebimento da denúncia pelo juízo de primeiro grau, atesta a quitação do veículo e foi comunicado à autoridade policial.
Para o ministro, o caminho mais adequado, nesse caso, é considerar o termo de quitação como indicativo objetivo e seguro do não interesse da vítima na persecução penal. A retração via acordo e a inovação legislativa no Código Penal implicam, a seu ver, o trancamento do processo penal, em razão da ausência de procedibilidade. Dessa forma, o ministro seguiu, em parte, o voto do ministro Nunes Marques, na sessão anterior do julgamento, no sentido de conceder o habeas corpus e trancar a ação, como consequência.
Novo entendimento
A ministra Cármen Lúcia lembrou que a Primeira Turma havia decidido o tema de forma diferente, mas levou em consideração, no caso, o princípio da máxima efetividade do Direito e das garantias individuais, reconhecendo a natureza mista (material e processual) da alteração legislativa, e, por isso, fundamentou seu voto no princípio da norma penal mais benéfica ao acusado. Apesar de chegar à mesma conclusão pela concessão do HC, o ministro Ricardo Lewandowski ponderou que o caso trata de conflito de natureza civil, pois, com a celebração do acordo, não há dolo. Para ele, instigar a vítima a apresentar representação é comportamento proibido no Direito. Portanto, sugeriu o trancamento da ação com base na ausência de justa causa.
Processo relacionado: HC 180421
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=468035&tip=UN)
Duplicata simulada
Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. (Redação dada pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
Pena - detenção, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquêle que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído pela Lei n.º 5.474. de 1968)
Jurisprudência:
01) Duplicata simulada - Tipicidade da conduta, ainda que não tenha sido vendida qualquer mercadoria ou prestado o serviço:
DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE DUPLICATA SIMULADA.
O delito de duplicata simulada, previsto no art. 172 do CP (redação dada pela Lei 8.137/1990), configura-se quando o agente emite duplicata que não corresponde à efetiva transação comercial, sendo típica a conduta ainda que não haja qualquer venda de mercadoria ou prestação de serviço. O art. 172 do CP, em sua redação anterior, assim estabelecia a figura típica do delito de duplicata simulada: “Expedir ou aceitar duplicata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviço”. Com o advento da Lei 8.137/1990, alterou-se a redação do dispositivo legal, que passou a assim prever: “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”. Conforme se depreende de entendimento doutrinário e jurisprudencial, a alteração do artigo pretendeu abarcar não apenas os casos em que há discrepância qualitativa ou quantitativa entre o que foi vendido ou prestado e o que consta na duplicata, mas também aqueles de total ausência de venda de bens ou prestação de serviço. Dessa forma, observa-se que o legislador houve por bem ampliar a antiga redação daquele dispositivo, que cuidava apenas da segunda hipótese, mais grave, de modo a também punir o emitente quando houver a efetiva venda de mercadoria, embora em quantidade ou qualidade diversas. Precedente citado: REsp 443.929-SP, Sexta Turma, DJ 25/6/2007.
STJ - REsp 1.267.626-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/12/2013.
Abuso de incapazes
Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Induzimento à especulação
Art. 174 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Fraude no comércio
Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:
I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
II - entregando uma mercadoria por outra:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
§ 1.º - Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
§ 2.º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2.º.
Outras fraudes
Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:
Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações
Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.
§ 1.º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: (Vide Lei n.º 1.521, de 1951)
I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;
II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;
III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral;
IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;
V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;
VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;
VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;
VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV, V e VII;
IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos nºs. I e II, ou dá falsa informação ao Governo.
§ 2.º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral.
Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant"
Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.
Fraude à execução
Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.
CAPÍTULO VII
DA RECEPTAÇÃO
Receptação
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Receptação qualificada (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 1.º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 2.º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 3.º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Pena - detenção, de 01 (um) mês a 01 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 4.º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 5.º - Na hipótese do § 3.º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2.º do art. 155. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 6.º Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. (Redação dada pela Lei n.º 13.531, de 2017)
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 155 (...) § 2.º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa."
- Vide: Lei n.º 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro)
"Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 05 (cinco) anos. (Acrescentado pela Lei n.º 13.804/2019)
§ 1.º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.
§ 2.º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção."
Nota:
- O § 3.º do art. 180 trata da receptação culposa. Diferente do que comumente ocorre em relação a delitos culposos, neste o legislador optou por descrever o tipo de modo fechado, detalhando as condutas que podem caracterizá-lo a partir dos verbos adquirir e receber. A elementar "deve presumir-se" confirma se tratar de modalidade culposa (imprudência), na qual o agente não adota o dever objetivo de cuidado e, mesmo suspeitando ou desconfiando que a coisa foi obtida por meio criminoso, a adquire/recebe. Não se confunde com o chamado dolo eventual, no qual o agente assume o risco de praticar um delito, pois aqui ele age de modo desatento. Por esse motivo a presunção de que imagina ser o produto fruto de um ilícito é relativa, ou seja, admite prova em contrário.
Jurisprudência:
01) Receptação – Réu que cruzou vários Estados com veículo subtraído – Competência por prevenção – Crime permanente:
COMPETÊNCIA. PREVENÇÃO. CRIMES. (Info 346 do STJ – Terceira Seção)
A hipótese é de crime de receptação praticado na modalidade de conduzir ou transportar caminhão subtraído de seu proprietário por diversos estados da Federação, adquirindo assim a qualidade de permanente e ainda o de quadrilha (que detém essa característica). Nesses casos, havendo vários magistrados de igual jurisdição e não sendo possível definir a competência pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a Seção reafirmou que a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes citados: CC 48.652-MG, DJ 20/3/2006; CC 46.661-PR, DJ 2/8/2006, e CC 46.165-RJ, DJ 15/12/2004.
STJ - CC 88.617-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/2/2008.
02) Receptação – Denúncia - Réu que recebeu coisa de acusado de tráfico de drogas – Impossibilidade de denunciá-lo por associação para o tráfico apenas devido essa circunstância – Ilação – Responsabilidade objetiva:
Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva (Informativo n.º 498 do STF)
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14, da Lei 6.368/76 e ao art. 180, do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código.
A impetração sustenta a ilegalidade da custódia preventiva, sob os seguintes fundamentos: a) excesso de prazo; b) inexistência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP; e c) falta de justa causa para a ação penal, considerada a atipicidade da conduta.
Alega, ainda, que a denúncia não conteria a descrição individualizada dos fatos imputados ao paciente.
O Min. Marco Aurélio, relator, ante o pronunciamento do STJ em idêntica medida, declarou o prejuízo parcial da impetração no tocante à prisão preventiva.
No mérito, deferiu o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante.
Aduziu que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação.
Asseverou que o Ministério Público estadual, no entanto, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico. Entendeu que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se assim à responsabilidade objetiva. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski. HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.3.2008. (HC-92258)
Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva - 2 (Informativo n.º 534 do STF)
A Turma, tendo em conta a concessão da ordem pelo STJ apenas no tocante à falta de fundamentação do decreto constritivo, declarou o prejuízo parcial de habeas corpus no qual se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 e ao art. 180 do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código — v. Informativo 498.
Entretanto, deferiu-se o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante.
Aduziu-se que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação.
Asseverou-se que o Ministério Público estadual, contudo, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico.
Entendeu-se que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se, dessa forma, à responsabilidade objetiva. Em conseqüência, concluiu-se que deveria ser excluída da inicial acusatória a imputação relativa aos crimes de tráfico e de associação.
STF - HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.2.2009. (HC-92258)
03) Receptação – Pena-base – 3 circunstâncias judiciais desfavoráveis – Elevação em 6 meses para cada uma:
CARGA ROUBADA. RECEPTAÇÃO. CONCURSO. PESSOAS. (Informativo n.º 472 do STJ – Quinta Turma)
In casu, os pacientes foram condenados por receptação de carga roubada e, na ocasião do crime, o motorista foi morto. Na primeira instância, cada um deles recebeu como pena dois anos e seis meses de reclusão em regime aberto e o pagamento de 30 dias-multa. Irresignada com a condenação, a defesa apelou e o TJ deu parcial provimento ao recurso para determinar a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da sanção reclusiva e prestação pecuniária, mas manteve a sentença quanto à fixação da pena-base dos pacientes acima do mínimo legal previsto. No habeas corpus, sustenta ser nula a sentença condenatória no tocante à dosimetria da pena mantida pelo tribunal a quo, já que a sanção básica teria sido aplicada um ano e seis meses acima do mínimo legalmente previsto sem a devida fundamentação e com base nas elementares do delito. Ressalta o Min. Relator que o juiz, ao analisar as circunstâncias judiciais conforme dispostas no art. 59 do CP, considerou-as desfavoráveis aos pacientes, apontando-as com base concreta nos fatos narrados nos autos, que evidenciaram ser desfavoráveis a culpa, as circunstâncias e as consequências do delito praticado pelos pacientes. Assim, verificada a adequação da análise dessas circunstâncias, a Turma denegou a ordem.
STJ - HC 149.456-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10/5/2011.
04) Receptação – Celular – Insignificância reconhecida:
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. RECEPTAÇÃO. CELULAR. (Informativo n.º 475 do STJ – Sexta Turma)
A Turma aplicou o princípio da insignificância na hipótese de receptação de um celular avaliado em R$ 55,00, mas adquirido pelo paciente por R$ 10,00. Ressalvou seu entendimento a Min. Maria Thereza de Assis Moura. Precedentes citados do STF: HC 91.920-RS, DJe 12/3/2010; HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; do STJ: HC 142.586-SP, DJe 1º/7/2010, e HC 153.757-MG, DJe 3/5/2010.
STJ - HC 191.067-MS, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), julgado em 2/6/2011.
05) Receptação - Isenção de pena (art. 181 do CP) aplicável ao autor do crime anterior não afasta a responsabilidade penal do terceiro que comete receptação do bem subtraído (crime antecedente):
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL E PENAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. RECEPTAÇÃO. DELITO ANTECEDENTE. ISENÇÃO DE PENA. ART. 181, II, DO CP. EXTENSÃO. INVIABILIDADE. DISPOSIÇÃO EXPRESSA. ART. 180, § 4.º, DO CP.
1. O julgado recorrido não possui as omissões apontadas, apenas adotou tese diversa daquela defendida pelo recorrente.
2. O fato de o autor do crime antecedente ser isento de pena, por força da escusa absolutória prevista no art. 181, II, do Código Penal, não afasta a punibilidade do terceiro que pratica a receptação do bem objeto desse delito, segundo disposição expressa do art. 180, § 4.º, do mesmo Estatuto.
3. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a punibilidade do crime de receptação e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da apelação defensiva, apreciando a tese de absorção do crime de receptação pelo de tráfico de drogas, como entender de direito.
(REsp 1419146/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 10/10/2014)
06) Receptação – Folha de cheque em branco – Atipicidade – Documento que não possui valor econômico intrínseco por si só:
FOLHAS DE CHEQUE E OBJETO MATERIAL DO CRIME.
A Turma, ao reconhecer a atipicidade da conduta praticada pelo paciente, concedeu a ordem para absolvê-lo do crime de receptação qualificada de folhas de cheque. Reafirmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o talonário de cheque não possui valor econômico intrínseco, logo não pode ser objeto material do crime de receptação.
STJ - HC 154.336-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/10/2011.
07) Receptação – Inversão do ônus da prova – Circunstâncias do fato – Delito de difícil percepção:
APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO DOLOSA. 1. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas pela prova coligida ao feito. Dolo de receptação de difícil comprovação, justamente por se tratar de elemento subjetivo do tipo, de difícil percepção. No entanto, se o agente, surpreendido na posse de bem de procedência ilícita, alegar desconhecimento da origem espúria daquele, instaura-se a dúvida, que só pode ser dirimida a partir do exame criterioso de todas as circunstâncias que envolvem os fatos. Presunção de autoria. Inversão do ônus da prova. Posse não devidamente justificada. Veículos encontrados no pátio da residência dos inculpados, os quais não lograram comprovar as justificativas apresentadas, no sentido de que um ex-namorado da denunciada alugava o espaço para guardar os carros que se destinavam à revenda. Prova testemunhal que aponta, inequivocamente, para a ciência da origem ilícita da res, pelas circunstâncias do caso concreto, onde, além de a defesa não ter trazido qualquer testemunha a corroborar as teses defensivas, os milicianos disseram que nada havia no local que indicasse a prática de aluguel da garagem, sendo que o veículo que possuía rastreador, primeiramente, foi localizado em Canoas, tendo, o funcionário da empresa responsável pela segurança, visualizado quando alguns indivíduos saíram com o veículo, em alta velocidade, sendo que o rastreador indicava que se dirigiram para a casa da ré. Dolo bem evidenciado, inviabilizando a absolvição ou a desclassificação para a forma culposa. Condenação mantida. (...) APELO PARCIALMENTE PROVIDO, ao fim de reconhecer o cometimento de crime único e redimensionar as penas para 1 ano e 6 meses de reclusão, mantidas as demais disposições da sentença. (Apelação Crime Nº 70030493977, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 18/08/2010)
08) Receptação qualificada – Constitucionalidade – Abrangência do dolo direto e do dolo eventual – Proporcionalidade:
Receptação Qualificada e Princípio da Proporcionalidade (Informativo n.º 546 do STF – Segunda Turma)
O art. 180, § 1º, do CP não ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (“§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.”). Com fundamento nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus no qual condenados por receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º) — por efetuarem desmanche de veículos roubados —, alegando violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, argüiam a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo, na medida em que prevista pena mais severa para o agente que “deve saber” da origem ilícita do produto, em relação àquele que “sabe” de tal origem, conforme disposto no caput desse mesmo artigo (“Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”). De início, aduziu-se que a conduta descrita no § 1º do art. 180 do CP é mais gravosa do que aquela do caput, porquanto voltada para a prática delituosa pelo comerciante ou industrial, que, em virtude da própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita. Em seguida, asseverou-se que, apesar da falta de técnica na redação do aludido preceito, a modalidade qualificada do § 1º abrangeria tanto o dolo direto quanto o eventual, ou seja, abarcaria a conduta de quem “sabe” e de quem “deve saber” ser a coisa produto de crime. Assim, se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica seria de que, com maior razão, também o faria em relação à forma mais grave (dolo direto), mesmo que não o tenha dito expressamente, pois o menor se insere no maior.
STF - HC 97344/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 12.5.2009. (HC-97344)
Notícia do STF - Publicada terça-feira, 12 de Maio de 2009
Segunda Turma nega inconstitucionalidade de artigo do Código Penal que trata de receptação
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por unanimidade, Habeas Corpus (HC 97344) ajuizado por C.R.M. e V.S.G.O., condenados por desmanche de carros roubados em um galpão na cidade de São Paulo. Seguindo voto da relatora, ministra Ellen Gracie, a Turma negou a pretensão de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 180 do Código Penal por violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
A defesa alegou desarmonia entre o previsto no caput do artigo 180, que descreve o crime de receptação, e o parágrafo 1º do mesmo artigo, que descreve o crime de receptação qualificada. “A infração prevista no caput, onde o agente tem conhecimento da origem ilícita é apenado com a variação de um a quatro anos. Na forma qualificada, onde o dolo é eventual, pois deveria saber da origem ilícita, é apenado com a variável de três a oito anos”, narra a inicial. A ação sustenta que não é razoável se punir de forma mais gravosa a primeira conduta em referência à segunda, tendo em vista que naquela o agente tem conhecimento da origem ilícita (chamado dolo direto), enquanto nesta deveria saber (denominado dolo eventual).
O objetivo do pedido de inconstitucionalidade era suspender a eficácia das condenações no que diz respeito às receptações qualificadas.
Segundo o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, as instâncias anteriores reconheceram que os acusados tinham conhecimento de que o material era produto de crime. "Portanto, se o dolo eventual, nos termos da jurisprudência reiterada do STJ, é suficiente para configurar o tipo de receptação qualificada, com mais razão deve-se aplicar a pena mais grave aos condenados pela prática do crime com dolo direto", diz o acórdão.
De acordo com a ministra Ellen Gracie, não obstante a falta de técnica na redação do dispositivo, a modalidade qualificada no parágrafo 1º abrange tanto o dolo direto como o dolo eventual, ou seja, alcança a conduta de quem sabe e de quem deve saber quanto ao produto de crime.
“Ora, se o tipo pune a forma mais leve de dolo eventual, a conclusão lógica é de que com maior razão também o faça em relação à forma mais grave, no caso o dolo direto, ainda que não o diga expressamente”, afirmou.
Ainda segundo a ministra, se o dolo eventual está presente no tipo penal, parece evidente que o dolo direto também esteja, pois o menor se insere no maior. “Não há que se falar em violação aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade como pretende o impetrante”, disse.
Processo relacionado: HC 97344
09) Receptação qualificada – Ofensa ao princípio da Proporcionalidade:
Crime de Receptação - Cominação Penal - Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade (Transcrições) (Informativo n.º 500 do STF)
HC 92525 MC/RJ*
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE COMO POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV). DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 84):
“‘HABEAS CORPUS’. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS. PRETENSÃO A SER APURÁVEL POR COGNIÇÃO PLENA. EXAME FÁTICO. FASE EXECUTÓRIA. REVISÃO CRIMINAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. 1. O remédio de ‘habeas corpus’ não se presta a contraditar a decisão condenatória, porquanto não permite o reexame do material cognitivo, cabendo ao procedimento de cognição plena fazê-lo em toda a extensão requerida.
2. Segundo orientação pacífica desta Corte, não tem fundamento a alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal, porquanto ele descreve conduta apurável em tipo penalmente relevante.
3. A nulificação do processo pelo cerceamento de defesa deve ser atestada somente com a comprovação do efetivo prejuízo ao réu.
Ordem denegada.” (HC 49.444/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – grifei)
Dentre os vários fundamentos que dão suporte à presente impetração, há um que se refere à alegada inconstitucionalidade do preceito secundário sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 9.426/96 (fls. 17/23). Tenho por relevante esse fundamento, que sustenta a inconstitucionalidade em referência com apoio em alegada ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois não se mostra razoável punir mais severamente uma conduta que revela índice de menor gravidade. Cumpre ter presente, no exame dessa questão, a advertência feita por ALBERTO SILVA FRANCO (“Código Penal e a sua interpretação jurisprudencial”, vol. 2/2969, item n. 10.00, 7ª ed., 2001, RT):
“Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como admitir, sob o enfoque constitucional que o legislador ordinário estabeleça um preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do ‘caput’ do art. 180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no caso, o autor pratica o fato criminoso com dolo direto. As duas dimensões de subjetividade ‘dolo direto’ e ‘dolo eventual’ podem acarretar reações penais iguais, ou até mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao ‘dolo eventual’. O que não se pode reconhecer é que a ação praticada com ‘dolo eventual’ seja três vezes mais grave - é o mínimo legal que detecta o entendimento do legislador sobre a gravidade do fato criminoso - do que quase a mesma atividade delituosa, executada com dolo direto. Aí, o legislador penal afrontou, com uma clareza solar, o princípio da proporcionalidade.” (grifei)
Essa mesma crítica é também revelada por eminentes doutrinadores (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 555, 7ª ed., 2007, Renovar), que igualmente vislumbram a existência, no preceito sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, de transgressão ao princípio constitucional da proporcionalidade, eis que não tem sentido infligir punição mais gravosa à receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º), que supõe, em sua configuração típica, mero dolo indireto eventual, e impor sanção penal mais branda à receptação simples (CP, art. 180, “caput”), cuja tipificação requer dolo direto, como adverte, em preciso magistério, DAMÁSIO E. DE JESUS (“Direito Penal”, vol. 2/490-494, item n. 9, “e”, 23ª ed., 2000, Saraiva, v.g.):
“(...) O § 1º do art. 180 do CP, com redação da Lei n° 9.426/96, descrevendo crime próprio, pune o comerciante ou industrial que comete receptação, empregando a expressão ‘que deve saber ser produto de crime’. Como o ‘caput’ prevê o conhecimento pleno (‘coisa que sabe ser produto de crime’), que a doutrina e a jurisprudência conectam ao dolo direto, e o § 3° descreve a forma culposa, o § 1º só pode tratar de crime doloso com o chamado conhecimento parcial da origem ilícita da coisa (dúvida, insegurança, incerteza), que a doutrina liga ao dolo eventual (ou à culpa). Se o § 1° definisse modalidade culposa, a figura típica nele contida não teria sentido em face do § 3°, que enuncia o crime culposo. Dessa forma, de acordo com a lei nova, se o comerciante devia saber que a coisa era produto de crime (dúvida, incerteza, desconfiança, dolo eventual), a pena é de 3 a 8 anos de reclusão (§ 1°). E se sabia, i. e., se tinha pleno conhecimento? O fato não se encontra ‘especificamente’ descrito no ‘caput’ ou no § 1°.
Haverá, no mínimo, cinco orientações:
1ª) se o comerciante ou industrial, presentes as elementares do tipo, ‘sabia’ que o objeto material era produto de crime, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180), levando-se em conta que o § 1° só prevê o ‘devia saber’. Se ‘sabia’, o fato é atípico diante do § 1°, que exige o elemento subjetivo do tipo ‘deve saber’ (princípio da legalidade ou da reserva legal). Se não sabia, embora devendo saber, aplica-se o § 1°;
2ª) o fato é absolutamente atípico, uma vez que o crime próprio de receptação de comerciante ou industrial encontra-se descrito no § 1°, que não prevê o elemento subjetivo do tipo ‘sabe’. Assim, o fato não se enquadra no ‘caput’ nem no § 1°;
3ª) o fato adapta-se ao § 1°, que abrange o ‘sabe’ (dolo direto para a doutrina) e o ‘deve saber’ (dolo indireto eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de 3 anos de reclusão (‘deve saber’), não seria crível que o de maior gravidade (‘sabe’) fosse atípico ou punido com pena menor (1 ano de reclusão). O ‘deve saber’ não pode ser entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do receptador, abrangendo o conhecimento pleno (‘sabe’) e o parcial (dúvida, desconfiança);
4ª) o tipo do § 1° deve ser totalmente desconsiderado porque ofende o princípio constitucional da proporcionalidade: se aplicado, ‘sabendo’ o comerciante ou industrial que a coisa se origina de crime (delito mais grave), a pena é de 1 a 4 anos de reclusão (‘caput’ do art. 180); ‘devendo saber’ (infração de menor gravidade), de 3 a 8 anos (§ 1°). Assim, consciente da origem delituosa do objeto material, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180); se ‘devia saber’, aplica-se a forma culposa (§ 3°), conforme pacífica jurisprudência anterior à lei;
5ª) concorda com a posição anterior, desconsiderando, contudo, somente o preceito secundário do § 1° do art. 180, permanecendo a definição do crime próprio do comerciante (preceito primário). Se ‘sabia’, aplica-se o ‘caput’; se ‘devia saber’, amolda-se o fato ao § 1°, com a pena do ‘caput’, cortando-se o excesso. A diferenciação pessoal e subjetiva é considerada pelo juiz na fixação da pena concreta.
A primeira orientação não pode ser aceita. Se o comerciante ‘sabia’, a pena é de 1 a 4 anos de reclusão; se ‘devia saber’, de 3 a 8 anos. O fato menos grave é apenado mais severamente.
A segunda posição carece de fundamento. A afirmação de que a conduta, consciente o comerciante ou industrial da origem ilícita do objeto material, é absolutamente atípica despreza o processo de atipicidade relativa: é atípica em face do § 1° (delito próprio), porém a incriminação subsiste diante da redação prevista no ‘caput’ (crime comum). A ausência da elementar desloca a adequação típica para outra figura.
O terceiro posicionamento desrespeita o princípio da tipicidade, uma vez que não distingue o sabe do deve saber. O ‘deve saber’, para essa orientação, inclui o ‘sabe’, o que é de todo improcedente, uma vez que constitui tradição de nossa doutrina, como vimos, ligar o ‘deve saber’ ao dolo eventual ou à culpa, categorias psicológico-normativas de censurabilidade menor.
A quarta orientação somente peca porque desconsidera totalmente o § 1°.
Preferimos a quinta orientação, para nós a menos pior, tendo em vista que a lei nova veio para confundir, não para esclarecer: o preceito secundário do § 1° deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização legal da pena. Realmente, nos termos das novas redações, literalmente interpretadas, se o comerciante devia saber da proveniência ilícita do objeto material, a pena é de reclusão, de 3 a 8 anos (§ 1°); se sabia, só pode subsistir o ‘caput’, com reclusão de 1 a 4 anos. A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional, desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade.
......................................................
A elaboração da norma penal incriminadora não pode subtrair-se à obediência aos preceitos constitucionais. Cumpria, pois, à Lei n° 9.426/96, ter como parâmetro o princípio da proporcionalidade entre o fato cometido e a gravidade da resposta penal, pois é nesse momento, o da individualização legislativa da pena (CF, art. 5°, XLVI), que a proporcionalidade apresenta fundamentalmente a sua eficácia (...).
.......................................................
Se a pena, abstrata ou concreta, de quem ‘sabe’ é mais censurável do que a do sujeito que ‘devia saber’, sendo comum no sistema da legislação penal brasileira descrever as duas situações subjetivas no mesmo tipo, não podia a Lei n° 9.426/96, ferindo o princípio da proporcionalidade, inserir o ‘devia saber’, de menor censurabilidade, em figura autônoma (§ 1º), com pena de 3 a 8 anos de reclusão, subsistindo o ‘sabia’, de menor reprovabilidade, no ‘caput’, com pena de 1 a 4 anos. A proporcionalidade, que indica equilíbrio, foi ferida. (...).” (grifei)
Vê-se, das lições ora expostas, que o legislador brasileiro - ao cominar pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, “caput”) e ao punir, com maior severidade, um crime revestido de menor gravidade (CP, art. 180, § 1º) - atuou de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao postulado da proporcionalidade. Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente em sede de tipificação e cominação penais, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Entendo, por isso mesmo, que a tese exposta nesta impetração revela-se juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já assentou, a propósito do tema, a orientação de que transgride o postulado do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material (“substantive due process of law”), a regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa (especialmente aquela de índole penal) - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros). Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como a liberdade) - passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do Poder Legislativo. A essência do “substantive due process of law” reside na necessidade de conter os excessos do Poder, quando o Estado edita legislação que se revele destituída do necessário coeficiente de razoabilidade, como parece ocorrer na espécie ora em exame. Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. Daí a advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com padrões de razoabilidade. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Em suma: a norma estatal, que veicule qualquer conteúdo de irrazoabilidade (como ocorreria no caso em exame), transgride o princípio do devido processo legal, examinado este na perspectiva de sua projeção material (“substantive due process of law”).
Essa cláusula tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Nem se diga, de outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, estaria excedendo os limites materiais de sua função jurisdicional. Na verdade, esta Suprema Corte, adstringindo-se aos estritos limites de sua competência constitucional, já decidiu, em contexto no qual se discutia a ocorrência, ou não, de antinomia real (ou insolúvel), insuscetível, portanto, de superação pelos critérios ordinários (critério cronológico, critério hierárquico e critério da especialidade), que se revelava legítima a utilização, embora excepcional, da interpretação ab-rogante, quando absoluta (e insuperável) a relação de antagonismo entre dois preceitos normativos, hipótese em que, adotado esse método extraordinário, “ou o intérprete elimina uma das normas contraditórias (ab-rogação simples) ou elimina as duas normas contrárias (ab-rogação dupla)” (RTJ 166/493, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES). Ao julgar o HC 68.793/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apoiando-se no magistério de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 100/103, 1989, Polis/Editora Unb), assinalou que a interpretação ab-rogante, porque excepcional, deve ser ordinariamente afastada, preferindo-se, a ela, quando conciliáveis os dispositivos antinômicos (antinomia aparente), a denominada “(...) interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a incompatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial modificação no texto da lei” (RTJ 166/493 – grifei). Em conseqüência desse entendimento, e buscando viabilizar “a eliminação da incompatibilidade”, o Supremo Tribunal Federal (cuidava-se, então, de regras normativas constantes da Lei dos Crimes Hediondos), mediante exegese restritiva das normas legais em exame, promoveu uma conciliação sistemática dos preceitos legais, “(...) deixando ao primeiro, a fixação da pena (...) e ao segundo, a especialização do tipo do crime (...)” (RTJ 166/493), na linha do que se preconiza nas lições que venho de referir, que propõem, para solução do conflito, a subsistência do preceito primário consubstanciado no § 1º do art. 180 do Código Penal, embora aplicando-se-lhe o preceito sancionador (preceito secundário) inscrito no “caput” do referido art. 180 do CP. Os aspectos que venho de ressaltar permitem-me reconhecer, embora em juízo de sumária cognição, a ocorrência, na espécie, do requisito pertinente à plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo impetrante. Concorre, por igual, o pressuposto concernente ao “periculum in mora” (fls. 23). Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia da condenação penal imposta ao ora paciente nos autos do Processo-crime nº 99.001.155943-4 (14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ). Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 49.444/RJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação Criminal nº 1.872/2001) e ao MM. Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 99.001.155943-4). Publique-se. Brasília, 31 de março de 2008. Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão publicada no DJE de 3.4.2008
10) Receptação qualificada – Constitucionalidade - Aplicação da pena do caput para manter a proporcionalidade:
PRESCRIÇÃO. CONCURSO MATERIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. (Informativo n.º 383 do STJ – Sexta Turma)
O paciente foi condenado, em concurso material, pelo crime de receptação simples (visto o entendimento do juízo de que seria inconstitucional o tipo da receptação qualificada), bem como pelo crime de quadrilha. Inconformada, a defesa recorreu e o MP, por sua vez, buscou o reconhecimento não da forma simples de receptação, mas da qualificada, no que foi atendido pelo acórdão do Tribunal a quo. Nesta sede, a Min. Relatora originária considerou prescrito o crime de quadrilha, visto que, quanto a esse crime, o MP não recorreu, não havendo modificação da respectiva condenação pelo Tribunal a quo, o que levaria a firmar o marco prescricional na sentença condenatória. Dentre outros temas, aquela Ministra também se filiou ao entendimento da inconstitucionalidade da referida forma qualificada. Sucede que, ao prosseguir-se o julgamento, a Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhada pelos demais integrantes da Turma, entendeu incidente o disposto no art. 117, § 1º, segunda parte, do CP, pois a relação processual seria indivisível e una a ponto de a reclassificação do crime de receptação pelo Tribunal a quo atrair a designação do marco interruptivo da prescrição dos dois crimes. Divergiu, também, no tocante à inconstitucionalidade da receptação qualificada, pois ainda não foi consagrada no âmbito do STF, só existindo decisões monocráticas a respeito, além de a Sexta Turma ter julgado em sentido oposto. Salientou que lhe basta considerar a receptação qualificada, mas com a pena do caput do art. 180 do CP, para não se ver quebrado o princípio da proporcionalidade na cominação penal. Precedentes citados: HC 49.444-RJ, DJ 13/8/2007, e HC 28.493-SP, DJ 6/2/2006.
STJ - HC 118.813-SC, Rel. originária Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/2/2009.
RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. PENA. (Informativo n.º 353 do STJ – Sexta Turma)
É consabido que há imperfeições (formal e material) no § 1º do art. 180 do CP quanto ao crime de receptação qualificada, pois o fato menos grave é apenado mais severamente. Inclusive, é da tradição brasileira e estrangeira uma menor punibilidade para a receptação em relação ao crime tido por originário. Porém, devido à atual redação do § 1º, determinada pela Lei n. 9.426/1996, o dolo eventual (que também determina o reconhecimento da prática de receptação culposa) transformou a punibilidade de menor (menos grave) em maior (mais grave). Fala-se na inconstitucionalidade do referido § 1º, mas melhor aqui seria desconsiderar esse preceito secundário. Com esse entendimento, adotado pela maioria, a Turma concedeu a ordem a fim de substituir a reclusão de três a oitos anos prevista no § 1º pela de um a quatro anos do caput do art. 180 do CP, e fixou a pena, definitivamente, em um ano e dois meses de reclusão, ao seguir as diretrizes originalmente adotadas pela sentença, considerada aí a reincidência e a multa lá fixada. Note-se que o início de cumprimento da pena privativa de liberdade dar-se-á no regime aberto.
STJ - HC 101.531-MG, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 22/4/2008.
11) Receptação de bem furtado da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) – Mantida a majorante do § 6.º do art. 180 do CP:
Receptação de bens da ECT e majoração da pena (Informativo n.º 662 do STF – Primeira Turma)
No delito de receptação, os bens de empresa pública recebem o mesmo tratamento que os da União e, por isso, cabível a majoração da pena ao crime contra ela praticado. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de denunciado pela suposta prática do crime de receptação dolosa de bem de propriedade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Asseverou-se que, nos termos da jurisprudência do STF, a mencionada empresa pública — prestadora de serviços públicos — equiparar-se-ia à fazenda pública e seus bens sujeitar-se-iam às mesmas regras estabelecidas aos da União. Destacou-se que o § 6.º do art. 180 do CP (“Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”) disporia sobre a incidência de majorante ao crime de estelionato e, nesse rol, estaria incluída a ECT. Por isso, não houvera interpretação extensiva da norma, tampouco qualquer exacerbação a desafiar o writ.
STF - HC 105542/RS, rel. Min. Rosa Weber, 17.4.2012. (HC-105542)
RECEPTAÇÃO. FURTO. ECT. (Informativo n.º 439 do STJ – Quinta Turma)
O recorrente foi denunciado perante a Justiça comum estadual pela prática de receptação dolosa de uma balança de precisão furtada da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Porém, viu-se condenado por sentença exarada pela Justiça Federal. No especial, insurge-se contra a aplicação da majorante prevista no art. 180, § 6º, do CP, incidente quando envolvidos bens de patrimônio de empresa pública federal. Primeiro, note-se que as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, mas possuem regime híbrido, a depender da finalidade da estatal: se presta serviço público ou explora a atividade econômica, predominará o regime público ou o privado. É certo que a ECT é empresa pública, pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço postal, que, conforme o art. 21, X, da CF/1988, é de natureza pública e essencial, encontrando-se aquela empresa, por isso, sob o domínio do regime público. Ela é mantida pela União e seus bens pertencem a essa mantenedora, consubstanciam propriedade pública e estão integrados à prestação de serviço público. Daí que eles são insusceptíveis de qualquer constrição que afete a continuidade, regularidade e qualidade da prestação do serviço. Nesse contexto, vê-se que é plenamente justificada a tutela a bens, serviços e interesses da União diante do furto de bem pertencente à ECT, razão pela qual se atraiu a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/1988), vista a conexão entre o furto (principal) e a receptação em questão (acessório). Também se acha albergada nessa tutela a incidência da referida majorante, não se podendo falar que foi dada, no caso, uma interpretação extensiva desfavorável ao conceito de bens da União. Anote-se, por último, que a balança objeto de receptação é diretamente vinculada à prestação do serviço postal, pois é o instrumento utilizado para a pesagem da correspondência. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Já o voto divergente entendia ser necessário o decote da majorante, pois não se poderia ampliar o conceito de bem da União para abranger aqueles afetos às empresas públicas. Precedentes citados do STF: AgRg no RE 393.032-MG, DJe 18/12/2009; RE 398.630-SP, DJ 17/9/2004, e QO na ACO 765-RJ, DJe 4/9/2009.
STJ - REsp 894.730-RS, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17/6/2010.
Receptação de animal
Art. 180-A. Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime: (Incluído pela Lei n.º 13.330, de 2016)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 13.330, de 2016)
Nota:
- Trata-se de um delito parasitário (ou também chamado de "acessório"). Ou seja, exige-se uma ação delitiva anterior para que o agente consume a infração penal, pois a res adquirida, recebida, transportada etc., deve ser produto de um crime.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: (Vide Lei n.º 10.741, de 2003)
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 93 e seguintes da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) - Dos crimes contra o idoso.
- Vide: Art. 95 do Estatuto do Idoso.
"Art. 95. Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal."
- Vide: Art. 183 do Código Penal - Hipóteses que afastam a imunidade do art. 181.
- Vide: Art. 226, § 3.º, da CF/1988 - União estável.
"§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
- Vide: Art. 227, § 6.º, da CF/1988 - Filiação.
"§ 6.º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."
Notas:
- O artigo trata das chamadas escusas absolutórias, também conhecidas como causas de imunidade penal.
- Essa imunidade absoluta afasta a punibilidade, e pode inclusive impedir a instauração do inquérito policial e o prosseguimento de eventual ação penal após seu conhecimento.
- Trata-se de norma que deve receber interpretação restritiva.
- O inciso II trata dos ascendentes em linha reta. Nele se incluem pai, mãe, filhos(as), netos, avós etc. Tal condição deve ser provada nos autos por meio de documento hábil, como certidão de casamento, certidão de nascimento, documento de identidade ou outro que possua fé pública.
- Vide: Enunciado n.º 26 do CJN/STJ: A escusa absolutória do artigo 181, inciso II, do Código Penal abrange também a paternidade e filiação socioafetivas.
Jurisprudência:
01) Causa de imunidade penal - Parentesco em linha reta - Crime praticado por colateral de 4.º grau - Inaplicabilidade:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. REPOUSO NOTURNO. PERÍODO DE DIMINUIÇÃO DA VIGILÂNCIA SOBRE A RES. AFASTAMENTO DA MAJORANTE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. CAUSA ESPECIAL DE ISENÇÃO DE PENA. ART. 181 DO CÓDIGO PENAL. DELITO PERPETRADO EM DESFAVOR DE PARENTE COLATERAL DE 4º GRAU. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
(...)
2. Sendo o vínculo existente entre o recorrente e o sujeito passivo do delito perpetrado o de parentesco colateral/transversal de 4º grau, não há que aplicar a causa especial de isenção de pena (causa de imunidade penal) disposta no art. 181 do Código Penal porquanto ela se limita às hipóteses de parentesco em linha reta.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp 1784348/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019)
02) Causa de imunidade penal - Parentesco por afinidade (padrasto) - Inaplicabilidade:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO PRIVILEGIADO. ESCUSA ABSOLUTÓRIA. ART. 181, II, DO CP. ASCENDENTES E DESCENDENTES. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO. PADRASTO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO APLICAÇÃO A PARENTES POR AFINIDADE.
1. A escusa absolutória prevista no artigo 181, inciso II, do Código Penal, que isenta de pena quem comete determinados delitos patrimoniais em prejuízo de ascendente ou descendente (civil ou natural), não se aplica ao parentesco por afinidade, devendo ser adotada uma interpretação restritiva da norma. 2. Embora seja extremamente plausível a aplicação do dispositivo em tela nas hipóteses de paternidade socioafetiva, é incabível sua extensão ao padrasto, parente por afinidade em linha reta ascendente, com amparo na mera existência de união estável com a mãe biológica ou no longo convívio entre aquele e o descendente desta, se não comprovado o vinculo da filiação socioafetiva.
3. Recurso especial improvido.
(STJ - REsp 1709971/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)
03) Causa de imunidade penal - Furto contra idoso - Inaplicabilidade - Comprovação da condição de idoso - Documentos com fé pública - Cabimento:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. PRETENDIDA ISENÇÃO DE PENA (ART. 181 DO CP). IMPOSSIBILIDADE DIANTE DA PRÁTICA DO DELITO CONTRA PESSOA COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS NA DATA DO FATO (ART. 183, III, DO CP). COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE IDOSO. BOLETIM DE OCORRÊNCIA E TERMO DE OITIVA COM INDICAÇÃO DO NÚMERO DO RG, DATA DE NASCIMENTO E FILIAÇÃO. DOCUMENTOS DOTADOS DE FÉ PÚBLICA. IDONEIDADE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 83 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. Hipótese na qual no Boletim de Ocorrência e no Termo de Oitiva da Vítima constava o número de seu RG, data de nascimento e filiação, documentos considerados idôneos pela Instância a quo para comprovar sua condição de idosa na data dos fatos, apta a afastar a regra do art. 181 do Código Penal, por força do disposto no art. 183, III, do mesmo Codex.
2. O aresto objurgado alinha-se a entendimento pacificado neste Sodalício no sentido de que o documento hábil para se comprovar a idade da vítima não se restringe à certidão de nascimento ou carteira de identidade, sendo outros documentos dotados de fé pública igualmente idôneos para tal fim.
3. Incidência do óbice do Enunciado n.º 83 da Súmula do STJ, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
4. Não tendo o insurgente apontado qualquer julgado recente desta Corte Superior capaz de desconstituir a conclusão da decisão ora objurgada, esta deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no AREsp 904.234/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)
04) Escusa absolutória - Aplicabilidade ao autor de ato infracional - ECA:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO À APROPRIAÇÃO INDÉBITA. INÉPCIA DA REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA DATA DOS FATOS. NÃO OCORRÊNCIA. IRREGULARIDADE. ESCUSA ABSOLUTÓRIA (ART. 181, II, DO CP). APLICABILIDADE. ILEGALIDADE MANIFESTA.
(...)
3. O art. 181, II, do Código Penal prevê escusa absolutória, em razão da qual é isento de pena aquele que comete crime contra o patrimônio, entre outras hipóteses, em prejuízo de ascendente, salvo as exceções delineadas no art. 183 do mesmo diploma legal.
4. Por razões de política criminal, com base na existência de laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, o legislador optou por afastar a punibilidade de determinadas pessoas. Nesse contexto, se cumpre aos ascendentes o dever de lidar com descendentes maiores que lhes causem danos ao patrimônio, sem que haja interesse estatal na aplicação de pena, também não se observa, com maior razão, interesse na aplicação de medida socioeducativa ao adolescente pela prática do mesmo fato.
5. Estando o paciente isento da aplicação de medida socioeducativa, o processo deixa de ter finalidade, razão pela qual seu prosseguimento configura constrangimento ilegal, que merece ser sanado por meio do trancamento do feito.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para determinar o trancamento do feito.
(STJ - HC 251.681/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 24/10/2013)
Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: (Vide Lei n.º 10.741, de 2003)
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 93 e seguintes da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) - Dos crimes contra o idoso.
- Vide: Art. 95 do Estatuto do Idoso.
"Art. 95. Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal."
Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;
II - ao estranho que participa do crime.
III - se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.741, de 2003)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 93 e seguintes da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) - Dos crimes contra o idoso.
- Vide: Art. 95 do Estatuto do Idoso.
"Art. 95. Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal."
01) Causa de imunidade penal - Furto contra idoso - Inaplicabilidade - Comprovação da condição de idoso - Documentos com fé pública - Cabimento:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. PRETENDIDA ISENÇÃO DE PENA (ART. 181 DO CP). IMPOSSIBILIDADE DIANTE DA PRÁTICA DO DELITO CONTRA PESSOA COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS NA DATA DO FATO (ART. 183, III, DO CP). COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE IDOSO. BOLETIM DE OCORRÊNCIA E TERMO DE OITIVA COM INDICAÇÃO DO NÚMERO DO RG, DATA DE NASCIMENTO E FILIAÇÃO. DOCUMENTOS DOTADOS DE FÉ PÚBLICA. IDONEIDADE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 83 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. Hipótese na qual no Boletim de Ocorrência e no Termo de Oitiva da Vítima constava o número de seu RG, data de nascimento e filiação, documentos considerados idôneos pela Instância a quo para comprovar sua condição de idosa na data dos fatos, apta a afastar a regra do art. 181 do Código Penal, por força do disposto no art. 183, III, do mesmo Codex.
2. O aresto objurgado alinha-se a entendimento pacificado neste Sodalício no sentido de que o documento hábil para se comprovar a idade da vítima não se restringe à certidão de nascimento ou carteira de identidade, sendo outros documentos dotados de fé pública igualmente idôneos para tal fim.
3. Incidência do óbice do Enunciado n.º 83 da Súmula do STJ, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
4. Não tendo o insurgente apontado qualquer julgado recente desta Corte Superior capaz de desconstituir a conclusão da decisão ora objurgada, esta deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no AREsp 904.234/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)
Art. 183-A. Nos crimes de que trata este Título, quando cometidos contra as instituições financeiras e os prestadores de serviço de segurança privada, de que trata o Estatuto da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras, as penas serão aumentadas de 1/3 (um terço) até o dobro. (Incluído pela Lei nº 14.967, de 2024)
TÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Violação de direito autoral
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
§ 1.º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
§ 2.º Na mesma pena do § 1.º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
§ 3.º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
§ 4.º O disposto nos §§ 1.º, 2.º e 3.º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 9.609 de 19 de fevereiro de 1998, e Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 - Pirataria e violação de direitos autorais.
- Vide: Dec. n.º 9.875/2019 - Dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade Intelectual.
Notas:
- Vide: Súmula 574 do STJ - Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem.
- Vide: Súmula 502 do STJ – Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2.º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.
- A conduta típica descrita no § 2.º do art. 184 do CP é classificada como crime formal.
Jurisprudência:
01) Violação de direito autoral - Perícia por amostragem - Possibilidade - Exame por aspectos externos nos objetos pode ser suficiente para comprovar a falsificação - Desnecessidade de identificação do detentor do direito violado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. PERÍCIA SOBRE TODOS OS BENS APREENDIDOS.
DESNECESSIDADE. ANÁLISE DOS ASPECTOS EXTERNOS DO MATERIAL APREENDIDO. SUFICIÊNCIA. IDENTIFICAÇÃO DOS TITULARES DOS DIREITOS AUTORAIS VIOLADOS. PRESCINDIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso Especial processado sob o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ.
TESE: É suficiente, para a comprovação da materialidade do delito previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, a perícia realizada, por amostragem, sobre os aspectos externos do material apreendido, sendo desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente.
2. Não se exige, para a configuração do delito previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, que todos os bens sejam periciados, mesmo porque, para a caracterização do mencionado crime, basta a apreensão de um único objeto.
3. A constatação pericial sobre os aspectos externos dos objetos apreendidos já é suficiente para revelar que o produto é falso.
4. A violação de direito autoral extrapola a individualidade do titular do direito, pois reduz a oferta de empregos formais, causa prejuízo aos consumidores e aos proprietários legítimos, fortalece o poder paralelo e a prática de atividades criminosas, de modo que não é necessária, para a caracterização do delito em questão, a identificação do detentor do direito autoral violado, bastando que seja comprovada a falsificação do material apreendido.
5. Recurso especial representativo da controvérsia provido para reconhecer a apontada violação legal e, consequentemente, cassar o acórdão recorrido, reconhecer a materialidade do crime previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal e determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais prossiga no julgamento da Apelação Criminal n. 1.0024.09.754567-7/001.
(STJ - REsp 1456239/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2015, DJe 21/08/2015)
02) Violação de direito autoral – Perícia por amostragem acerca dos aspectos externos – Basta um perito - Cabimento – Recurso Repetitivo:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DO DELITO DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 926.
É suficiente, para a comprovação da materialidade do delito previsto no art. 184, § 2º, do CP, a perícia realizada, por amostragem, sobre os aspectos externos do material apreendido, sendo desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente. No que diz respeito à comprovação da materialidade dos delitos contra a propriedade intelectual, a Lei 10.695/2003 (Lei Antipirataria), além de modificar o art. 184 do CP, incluiu, para facilitar a apuração desses crimes, os arts. 530-A e seguintes no CPP, prevendo a possibilidade de elaboração de laudo pericial por apenas um perito. Previu-se, também, nos crimes de ação penal pública incondicionada - aos quais se aplica o procedimento previsto nos arts. 530-B a 530-H -, a possibilidade de a autoridade policial agir de ofício, apreendendo o produto ilícito e tomando as medidas necessárias para cessar a atividade criminosa. Daí o debate sobre: (a) se a materialidade do crime previsto no art. 184, § 2º, do CP pode ser comprovada mediante laudo pericial feito por amostragem do produto apreendido; (b) se é suficiente a análise de características externas do material apreendido para a aferição da falsidade necessária à tipificação do delito descrito no art. 184, § 2º, do CP; e, ainda, (c) se, para a configuração do delito em questão, é dispensável a identificação individualizada dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente. Quanto ao primeiro ponto em debate (a), realmente, o art. 530-D do CPP dispõe que "Subsequente à apreensão, será realizada, por perito oficial, ou, na falta deste, por pessoa tecnicamente habilitada, perícia sobre todos os bens apreendidos e elaborado o laudo que deverá integrar o inquérito policial ou o processo". Entretanto, ainda que esse dispositivo legal literalmente disponha que a perícia deve ser realizada sobre "todos os bens apreendidos", a materialidade do crime previsto no art. 184, § 2º, do CP pode ser comprovada mediante laudo pericial feito por amostragem do produto apreendido, já que basta a apreensão de um único objeto para que, realizada a perícia e identificada a falsidade do bem periciado, tenha-se como configurado o delito em questão. Nesse sentido, a Sexta Turma do STJ (HC 213.758-SP, DJe 10/4/2013) já definiu que "há critérios estatísticos aptos a permitir que o perito conclua sobre a falsidade ou autenticidade dos bens a partir de exemplares representativos da amostra apreendida [...] contraproducente a análise de dezenas ou mesmo de centenas de produtos praticamente idênticos para fins de comprovação da materialidade do delito de violação de direito autoral. Entender de forma diversa o disposto no art. 530-D do Código de Processo Penal apenas dificultaria a apuração do delito em questão e retardaria o término do processo judicial, em inobservância ao princípio constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII)", de modo que "a exigência do legislador de que a perícia seja realizada sobre todos os bens apreendidos se presta, na verdade, não para fins de comprovação da materialidade delitiva, mas para fins de dosimetria da pena, mais especificamente para a exasperação da reprimenda-base, uma vez que se mostra mais acentuada a reprovabilidade do agente que reproduz, por exemplo, com intuito de lucro, 500 obras intelectuais, [...] do que aquele que, nas mesmas condições reproduz apenas 20". Do mesmo modo, a Quinta Turma do STJ (AgRg no REsp 1.451.608-SP, DJe 5/6/2015) também entende que a materialidade do delito previsto no art. 184, § 2º, do CP pode ser comprovada mediante perícia por amostragem no material apreendido. Em relação ao segundo ponto (b), deve-se destacar que o STJ já possui o entendimento de que é dispensável excesso de formalismo para a constatação da materialidade do crime de violação de direito autoral, de modo que a simples análise de características externas dos objetos apreendidos é suficiente para a aferição da falsidade necessária à configuração do delito descrito no art. 184, § 2º, do CP. Nessa perspectiva, registre-se que, conforme a Quinta Turma do STJ, a análise das características externas, tais como a padronização das impressões gráficas, presença de logotipo padrão, códigos IFPI, nome do fabricante, cor do disco, e a conclusão de que os objetos não possuem características de fabricação comuns, são suficientes a atestar a falsificação, "até mesmo porque, na maioria dos casos, o conteúdo da mídia falsificada é idêntico ao produto original, situando a diferença unicamente em seus aspectos externos" (AgRg no REsp 1.359.458-MG, DJe 19/12/2013). Ademais, seguindo o intuito da legislação pátria de facilitar o combate à pirataria, não seria razoável exigir minúcias no laudo pericial, como a análise do conteúdo das mídias apreendidas, mesmo porque "a caracterização da materialidade delitiva [...] pode ser afirmada [até mesmo] por exames visuais sobre a mídia fraudada" (AgRg no REsp 1.441.840-MG, Quinta Turma, DJe 10/6/2014). Com a mesma compreensão, a Sexta Turma do STJ (AgRg no REsp 1.499.185-MG, DJe 9/3/2015). Por fim, no tocante à terceira questão em debate (c), de fato, para a configuração do crime em questão, é dispensável a identificação individualizada dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente. Isso porque a violação de direito autoral extrapola a individualidade do titular do direito, devendo ser tratada como ofensa ao Estado e a toda a coletividade, visto que acarreta a diminuição na arrecadação de impostos, reduz a oferta de empregos formais, causa prejuízo aos consumidores e aos proprietários legítimos e fortalece o poder paralelo e a prática de atividades criminosas conexas à venda desses bens, aparentemente inofensiva. Sob essa orientação, posicionam-se tanto a Quinta Turma (HC 273.164-ES, DJe 5/2/2014) quanto a Sexta Turma (AgRg no AREsp 416.554-SC, DJe 26/3/2015) do STJ. Além disso, o tipo penal descrito no art. 184, § 2º, do CP, é perseguido, nos termos do art. 186, II, do mesmo diploma normativo, mediante ação penal pública incondicionada, de modo que não é exigida nenhuma manifestação do detentor do direito autoral violado para que se dê início à ação penal. Consequentemente, não é coerente se exigir a sua individualização para a configuração do delito em questão. Saliente-se, ainda, que o delito previsto no art. 184, § 2º, do CP é de natureza formal. Portanto, não demanda, para sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico, o que corrobora a prescindibilidade de identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente para a configuração do crime em questão.
STJ - REsp 1.456.239-MG e REsp 1.485.832-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 12/8/2015, DJe 21/8/2015.
03) Violação de direito autoral - Crime permanente - Prescindível expedição de mandado de busca e apreensão:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. CRIME PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. PERÍCIA SOBRE TODOS OS BENS APREENDIDOS. DESNECESSIDADE. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NULIDADE SUSCITADA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO, EM SEDE DE REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PRECLUSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Cuidando-se de crime de natureza permanente, como é o caso da violação de direito autoral, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão para a busca domiciliar, não havendo falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida.
2. Esta Corte sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 926), firmou entendimento no sentido de que: "Não se exige, para a configuração do delito previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, que todos os bens sejam periciados, mesmo porque, para a caracterização do mencionado crime, basta a apreensão de um único objeto." (REsp 1.456.239/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2015, DJe 21/08/2015).
3. Com o trânsito em julgado da condenação, fica preclusa a alegação de inépcia da denúncia.
4. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no AREsp 1381226/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019)
04) Violação de direito autoral - Auto de apreensão - Ausência de assinatura por duas testemunhas - Mero vício formal:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. A ausência de previsão de sustentação oral no julgamento do agravo regimental, nos termos do art. 159 do RISTJ, não viola do princípio da ampla defesa. PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 2º, DO CP. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. AUTO DE APREENSÃO. PERÍCIA POR AMOSTRAGEM. POSSIBILIDADE. FALTA DE DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DAS MERCADORIAS E DA ASSINATURA DAS TESTEMUNHAS. MERA IRREGULARIDADE.
1. Consoante orientação jurisprudencial sedimentada pela Terceira Seção em sede de Recurso Especial representativo de controvérsia, é suficiente à comprovação da materialidade do delito previsto no artigo 184, § 2º, do Estatuto Repressivo, a perícia realizada por amostragem sobre os aspectos externos do material apreendido, sendo desnecessária, para tanto, a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente, além de ser inaplicável o princípio da adequação social ao delito descrito no referido dispositivo legal.
2. A ausência de assinatura de duas testemunhas no auto de apreensão, concernente aos crimes contra a propriedade imaterial, constitui mero vício formal, não impedindo o reconhecimento da materialidade do delito do artigo 184, § 2°, do CP.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp 1668337/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2018, DJe 27/04/2018)
05) Violação de direito autoral - Venda de CDs e DVDs "Piratas" - Tipicidade - Adequação social - Inaplicabilidade:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PENAL. OFENSA AO ART. 184, § 2°, DO CP. OCORRÊNCIA. VENDA DE CD'S E DVD'S "PIRATAS". ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL.
INAPLICABILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, § 2º, do Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe à venda CD'S E DVD'S "piratas".
2. Na hipótese, estando comprovadas a materialidade e a autoria, afigura-se inviável afastar a consequência penal daí resultante com suporte no referido princípio.
3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ - REsp 1193196/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 04/12/2012)
“Pirataria” e Princípio da Adequação Social (Informativo n.º 583 do STF – Primeira Turma)
A Turma indeferiu habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo requeria, com base no princípio da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2º, do CP (“Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: ... § 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.”). Sustentava-se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não recriminaria o vendedor de CD’s e DVD’s reproduzidos sem a autorização do titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da população. Asseverou-se que o fato de a sociedade tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito. Salientou-se, ademais, que a violação de direito autoral e a comercialização de produtos “piratas” sempre fora objeto de fiscalização e repressão. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos. Rejeitou-se, por fim, o pedido formulado na tribuna de que fosse, então, aplicado na espécie o princípio da insignificância — já que o paciente fora surpreendido na posse de 180 CD’s “piratas” — ao fundamento de que o juízo sentenciante também denegara o pleito tendo em conta a reincidência do paciente em relação ao mesmo delito.
STF - HC 98898/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.4.2010. (HC-98898)
06) Violação de direito autoral - Importação ilegal de CDs e DVDs falsificados - Transnacionalidade do delito - Competência da Justiça Federal:
Notícias do STF - 27/12/2023
Cabe à Justiça Federal julgar violação de direito autoral envolvendo o Brasil e outro país, decide STF
A decisão foi tomada no julgamento de recurso extraordinário, em sessão virtual encerrada no dia 18/12, com repercussão geral reconhecida. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar crime de violação de direito autoral envolvendo o Brasil e em outros países. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 702362, em sessão virtual encerrada no dia 18/12, com repercussão geral reconhecida (Tema 580).
Caso concreto
O caso envolveu a importação de CDs e DVDs falsificados. No dia 7/12/2009, na BR-277, em Medianeira (PR), um homem foi abordado com material falsificado que confessou ter adquirido no Paraguai. O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia perante a Justiça Federal por crime de violação de direito autoral. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) entendeu que o delito envolveria apenas interesses particulares, afastando a configuração de lesão direta a qualquer bem, serviço ou interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Concluiu, assim, que não cabe à Justiça Federal analisar a ação penal, uma vez que o homem retirou as mídias de outro país e as trouxe para o Brasil.
Competência da justiça federal
O MPF recorreu ao Supremo. Relator da matéria, o ministro Luiz Fux reconheceu que cabe à Justiça Federal processar e julgar qualquer delito contra a propriedade intelectual, como no caso, com execução iniciada no Brasil e resultado ocorrido em outro país, ou vice-versa. O ministro concluiu que a competência da Justiça Federal se dá quando o delito envolve o Brasil e outra nação, ainda que o crime não esteja tipificado expressamente em tratado ou convenção.
Compromisso internacional
Isso porque o Brasil assumiu compromisso, perante a comunidade internacional, de proteger os direitos autorais. Além disso, Fux observou que o STF já aprovou outras duas teses de repercussão geral a fim de consolidar interpretação da Constituição Federal pela competência da Justiça Federal nos crimes protegidos em tratados e convenções internacionais que tenham sido, em tese, praticados (consumados ou iniciados) em mais de um país. Ficaram vencidos, parcialmente, os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e André Mendonça.
Tese fixada: Por maioria, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de violação de direito autoral de caráter transnacional”.
(Fonte: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=523426)
07) Plágio – Violação de Direito Autoral – Vários assuntos – Reportagem Especial do STJ:
Reportagem especial - STJ - Publicada em 08/07/2012 - 08h00
Plágio: quando a cópia vira crime
Copiar de um autor é plágio; copiar de vários é pesquisa, criticou uma vez o cronista e dramaturgo estadunidense Wilson Mizner. Roubar uma ideia é como roubar um bem e o novo Código Penal (CP), em discussão no Congresso Nacional, deve endurecer as punições contra ofensas ao direito autoral, inclusive criando um tipo penal para o plágio. O ministro Gilson Dipp, presidente da comissão que elaborou a proposta do novo código, afirmou que o objetivo é evitar a utilização indevida de obra intelectual de outro para induzir terceiros a erro e gerar danos. “O direito autoral estará melhor protegido com esses novos tipos penais e com a nova redação do que está hoje na lei vigente”, avaliou. O novo tipo define o delito como “apresentar, utilizar ou reivindicar publicamente, como própria, obra ou trabalho intelectual de outrem, no todo ou em parte”. Atualmente, a legislação não oferece critérios específicos para definir juridicamente o plágio, e sua caracterização varia conforme a obra – músicas, literatura, trabalhos científicos etc. O tema é tratado principalmente na esfera civil ou enquadrado como crime contra o direito autoral, como descrito no artigo 184 do Código Penal, alterado pela Lei 10.695/03. O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde e presidente da Comissão de Integridade e Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaca que a própria definição do plágio tem mudado ao longo da história, confundindo-se com a inspiração. “Por exemplo, o dramaturgo inglês Willian Shakespeare foi acusado de ter plagiado Romeu e Julieta de outro autor. Na verdade, na época, haveria cinco versões diferentes do drama, com pequenas alterações e novos personagens, sendo uma prática comum na época”, contou. Outro escritor clássico, o espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote de La Mancha, chegou a escrever ao rei da Espanha contra as cópias e versões que sua obra sofria. Segundo o professor, se o caso de Shakespeare ocorresse nos dias de hoje, provavelmente acabaria nos tribunais.
Música
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tratado dessa temática em alguns julgamentos que envolvem personalidades artísticas conhecidas. É o caso do Agravo de Instrumento (Ag) 503.774, no qual foi mantida a condenação de Roberto Carlos e Erasmo Carlos por plágio de obra do compositor Sebastião Braga. A Justiça fluminense considerou que a música O Careta, supostamente composta pela dupla da Jovem Guarda, repetiria os dez primeiros compassos da canção Loucura de Amor, de Braga, evidenciando a cópia. A decisão foi mantida, em 2003, pelo ministro Ruy Rosado, então integrante da Quarta Turma do STJ. Já o Recurso Especial (REsp) 732.482 dizia respeito a processo em que o cantor cearense Fagner foi condenado a indenizar os filhos do compositor Hekel Tavares, criador da música Você. Fagner adaptou a obra, denominando-a Penas do Tié, porém não citou a autoria. No recurso ao STJ, julgado em 2006, a defesa do cantor afirmou que não havia mais possibilidade de processá-lo, pois o prazo para ajuizamento da ação já estaria prescrito, e alegou que o plágio da música não foi comprovado. Porém, a Quarta Turma entendeu, em decisão unânime, que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que examinou as provas do processo, tratou exaustivamente da questão da autoria, constatando a semelhança da letra e musicalidade, devendo Fagner indenizar os herdeiros do autor. A Turma determinou apenas que o TJRJ definisse os parâmetros da indenização.
Televisão
Empresas também disputam a exclusividade de produções televisivas, como na querela entre a TV Globo, detentora dos direitos do Big Brother Brasil, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), responsável pelo programa Casa dos Artistas. A Globo acusou o SBT de plágio, alegando que tinha a exclusividade no Brasil do formato do programa criado pelo grupo Edemol Entertainment International. Em primeira instância, conseguiu antecipação de tutela para suspender a transmissão da segunda temporada de Casa dos Artistas, mas o SBT apelou e a decisão foi cassada. Em 2002, a Globo recorreu ao STJ com uma medida cautelar (MC 4.592) para tentar evitar a apresentação. Porém, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, considerou que a verificação de ocorrência de plágio e de quebra de contrato de exclusividade esbarram nas Súmulas 5 e 7 do STJ, que impedem a interpretação de cláusula de contrato e a reanálise de prova já tratadas pela primeira e segunda instâncias. Não haveria, ainda, fatos novos que justificassem a interrupção do programa, que já estava no ar havia dois meses.
Coincidência criativa
No mundo da publicidade há vários casos em que a semelhança entre anúncios é grande, especialmente se o produto é o mesmo. Todavia, no caso do REsp 655.035, a Justiça considerou que houve uma clara apropriação de ideia pela cervejaria Kaiser e sua agência de publicidade. No caso, em 1999, a empresa lançou a campanha “Kaiser, A Cerveja Nota 10”, com o número formado pela garrafa e pela tampinha. Porém, ideia muito semelhante foi elaborada e registrada no INPI, três anos antes, por um publicitário paranaense, que nada recebeu da agência ou da Kaiser por sua criação. Em primeira instância, as empresas foram condenadas a indenizar pelo plágio da obra inédita, mas o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença por entender que não haveria prova do conhecimento da existência da obra anterior e, portanto, do plágio. O publicitário paranaense recorreu ao STJ. O caso foi julgado em 2007. O ministro Humberto Gomes de Barros (falecido recentemente), relator do processo, entendeu que, mesmo que fosse mera coincidência criativa, a empresa, após ser informada da existência de campanha registrada anteriormente, deveria ter entrado em contato com o publicitário para obter sua autorização. Para o relator, a empresa assumiu o risco de criar uma campanha idêntica se já sabia da existência de uma campanha com o mesmo tema. A indenização foi fixada em R$ 38 mil.
Texto técnico
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará (OAB-CE) e presidente da Comissão de Direitos Culturais da entidade, Ricardo Bacelar Paiva, destaca que ainda há muitos temas relacionados ao plágio não tratados judicialmente. Ele avalia que o STJ tem tido um papel importante na fixação de jurisprudência sobre a matéria. E cita o caso do REsp 351.358, julgado em 2002, em que se discutiu se havia plágio na cópia de uma petição inicial. A questão foi analisada sob a vigência da Lei 5.988/73. Essa lei definia como obra intelectual, além de livros etc., também "outros escritos”. O relator do processo, ministro Ruy Rosado, agora aposentado, considerou que o plágio ocorreria em textos literários, artísticos ou científicos, com caráter nitidamente inovador. A petição judicial seria um texto técnico e utilitário, restringindo a possibilidade de reconhecer a criação literária. O ministro destacou que a regra da lei antiga apenas protegia os pareceres judiciais (e neles incluindo a petição inicial e outros arrazoados), "desde que, pelos critérios de seleção e organização, constituam criação intelectual". Para o ministro, havia, portanto, uma condicionante. “Não basta a existência do texto, é indispensável que se constitua em obra literária”, afirmou. Ricardo Bacelar, recentemente, enviou uma proposta de combate ao plágio à OAB nacional, com diretrizes que já foram adotadas por várias instituições, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele afirma que há um “comércio subterrâneo na internet”, que negocia trabalhos escolares e universitários. O advogado também elogiou as propostas de reforma do CP sobre o assunto, afirmando que, se aprovadas, transformarão a legislação brasileira em uma das mais duras contra o plágio. Outro entendimento do STJ sobre o plágio foi fixado no REsp 1.168.336. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, entendeu que o prazo de prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não a do conhecimento da infração. No caso, foi considerado prescrito o direito de um autor acionar uma editora que reproduziu diversos trechos de seus livros em apostilas publicadas pela empresa. Alegando divergência com julgados da Quarta Turma, o autor levou a questão à Segunda Seção do STJ, mas o caso ainda está pendente de julgamento (EREsp 1.168.336).
Academia
No meio acadêmico, o plágio tem se tornado um problema cada vez maior. O professor Paulo Sérgio Beirão diz que, quando o CNPq detecta ou recebe alguma denúncia de fraude, há uma imediata investigação que pode levar ao corte de bolsas e patrocínios. Também há um reflexo muito negativo para a carreira do pesquisador. “Deve haver muito cuidado para diferenciar a cópia e o plágio do senso comum. Por exemplo num trabalho sobre malária é senso comum dizer que ela é uma doença tropical grave com tais e tais sintomas”, destacou. Outro problema que ele vê ocorrer na academia é o uso indevido de material didático alheio. Isso ocorreu no caso do REsp 1.201.340. Um professor teve seu material didático indevidamente publicado na internet. Ele havia emprestado sua apostila para um colega de outra instituição de ensino e o material foi divulgado na página dessa instituição, sem mencionar a autoria. O professor afirmou que tinha a intenção de publicar o material posteriormente e lucrar com as vendas. Pediu indenização por danos materiais e morais. A magistrada responsável pelo recurso, ministra Isabel Gallotti, entendeu que, mesmo se a escola tivesse agido de boa-fé e não soubesse da autoria, ela teve benefício com a publicação do material didático. A responsabilidade da empresa nasceria da conduta lesiva de seu empregado, sendo o suficiente para justificar a indenização. Em outro exemplo de plágio acadêmico, o ministro Arnaldo Esteves Lima, no Conflito de Competência (CC) 101.592, decidiu qual esfera da Justiça – estadual ou federal – tem competência para tratar do delito cometido em universidade federal. Um estudante da Universidade Federal de Pelotas apresentou como seu trabalho de conclusão de curso um texto de outro autor, apenas alterando o título. O ministro Esteves Lima concluiu que, como não houve prejuízo à União ou uma de suas entidades ou empresas públicas, e sim interesse de pessoa privada, ou seja, o autor do texto, a competência para julgar a ação era estadual. Além dos simples prejuízos financeiros, muitos veem consequências ainda mais sérias no plágio. Para Ricardo Bacelar, a prática do plágio pode ser prejudicial até para a estruturação da personalidade e conduta ética e moral. “Diante de uma tarefa de pesquisa, não leem sobre o assunto, não raciocinam, não exercitam a formação de uma ideia. Não sabem escrever, pensar e desenvolver o senso crítico. Absorvem o comportamento deplorável de pegar para si o que não lhes pertence”, destacou. O advogado admitiu a importância da inspiração e até o uso de trechos de outros trabalhos para a produção de conhecimento novo, mas isso não justifica o roubo de ideias. Como disse outro americano, o cientista e político Benjamin Franklin, há muita diferença entre imitar um bom homem e falsificá-lo.
Processos relacionados: Ag 503774; REsp 732482; MC 4592; REsp 655035; REsp 351358; REsp 1168336; REsp 1201340 e CC 101592.
Usurpação de nome ou pseudônimo alheio
Art. 185 - (Revogado pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
Art. 186. Procede-se mediante: (Redação dada pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
I – queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
II – ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1.º e 2.º do art. 184; (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
III – ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
IV – ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3.º do art. 184. (Incluído pela Lei n.º 10.695, de 1º.7.2003)
CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O PRIVILÉGIO DE INVENÇÃO
Violação de privilégio de invenção
Art 187. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Falsa atribuição de privilégio
Art 188. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Usurpação ou indevida exploração de modelo ou desenho privilegiado
Art. 189. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Falsa declaração de depósito em modelo ou desenho
Art. 190. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Art. 191. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA AS MARCAS DE INDÚSTRIA E COMÉRCIO
Violação do direito de marca
Art. 192. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Uso indevido de armas, brasões e distintivos públicos
Art. 193.(Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Marca com falsa indicação de procedência
Art. 194. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
Art. 195. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
CAPÍTULO IV
DOS CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL
Concorrência desleal
Art. 196. (Revogado pela Lei n.º 9.279, de 14.5.1996)
TÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Atentado contra a liberdade de trabalho
Art. 197 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;
II - a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta
Art. 198 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Atentado contra a liberdade de associação
Art. 199 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem
Art. 200 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.
Paralisação de trabalho de interesse coletivo
Art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem
Art. 202 - Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Frustração de direito assegurado por lei trabalhista
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei n.º 9.777, de 29.12.1998)
§ 1.º Na mesma pena incorre quem: (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
§ 2.º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho
Art. 204 - Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Exercício de atividade com infração de decisão administrativa
Art. 205 - Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
Aliciamento para o fim de emigração
Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro. (Redação dada pela Lei n.º 8.683, de 1993)
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. (Redação dada pela Lei n.º 8.683, de 1993)
Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional
Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:
Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.777, de 29.12.1998)
§ 1.º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
§ 2.º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei n.º 9.777, de 1998)
TÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS
Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária
Art. 209 - Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
Violação de sepultura
Art. 210 - Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Destruição, subtração ou ocultação de cadáver
Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Vilipêndio a cadáver
Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
TÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
(Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
(Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 1.º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 2.º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de catorze anos: (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)
Pena - reclusão de quatro a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996)
Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)"
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
- Vide a Lei dos Crimes Hediondos:
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...)
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1.º e 2.º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1.º, 2.º, 3.º e 4.º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)"
- Vide: Lei n.º 14.069/2020 - Cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro.
- Vide: Lei n. 14.450/2023 - Institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
- Vide: Art. 5.º da Lei n. 11.343/2006 (Lei Maria da Penha) - Violência sexual.
Notas:
- Vide: Súmula 608 do STF - No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.
- Vide: Súmula 593 do STJ - O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
- Com a alteração havida em 2009, em relação ao autor o crime passou a ser comum. Homem ou mulher podem ser sujeitos passivo e ativo. Deve ser usada a Teoria do Domínio do fato para estender o conceito de autor. Já a Teoria Objetivo-formal deve ser afastada (esta não é adotada há muito tempo pelo STJ e STF).
- Autora Mulher: Mulher pode ser coautora do delito de estupro. Pode ser sujeito ativo do crime de estupro tanto o homem quanto a mulher, como coautor ou na qualidade de participe.
- Atenção: participação ou co-autoria no crime de estupro pode se enquadrar no art. 218 do CP.
- Estupro e atentado violento ao pudor são crimes de mesmo gênero, mas não da mesma espécie.
- O tipo penal, após a reforma de 2009, constitui crime acumulado. Não é crime de conteúdo misto alternativo.
Jurisprudência:
01) Estupro / atentado violento ao pudor – Forma simples – Crime hediondo:
Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Natureza (Informativo n.º 448 do STF – Plenário)
Os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que em sua forma simples, configuram modalidades de crime hediondo, sendo irrelevante que a prática de qualquer deles tenha causado, ou não, lesões corporais de natureza grave ou morte. Reafirmando sua jurisprudência nesse sentido, o Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor na forma simples, no qual se pretendia afastar a incidência da Lei 8.072/90 para fins de obtenção do livramento condicional, porquanto já cumprido mais de um terço da pena imposta. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que deferia o writ por considerar que esses crimes só se caracterizariam como hediondos se deles resultasse lesão corporal grave ou morte. Precedente citado: HC 81288/SC (DJU de 25.4.2003).
STF - HC 88245/SC, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 16.11.2006. (HC-88245)
02) Estupro / atentado violento ao pudor - Vítima menor de 14 anos - Crime anterior a 2009 - Presunção de violência detém caráter absoluto:
HC N. 99.993-SP (Informativo n.º 571 do STF)
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. CONSENTIMENTO E EXPERIÊNCIA ANTERIOR. IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO. ORDEM DENEGADA.
Para a configuração do estupro ou do atentado violento ao pudor com violência presumida (previstos, respectivamente, nos arts. 213 e 214, c/c o art. 224, a, do Código Penal, na redação anterior à Lei 12.015/2009), é irrelevante o consentimento da ofendida menor de quatorze anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código Penal é de caráter absoluto. Precedentes (HC 94.818, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 15.8.2008).
Ordem denegada.
* noticiado no Informativo 569
03) Estupro e atentado violento ao pudor – Crime único – Impossibilidade:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. EXPERIÊNCIA DAS VÍTIMAS. CRIME HEDIONDO. LEI Nº 12.015/2009. ARTS. 213 E 217-A DO CP. TIPO MISTO ACUMULADO. CONJUNÇÃO CARNAL. DEMAIS ATOS DE PENETRAÇÃO. DISTINÇÃO. CRIMES AUTÔNOMOS. SITUAÇÃO DIVERSA DOS ATOS DENOMINADOS DE PRAELUDIA COITI. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
I - O exame do v. acórdão vergastado evidencia a existência de provas suficientes para amparar o juízo condenatório alcançado em primeiro grau. Ademais, não se admite, na via eleita, que se proceda a nova dilação probatória.
II - O consentimento da vítima ou sua experiência em relação ao sexo, no caso, não têm relevância jurídico-penal.
III - Na linha da jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso constituem-se os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor (na antiga redação), ainda que perpetrados em sua forma simples em crimes hediondos, submetendo-se os condenados por tais delitos ao disposto na Lei nº 8.072/90.
IV - A reforma introduzida pela Lei nº 12.015/2009 unificou, em um só tipo penal, as figuras delitivas antes previstas nos tipos autônomos de estupro e atentado violento ao pudor. Contudo, o novel tipo de injusto é misto acumulado e não misto alternativo.
V - Desse modo, a realização de diversos atos de penetração distintos da conjunção carnal implica o reconhecimento de diversas condutas delitivas, não havendo que se falar na existência de crime único, haja vista que cada ato - seja conjunção carnal ou outra forma de penetração - esgota, de per se, a forma mais reprovável da incriminação.
VI - Sem embargo, remanesce o entendimento de que os atos classificados como praeludia coiti são absorvidos pelas condutas mais graves alcançadas no tipo.
VII - Em razão da impossibilidade de homogeneidade na forma de execução entre a prática de conjunção carnal e atos diversos de penetração, não há como reconhecer a continuidade delitiva entre referidas figuras.
Ordem denegada.
(STJ - HC 104724/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010)
HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO, ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PACIENTE CONDENADO A 23 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. DOSIMETRIA DA PENA. UTILIZAÇÃO DE ARMA BRANCA (ESTILETE). IMPOSSIBILIDADE DE APREENSÃO E CONSEQUENTE PERÍCIA RELATIVA À POTENCIALIDADE LESIVA DO INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. PROVA TESTEMUNHAL (PALAVRA DA VÍTIMA). AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. INCIDÊNCIA DA LEI 12.015/09. INADMISSIBILIDADE DA HIPÓTESE DE CRIME ÚNICO. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO PARCIAL DO WRIT.
ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, TODAVIA, TÃO-SÓ E APENAS PARA FIXAR O REGIME INICIALMENTE FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA, AFASTANDO-SE ASSIM O IMPEDIMENTO À PROGRESSÃO DE REGIME.
1. A impossibilidade de apreensão e a consequente perícia da arma utilizada no roubo (estilete) não afasta a configuração da causa especial de aumento de pena, mormente quando a prova testemunhal - no caso, o depoimento da vítima - é firme sobre sua efetiva utilização na prática da conduta criminosa.
2. Com relação à incidência da Lei 12.015/09, esta Corte já se posicionou pela não ocorrência de crime único ou em absorção de um tipo pelo outro (estupro e atentado violento ao pudor).
3. Merece alteração a decisão na parte em que fixou o regime integralmente fechado para o desconto da reprimenda. É que a Lei 11.464/2007, que alterou o art. 2.º da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), suprimiu a vedação de progressão de regime para condenados por crimes hediondos ou equiparados, proibição esta já declarada inconstitucional pelo colendo STF.
4. Opina o MPF pela concessão parcial da ordem, para que, dando-se nova capitulação jurídica aos delitos sexuais praticados (unificação dos crimes), seja a pena recalculada, aplicando-se de imediato o regime inicial fechado, compatível, em tese, com a progressão prisional.
5. Ordem parcialmente concedida, todavia, tão-só e apenas para fixar o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena, afastando-se assim, o impedimento à progressão de regime.
(HC 169499/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 17/12/2010)
ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. (Informativo n.º 450 do STJ – Quinta Turma)
In casu, o paciente foi condenado a 23 anos de reclusão em regime fechado e a multa, por infração dos arts. 213 e 214 c/c arts. 226, I, e 69, caput, por duas vezes, e no art. 157, § 2º, I e II, todos do CP.
No habeas corpus, busca a impetração o reconhecimento de crime único nos termos da novel Lei n. 12.015/2009 e afastamento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, em razão da não apreensão da arma utilizada (estilete), bem como a possibilidade de progressão de regime prisional.
Ressaltou o Min. Relator que a Turma possui firme orientação de que a impossibilidade de apreensão da arma para perícia a fim de verificar sua potencialidade lesiva não afasta a configuração de aumento de pena quando há prova testemunhal.
No caso dos autos, houve o depoimento da vítima sobre a arma utilizada no roubo.
Com relação à incidência da Lei n. 12.015/2009, reafirma o Min. Relator que atos de penetração distintos da conjunção carnal implicam o reconhecimento de diversas condutas delitivas e não de existência de crime único, uma vez que ele ou a absorção de um tipo pelo outro não ocorrem.
Por outro lado, reconhece proceder a reforma de parte da decisão, no ponto que fixou o regime integralmente fechado para o desconto da reprimenda, visto que a Lei n.11.464/2007 alterou o art. 2º da Lei de Crimes Hediondos, suprimindo a vedação de progressão de regime para condenados por crimes hediondos ou equiparados, proibição declarada inconstitucional pelo STF.
Diante do exposto, a Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem, apenas para fixar o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena, afastando o impedimento à progressão de regime. Precedentes citados: REsp 1.121.391-SP, DJe 28/6/2010, e HC 104.724-MS, DJe 2/8/2010.
STJ - HC 169499-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/10/2010.
04) Estupro e atentado violento ao pudor – Crime continuado – Impossibilidade – Crime cumulativo:
HC N. 86.238-SP
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS:
1. AÇÃO PENAL. Estupro e atentado violento ao pudor. Continuidade delitiva. Impossibilidade. Concurso material. Ordem denegada. Voto vencido. A jurisprudência desta Corte não admite o reconhecimento de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor.
2. EXECUÇÃO PENAL. Crime hediondo. Regime integralmente fechado. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (Plenário, HC nº 82.959). Fato anterior ao início de vigência da Lei nº 11.464/2007. Habeas concedido de ofício. O disposto no art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.072/90, com a redação introduzida pela Lei nº 11.464/2007, não incide sobre fato anterior ao início de vigência desta última lei.
* noticiado no Informativo 542 do STF
CONTINUIDADE DELITIVA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. (Informativo n.º 440 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se, entre outras questões, de saber se, com o advento da Lei n. 12.015/2009, há continuidade delitiva entre os atos previstos antes separadamente nos tipos de estupro (art. 213 do CP) e atentado violento ao pudor (art. 214 do mesmo codex), agora reunidos em uma única figura típica (arts. 213 e 217-A daquele código). Assim, entendeu o Min. Relator que primeiramente se deveria distinguir a natureza do novo tipo legal, se ele seria um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Asseverou que, na espécie, estaria caracterizado um tipo misto cumulativo quanto aos atos de penetração, ou seja, dois tipos legais estão contidos em uma única descrição típica. Logo, constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração (sexo oral ou anal, por exemplo). Seria inadmissível reconhecer a fungibilidade (característica dos tipos mistos alternativos) entre diversas formas de penetração. A fungibilidade poderá ocorrer entre os demais atos libidinosos que não a penetração, a depender do caso concreto. Afirmou ainda que, conforme a nova redação do tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos. Dessa forma, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, a depender do preenchimento dos requisitos do art. 71 ou do art. 71, parágrafo único, do CP, poderá, eventualmente, configurar-se continuidade. Ou então, se constranger vítima a mais de uma penetração (por exemplo, sexo anal duas vezes), de igual modo, poderá ser beneficiado com a pena do crime continuado. Contudo, se pratica uma penetração vaginal e outra anal, nesse caso, jamais será possível a caracterização de continuidade, assim como sucedia com o regramento anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra, são condutas distintas. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, afastou a possibilidade de continuidade delitiva entre o delito de estupro em relação ao atentado violento ao pudor.
STJ - HC 104.724-MS, Rel. originário Min. Jorge Mussi, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2010.
05) Estupro e atentado violento ao pudor – Crime continuado – Impossibilidade – Vítimas diferentes – Momentos diversos:
Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Crime Continuado
O Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado em favor de denunciado pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 213 (uma vez), 214 (duas vezes), 213 e 214 (duas vezes), esses últimos c/c o art. 71, todos do CP, e condenado a cumprimento de pena em regime inicialmente fechado, pelo juízo de 1º grau, no qual se pretendia fosse reconhecida a continuidade delitiva dos referidos crimes — v. Informativo 542.
Prevaleceu o voto do Min. Ricardo Lewandowski, primeiro na divergência, que, citando o que decidido no julgamento do HC 96959/SP (DJE de 17.4.2009), entendeu ser preciso examinar caso a caso para verificar se a intenção do agente foi a de cometer dois ou mais crimes de forma independente, ou se o seu desígnio consistiu, mediante uma única ação, constranger a vítima, para se saber se as penas desses crimes, quando cometidos conjuntamente contra uma mesma vítima, serão computadas segundo a sistemática do concurso material ou da continuidade delitiva. Asseverou que, na espécie, o paciente, de forma autônoma, teria desejado dois resultados diversos, porquanto os crimes sexuais teriam sido praticados contra vítimas diferentes, em momentos diferentes, com lapso temporal significativo. A Min. Cármen Lúcia, seguindo a divergência, manteve-se na linha da jurisprudência da Corte no sentido de não haver se falar em continuidade delitiva dos crimes de atentado violento ao pudor e estupro ainda que perpetrados contra a mesma vítima. Considerou que os crimes seriam do mesmo gênero, mas não da mesma espécie, e teriam sido praticados de forma autônoma, em momentos diferentes, contra vítimas diferentes, com intenções diversas, portanto, não possuindo sequer um mesmo elemento que pudesse caracterizar a continuidade delitiva. Também acompanharam a divergência, reportando-se a precedentes da Corte, os Ministros Joaquim Barbosa (HC 95705/RS, DJE de 24.4.2009), Carlos Britto (HC 95923/RS, DJE de 13.3.2009), Ellen Gracie (HC 91370/SP, DJE de 20.6.2008) e Celso de Mello (HC 95071 MC/RS, DJE de 27.6.2008). Vencidos os Ministros Cezar Peluso, relator, Eros Grau, Marco Aurélio e Gilmar Mendes, Presidente, que deferiam a ordem. Por unanimidade, tendo em conta a declaração da inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 no julgamento do HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), concedeu-se o writ de ofício para autorizar a progressão de regime ao paciente, caso a ela tenha jus, segundo decisão do juízo da execução, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal - LEP.
STF - HC 86238/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 18.6.2009. (HC-86238)
06) Estupro e atentado violento ao pudor – Crime único – Mesma vítima - Mesmas circunstâncias – Continuidade delitiva - Nova lei mais benéfica:
ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTINUIDADE DELITIVA.
In casu, o recorrido foi condenado à pena de nove anos e quatro meses de reclusão pela prática de dois crimes de atentado violento ao pudor em continuidade e à pena de sete anos de reclusão por dois delitos de estupro, igualmente em continuidade, cometidos contra a mesma pessoa. Em grau de apelação, o tribunal a quo reconheceu a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e reduziu a pena para sete anos e seis meses de reclusão em regime fechado. O MP, ora recorrente, sustenta a existência de concurso material entre os delitos. A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso, adotando o entendimento de que os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor correspondem a uma mesma espécie de tipo penal, confirmando a possibilidade do crime continuado. Dessarte, consignou-se que o tribunal de origem nada mais fez que seguir a orientação de uma vertente jurisprudencial razoável que acabou por harmonizar-se com a legislação nova que agora prestigia essa inteligência, isto é, sendo os fatos incontroversos, o que já não pode ser objeto de discussão nessa instância especial, o acórdão recorrido apenas adotou a tese de que os crimes são da mesma espécie e, assim, justificou a continuidade. Precedentes citados do STF: HC 103.353-SP, DJe 15/10/2010; do STJ: REsp 565.430-RS, DJe 7/12/2009.
STJ - REsp 970.127-SP, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Gilson Dipp, julgado em 7/4/2011.
Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Lei 12.015/2009 e Continuidade Delitiva (Informativo n.º 595 do STF – Segunda Turma)
Em observância ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º, XL), deve ser reconhecida a continuidade delitiva aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados anteriormente à vigência da Lei 12.015/2009 e nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Com base nesse entendimento, a Turma concedeu habeas corpus de ofício para determinar ao juiz da execução, nos termos do enunciado da Súmula 611 do STF, que realize nova dosimetria da pena, de acordo com a regra do art. 71 do CP. Tratava-se, na espécie, de writ no qual condenado em concurso material pela prática de tais delitos, pleiteava a absorção do atentado violento ao pudor pelo estupro e, subsidiariamente, o reconhecimento da continuidade delitiva. Preliminarmente, não se conheceu da impetração. Considerou-se que a tese defensiva implicaria reexame de fatos e provas, inadmissível na sede eleita. Por outro lado, embora a matéria relativa à continuidade delitiva não tivesse sido apreciada pelas instâncias inferiores, à luz da nova legislação, ressaltou-se que a citada lei uniu os dois ilícitos em um único tipo penal, não mais havendo se falar em espécies distintas de crimes. Ademais, elementos nos autos evidenciariam que os atos imputados ao paciente teriam sido perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
STF - HC 96818/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2010. (HC-96818)
Lei 12.015/2009: Estupro e Atentado Violento ao Pudor (Informativo n.º 577 do STF – Segunda Turma)
A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009, que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”]. Nesse diapasão, por reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se que se deveria aplicá-la retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º, parágrafo único, do CP.
STF - HC 86110/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2.3.2010. (HC-86110)
07) Estupro e atentado violento ao pudor – Casamento (união estável) com a vítima – Extinção da punibilidade – Crime anterior à Lei 11.106/05:
Ultra-Atividade da Lei Penal Benéfica e Lei 11.106/2005 (Informativo n.º 588 do STF – Primeira Turma)
A Turma, por maioria, não conheceu de habeas corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, para declarar a extinção da punibilidade de condenado pela prática do delito descrito no art. 213, c/c os artigos 224, a, e 225, § 1º, I e § 2º (com a redação anterior às alterações promovidas pela Lei 12.015/2009), na forma do art. 71, todos do CP, em decorrência de haver constrangido, à época, menor de 12 anos de idade à prática de conjunção carnal. A impetração requeria a aplicação da lei penal vigente ao tempo dos fatos, por ser menos gravosa ao paciente, haja vista que o art. 107, VII, do CP — que previa a extinção da punibilidade pelo casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes — fora revogado pela Lei 11.106/2005. Informava que, embora a conversão de união estável em casamento tivesse ocorrido em 13.3.2007, os fatos delituosos aconteceram entre agosto de 2004 e julho de 2005. Tendo em conta que a decisão impugnada fora proferida monocraticamente pelo relator do recurso especial no STJ, considerou-se que o conhecimento do writ implicaria supressão de instância. Vencido o Min. Marco Aurélio que o julgava prejudicado. Entretanto, reputou-se patente a coação ilegal e determinou-se a expedição do contramandado de prisão em favor do paciente ou, caso esta já tenha sido efetuada, a expedição do competente alvará de soltura clausulado. Reconheceu-se, em observância ao art. 5º, XL, da CF, a ultra-atividade da lei penal mais benéfica ao agente. Enfatizou-se que, diante do quadro de miséria e desamparo em que vive a vítima — a qual agora já possui dois filhos com o paciente — manter o réu encarcerado nenhum benefício poderia trazer a ela e à sociedade, cabendo, nesse contexto, invocar a garantia disposta no art. 226 da CF, que assegura, à família, base da sociedade, especial proteção do Estado.
STF - HC 100882/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25.5.2010. (HC-100882)
08) Atentado violento ao pudor – Abrangência de diferentes níveis de atos libidinosos, inclusive toques – Impossibilidade de aplicação da proporcionalidade para desclassificar a conduta para o crime de ato obsceno:
ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. PROPORCIONALIDADE. (Informativo n.º 441 do STJ – Sexta Turma)
O tribunal a quo desclassificou a conduta do art. 214, caput, do CP (com a redação anterior à Lei n. 12.015/2009) para o art. 233 (ato obsceno) do mesmo diploma legal. No caso, a denúncia aponta que o réu, ora recorrido, teria constrangido a vítima – menor e portadora de deficiência mental –, mediante grave ameaça, a praticar consigo atos libidinosos diversos da conjunção carnal. A Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso, por entender não ser admissível ao julgador desclassificar o delito de atentado violento ao pudor para ato obsceno de forma manifestamente contrária à lei, utilizando-se como fundamentos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por entender que a ação do acusado “não alcançou estágio mais avançado que pudesse causar maior resposta ao padrão da culpabilidade." É pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de que "o atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive os toques, os contatos voluptuosos e os beijos lascivos". No caso, constatou-se, pela simples leitura da denúncia e da sentença condenatória, sem incursionar na seara fático-probatória, vedada na via do apelo especial, que o contato sexual mantido entre o recorrido e a vítima mostra-se suficiente para enquadrar sua conduta no revogado art. 214 do Código Penal, atualmente incluído na redação do art. 213 do mesmo diploma. Precedentes citados: REsp 736.346-MG, DJ 20/3/2006, e REsp 1.007.121-ES, DJe 28/9/2009.
STJ - REsp 1.101.758-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 3/8/2010.
09) Estupro praticado por médico – Suspensão do registro profissional não é suficiente para obstar a reiteração delitiva:
HC N. 102.098-SP - RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 213 DO CÓDIGO PENAL. ESTUPRO. 56 VEZES. PRISÃO PREVENTIVA. REITERAÇÃO DE IMPETRAÇÃO ANTERIOR. PERDA DE OBJETO. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE MANTEVE A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GRAVIDADE CONCRETA DOS CRIMES. PERICULOSIDADE DO RÉU. SUSPENSÃO DO REGISTRO PROFISSIONAL QUE NÃO IMPEDE A REITERAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA. ORDEM NÃO CONHECIDA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA.
1. A apontada ilegalidade da prisão preventiva decretada em desfavor do paciente já foi submetida à apreciação por este Tribunal (HC 100.429/SP), até mesmo para evidenciar a inexistência de constrangimento ilegal apta a afastar a incidência da Súmula 691/STF.
2. Sendo assim, o pedido formulado neste feito consubstancia mera reiteração dos argumentos já apreciados no writ acima apontado, o que, por sua vez, implica o não-conhecimento deste HC 102.098/SP.
3. A sentença condenatória que apenas reitera os fundamentos da decretação da segregação cautelar, em virtude do não-surgimento de fatos novos aptos a agregar outra motivação para a prisão preventiva, não enseja a prejudicialidade do habeas corpus.
4. Diante da certeza de materialidade e autoria dos crimes praticados pelo paciente e do não-surgimento de fatos novos, a magistrada de primeira instância, ao proferir a sentença condenatória, manteve a decisão que decretou a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública.
5. Ademais, a Juíza de Direito da 16ª Vara Criminal da Comarca da Capital/SP considerou não ser possível efetivar o decreto prisional, uma vez que, em respeito à autoridade das decisões proferidas por este Supremo Tribunal Federal, se encontra pendente de julgamento de mérito o presente HC 102.098/SP, no qual se concedeu pedido liminar ao paciente para suspender os efeitos do ato constritivo.
6. A prisão preventiva em análise possui fundamentação idônea, legitimada em virtude da presença de elementos concretos e sólidos que exigem a restrição da liberdade do paciente, não tendo o magistrado de primeira instância se valido de especulações ou de argumentos genéricos ou abstratos.
7. O Juiz de Direito, baseado na “prova oral coligida na fase inquisitiva da persecução penal (trinta e nove vítimas imputaram a Roger Abdelmassih a prática de atos criminosos descritos na denúncia, ao que se aliam os depoimentos das 41 testemunhas arroladas na denúncia), corroborada por documentos que demonstram a relação médico-paciente e o vínculo laborativo (este com apenas uma das ofendidas) entre o denunciado e as vítimas” (fl. 2.460 do apenso 10), e ainda considerando “a quantidade de crimes ao ora paciente imputados (cinqüenta e seis), o prolongado tempo da atividade ilícita, a forma de execução dos delitos (aproveitando-se da debilidade momentânea das vítimas, algumas sob efeitos de sedativos) e a influência que a profissão do denunciado (médico) e o local das práticas delitivas (na respectiva clínica)” (fl. 2.456 do apenso 10), decretou a segregação cautelar do paciente.
8. Portanto, o decreto de prisão preventiva se baseou em fatos concretos e individualizados, notadamente no risco da reiteração das práticas delitivas e na periculosidade do paciente, não só em razão da gravidade concreta dos crimes perpetrados, mas também pelo modus operandi da empreitada criminosa.
9. Como já decidiu esta Corte, “a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos” (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005). Nessa linha, deve-se considerar também o “perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação” (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007).
10. Além disso, a periculosidade do réu, asseverada pelo juiz de direito, constitui motivo apto à decretação de sua prisão cautelar, com a finalidade de garantir a ordem pública, consoante precedentes desta Suprema Corte (HC 92.719/ES, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.09.08; HC 93.254/SP, rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 01.08.08; HC 94.248/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 27.06.08).
11. O afastamento do paciente de suas atividades profissionais, mediante suspensão do seu registro profissional, não impede a reiteração das condutas criminosas descritas na denúncia, sejam elas, em tese, praticadas dentro ou fora da clínica.
12. Aliás, nem todas as condutas criminosas imputadas à Roger Abdelmassih foram praticadas em relação a pacientes, mas consta dos autos que há funcionária também vítima das ações inescrupulosas do seu empregador, não do seu médico.
13. A suspensão ou até a cassação do registro profissional de medicina não impossibilitam que o paciente torne a engendrar outros crimes contra a liberdade sexual, inclusive no âmbito da Clínica e Centro de Pesquisa em Reprodução Humana Roger Abdelmassih, da qual é fundador e principal clínico, possuindo acesso irrestrito às dependências do estabelecimento.
14. Em outras palavras, a suspensão do registro profissional do paciente, por falta de pertinência lógica ou jurídica, não pode ser considerada como elemento impeditivo da reiteração criminosa, inclusive em razão da periculosidade registrada do paciente.
15. Por fim, a circunstância de o paciente ser primário, ter bons antecedentes, trabalho e residência fixa não se mostra obstáculo ao decreto de prisão preventiva, desde que presentes os pressupostos e condições previstas no art. 312 do CPP (HC 83.148/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 02.09.2005).
16. Ordem denegada, ficando revogada a decisão concessiva da liminar e restaurados os efeitos do decreto prisional em questão.
*noticiado no Informativo 616
10) Atos praeludia coiti – Absorção - Possibilidade:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. EXPERIÊNCIA DAS VÍTIMAS. CRIME HEDIONDO. LEI Nº 12.015/2009. ARTS. 213 E 217-A DO CP. TIPO MISTO ACUMULADO. CONJUNÇÃO CARNAL. DEMAIS ATOS DE PENETRAÇÃO. DISTINÇÃO. CRIMES AUTÔNOMOS. SITUAÇÃO DIVERSA DOS ATOS DENOMINADOS DE PRAELUDIA COITI. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
I - O exame do v. acórdão vergastado evidencia a existência de provas suficientes para amparar o juízo condenatório alcançado em primeiro grau. Ademais, não se admite, na via eleita, que se proceda a nova dilação probatória.
II - O consentimento da vítima ou sua experiência em relação ao sexo, no caso, não têm relevância jurídico-penal.
III - Na linha da jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso constituem-se os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor (na antiga redação), ainda que perpetrados em sua forma simples em crimes hediondos, submetendo-se os condenados por tais delitos ao disposto na Lei nº 8.072/90.
IV - A reforma introduzida pela Lei nº 12.015/2009 unificou, em um só tipo penal, as figuras delitivas antes previstas nos tipos autônomos de estupro e atentado violento ao pudor. Contudo, o novel tipo de injusto é misto acumulado e não misto alternativo.
V - Desse modo, a realização de diversos atos de penetração distintos da conjunção carnal implica o reconhecimento de diversas condutas delitivas, não havendo que se falar na existência de crime único, haja vista que cada ato - seja conjunção carnal ou outra forma de penetração - esgota, de per se, a forma mais reprovável da incriminação.
VI - Sem embargo, remanesce o entendimento de que os atos classificados como praeludia coiti são absorvidos pelas condutas mais graves alcançadas no tipo.
VII - Em razão da impossibilidade de homogeneidade na forma de execução entre a prática de conjunção carnal e atos diversos de penetração, não há como reconhecer a continuidade delitiva entre referidas figuras.
Ordem denegada.
(STJ - HC 104724/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010)
11) Crime sexual - Indeferimento de perícia - Cerceamento de defesa não verificado:
Cerceamento de Defesa e Prova Pericial - 3 (Informativo n.º 548 do STF)
Em conclusão de julgamento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor (CP, art. 214, c/c o art. 61, c, última parte), no qual se pretendia a anulação do acórdão condenatório proferido pelo tribunal de origem, bem como a realização de prova pericial — v. Informativo 546. Enfatizou-se que a condenação do paciente tivera por fundamento o conjunto probatório, que incluía o auto de exame de corpo de delito, o relatório da vítima ao posto médico do local de trabalho — onde o crime teria ocorrido — e os depoimentos colhidos em juízo. Afirmou-se que a palavra da vítima, nesse contexto, não se encontrava isolada, mas em harmonia com as provas pericial e testemunhal, produzidas com observância das garantias do devido processo legal. Aduziu-se, ademais, que esta questão já fora submetida ao Supremo. Quanto à perícia almejada, asseverou-se que o juiz criminal deve proceder à reconstituição histórica dos fatos mediante a realização de provas, ordenando diligências que repute necessárias (CPP, art. 156, II). Contudo, salientou-se que, com exceção do exame de corpo de delito, a lei outorga ao juízo a ponderação da necessidade de nova prova pericial, de modo que, se motivadamente denega o pedido, com o objetivo de evitar perícias inúteis, impertinentes ou procrastinatórias, não há que se falar em cerceamento de defesa. Tendo em conta o contexto da situação descrita nos autos, afastou-se a reputada ofensa à garantia da ampla defesa.
Por fim, concedeu-se a ordem de ofício, para autorizar a progressão de regime, se a ela, segundo decisão do juízo da execução, tiver jus o paciente, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal - LEP, já que os fatos ocorreram antes do advento da Lei 11.464/2007.
STF - HC 82587/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 26.5.2009. (HC-82587)
12) Estupro - Vítima criança ou adolescente do sexo feminino - Perícia - Lei estadual disciplinando obrigatoriedade de o exame ser realizado por legista mulher - Interpretação conforme:
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Vítimas de estupro: meninas e exigência de perito legista mulher (Informativo n.º 933 do STF – Plenário)
O Plenário, por maioria, concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Lei 8.008/2018 do Estado do Rio de Janeiro, que institui o programa de atenção às vítimas de estupro com o objetivo de dar apoio e identificar provas periciais. Deu interpretação conforme à parte final do § 3.º do art. 1.º do referido diploma legal (1) para reconhecer que as crianças e adolescentes do sexo feminino vítimas de violência deverão ser, obrigatoriamente, examinadas por legista mulher, desde que não importe retardamento ou prejuízo da diligência. Atribuiu excepcionais efeitos ex tunc à decisão, a fim de resguardar as perícias que porventura tenham sido feitas por profissionais do sexo masculino. Entendeu haver aparente conflito com o direito de acesso à justiça [Constituição Federal (CF), art. 5º, XXXV] (2) e os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta (CF, art. 227, caput) (3). Isso porque, apesar de salutar a iniciativa da norma de buscar proteger as crianças e adolescentes, o fato de impedir ou retardar a realização de exame por médico legista poderia acabar por deixá-las desassistidas da proteção criminal, direito que decorre do disposto no art. 39 da Convenção sobre os Direitos das Crianças (4) e de outros diplomas legais. Além disso, na medida em que se nega o acesso à produção da prova na jurisdição penal, há também ofensa à proteção prioritária, porquanto se afasta a efetividade da norma, que exige a punição severa do abuso de crianças e adolescentes. Dessa forma, o colegiado concluiu ser o caso de dar “interpretação conforme”, na linha do que prescreve o art. 249 do Código de Processo Penal (CPP) (5), mantendo-se o dever estatal para fins de responsabilidade na proteção da criança, mas não para obstar a produção da prova. Ademais, a maioria dos ministros não vislumbrou vício de inconstitucionalidade formal, ao fundamento de não se tratar de regra de direito processual penal, mas que concerne à competência concorrente prevista no art. 24, XV, da CF (6). Observou, no ponto, estar-se diante de uma verticalização da proteção prevista na Lei federal 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e que reservou espaço à conformação dos estados. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Marco Aurélio, que concediam a cautelar em maior extensão.
(1) Lei 8.008/2018: “Art. 1º O Programa de atenção às vítimas de estupro visa a apoiar as vítimas e identificar provas periciais, que caracterizem os danos, estabelecendo nexo causal com o ato de estupro praticado. (...) § 3º Sempre que possível, a vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher, exceto em caso de menor de idade do sexo feminino, que deverá ser, obrigatoriamente, examinado por legista mulher. ”
(2) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; ”
(3) CF/1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. ”
(4) Convenção sobre os Direitos da Criança: “Artigo 39. Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança. ”
(5) CPP/1941: “Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência. ”
(6) CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XV – proteção à infância e à juventude; ”
STF - ADI 6039 MC/RJ, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.3.2019. (ADI-6039)
13) Estupro - Consumada a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal - Impossibilidade de reconhecer o delito na forma tentada:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECONHECIMENTO DO DELITO NA FORMA TENTADA PELO EG. TRIBUNAL A QUO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. RECONHECIMENTO DA FORMA CONSUMADA. PRECEDENTES. REVALORAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS DELINEADO NOS AUTOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7/STJ.I - O a to libidinoso, atualmente descrito nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, não é só o coito anal ou o sexo oral, mas podem ser caracterizados mediante toques, beijo lascivo, contatos voluptuosos, contemplação lasciva, dentre outros. Isto porque, o legislador, com a alteração trazida pela Lei n. 12.015/2009, optou por consagrar que no delito de estupro a pratica de conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não havendo rol taxativo ou exemplificativo acerca de quais atos seria considerados libidinosos.II - A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido, quando suficientes para a solução da quaestio, não implica o vedado reexame do material de conhecimento. Os elementos probatórios delineados no v. acórdão increpado são suficientes à análise do pedido, exigindo, tão somente, a revaloração da situação descrita, o que, ao contrário, admite-se na via extraordinária.III - Na hipótese, examinadas as provas delineadas no v. acórdão recorrido e, atribuindo-lhe a devida importância, está comprovada a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra a menor, evidenciando a configuração do crime de estupro de vulnerável na forma consumada.Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.995.795/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022.)
Art. 214 - (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Atentado violento ao pudor
Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: (Vide Lei n.º 8.072, de 25.7.90) (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão de dois a sete anos. (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se o ofendido é menor de catorze anos: (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão de três a nove anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.069, de 1990) (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996
Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990) (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)"
Nota:
- Sobre atentado violento ao pudor, vide anotações ao art. 213 do CP.
Violação sexual mediante fraude (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Posse sexual mediante fraude
Art. 215 - Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude:
Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: (Redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de dois a seis anos."
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei n.º 13.718/2018)
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 217-A do CP - Estupro de vulnerável.
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
- Vide: Lei n. 14.450/2023 - Institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
- Vide: Art. 5.º da Lei n. 11.343/2006 (Lei Maria da Penha) - Violência sexual.
Jurisprudência:
01) Beijo lascivo em criança - Estupro de vulnerável configurado (Art. 217-A do CP) - Ato libidinoso - Inviável desclassificação:
Notícias do STF - Publicada em 01/10/2019:
1ª Turma mantém condenação de adulto por beijo lascivo em criança de cinco anos
Para a maioria dos ministros, a conduta se caracteriza como crime de estupro de vulnerável e não pode ser desqualificada para a contravenção penal de molestamento. Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Habeas Corpus (HC) 134591 e manteve a condenação de um adulto em razão de um beijo lascivo dado em uma criança de cinco anos de idade. O HC foi impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao analisar habeas com as mesmas alegações, também havia mantido a condenação. O réu foi condenado pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Igarapava (SP) a oito anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, por estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal). Em exame de apelação penal, o Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) desqualificou o ato para a contravenção penal de molestamento (artigo 65 da Lei de Contravenções Penais) e impôs ainda pena de multa. O Ministério Público interpôs recurso e o relator no STJ deu provimento para restabelecer a condenação proferida em primeira instância.
Pena desproporcional
No habeas corpus impetrado no STF, a defesa afirmava que a pena é desproporcional à conduta, pois o ato praticado foi um único beijo em lugar próximo a outras pessoas. De acordo com a defesa, embora a conduta do réu seja “condenável e reprovável”, não teria havido conotação sexual no beijo ou danos psicológicos permanentes à vítima. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela manutenção da condenação em primeira instância. De acordo com o parecer, a conduta de beijar uma criança de cinco anos na boca se qualifica como ato libidinoso, o que configura estupro de vulnerável. Não seria viável, assim desqualificar o ato para uma simples contravenção penal.
Pedofilia
Em voto proferido na sessão de 18/12/2018, o ministro Alexandre de Moraes afastou a ocorrência de ilegalidade ou de constrangimento ilegal na decisão do STJ que manteve a condenação e observou que houve um ato clássico de pedofilia. Segundo ele, o fato definido como crime na lei (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos) existiu, e não é possível desclassificar a conduta para molestamento. “Não houve conjunção carnal, mas houve abuso de confiança para um ato sexual”, afirmou. O ministro destacou que a conotação sexual, para determinadas faixas etárias, é uma questão de abuso de poder e de confiança, pois, embora uma criança de cinco anos não entenda a questão sexual, os reflexos serão sentidos na adolescência, dificultando que tenham confiança em outras pessoas no momento de se relacionar. O julgamento foi retomado na sessão desta terça-feira (1º) com o voto-vista do ministro Luiz Fux pela manutenção da sentença de primeiro grau, por entender que o ato configura o delito de estupro de vulnerável. A ministra Rosa Weber votou no mesmo sentido.
Beijo lascivo
Na sessão de dezembro, o relator do HC, ministro Marco Aurélio, votou pela manutenção da decisão do TJ-SP, pois considera que o chamado beijo lascivo não configura estupro. O ministro observou que, anteriormente, havia dois tipos penais – estupro e atentado violento ao pudor – com penas diversas. Mas, que com a alteração no Código Penal introduzida pela Lei 12.015/2009, as duas condutas foram reunidas no conceito mais abrangente de estupro de vulnerável, estipulando pena de 8 a 15 anos de reclusão para o delito de constranger menor de 14 anos a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso diverso. Segundo ele, a conduta do réu restringiu-se à consumação de beijo lascivo, o que não se equipara à penetração ou ao contato direto com a genitália da vítima, situações em que o constrangimento é maior e a submissão à vontade do agressor é total. O ministro Luís Roberto Barroso também considerou a pena excessiva e votou pela concessão do HC para desclassificar a conduta e determinar que o juízo de primeira instância emita nova sentença com base no artigo 215-A do CP (praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro), cuja pena varia de um a cinco anos de reclusão.
Processo relacionado: HC 134591
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425115&tip=UN)
Art. 216. (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Atentado ao pudor mediante fraude (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 216 - Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal: (Redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005) (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de um a dois anos. (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Parágrafo único - Se a ofendida é menor de dezoito e maior de quatorze anos: (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de dois a quatro anos. (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos: (Redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005) (Revogado pela Lei n.º 12.015, de 2009)"
Assédio sexual (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei n.º 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.224, de 15 de 2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei n.º 10.224, de 15 de 2001)
§ 2.º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Legislação correlata:
- Vide: Trata-se de ação pública incondicionada.
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
- Vide: Art. 24, § 1.º, da Lei n.º 14.457/2022, que Institui o Programa Emprega + Mulheres; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 11.770, de 9 de setembro de 2008, 13.999, de 18 de maio de 2020, e 12.513, de 26 de outubro de 2011.
- Vide: Medida Provisória n. 1.140/2022 - Institui o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e distrital.
- Vide: Lei n. 14.450/2023 - Institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
- Vide: Art. 5.º da Lei n. 11.343/2006 (Lei Maria da Penha) - Violência sexual.
Notas:
- Classificado como crime próprio – exige qualidade especial do sujeito ativo.
- O sujeito passivo pode ser homem ou mulher, e até mesmo ser praticado por mulher contra mulher ou homem contra homem.
- Cabe concurso de pessoas. Ex: Chefe assedia funcionária para ter relação com terceiro.
- Pode haver concurso com o crime de estupro se houver rompimento do nexo temporal.
- Exige relação vertical de poder.
- Não pode ter havido violência ou grave ameaça, pois será estupro nestes casos.
- No delito de assédio sexual é irrelevante o sexo do sujeito passivo e sua orientação sexual, não se considerando a qualificadora de ser o agente ativo empregador da vítima ou pessoa que tenha autoridade administrativa sobre ela por ser o fato circunstância elementar no crime.
- Relação Professor vs. Aluno: Há uma corrente que diz que pode haver o crime se há contrato de trabalho (vínculo empregatício) do professor com a instituição. Palestrante, por exemplo, não se encaixa nessa corrente.
- Vide: Art. 232 do ECA sobre constrangimento do professor para com a criança.
Jurisprudência:
01) Assédio sexual - Relação professor-aluno - Superioridade hierárquica ou ascendência - Tipicidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.759.135-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 13/08/2019, DJe 01/10/2019 (Informativo n.º 658 do STJ - Sexta Turma)
Assédio sexual. Art. 216-A do Código Penal. Relação professor-aluno. Existência de superioridade hierárquica ou ascendência em razão do emprego, cargo ou função. Uso da profissão para obtenção de vantagem sexual. Conduta típica.
É possível a configuração do delito de assédio sexual na relação entre professor e aluno.
Inicialmente cumpre salientar que a maior parte da doutrina despreza a condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função na relação professor-aluno. Todavia, é irrazoável excluir a (nítida) relação de ascendência – elemento normativo do tipo – por parte do docente no caso de violação de um de seus deveres funcionais e morais, consistente em atribuir notas, reconhecer o mérito e aprovar o aluno não apenas pelo seu desempenho intelectual, mas por eventual barganha sexual. Ademais, é notório o propósito do legislador de punir aquele que se prevalece da condição de professor para obter vantagem de natureza sexual. Nenhuma outra profissão suscita tamanha reverência e vulnerabilidade quanto a que envolve a relação aluno-mestre, que alcança, por vezes, autoridade paternal – dentro de uma visão mais tradicional do ensino. O professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a "ascendência" constante do tipo penal do art. 216-A do Código Penal não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Assim, releva-se patente a aludida "ascendência", em virtude da "função" – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem o cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação.
CAPÍTULO I-A
DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL
(Incluído pela Lei n.º 13.772/2018)
Registro não autorizado da intimidade sexual
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei n.º 13.772/2018)
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 01 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 218-C do Código Penal - Compartilhamento de material com cena de estupro, sexo ou pornografia.
- Vide: Lei Maria da Penha:
"Art. 7.º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (NR pela Lei n.º 13.772/2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria."
CAPÍTULO II
DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Sedução
Art. 217 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Redação anterior:
"Art. 217 - Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a quatro anos. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)"
Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 1.º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 2.º (VETADO) (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 3.º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 4.º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 5.º As penas previstas no caput e nos §§ 1.º, 3.º e 4.º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei n.º 13.718/2018)
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
Notas:
- Vide: Súmula 593 do STJ - O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
- Vulnerável pela lei é menor de 14. É requisito objetivo. Trata-se de presunção absoluta. Mesmo se for uma menina com vários filhos, ela permanece vulnerável.
- A doutrina tem discutido fortemente a questão da vulnerabilidade em relação aos menores já iniciados sexualmente.
- Resistência: Por exemplo, quando a vítima acaba ingerindo alguma droga que lhe tire a capacidade de repelir a violência, em caso de vítima idosa ou que apresente outra condição especial que obste a autodefesa.
- Semi-inimputáveis não se enquadram na previsão do art. 217-A, § 1.º.
- Majorante do art. 9.º da LCH e Estupro: - Com a alteração trazida em 2009 pela Lei n.º 12.015, se o criminoso praticar o ato contra menor de 14 anos de idade incorrerá na previsão do art. 217-A, § 3.º, do CP. Este dispositivo legal prevê o crime de estupro de vulnerável, sem prejuízo do aumento de pena a que alude o art. 226, inc. II, do CP. Em vista da revogação expressa do art. 224 do CP, a majorante do art. 9.º da Lei 8.072/90 não poderá mais ter incidência. A alteração da Lei n. 8.072/90 (crimes hediondos) acarretou profundas mudanças na jurisprudência penal do STJ, que havia firmado o entendimento de que, em caso de estupro, o aumento de pena prevista no artigo 9º seria aplicável nas hipóteses de violência ou grave ameaça praticada contra menor de 14 anos ou incapaz. Mas a Lei n. 12.015/2009 revogou a majorante prevista no artigo 9º, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à edição da nova lei. Com base nesse novo quadro normativo, a Quinta Turma, seguindo o voto ministro Felix Fischer, rejeitou o recurso especial no qual o Ministério Público de Santa Catarina pedia o aumento da pena de um homem condenado por vários estupros, mediante a aplicação do artigo revogado. Depois de constatar que a vítima não era menor de 14 anos, situação que tem regra autônoma, a Turma determinou o retorno do processo ao tribunal de origem para que a pena seja aplicada nos termos da Lei n. 12.015/09, tendo em vista a necessidade de retroatividade da lei posterior, por ser mais benéfica ao réu.
- Sobre estupro e atentado violento ao pudor, vide notas ao art. 213 do CP.
01) Atentado violento ao pudor – Violência presumida – Lei anterior – Necessidade de alienação mental e conhecimento dessa circunstância:
ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. (Informativo n.º 441 do STJ – Sexta Turma)
A Turma denegou a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelo delito de atentado violento ao pudor com presunção de violência, porquanto cometido contra portador de doença mental. Segundo o Min. Relator, a condenação foi baseada no art. 224, b, do CP (redação anterior à Lei n. 12.015/2009), que exigia a conjugação de dois fatores para a caracterização da violência presumida, a saber: ser a vítima alienada ou débil mental e ter o agente conhecimento dessa circunstância.
In casu, a incapacidade de discernimento do adolescente foi comprovada por laudo médico que considerava a idade (paciente com 15 anos) e o desenvolvimento mental deficiente. O critério etário não foi considerado de maneira isolada, ao contrário do que alegavam os impetrantes, razão pela qual não há falar-se em nulidade do laudo médico e, consequentemente, do decisum, por ofensa ao art. 224, a, do CP.
STJ - HC 136.750-AC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 30/6/2010.
02) Princípio unitário – Impossibilidade de conjugação de Leis – Estupro de vulnerável – Tipo específico após a Lei 12.015/2009:
Conjugação de leis e descabimento (Informativo n.º 635 do STF – Primeira Turma)
Com base no princípio unitário, a 1ª Turma denegou habeas corpus em que se pleiteava a mescla da legislação nova com a antiga, nos trechos em que mais favoráveis ao paciente. Na espécie dos autos, ele fora condenado a 17 anos e 6 meses de reclusão e, em grau de recurso, o STJ concedera a ordem, de ofício, a fim de reduzir a pena para 13 anos e 4 meses de reclusão, nos termos dispostos pela Lei 12.015/2009 — que revogou o art. 9º da Lei 8.072/90 e criou o tipo específico de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A). Alegava-se que o acórdão questionado prejudicara o paciente, visto que a sentença condenatória estabelecera a pena-base em 6 anos e, pela nova regra, aplicada pelo STJ, esta fora fixada em 8 anos. Considerou-se, ademais, que não houvera qualquer decisão contrária aos interesses do paciente, porque reduzida a pena final, de 17 para 13 anos.
STJ - HC 104193/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 9.8.2011. (HC-104193)
03) Atentado violento ao pudor contra menor de 14 – Redação anterior a 2009 – Cabimento da aplicação do art. 9.º da LCH – Lei posterior mais benéfica que criou o art. 217-A – Aplicabilidade retroativa - Cabimento:
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR DE 14 ANOS. SUPERVENIÊNCIA DE LEI PENAL BENÉFICA. RETROATIVIDADE.
A Turma acolheu embargos de declaração com efeitos modificativos para fazer incidir a causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, uma vez que reconhecida a existência de violência real no delito de atentado violento ao pudor contra adolescente. Contudo, concedeu habeas corpus de ofício para determinar ao Juízo da Vara das Execuções Criminais que realize nova dosimetria da pena, observada a legislação posterior mais benéfica nos termos do disposto no art. 217-A do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009. Segundo o entendimento firmado no STJ, a aplicação da referida causa especial de aumento de pena estava autorizada somente quando configurada a violência real no cometimento dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 (quatorze) anos. Entretanto, com o advento da Lei n. 12.015/2009, tais delitos passaram a ser regulados por um novo tipo penal, sob a denominação de Estupro de Vulnerável, previsto no art. 217-A do CP. Nesse contexto, considerando-se a novel legislação mais favorável ao condenado, deve ser ela aplicada retroativamente, alcançando os fatos anteriores a sua vigência, inclusive os decididos definitivamente, nos termos do disposto no art. 2º, parágrafo único, do CP. Por fim, transitada em julgada a condenação, é da competência do Juízo da Execução a aplicação da norma mais benigna nos termos do art. 66, I, da LEP e verbete da Súm. n. 611-STF.
STJ - EDcl no HC 188.432-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgados em 15/12/2011.
04) Atos libidinosos contra vulnerável, diversos de conjunção carnal – Impossibilidade de o juiz aplicar forma tentada por força da proporcionalidade:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECONHECIMENTO DO DELITO NA FORMA TENTADA PELO EG. TRIBUNAL A QUO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. RECONHECIMENTO DA FORMA CONSUMADA. PRECEDENTES. REVALORAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS DELINEADO NOS AUTOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7/STJ.I - O a to libidinoso, atualmente descrito nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, não é só o coito anal ou o sexo oral, mas podem ser caracterizados mediante toques, beijo lascivo, contatos voluptuosos, contemplação lasciva, dentre outros. Isto porque, o legislador, com a alteração trazida pela Lei n. 12.015/2009, optou por consagrar que no delito de estupro a pratica de conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não havendo rol taxativo ou exemplificativo acerca de quais atos seria considerados libidinosos.II - A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido, quando suficientes para a solução da quaestio, não implica o vedado reexame do material de conhecimento. Os elementos probatórios delineados no v. acórdão increpado são suficientes à análise do pedido, exigindo, tão somente, a revaloração da situação descrita, o que, ao contrário, admite-se na via extraordinária.III - Na hipótese, examinadas as provas delineadas no v. acórdão recorrido e, atribuindo-lhe a devida importância, está comprovada a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra a menor, evidenciando a configuração do crime de estupro de vulnerável na forma consumada.Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp n. 1.995.795/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022.)
DIREITO PENAL. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL CONTRA VULNERÁVEL.
Na hipótese em que tenha havido a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável, não é possível ao magistrado – sob o fundamento de aplicação do princípio da proporcionalidade – desclassificar o delito para a forma tentada em razão de eventual menor gravidade da conduta. De fato, conforme o art. 217-A do CP, a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra vulnerável constitui a consumação do delito de estupro de vulnerável. Entende o STJ ser inadmissível que o julgador, de forma manifestamente contrária à lei e utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reconheça a forma tentada do delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta (REsp 1.313.369-RS, Sexta Turma, DJe 5/8/2013). Nesse contexto, o magistrado, ao aplicar a pena, deve sopesar os fatos ante os limites mínimo e máximo da reprimenda penal abstratamente prevista, o que já é suficiente para garantir que a pena aplicada seja proporcional à gravidade concreta do comportamento do criminoso.
STJ - REsp 1.353.575-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2013.
05) Estupro - Vulnerabilidade da vítima - Menor de 14 anos - Presunção absoluta:
DIREITO PENAL - HC 371.633-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Quinta Turma)
Art. 218-B do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Tipicidade. Enquadramento dos adolescentes no conceito de relativamente vulneráveis.
No artigo 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.
Diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência, o que usualmente ocorre mediante a comprovação de que se entrega à prostituição devido às suas más condições financeiras. A doutrina assevera que "a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica", motivo pelo qual "a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável". Assim, não há falar em atipicidade da conduta sob o argumento de que o adolescente teria consentido com a prática dos atos libidinosos, quando o agente se aproveita da situação de miserabilidade do ofendido, atraindo-o a se prostituir.
06) Beijo lascivo em criança - Estupro de vulnerável configurado (Art. 217-A do CP) - Ato libidinoso - Inviável desclassificação:
Notícias do STF - Publicada em 01/10/2019:
1ª Turma mantém condenação de adulto por beijo lascivo em criança de cinco anos
Para a maioria dos ministros, a conduta se caracteriza como crime de estupro de vulnerável e não pode ser desqualificada para a contravenção penal de molestamento. Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Habeas Corpus (HC) 134591 e manteve a condenação de um adulto em razão de um beijo lascivo dado em uma criança de cinco anos de idade. O HC foi impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao analisar habeas com as mesmas alegações, também havia mantido a condenação. O réu foi condenado pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Igarapava (SP) a oito anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, por estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal). Em exame de apelação penal, o Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) desqualificou o ato para a contravenção penal de molestamento (artigo 65 da Lei de Contravenções Penais) e impôs ainda pena de multa. O Ministério Público interpôs recurso e o relator no STJ deu provimento para restabelecer a condenação proferida em primeira instância.
Pena desproporcional
No habeas corpus impetrado no STF, a defesa afirmava que a pena é desproporcional à conduta, pois o ato praticado foi um único beijo em lugar próximo a outras pessoas. De acordo com a defesa, embora a conduta do réu seja “condenável e reprovável”, não teria havido conotação sexual no beijo ou danos psicológicos permanentes à vítima. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela manutenção da condenação em primeira instância. De acordo com o parecer, a conduta de beijar uma criança de cinco anos na boca se qualifica como ato libidinoso, o que configura estupro de vulnerável. Não seria viável, assim desqualificar o ato para uma simples contravenção penal.
Pedofilia
Em voto proferido na sessão de 18/12/2018, o ministro Alexandre de Moraes afastou a ocorrência de ilegalidade ou de constrangimento ilegal na decisão do STJ que manteve a condenação e observou que houve um ato clássico de pedofilia. Segundo ele, o fato definido como crime na lei (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos) existiu, e não é possível desclassificar a conduta para molestamento. “Não houve conjunção carnal, mas houve abuso de confiança para um ato sexual”, afirmou. O ministro destacou que a conotação sexual, para determinadas faixas etárias, é uma questão de abuso de poder e de confiança, pois, embora uma criança de cinco anos não entenda a questão sexual, os reflexos serão sentidos na adolescência, dificultando que tenham confiança em outras pessoas no momento de se relacionar. O julgamento foi retomado na sessão desta terça-feira (1º) com o voto-vista do ministro Luiz Fux pela manutenção da sentença de primeiro grau, por entender que o ato configura o delito de estupro de vulnerável. A ministra Rosa Weber votou no mesmo sentido.
Beijo lascivo
Na sessão de dezembro, o relator do HC, ministro Marco Aurélio, votou pela manutenção da decisão do TJ-SP, pois considera que o chamado beijo lascivo não configura estupro. O ministro observou que, anteriormente, havia dois tipos penais – estupro e atentado violento ao pudor – com penas diversas. Mas, que com a alteração no Código Penal introduzida pela Lei 12.015/2009, as duas condutas foram reunidas no conceito mais abrangente de estupro de vulnerável, estipulando pena de 8 a 15 anos de reclusão para o delito de constranger menor de 14 anos a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso diverso. Segundo ele, a conduta do réu restringiu-se à consumação de beijo lascivo, o que não se equipara à penetração ou ao contato direto com a genitália da vítima, situações em que o constrangimento é maior e a submissão à vontade do agressor é total. O ministro Luís Roberto Barroso também considerou a pena excessiva e votou pela concessão do HC para desclassificar a conduta e determinar que o juízo de primeira instância emita nova sentença com base no artigo 215-A do CP (praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro), cuja pena varia de um a cinco anos de reclusão.
Processo relacionado: HC 134591
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=425115&tip=UN)
Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo:
Pena - reclusão, de um a quatro anos."
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 244-B do ECA. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Ac. pela Lei n.º 12.015/2009)
§ 1.º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. (Ac. pela Lei n.º 12.015/2009)
§ 2.º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1.º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990. (Ac. pela Lei n.º 12.015/2009)"
- Vide: Art. 40, VI, da Lei n.º 11.343/2006 (Lei de Drogas)
"Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), se: (...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;"
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
Notas:
- Neste delito o agente corrompe o menor de idade para satisfazer uma terceira pessoa. Se o criminoso corrompe dois menores, há dois delitos em concurso formal.
- A regra representa uma exceção pluralista à teoria monista utilizada no art. 29 do CP. É uma conduta apenas de partícipe, o que é exceção no CP.
- Se o agente corrompe dois menores, por exemplo, há concurso formal de crimes (vide comentários ao art. 244-B do ECA).
- A presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos, neste artigo, é absoluta (vide aresto abaixo).
Jurisprudência:
01) Corrupção de menores – Abolitio criminis – Crime anterior à alteração de 2009 – Novatio legis in mellius - Praticar ato sexual com pessoa entre 14 e 18 anos (sem ligação com exploração sexual ou prostituição) – Atipicidade reconhecida:
Notícias do STJ - DECISÃO – STJ – 1218392 (29.06.2012)
Mudanças na lei favorecem réu condenado por corrupção de menor
As alterações trazidas pela Lei 12.015/09, que redefiniu o crime de corrupção de menores, previsto no artigo 218 do Código Penal (CP) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), levaram à extinção de punibilidade de réu acusado de manter relações sexuais com uma menor de idade. A decisão foi dada de forma unânime pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e acompanhou o voto da relatora, ministra Laurita Vaz.
Em 2002, o réu era professor de uma adolescente de 14 anos e manteve relações sexuais com ela, valendo-se de sua condição de preceptor. Por essa razão, foi condenado à pena de dois anos e seis meses pelo crime previsto na redação original do artigo 218, combinado com o artigo 226, inciso II, do Código Penal. No recurso ao STJ, a defesa afirmou que a conduta do acusado se amoldava à redação original do artigo 218: manter ato de libidinagem com a vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos. Entretanto, a nova redação dada pela Lei 12.015 não mais considera o fato como criminoso.
Lacuna legislativa
Para a ministra Laurita Vaz, a nova legislação mais benéfica deve ser aplicada retroativamente. Ela observou, em seu voto, que a lei 12.015 alterou o delito de corrupção de menores previsto na Lei 8.069/90 e revogou, expressamente, a Lei 2.252/54, que tratava do mesmo tema. Esclareceu, ainda, que a conduta também não encontra adequação no artigo 244-B do ECA, já que este tem como principal objetivo evitar a entrada dos menores no mundo da criminalidade.
A relatora entendeu haver uma “lacuna legislativa” na tutela da dignidade sexual de menores, pois não há legislação específica para o ato sexual com maior de 14 e menor de 18 anos, não inserido em contexto de favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual.
A ministra destacou que, seguindo o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, é obrigatório concluir que houve abolitio criminis (quando lei posterior descriminaliza uma conduta), tendo em vista que o sujeito passivo do crime de corrupção de menores deve ser menor de 14 anos, sendo certo que a conduta narrada na denúncia não se encontra prevista em nenhuma outra norma incriminadora. Desse modo, ela determinou a cassação da sentença condenatória e reconheceu a extinção da punibilidade.
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 218 DO CÓDIGO PENAL. CONDUTA PRATICADA ANTERIORMENTE À ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI N.º 12.015/09. VÍTIMA MAIOR DE 14 (QUATORZE) E MENOR DE 18 (DEZOITO) ANOS. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. ARTS. 2.º E 107, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO COMO CRIMINOSO. RECURSO PROVIDO.
1. A Lei n.º 12.015, de 07 de agosto de 2009, alterou, em profundidade, os crimes de corrupção de menores, previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela ainda revogou, expressamente, a Lei n.º 2.252/1954, que também tratava desse instituto.
2. O art. 218 do Código Penal visa evitar a mácula sexual daqueles em processo de desenvolvimento, definindo corrupção de menores como a conduta de "[i]nduzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem".
3. O art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, tem o escopo de proteger a formação moral, punindo quem "corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la", para evitar sua incursão no mundo da criminalidade.
4. Nesse contexto, verifica-se uma lacuna legislativa, em consonância com a nova sistemática para a delicada questão da tutela da dignidade sexual dos menores, no caso da prática consentida de conjunção carnal ou ato de libidinagem com adolescente maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, que não esteja inserido em um contexto de favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual, como é o caso dos autos.
5. Recurso provido para absolver o Réu, com fundamento nos arts.
2.º e 107, inciso III, do Código Penal.
(STJ - REsp 1218392/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 28/05/2012)
02) Corrupção de menores - Vulnerabilidade da vítima - Menor de 14 anos - Presunção absoluta:
DIREITO PENAL - HC 371.633-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Quinta Turma)
Art. 218-B do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Tipicidade. Enquadramento dos adolescentes no conceito de relativamente vulneráveis.
No artigo 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.
Diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência, o que usualmente ocorre mediante a comprovação de que se entrega à prostituição devido às suas más condições financeiras. A doutrina assevera que "a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica", motivo pelo qual "a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável". Assim, não há falar em atipicidade da conduta sob o argumento de que o adolescente teria consentido com a prática dos atos libidinosos, quando o agente se aproveita da situação de miserabilidade do ofendido, atraindo-o a se prostituir.
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
Notas:
- O delito pode ocorrer quando, por exemplo, a criança ou adolescente assiste imagem captada por uma câmera; não é necessário que ela esteja junto no local do ato.
- Exige-se a presença da vítima.
- O sujeito ativo deve estar junto com a vítima.
- Tentativa: Prevalece que é possível a tentativa quando a criança e adolescente se aproxima do local mas é impedido de assistir por um terceiro.
- A presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos, neste artigo, é absoluta. (Vide aresto abaixo).
Jurisprudência:
01) Corrupção de menores - Vulnerabilidade da vítima - Menor de 14 anos - Presunção absoluta:
DIREITO PENAL - HC 371.633-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Quinta Turma)
Art. 218-B do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Tipicidade. Enquadramento dos adolescentes no conceito de relativamente vulneráveis.
No artigo 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.
Diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência, o que usualmente ocorre mediante a comprovação de que se entrega à prostituição devido às suas más condições financeiras. A doutrina assevera que "a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica", motivo pelo qual "a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável". Assim, não há falar em atipicidade da conduta sob o argumento de que o adolescente teria consentido com a prática dos atos libidinosos, quando o agente se aproveita da situação de miserabilidade do ofendido, atraindo-o a se prostituir.
Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. (Redação dada pela Lei nº 12.978, de 2014)
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 1.º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 2.º Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 3.º Na hipótese do inciso II do § 2.º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Legislação correlata:
- Vide:
"Art. 225 do CP. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada."
- Vide a Lei dos Crimes Hediondos:
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...) VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1.º e 2.º). (Incluído pela Lei nº 12.978, de 2014)
Notas:
- O art. 218-B do CP revogou o 244-A do ECA.
- Tentativa: Entende-se que não cabe o reconhecimento do crime na modalidade tentada, pois ou induz (o que já consuma) ou efetivamente submete.
- O crime é formal, independentemente da vítima já estar corrompida. É como nos crimes do ECA.
- Trata-se de crime hediondo.
- A presunção de vulnerabilidade da vítima, no caput, é relativa. (Vide aresto abaixo).
- A conduta descrita no art. 218-B, § 2.º, inc. I, não exige habitualidade. Já o caput do dispositivo legal em questão demanda demonstração da habitualidade para sua configuração. (Vide aresto abaixo).
Jurisprudência:
01) Favorecimento da prostituição/exploração sexual - Conjunção carnal/ato libidinoso - Vítima menor de idade (§ 2.º) - Desnecessário demonstrar a habitualidade da conduta, como ocorre em relação ao caput:
DIREITO PENAL - HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Quinta Turma)
Art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. Agente que pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Habitualidade. Desnecessária.
O crime previsto no inciso I do § 2.º do artigo 218-B do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente.
Da leitura do Art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, verifica-se que são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1.º). Sobre o tipo, diferentemente do caput do artigo 218-B da Lei Penal que reclama a habitualidade para a sua configuração, a figura do inciso I do § 2º da aludida norma incriminadora, cuja caracterização independe da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. Sobre o assunto, Cleber Masson a doutrina leciona que "nos núcleos 'submeter', 'induzir', 'atrair' e 'facilitar', a consumação se dá no momento em que a vítima passa a se dedicar com habitualidade ao exercício da prostituição ou de outra forma de exploração sexual, ainda que não venha a atender pessoa interessada em seus serviços", ao passo que o tipo do inciso I do § 2.º do artigo 218-B do Código Penal "não reclama a habitualidade no relacionamento sexual entre o agente e a pessoa menor de 18 e maior de 14 anos".
02) Favorecimento da prostituição/exploração sexual - Vulnerabilidade - Necessidade de apuração - Imaturidade e má situação financeira da vítima - Tipicidade:
DIREITO PENAL - HC 371.633-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019 (Informativo n.º 645 do STJ – Quinta Turma)
Art. 218-B do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Tipicidade. Enquadramento dos adolescentes no conceito de relativamente vulneráveis.
No artigo 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.
Diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência, o que usualmente ocorre mediante a comprovação de que se entrega à prostituição devido às suas más condições financeiras. A doutrina assevera que "a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica", motivo pelo qual "a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável". Assim, não há falar em atipicidade da conduta sob o argumento de que o adolescente teria consentido com a prática dos atos libidinosos, quando o agente se aproveita da situação de miserabilidade do ofendido, atraindo-o a se prostituir.
Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei n.º 13.718/2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena
§ 1.º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
Exclusão de ilicitude
§ 2.º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.
CAPÍTULO III
DO RAPTO
Rapto violento ou mediante fraude
Art. 219 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Redação anterior:
"Art. 219 - Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a quatro anos. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Rapto consensual (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)"
Rapto consensual
Art. 220 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Redação anterior:
"Art. 220 - Se a raptada é maior de catorze anos e menor de vinte e um, e o rapto se dá com seu consentimento: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - detenção, de um a três anos. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)"
Diminuição de pena
Art. 221 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Redação anterior:
"Art. 221 - É diminuída de um terço a pena, se o rapto é para fim de casamento, e de metade, se o agente, sem ter praticado com a vítima qualquer ato libidinoso, a restitue à liberdade ou a coloca em lugar seguro, à disposição da família. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)"
Concurso de rapto e outro crime
Art. 222 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Redação anterior:
"Art. 222 - Se o agente, ao efetuar o rapto, ou em seguida a este, pratica outro crime contra a raptada, aplicam-se cumulativamente a pena correspondente ao rapto e a cominada ao outro crime. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)"
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 223 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Formas qualificadas (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de quatro a doze anos. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de oito a doze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único - Se do fato resulta a morte: (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de oito a vinte anos. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)"
Art. 224 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Redação anterior:
"Presunção de violência (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
a) não é maior de catorze anos; (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)"
Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. (NR pela Lei n.º 13.718/2018)
Parágrafo único. (Revogado) (NR pela Lei n.º 13.718/2018)
Redação Anterior:
"Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único - Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)"
"Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.
§ 1.º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
§ 2.º - No caso do n.º I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação."
Notas:
- Vide: Súmula 608 do STF - No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.
- A súmula ainda é aplicável após as alterações legais de 2009. Se for lesão leve também se entende que é incondicionada a ação penal, conforme o referido enunciado.
Jurisprudência:
01) Estupro com resultado lesão grave ou morte deve ser por ação pública incondicionada:
PGR questiona ação penal pública condicionada para estupro seguido de morte:
Notícias do STF: Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009
A Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4301) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nova redação do artigo 225 do Código Penal. O dispositivo prevê que, nos crimes de estupro que resultem em ‘lesão corporal grave ou morte’, o Ministério Público (MP) deve proceder mediante ação penal pública condicionada à representação.
De acordo com a PGR, a Lei 12.015/2009, que alterou o Código, promoveu a fusão dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, sob o nome jurídico de estupro. Mas, diferente do que acontecia anteriormente, quando nos casos que levassem a lesões graves ou mesmo à morte, a ação pública era incondicionada. Agora o Ministério Público só poderá agir se houver representação da vítima ou de seu representante legal.
A ADI ressalta que em todos os demais crimes definidos na legislação penal que acarretem lesão grave ou morte, a ação penal é sempre pública incondicionada. A alteração do artigo 225 do Código fere, dessa forma, o princípio da razoabilidade. Ainda segundo a PGR, criar esse empecilho à persecução penal nos crimes de estupro qualificado por lesão corporal ou morte ofende o princípio da proporcionalidade.
A PGR pede a concessão de liminar para suspender a vigência do dispositivo, até que o STF julgue em definitivo em questão, derrubando a parte da cabeça do artigo 225 do Código Penal, restaurando, para os crimes de estupro com lesão grave ou morte, a regra geral que possibilita a ação penal incondicionada.
A ação será relatada pelo ministro Joaquim Barbosa.
Processo: ADI 4301
02) Estupro de vulnerável - Vítima embriagada - Crime cometido sob à égide do art. 225 do CP, com redação dada pela Lei nº 12.015/2009 - Ação pública condicionada à representação:
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - REsp 1.814.770-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 01/07/2020 (Informativo n.º 675 do STJ - Sexta Turma)
Estupro de vulnerável. Vítima embriagada incapaz de oferecer resistência. Vulnerabilidade temporária. Ação penal pública condicionada à representação. Art. 225 do Código Penal. Redação dada pela Lei n. 12.015/2009.
No crime sexual cometido durante vulnerabilidade temporária da vítima, sob a égide do art. 225 do Código Penal com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009, a ação penal pública é condicionada à representação.
Cinge-se a controvérsia acerca da natureza da ação penal pública pelo delito de estupro de vítima em estado de temporária vulnerabilidade, em que a vítima recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal do ofensor, no caso, embriaguez, cometido sob a égide da redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015/2009. Verifica-se que a Quinta Turma alberga a posição segundo a qual a vulnerabilidade, ainda que temporária, transforma a ação penal pelo crime de estupro em pública incondicionada. Na Sexta Turma, de outro lado, tem-se o julgado do HC 276.510/RJ, em que se decidiu que a ação, nos casos de estupro de vítima em vulnerabilidade temporária é pública condicionada à representação. Como se pode observar, o tema é controverso, mas a superação do estado de vulnerabilidade é uma alteração na realidade fática que não pode ser ignorada no plano jurídico. Ainda que a lei não tenha feito, de forma expressa, a distinção, nada impede que o intérprete constate a ocorrência de situações distintas, que não podem ser tratadas de forma igual, sob pena de violação à isonomia, em seu aspecto material. A vulnerabilidade, como condição excepcional que é, geradora de situação desfavorável aos réus, tem de ser interpretada de forma restrita, em observância aos princípios da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência. Assim, uma vez cessada a vulnerabilidade, a ação penal pelos crimes sexuais deve continuar sendo pública condicionada à representação. Isso porque a ofendida, ao se recuperar do seu estado de embriaguez, tem restabelecidas todas as condições e recupera o discernimento necessário para tomar a decisão acerca da persecução penal ou não do agente causador do delito sexual.
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela; (NR pela Lei n.º 13.718/2018)
III - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: (Incluído pela Lei n.º 13.718/2018)
Estupro coletivo
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;
Estupro corretivo
b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.
Redação anterior:
"II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)"
Jurisprudência:
01) União Estável com a genitora da Vítima – Equivalência à figura do Padrasto – Incidência da Causa de Aumento de Pena:
UNIÃO ESTÁVEL. ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. (Informativo n.º 429 do STJ – Quinta Turma)
A hipótese é de atentado violento ao pudor com violência presumida (perpetrado em desfavor de menor).
Apesar de o agente não ser casado com a mãe da menor, com ela manteve incontroversa e duradoura união estável, figurando, de fato, como padrasto no âmbito familiar. Dessa forma, incide a causa especial de aumento de pena prevista no art. 226, II, do CP, que, mesmo antes da Lei n. 11.106/2005, incidia quando comprovada a relação de autoridade (por qualquer motivo) entre o réu e a vítima.
Precedentes citados: REsp 821.877-RS, DJ 4/12/2006; HC 31.977-RS, DJe 26/5/2008, e HC 11.888-DF, DJ 18/9/2000.
STJ - REsp 1.060.166-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 6/4/2010.
CAPÍTULO V
DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA
FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
(Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Mediação para servir a lascívia de outrem
Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1.º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2.º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3.º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 1.º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 2.º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3.º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Casa de prostituição
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Notas:
- Exige-se, para configuração do delito, que haja exploração sexual (elemento normativo do tipo). Se a pessoa não está no local sob coação, violência, obrigada, em más condições ou com liberdade restrita, por exemplo, não há falar em tipicidade da conduta.
- O bem jurídico tutelado pela norma penal é a dignidade sexual, e não a moral pública.
Jurisprudência:
01) Manter estabelecimento de prostituição – Tipicidade da conduta não pode ser afastada pelo julgador:
Art. 229 do CP e princípio da adequação social (Informativo n.º 615 do STF – Primeira Turma)
Não compete ao órgão julgador descriminalizar conduta tipificada formal e materialmente pela legislação penal. Com esse entendimento, a 1ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenados pela prática do crime descrito na antiga redação do art. 229 do CP [“Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”]. A defesa sustentava que, de acordo com os princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta perpetrada seria materialmente atípica, visto que, conforme alegado, o caráter criminoso do fato estaria superado, por força dos costumes. Aduziu-se, inicialmente, que os bens jurídicos protegidos pela norma em questão seriam relevantes, razão pela qual imprescindível a tutela penal. Ademais, destacou-se que a alteração legislativa promovida pela Lei 12.015/2009 teria mantido a tipicidade da conduta imputada aos pacientes. Por fim, afirmou-se que caberia somente ao legislador o papel de revogar ou modificar a lei penal em vigor, de modo que inaplicável o princípio da adequação social ao caso.
STF - HC 104467/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 8.2.2011. (HC-104467)
02) Casa de prostituição - Exploração sexual - Ausência - Atipicidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.683.375-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 29/08/2018 (Informativo n.º 631 do STJ – Sexta Turma)
Casa de prostituição. Tipicidade. Art. 229 do Código Penal. Exploração sexual. Elemento normativo do tipo. Violação à dignidade sexual e tolhimento à liberdade. Inexistência. Fato atípico.
O estabelecimento que não se volta exclusivamente à prática de mercancia sexual, tampouco envolve menores de idade ou do qual se comprove retirada de proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não dá origem a fato típico a ser punido na seara penal.
A questão de direito delimitada na controvérsia trata da interpretação dada ao artigo 229 do Código Penal. Registre-se que, mesmo após a alteração legislativa introduzida pela Lei n. 12.015/2009, a conduta consistente em manter Casa de Prostituição segue sendo crime. Todavia, com a novel legislação, passou-se a exigir a "exploração sexual" como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Dessa forma, crime é manter pessoa em condição de explorada, obrigada, coagida, não raro em más condições, ou mesmo em condição análoga à de escravidão, impondo-lhe a prática de sexo sem liberdade de escolha, ou seja, com tolhimento de sua liberdade sexual e em violação de sua dignidade sexual. Nesse sentido, o bem jurídico tutelado não é a moral pública mas sim a dignidade sexual como, aliás, o é em todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do Código Penal, dentre os quais, o do artigo 229. E o sujeito passivo do delito não é a sociedade mas sim a pessoa explorada, vítima da exploração sexual. Assim, se não se trata de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco há notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o recorrido tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal.
Rufianismo
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1.º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
§ 2.º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 231. (Revogado pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)
Art. 231-A. (Revogado pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)
Art. 232 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Promoção de migração ilegal
Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro: (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
§ 1.º Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro. (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
§ 2.º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se: (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
I - o crime é cometido com violência; ou (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
II - a vítima é submetida a condição desumana ou degradante. (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
§ 3.º A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas. (Incluído pela Lei n.º 13.445, de 2017) Vigência
CAPÍTULO VI
DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR
Ato obsceno
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Escrito ou objeto obsceno
Art. 234 - Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II - realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III - realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS
(Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Aumento de pena (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada: (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
I – (VETADO); (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
III - de 1/2 (metade) a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez; (NR pela Lei n.º 1.718/2018)
IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência. (NR pela Lei n.º 1.718/2018)
Redação anterior:
"III - de metade, se do crime resultar gravidez; e (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)"
"IV - de 1/6 (um sexto) até a 1/2 (metade), se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)"
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 234-C. (VETADO). (Incluído pela Lei n.º 12.015, de 2009)
TÍTULO VII
DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA O CASAMENTO
Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1.º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2.º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.
Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento
Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.
Conhecimento prévio de impedimento
Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Simulação de autoridade para celebração de casamento
Art. 238 - Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento:
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Simulação de casamento
Art. 239 - Simular casamento mediante engano de outra pessoa:
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
Adultério
Art. 240 - (Revogado pela Lei n.º 11.106, de 2005)
CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO
Registro de nascimento inexistente
Art. 241 - Promover no registro civil a inscrição de nascimento inexistente:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei n.º 6.898, de 1981)
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei n.º 6.898, de 1981)
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: (Redação dada pela Lei n.º 6.898, de 1981)
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. (Redação dada pela Lei n.º 6.898, de 1981)
Sonegação de estado de filiação
Art. 243 - Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR
Abandono material
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei n.º 5.478, de 1968)
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei n.º 5.478, de 1968)
Jurisprudência:
01) Abandono material – Não pagamento de pensão – Tipicidade que depende de o réu ter condições de pagar – Elementar essencial à denúncia:
PENSÃO ALIMENTÍCIA. INADIMPLÊNCIA. ART. 244 DO CP. (Informativo n.º 481 do STJ – Sexta Turma)
In casu, o paciente foi denunciado sob a acusação de deixar de prover a subsistência de seus dois filhos menores sem justa causa, faltando ao pagamento de pensão alimentícia acordada judicialmente.
Assim, no habeas corpus, discute-se o enquadramento de tal fato ao disposto no art. 244 do CP.
Segundo a Min. Relatora, a caracterização do tipo penal exige que se demonstre que a conduta de não pagar a pensão alimentícia foi realizada por alguém que, podendo implementá-la, não o faz sem uma justificativa, o que não foi demonstrado na incoativa, que se limita a afirmar que a omissão do ora paciente foi "sem justa causa".
Ressaltou que esse elemento não está no tipo penal apenas como adorno, mas, como o próprio nome indica, é uma parte essencial e a acusação dele deve se ocupar, demonstrando, em cada caso concreto, a razão do não pagamento da pensão, ou seja, se, pelos fatos ocorridos, há motivos justos para o alimentante deixar de solver as prestações, o que não ocorreu na hipótese.
Registrou, ademais, que, se assim não fosse, estar-se-ia igualando os ilícitos penal e civil, pois não haveria mais diferença entre eles, bastando que o alimentante falte ao seu dever para cometer um crime, o que não é possível, não é esse o espírito da lei penal.
Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem para trancar a ação penal, seja pela ausência de justa causa para a acusação, diante da atipicidade da conduta, seja pela inépcia da denúncia, visto que não suficientemente descritos os fatos.
STJ - HC 141.069-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2011.
Entrega de filho menor a pessoa inidônea
Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo: (Redação dada pela Lei n.º 7.251, de 1984)
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei n.º 7.251, de 1984)
§ 1.º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior. (Incluído pela Lei n.º 7.251, de 1984)
§ 2.º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro. (Incluído pela Lei n.º 7.251, de 1984)
Nota:
- Vide o art. 238 do ECA, por ser lei especial em relação à matéria.
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Art. 247 - Permitir alguém que menor de 18 (dezoito) anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância:
I - freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;
II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza;
III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;
IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
CAPÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA CURATELA
Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes
Art. 248 - Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de dezoito anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Subtração de incapazes
Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.
§ 1.º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2.º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.
TÍTULO VIII
DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
CAPÍTULO I
DOS CRIMES DE PERIGO COMUM
Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de 03 (três) a seis 06 (anos), e multa.
Aumento de pena
§ 1.º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2.º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
Jurisprudência:
01) Crime de incêndio - Prova - Laudo de seguradora pode ser utilizado para atestar a materialidade do delito - Elemento que não se confunde com prova pericial - Licitude - Desaparecimento de vestígios por desídia do acusado em comunicar o fato:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA (Informativo n.º 967 do STF - Primeira Turma)
Crime de incêndio e fonte de prova -
A Primeira Turma indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito descrito no art. 250, § 1º, I, do Código Penal (CP) (1) (causar incêndio com o intuito de obter vantagem pecuniária).
A sentença condenatória registrou que a inércia do paciente em comunicar, oportunamente, a ocorrência à autoridade policial inviabilizou a confecção da perícia pelo Instituto de Criminalística, ante o desaparecimento dos vestígios da infração. De acordo com a defesa, o título condenatório seria ilegal, pois fundado em prova inidônea. Nesse sentido, o laudo elaborado por seguradora (vítima) não poderia ter sido utilizado como fonte probatória, mas apenas o exame de corpo de delito. Além disso, a suposta desídia do paciente em comunicar a ocorrência à autoridade policial não teria valor probatório. O colegiado afirmou que o laudo elaborado de forma unilateral não constitui prova pericial, mas documental, razão pela qual a validade como elemento de convicção não se submete à observância dos requisitos previstos nos arts. 158 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP). Assim, o laudo produzido pela empresa seguradora vítima, por não se qualificar como perícia, não consubstancia prova ilícita, surgindo passível de ser valorado pelo Juízo. A materialidade do delito versado no art. 250, § 1º, I, do CP, cuja prática deixa vestígios, há de ser comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito. Nos termos do art. 167 do CPP (2), constatado o desaparecimento dos vestígios, mostra-se viável suprir a realização de exame por outros meios de prova. O paciente, orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias. A não elaboração de perícia oficial deu-se ante o desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local, tendo sido a materialidade do delito revelada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e exame pericial. Levando em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por outros meios de prova, a incidência do previsto no art. 167 do CPP mostrou-se adequada. Também improcede a alegação de ter sido atribuído valor probatório à omissão do paciente em proceder, oportunamente, ao registro da ocorrência. O fato de a impossibilidade da realização do exame de prova pericial decorrer da inércia não significa haver-se apenado o comportamento omissivo. A inexistência de obrigação legal de o paciente, em momento oportuno, comunicar a ocorrência à autoridade policial não implica a inadmissibilidade processual de outros meios de prova que, produzidos legitimamente, revelem a materialidade e a autoria do crime imputado.
(1) CP/1940: “Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º — As penas aumentam-se de um terço: I — se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;”
(2) CPP/1941: “Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
STF - HC 136964/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-136964)
Explosão
Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1.º - Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 2.º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1.º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no n.º II do mesmo parágrafo.
Modalidade culposa
§ 3.º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos; nos demais casos, é de detenção, de três meses a um ano.
Uso de gás tóxico ou asfixiante
Art. 252 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Modalidade Culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante
Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Inundação
Art. 254 - Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de seis meses a dois anos, no caso de culpa.
Perigo de inundação
Art. 255 - Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Desabamento ou desmoronamento
Art. 256 - Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano.
Jurisprudência:
01) Desabamento - Modalidade culposa - Ausência de nexo causal - Atipicidade - Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 256, P. ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES. MÉTODO DE ELIMINAÇÃO HIPOTÉTICO. CAUSALIDADE PSÍQUICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO. NEXO MATERIAL OU JURÍDICO NÃO EVIDENCIADO. OMISSÃO IMPRÓPRIA DESCARACTERIZADA. RECURSO PROVIDO.
1. O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando se demonstrada, inequivocamente, a ausência de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a exordial acusatória.
2. No Brasil, a relação de causalidade é decifrada pela conjugação entre a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (art. 13 do CP), o método de eliminação hipotético e o filtro de causalidade psíquica (imputatio delicti). Em apertada síntese, uma ação poderá ser considerada causa do evento danoso se, suprimida mentalmente do contexto fático, o resultado teria deixado de ocorrer tal como ocorreu. Ainda, de forma a evitar o regresso ao infinito, deve-se sempre perscrutar o elemento subjetivo (dolo ou culpa) que anima a conduta do agente.
3. Na hipótese, não se vislumbra dos termos da inicial incoativa a demonstração de nexo material, jurídico ou de evitação entre conduta exercida por representante legal de sociedade empresaria contratante de empreitada e o desabamento ocorrido em obra sob a supervisão de construtora contratada, que resultou na morte de um de seus funcionários.
4. Recurso provido a fim de trancar a ação penal em relação ao recorrente.
(STJ - RHC 80.142/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 04/04/2017)
Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento
Art. 257 - Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou dificultar serviço de tal natureza:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa.
Formas qualificadas de crime de perigo comum
Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
Legislação correlata
- Vide: Art. 285 do Código Penal - Aplicação da qualificadora.
Difusão de doença ou praga
Art. 259 - Difundir doença ou praga que possa causar dano a floresta, plantação ou animais de utilidade econômica:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - No caso de culpa, a pena é de detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E TRANSPORTE E
OUTROS SERVIÇOS PÚBLICOS
Perigo de desastre ferroviário
Art. 260 - Impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro:
I - destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, linha férrea, material rodante ou de tração, obra-de-arte ou instalação;
II - colocando obstáculo na linha;
III - transmitindo falso aviso acerca do movimento dos veículos ou interrompendo ou embaraçando o funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia;
IV - praticando outro ato de que possa resultar desastre:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Desastre ferroviário
§ 1.º - Se do fato resulta desastre:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos e multa.
§ 2.º - No caso de culpa, ocorrendo desastre:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 3.º - Para os efeitos deste artigo, entende-se por estrada de ferro qualquer via de comunicação em que circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou por meio de cabo aéreo.
Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo
§ 1.º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Prática do crime com o fim de lucro
§ 2.º - Aplica-se, também, a pena de multa, se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem econômica, para si ou para outrem.
Modalidade culposa
§ 3.º - No caso de culpa, se ocorre o sinistro:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Atentado contra a segurança de outro meio de transporte
Art. 262 - Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:
Pena - detenção, de um a dois anos.
§ 1.º - Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2.º - No caso de culpa, se ocorre desastre:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Forma qualificada
Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258.
Arremesso de projétil
Art. 264 - Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos; se resulta morte, a pena é a do art. 121, § 3.º, aumentada de um terço.
Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública
Art. 265 - Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único - Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços. (Incluído pela Lei n.º 5.346, de 3.11.1967)
Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública (Redação dada pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Art. 266 - Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
§ 1.º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
§ 2.º Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
Epidemia
Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 1.º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
§ 2.º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de 01 (um) a 02 (dois) anos, ou, se resulta morte, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos.
Legislação correlata:
- Vide a Lei dos Crimes Hediondos:
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...) VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1.º). (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)"
- Vide: Art. 1.º, inc. III, "i", da Lei n.º 7.960/1989 - Prisão temporária.
- Vide: Art. 285 do Código Penal - Não aplicação de qualificadora.
Infração de medida sanitária preventiva
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de 01 (um) mês a 01 (um) ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Jurisprudência:
01) Infração de medida sanitária - Denúncia - Descrição das medidas sanitárias preventivas descumpridas - Inépcia afastada:
PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA. NORMA PENAL EM BRANCO. EXERCÍCIO DA ACUPUNTURA. AUSÊNCIA DE LEI FEDERAL REGULAMENTANDO A ATIVIDADE. ATIPICIDADE. OCORRÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE INDICIAMENTO FORMAL APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA E CASSAR A DECISÃO QUE DETERMINOU O INDICIAMENTO FORMAL DO PACIENTE.
1. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus só é cabível quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitivas, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade.
2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação dos crimes, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa.
3. Quanto ao delito do art. 268 do CP, foram devidamente descritas na denúncia as medidas sanitárias preventivas descumpridas pelo paciente, não havendo, portanto, que se falar em nulidade por inépcia da denúncia.
4. No que concerne ao crime de exercício ilegal da medicina, ausente complementação da norma penal em branco, por ausência de regulamentação acerca do exercício da acupuntura, a conduta é atípica.
5. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o indiciamento, após o recebimento da denúncia, configura constrangimento ilegal, pois esse ato é próprio da fase inquisitorial.
6. Recurso improvido, mas, de ofício, concedida a ordem para trancar a ação penal em relação ao delito descrito no art. 282 do Código Penal e cassar a decisão que determinou o indiciamento formal da paciente.
(STJ - RHC 66.641/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 10/03/2016)
02) Infração de medida sanitária - Ex-Secretário de Saúde, atual Prefeito - Ausência de dolo - Arquivamento:
LEI 8.038/90. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PREFEITOS. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA. ART. 268. Conforme o Ministério Público, apesar de algumas pendências, é possível aferir, in casu, que o ex-Secretário Municipal de Saúde e atual Prefeito Municipal, não agiu com dolo - no sentido estrito de deixar deliberadamente de tomar as medidas necessárias à adequação da prestação dos serviços, destinadas a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa em suas ações desenvolvidas - à frente da pasta municipal. Promoção do Ministério Público pelo arquivamento, por ausência de dolo. ARQUIVAMENTO DEFERIDO.
(Representação Criminal, Nº 70054903331, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 01-12-2014)
Omissão de notificação de doença
Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal
Art. 270 - Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos. (Redação dada pela Lei n.º 8.072, de 25.7.1990)
§ 1.º - Está sujeito à mesma pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída, a água ou a substância envenenada.
Modalidade culposa
§ 2.º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
Corrupção ou poluição de água potável
Art. 271 - Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 02 (dois) meses a 01 (um) ano.
Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios (Redação dada pela Lei n.º 7.251, de 1984)
Art. 272 - Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo: (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
§ 1.º-A - Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
§ 1.º - Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Modalidade culposa
§ 2.º - Se o crime é culposo: (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Pena - detenção, de 01 (um) a 02 (dois) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Legislação correlata:
- Vide: Dec. n.º 6.871/2009 - Regulamenta a Lei n.º 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.
Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
§ 1.º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
§ 1.º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
§ 1.º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Modalidade culposa
§ 2.º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Legislação correlata:
- Vide: Lei dos Crimes Hediondos
"Art. 1.º da Lei n.º 8.072/90 (...) VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1.º, § 1.º-A e § 1.º-B, com a redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998)"
- Vide: Lei n.º 10.446/2002 - Competência da Polícia Federal para investigar quando o delito tiver repercussão interestadual ou internacional.
Emprego de processo proibido ou de substância não permitida
Art. 274 - Empregar, no fabrico de produto destinado a consumo, revestimento, gaseificação artificial, matéria corante, substância aromática, anti-séptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Invólucro ou recipiente com falsa indicação
Art. 275 - Inculcar, em invólucro ou recipiente de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada: (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores
Art. 276 - Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo produto nas condições dos arts. 274 e 275.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Substância destinada à falsificação
Art. 277 - Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.677, de 2.7.1998)
Outras substâncias nocivas à saúde pública
Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Substância avariada
Art. 279 - (Revogado pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
Medicamento em desacordo com receita médica
Art. 280 - Fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos, ou multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes (Redação dada pela Lei n.º 5.726, de 1971) (Revogado pela Lei n.º 6.368, 1976)
Art. 281. (Revogado pela Lei n.º 6.368, 1976)
Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Nota:
- Vide: Lei n.º 6.710/79 - Profissão de técnico em prótese dentária e infrações.
Jurisprudência:
01) Exercício ilegal da medicina - Acupuntura - Atipicidade da conduta - Trancamento da ação penal:
PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA. NORMA PENAL EM BRANCO. EXERCÍCIO DA ACUPUNTURA. AUSÊNCIA DE LEI FEDERAL REGULAMENTANDO A ATIVIDADE. ATIPICIDADE. OCORRÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE INDICIAMENTO FORMAL APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA E CASSAR A DECISÃO QUE DETERMINOU O INDICIAMENTO FORMAL DO PACIENTE.
1. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus só é cabível quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitivas, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade.
2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação dos crimes, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa.
3. Quanto ao delito do art. 268 do CP, foram devidamente descritas na denúncia as medidas sanitárias preventivas descumpridas pelo paciente, não havendo, portanto, que se falar em nulidade por inépcia da denúncia.
4. No que concerne ao crime de exercício ilegal da medicina, ausente complementação da norma penal em branco, por ausência de regulamentação acerca do exercício da acupuntura, a conduta é atípica.
5. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o indiciamento, após o recebimento da denúncia, configura constrangimento ilegal, pois esse ato é próprio da fase inquisitorial.
6. Recurso improvido, mas, de ofício, concedida a ordem para trancar a ação penal em relação ao delito descrito no art. 282 do Código Penal e cassar a decisão que determinou o indiciamento formal da paciente.
(STJ - RHC 66.641/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/03/2016, DJe 10/03/2016)
Charlatanismo
Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa.
Curandeirismo
Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.
Forma qualificada
Art. 285 - Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 258 do Código Penal:
"Formas qualificadas de crime de perigo comum
Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço."
TÍTULO IX
DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA
Incitação ao crime
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de 03 (três) a 06 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 2.889/1956 - Crime de genocídio.
"Art. 3.º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1.º:
Pena: Metade das penas ali cominadas.
§ 1.º A pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se consumar.
§ 2.º A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa."
Apologia de crime ou criminoso
Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
Pena - detenção, de 03 (três) a 06 (seis) meses, ou multa.
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 03 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei n.º 12.850, de 2013) (Vigência)
Pena - reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos. (Redação dada pela Lei n.º 12.850, de 2013) (Vigência)
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei n.º 12.850, de 2013) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990):
"Art. 8.º Será de 03 (três) a 06 (seis) anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços."
- Vide: Lei das Organizações Criminosas (Lei n.º 12.850/2013)
"Art. 1.º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1.º Considera-se organização criminosa a associação de 04 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2.º Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
- Vide: Lei n.º 12.694/2012:
"Art. 2.º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 03 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
- Vide: Decreto n.º 7.667/2012: Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas à Criação da UNASUL à Art. 3.º A União de Nações Sul-americanas tem como objetivos específicos: q) a coordenação entre os organismos especializados dos Estados Membros, levando em conta as normas internacionais, para fortalecer a luta contra o terrorismo, a corrupção, o problema mundial das drogas, o tráfico de pessoas, o tráfico de armas pequenas e leves, o crime organizado transnacional e outras ameaças, assim como para promover o desarmamento, a não proliferação de armas nucleares e de destruição em massa e a deminagem;
- Vide a Lei de Segurança Nacional (Lei n.º 7.170/1983):
"Art. 24 - Constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa.
Pena: reclusão, de 2 a 8 anos."
- Vide: Lei n.º 2.889/1956 - Crime de genocídio.
"Art. 2.º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no artigo anterior:
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos."
Nota:
- Embora tenha havido alteração ao art. 288 do CP pela Lei n.º 12.850/13, com penas de 01 a 03 anos de reclusão, a prática do delito de associação criminosa envolvendo crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas ou terrorismo continua recebendo o apenamento mais gravoso previsto na Lei dos Crimes Hediondos, eis que se trata de lei especial em relação à matéria, à luz do que dispõe o art. 12 do CP.
Jurisprudência:
01) Formação de quadrilha – Não basta a mera condição de sócio de pessoa jurídica para acusação:
HC N. 92.497-SP (Informativo n.º 575 do STF)
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. ALEGADA CARÊNCIA DE ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DELITO DE QUADRILHA OU BANDO. PLURALIDADES DE DENÚNCIAS PELO CRIME DE QUADRILHA. SIMILITUDE FÁTICA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, restrita a situações que se reportem a conduta não constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou, ainda, se não ocorrentes indícios mínimos da autoria (HC 87.310, da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto; HC 91.005, da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto; RHC 88.139, da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto; HC 87.293, da relatoria do ministro Eros Grau; HC 85.740, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; HC 85.134, da relatoria do ministro Marco Aurélio).
2. No caso, a increpação (acusar, argüir) do delito de quadrilha ou bando não decorre pura e simplesmente do fato de sócios gerenciarem uma pessoa jurídica envolvida em crimes tributários. Há elementos indiciários consistentes o bastante para viabilizar, em tese, o prosseguimento da ação penal quanto ao delito do art. 288 do Código Penal.
3. Na concreta situação dos autos, todavia, carece de justa causa ação penal ajuizada para apurar eventual ocorrência do crime de quadrilha, pois a inicial acusatória é mera réplica de denúncia anterior, ambas com a mesma base fática. Excepcionalidade que autoriza o trancamento da ação penal.
4. Ordem concedida.
* noticiado no Informativo 568
02) Formação de quadrilha – Crime autônomo – Necessidade de descrição individualizada na denúncia:
HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ART. 157, § 2.º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL) E QUADRILHA ARMADA (ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL). ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM. IMPROCEDÊNCIA. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA ENTRE OS CRIMES. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. É perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha ou bando armado e o de roubo circunstanciado pelo uso de arma e concurso de agentes, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.
2. Ordem de habeas corpus denegada.
(STJ - HC 250.219/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 23/10/2012)
QUADRILHA. PECULATO. (Informativo n.º 439 do STJ – Corte Especial)
O concurso de pessoas não se confunde com o crime de quadrilha; pois, para que haja esse delito autônomo, faz-se necessária a associação estável (caráter duradouro e permanente) para a prática de crimes.
Da leitura atenta da denúncia, percebe-se, então, que está descrita unicamente a suposta prática de peculato, ou seja, um delito só.
Diante disso, a Corte Especial, ao prosseguir o julgamento e após o Min. Relator retificar seu voto, afastou a imputação quanto ao crime de quadrilha constante da denúncia por falta de justa causa e entendeu recebê-la parcialmente para instaurar a ação penal apenas contra o primeiro indiciado, em razão da suposta infração do art. 312, § 1º, do CP.
O voto vencido rejeitava a denúncia integralmente.
STF - APn 514-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgada em 16/6/2010.
03) Formação de quadrilha – Denúncia – Demonstração do vínculo associativo:
Inépcia da Denúncia e Preclusão (Informativo n.º 446 do STF – Primeira Turma)
A superveniência de sentença condenatória não gera a preclusão da argüição de inépcia da denúncia suscitada oportunamente no curso do processo. Com base nesse entendimento, a Turma conheceu de habeas corpus em que se alegava inépcia da denúncia e excesso de prazo, mas, no mérito, indeferiu-o por considerar presentes os elementos essenciais configuradores do delito de quadrilha, de modo a permitir o amplo exercício do direito de defesa do paciente. Tendo em conta a natureza desse crime e a complexidade na sua elucidação, asseverou-se que a denúncia, para ser reputada idônea, necessita da afirmação da existência de vínculo associativo — à organização criminosa formada por mais de três elementos — para a prática ulterior de crimes, consoante demonstrado no caso. Afastou-se, de igual modo, o reconhecimento do antecedente excesso de prazo, porquanto, com o advento do novo título prisional, restara superada a questão. Precedentes citados: HC 70290/RJ (DJU de 2.8.93); HC 81599/DF (DJU de 29.8.2003); RHC 64419/RJ (DJU de 14.11.86); HC 84077/BA (DJU de 17.8.2004); RHC 82345/RJ (DJU de 17.9.2002).
STF - HC 86630/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 24.10.2006. (HC-86630)
04) Formação de quadrilha – Crime autônomo – Cumulação com Roubo:
Elemento subjetivo do tipo: seqüestro e roubo de veículos (Informativo n.º 615 do STF – Primeira Turma)
Ante o empate na votação, a 1ª Turma deferiu habeas corpus, de ofício, para excluir, da condenação do paciente, a pena relativa ao crime de seqüestro. Tratava-se, na espécie, de recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de condenado pela prática dos delitos de quadrilha armada, roubo qualificado, seqüestro e cárcere privado. A defesa requeria o reconhecimento:
a) da continuidade delitiva em relação aos crimes de roubo praticados pelo paciente, afastado o concurso material imposto pelo tribunal de justiça local; b) da tese de que a condenação pelo crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e por crime de formação de quadrilha armada consistiria em bis in idem; c) da atipicidade do crime de seqüestro. Prevaleceu o voto proferido pelo Min. Dias Toffoli, relator, que, inicialmente, não conheceu do recurso. No tocante ao primeiro argumento, aduziu que o exame do tema demandaria o revolvimento de matéria fática, incabível na sede eleita. Rejeitou o alegado bis in idem, dada a autonomia do crime de quadrilha ou bando. No que concerne à última assertiva, registrou que a questão não fora apreciada na origem. Contudo, vislumbrou a possibilidade da concessão da ordem de ofício. Asseverou que os crimes de seqüestro e cárcere privado imputados ao recorrente na denúncia, na realidade, tiveram escopo único, exclusivamente voltado à consumação do crime de roubo de veículos automotores, ainda que a privação de liberdade das vítimas tivesse ocorrido por razoável período de tempo. Enfatizou que estas teriam sido colocadas espontaneamente em liberdade pelos criminosos, tão-logo assegurada a posse mansa e pacífica da res furtiva. Em razão disso, considerou não caracterizado o crime de seqüestro por ausência do elemento subjetivo do tipo. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia votaram pela não concessão, de ofício, do writ.
STF - RHC 102984/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 8.2.2011. (RHC-102984)
05) Formação de quadrilha – Desnecessidade de concretização dos crimes anteriores:
Notícias do STJ: Decisão - 10/03/2011 - 11h11 – HC 135715
Crime de quadrilha não depende da concretização de outros delitos
Basta que mais de três pessoas se unam com o fim de realizar um ilícito para que o crime de quadrilha ou bando seja caracterizado, independentemente de o ilícito planejado ser iniciado ou não. Isso porque o crime de quadrilha é formal e de perigo abstrato. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O caso trata de cinco condenados que se uniram para furtar uma agência do Banco do Brasil e uma lotérica no Mato Grosso do Sul (MS). Antes da concretização dos furtos, o bando foi localizado, em posse de ferramentas como marretas, lanternas e pés-de-cabra. Os planos foram confirmados por vários depoimentos, inclusive da namorada de um dos envolvidos. Para a defesa, como não foi cometido nenhum dos crimes articulados pelo grupo, não se poderia falar em associação estável para a prática de crimes.
Mas, conforme a ministra Maria Thereza de Assis Moura, para o preenchimento das elementares do tipo do crime de quadrilha ou bando não é necessária a concretização dos delitos idealizados. Segundo explicou a relatora, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ são uníssonas nesse sentido. O habeas corpus foi negado.
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA OU BANDO. ATIPICIDADE. IMPUTAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO PARA A PRÁTICA DE CRIMES. DELITOS IDEALIZADOS, MAS QUE NÃO VIERAM A OCORRER. CRIME FORMAL E DE PERIGO. ADVENTO DOS CRIMES PLANEJADOS. DESNECESSIDADE.
1. O delito de quadrilha, formal e de perigo, envolve a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, não é necessário que tais infrações penais idealizadas venham a se concretizar para que se aperfeiçoe a tipificação: "a formação de quadrilha ou bando, tipificado, aliás, em sua forma simples, constitui crime de perigo abstrato" (REsp 654.951/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/11/2004, DJ 29/11/2004, p. 396).
2. Ordem denegada.
(STJ - HC 135715/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011)
06) Formação de quadrilha – Crime permanente – Competência por prevenção:
COMPETÊNCIA. PREVENÇÃO. CRIMES. (Informativo n.º 346 do STJ – Terceira Seção)
A hipótese é de crime de receptação praticado na modalidade de conduzir ou transportar caminhão subtraído de seu proprietário por diversos estados da Federação, adquirindo assim a qualidade de permanente e ainda o de quadrilha (que detém essa característica).
Nesses casos, havendo vários magistrados de igual jurisdição e não sendo possível definir a competência pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a Seção reafirmou que a competência deve ser fixada pela prevenção.
Precedentes citados: CC 48.652-MG, DJ 20/3/2006; CC 46.661-PR, DJ 2/8/2006, e CC 46.165-RJ, DJ 15/12/2004.
STJ - CC 88.617-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/2/2008.
Constituição de milícia privada (Incluído dada pela Lei n.º 12.720, de 2012)
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (Incluído dada pela Lei n.º 12.720, de 2012)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. (Incluído dada pela Lei n.º 12.720, de 2012)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 8.072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos.
"Art. 1.º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei n.º 8.930, de 1994)
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2.º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII); (Redação dada pela Lei n.º 13.964/2019) (...)"
- Vide: Art. 288 do CP - Quadrilha ou bando.
- Vide: Lei n.º 12.850/2013 - Define organização criminosa.
- Vide: Lei n.º 12.694/2012:
"Art. 2.º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 03 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
TÍTULO X
DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
CAPÍTULO I
DA MOEDA FALSA
Moeda Falsa
Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro:
Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa.
§ 1.º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.
§ 2.º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 3.º - É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão:
I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei;
II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada.
§ 4.º - Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.
Notas:
- Vide: Súmula 73 do STJ - A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da justiça estadual.
- Princípio da insignificância e sua aplicação a este delito: Há duas posições sobre o tema, inclusive na jurisprudência do STF. Vide aresto abaixo no qual, em caso concreto, não foi aplicado o princípio da insignificância porque o valor era alto e o material apreendido tinha qualidade para induzir a engano. Lado outro, o CESPE, em provas de concurso, já considerou cabível a aplicação do benefício: "Ofensividade mínima no caso de crime de falsificação de moeda, que leva à aplicação da medida descriminalizadora, não está diretamente ligada ao montante total contrafeito, mas sim à baixa qualidade do produto do crime." (CESPE, 2007).
Jurisprudência:
01) Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública:
Informativo 514 do STF:
- Falsificação de Moeda e Princípio da Insignificância
A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do delito previsto no art. 289, § 1º, do CP, por portar 10 cédulas falsas, cada uma com valor facial de R$ 5,00, pleiteava a aplicação do princípio da insignificância. Considerou-se que o paciente, ao fazer circular as notas falsas, sem comprovar a sua boa-fé, incorrera no crime de falsificação de moeda falsa, cujo bem jurídico tutelado é a fé pública. Desse modo, o tipo penal em questão não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde à credibilidade do sistema financeiro.
HC 93251/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.8.2008. (HC-93251)
MOEDA FALSA. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. (Informativo n.º 437 do STJ – Quinta Turma)
A Turma reiterou seu entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância ao crime de moeda falsa, pois se trata de delito contra a fé pública, logo não há que falar em desinteresse estatal à sua repressão. No caso, o paciente utilizou duas notas falsas de R$ 50 para efetuar compras em uma farmácia. Assim, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados do STF: HC 93.251-DF, DJe 5/8/2008; do STJ: HC 78.914-MG, DJe 1º/12/2008; REsp 964.047-DF, DJ 19/11/2007, e HC 129.592-AL, DJe 1º/6/2009.
STJ - HC 132.614-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/6/2010.
HC N. 96.153-MG
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PACIENTE DENUNCIADO PELA INFRAÇÃO DO ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO: NÃO APLICAÇÃO À ESPÉCIE VERTENTE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A existência de decisão neste Supremo Tribunal no sentido pretendido pela Impetrante, inclusive admitindo a incidência do princípio da insignificância ao crime de moeda falsa, não é bastante a demonstrar como legítima sua pretensão.
2. Nas circunstâncias do caso, o fato é penalmente relevante, pois a moeda falsa apreendida, além de representar um valor vinte vezes superior ao do precedente mencionado, seria suficiente para induzir a engano, o que configura a expressividade da lesão jurídica da ação do Paciente.
3. A jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal é no sentido de reverenciar – em crimes de moeda falsa - a fé pública, que é um bem intangível, que corresponde, exatamente, à confiança que a população deposita em sua moeda. Precedentes. 4. Habeas corpus denegado.
* noticiado no Informativo 548
02) Falsificação de papel moeda – Competência da Justiça Federal – Produto capaz de se passar por cédulas autênticas - Tipicidade:
COMPETÊNCIA. PAPEL MOEDA FALSO.
Discute-se se a falsificação de papel moeda é grosseira (Súm. n. 73-STJ) ou se o produto é capaz de passar por cédulas autênticas, a fim de determinar a competência para processar e julgar o feito. Sob o ponto de vista técnico, as cédulas são de baixa qualidade, mas capazes de passar por cédulas autênticas, a depender do local e momento em que forem utilizadas. Para a Min. Relatora, diante dos elementos de convicção até então colhidos nos autos, apesar do parecer técnico, em tese, há a configuração de delito definido no art. 289, § 1º, do CP, que, por lesar os interesses da União, é de competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/1988).
Diante do exposto, a Seção declarou competente o juízo federal.
STJ - CC 79.889-PE, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 23/6/2008.
Crimes assimilados ao de moeda falsa
Art. 290 - Formar cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; suprimir, em nota, cédula ou bilhete recolhidos, para o fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua inutilização; restituir à circulação cédula, nota ou bilhete em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Parágrafo único - O máximo da reclusão é elevado a doze anos e multa, se o crime é cometido por funcionário que trabalha na repartição onde o dinheiro se achava recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo. (Vide Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Petrechos para falsificação de moeda
Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Jurisprudência:
01) Petrechos para falsificação de moeda - Desnecessidade de o maquinário ser de uso exclusivo para esse fim.
DIREITO PENAL - REsp 1.758.958-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 11/09/2018, DJe 25/09/2018 (Informativo n.º 633 do STJ – Sexta Turma)
Moeda falsa. Art. 291 do CP. Petrechos para falsificação. Uso exclusivo. Prescindibilidade.
Para tipificar o crime descrito no art. 291 do CP, basta que o agente detenha a posse de petrechos com o propósito de contrafação da moeda, sendo prescindível que o maquinário seja de uso exclusivo para tal fim. De início, ressalta-se que o art. 291 do Código Penal tipifica, entre outras condutas, a posse ou guarda de maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda. A expressão "especialmente destinado" não se refere a uma característica intrínseca ou inerente do objeto. Se assim fosse, só a posse ou guarda de maquinário exclusivamente voltado para a fabricação ou falsificação de moedas consubstanciaria o crime, o que implicaria a inviabilidade de sua consumação (crime impossível), pois nem mesmo o maquinário e insumos utilizados pela Casa de Moeda são direcionados exclusivamente para a fabricação de moedas. Tal dicção está relacionada ao uso que o agente pretende dar a esse objeto, ou seja, a consumação depende da análise do elemento subjetivo do tipo (dolo), de modo que se o agente detém a posse de impressora, ainda que manufaturada visando ao uso doméstico, mas com o propósito de a utilizar precipuamente para contrafação de moeda, incorre no referido crime.
Emissão de título ao portador sem permissão legal
Art. 292 - Emitir, sem permissão legal, nota, bilhete, ficha, vale ou título que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Quem recebe ou utiliza como dinheiro qualquer dos documentos referidos neste artigo incorre na pena de detenção, de quinze dias a três meses, ou multa.
CAPÍTULO II
DA FALSIDADE DE TÍTULOS E OUTROS PAPÉIS PÚBLICOS
Falsificação de papéis públicos
Art. 293 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I – selo destinado a controle tributário, papel selado ou qualquer papel de emissão legal destinado à arrecadação de tributo; (Redação dada pela Lei n.º 11.035, de 2004)
II - papel de crédito público que não seja moeda de curso legal;
III - vale postal;
IV - cautela de penhor, caderneta de depósito de caixa econômica ou de outro estabelecimento mantido por entidade de direito público;
V - talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo a arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável;
VI - bilhete, passe ou conhecimento de empresa de transporte administrada pela União, por Estado ou por Município:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1.º Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei n.º 11.035, de 2004)
I – usa, guarda, possui ou detém qualquer dos papéis falsificados a que se refere este artigo; (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
II – importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece ou restitui à circulação selo falsificado destinado a controle tributário; (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
III – importa, exporta, adquire, vende, expõe à venda, mantém em depósito, guarda, troca, cede, empresta, fornece, porta ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria: (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
a) em que tenha sido aplicado selo que se destine a controle tributário, falsificado; (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
b) sem selo oficial, nos casos em que a legislação tributária determina a obrigatoriedade de sua aplicação. (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
§ 2.º - Suprimir, em qualquer desses papéis, quando legítimos, com o fim de torná-los novamente utilizáveis, carimbo ou sinal indicativo de sua inutilização:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 3.º - Incorre na mesma pena quem usa, depois de alterado, qualquer dos papéis a que se refere o parágrafo anterior.
§ 4.º - Quem usa ou restitui à circulação, embora recibo de boa-fé, qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem este artigo e o seu § 2.º, depois de conhecer a falsidade ou alteração, incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
§ 5.º Equipara-se a atividade comercial, para os fins do inciso III do § 1.º, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em vias, praças ou outros logradouros públicos e em residências. (Incluído pela Lei n.º 11.035, de 2004)
Notas:
- Trata-se de delito cujo sujeito passivo é o Estado. Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo.
- Não há o delito em sua forma culposa. É imprescindível o dolo específico de falsificar, alterar e/ou fabricar.
- Títulos da dívida pública são aqueles emitidos por ente federal, estadual ou municipal, que são utilizados como forma de pagamento, embora não correspondam a moeda.
Jurisprudência:
01) Compete à Justiça Federal a apuração de crimes praticados por funcionários dos Correios no exercício de suas Funções:
COMPETÊNCIA. DESVIO. SELO. CAMPANHA ELEITORAL. (Informativo n.º 438 do STJ)
A denúncia, amparada em inquérito policial, narra que o paciente (deputado estadual), em sua campanha eleitoral, utilizou dolosamente selos postais obtidos de forma ilícita por funcionários públicos federais dos Correios (em possível detrimento de verbas da Assembleia Legislativa), além de apresentar notas fiscais falsas para esquivar-se da fiscalização do TRE. Alega não ter participação no delito, pois apenas contratou com uma sociedade empresária a coleta e postagem das correspondências. Sustenta, também, que a suposta aquisição dos selos deu-se após a consumação do peculato, o que configuraria receptação, não se podendo falar, também, em tal crime porque não teria ciência de que os selos eram produto do crime. Nesse contexto, ressalta-se que é imputado crime de peculato aos funcionários dos Correios, pois consta dos autos que atuaram na condição de funcionários públicos. Como consabido, dá-se na Justiça Federal a apuração de crime praticado por funcionário público federal no exercício de suas atribuições funcionais. Outrossim, a princípio, houve violação dos serviços dos Correios (empresa pública federal), o que, por si só, atrai a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/1988). Entender pela falta de ofensa aos referidos serviços demandaria ampla dilação probatória, o que é incompatível com a via eleita. Quanto à configuração do peculato ou receptação, frise-se que ambos os crimes seguem o mesmo rito e nenhum deles é hediondo. Daí que, tal como propalado pela jurisprudência, o paciente deve defender-se dos fatos imputados no decorrer da instrução, pois sua capitulação pode alterar-se no momento da sentença, conforme as hipóteses previstas no CPP. Já no que concerne à falta de provas da ciência de ilicitude ou mesmo da própria utilização dos selos, a denúncia aponta vários indícios de prova quanto à participação do paciente, tais como o depoimento de servidores da Assembleia Legislativa e o interrogatório dos corréus. Assim, ao considerar os limites cognitivos do writ e os dados colhidos até então, constata-se haver um mínimo de elementos a autorizar o prosseguimento da ação penal. Precedentes citados do STF: HC 87.324-SP, DJ 18/5/2007; HC 91.634-GO, DJ 5/10/2007; RHC 88.139-MG, DJ 17/11/2006; do STJ: CC 97.955-RS, DJe 26/8/2008; CC 97.679-RO, DJe 19/12/2008; HC 147.953-RS, DJe 3/5/2010, e HC 116.490-RJ, DJe 7/12/2009.
STJ - HC 147.964-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 8/6/2010.
02) Falsificação de papéis públicos – DARF – Atribuição do MPF – Recolhimento posterior do tributo não obsta a investigação:
Conflito de Atribuições e Falsificação de Documento Público (Informativo n.º 602 do STF – Plenário)
O Tribunal, ao resolver conflito de atribuições entre o Ministério Público Federal e Ministério Público estadual, reconheceu a atribuição do primeiro para apurar possível prática do crime de falsificação de papéis públicos (CP, art. 293), consistente na apresentação de guias de recolhimento (DARF) supostamente irregulares à Secretaria da Receita Federal - SRF.
Reputou-se que, ao versar os fatos sobre imputação contrária ao bom serviço federal, incumbiria ao parquet federal atuar.
Salientou-se pouco importar a existência, ou não, de dano patrimonial.
Consignou-se, ademais, que o recolhimento do tributo devido — posteriormente à apresentação das guias de recolhimento irregulares — não obstaria a continuidade das investigações, haja vista a necessidade de se saber qual o delito perpetrado, ou seja, se teria havido crime de falso, crime tributário em sentido estrito ou se a falsidade teria consistido em meio para a consumação do crime contra a ordem tributária.
Vencido o Min. Dias Toffoli, que concedia a ordem de ofício para encerrar o procedimento investigatório, tendo em conta a quitação do tributo, o qual extinguiria a punibilidade.
PET 4680/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (PET-4680)
03) Obtenção de vantagem mediante uso de formulários falsos da Receita Federal – Agentes se passaram por auditores – Prejuízo à União não verificado – Competência da Justiça Estadual:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE FORMULÁRIOS FALSOS DA RECEITA FEDERAL E COMPETÊNCIA.
O fato de os agentes, utilizando-se de formulários falsos da Receita Federal, terem se passado por Auditores desse órgão com intuito de obter vantagem financeira ilícita de particulares não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Isso porque, em que pese tratar-se de uso de documento público, observa-se que a falsidade foi empregada, tão somente, em detrimento de particular.
Assim sendo, se se pudesse cogitar de eventual prejuízo sofrido pela União, ele seria apenas reflexo, na medida em que o prejuízo direto está nitidamente limitado à esfera individual da vítima, uma vez que as condutas em análise não trazem prejuízo direto e efetivo a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV, da CF).
STJ - CC 141.593-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/8/2015, DJe 4/9/2015.
Petrechos de falsificação
Art. 294 - Fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado à falsificação de qualquer dos papéis referidos no artigo anterior:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 295 - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
CAPÍTULO III
DA FALSIDADE DOCUMENTAL
Falsificação do selo ou sinal público
Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1.º - Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
Legislação correlata:
- Vide Lei n.º 5.700/1971: Uso do brasão oficial pela Administração Pública Federal.
Notas:
- Trata-se de crime de mera conduta.
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- O crime de falsidade absorve o de uso, respondendo o agente por crime único, segundo jurisprudência do STJ. O uso funciona como post factum impunível (hipótese de incidência do princípio da consunção). (Questão de concurso - CESPE, 2006).
- Obs.: Se for falsificação de atestado ou certidão para fins de concurso público, isenção de ônus ou outras vantagens, usa-se o art. 301 do CP.
Jurisprudência:
01) Uso de brasão da República em cartas particulares - Aparência de documento oficial - Tipicidade - Crime de mera conduta:
QO. DENÚNCIA. USO INDEVIDO. BRASÃO. REPÚBLICA. (Informativo n.º 477 do STJ – Sexta Turma)
A Turma, em questão de ordem (QO), deliberou pela anulação do julgamento proferido na assentada de 2/6/2011, tendo em vista a defesa pretender manifestar-se oralmente e, por equívoco, não ter sido intimada da data daquela sessão. Assim, proferiu novo julgamento, negando provimento ao recurso. In casu, o paciente foi denunciado por apor o brasão da República em diversas cartas de teor exclusivamente particular encaminhadas a órgãos públicos e privados (art. 296, § 1º, II, do CP), conduta que, somada à sua identificação como suplente de deputado federal, teria conferido a tais cartas a aparência de documentos oficiais. Vê-se que a denúncia narra a ocorrência de fato típico em tese, não se vislumbrando nela o vício da inépcia, pois está condizente com todos os requisitos do art. 41 do CPP e apta ao exercício da ampla defesa. Por sua vez, o brasão da República constitui notório símbolo identificador da Administração Pública Federal, por isso é obrigatória sua utilização por seus órgãos (Lei n. 5.700/1971). Assim, não prospera o argumento de que não há óbice a seu uso por particulares, quanto mais se os documentos em questão não se relacionam à condição eventualmente ocupada pelo paciente (como dito, suplente de deputado federal). Anote-se, por último, que o delito em questão é crime de mera conduta, assim, mostra-se irrelevante para sua consumação apurar a existência de prejuízo. Precedentes citados: RHC 29.544-RJ, DJe 12/5/2011; RHC 28.001-RJ, DJe 28/3/2011, e HC 89.696-SP, DJe 23/8/2010.
STJ - RHC 29.397-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 14/6/2011.
02) Uso de papel oficial por servidor público para confeccionar procuração - Timbre - Ausência de recebimento de vantagem ou privilégio - Atipicidade reconhecida:
Rejeita denúncia criminal contra ex-presidente e servidor do TRT da 18ª Região:
DECISÃO - 03/09/2009 - 10h42 – STJ – Apn 567
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a denúncia proposta contra o ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, desembargador Elvécio Moura dos Santos, e o servidor público Alcione Novais Santos. Os dois foram acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de cometer os crimes de advocacia administrativa e uso indevido de sinal público. O desembargador assinou procuração outorgando poderes para Alcione tirar cópias dos autos de uma sindicância e de uma ação penal que tramita no STJ na qual se apuram irregularidades que teriam sido cometidas por outros membros da corte trabalhista. Segundo o MPF, a procuração tinha caráter particular, mas foi impressa num papel oficial com o timbre do TRT da 18ª Região. Além disso, no cumprimento de uma ordem supostamente privada (copiar o processo), as despesas da viagem do servidor Alcione de Goiânia (GO) a Brasília, onde fica a sede do STJ, teriam sido pagas com recursos públicos do próprio TRT. Na avaliação do MPF, os fatos revelam que o magistrado confundiu interesses privados com interesses do Tribunal. Com essa convicção, denunciou o desembargador e o servidor pelos crimes previstos nos artigos 321 e 296 do Código Penal. As alegações do MPF, entretanto, não foram acolhidas pela Corte Especial. Seguindo o entendimento do relator da ação no STJ, ministro João Otávio Noronha, os integrantes do colegiado rejeitaram a denúncia sob o fundamento de atipicidade da conduta atribuída aos dois acusados. Ou seja, para os ministros do Tribunal, as ações realizadas pelo desembargador e pelo servidor não se enquadram na proibição descrita nos dois dispositivos do Código Penal mencionados na denúncia. O relator ressaltou que, para configurar o crime de advocacia administrativa, a lei exige do agente público acusado a realização do patrocínio de interesse privado de terceiros, o que, segundo o ministro, não aconteceu no caso apreciado. Para ele, ao solicitar a cópia da ação, o desembargador pretendia apenas obter o documento para arquivo do tribunal. O servidor, por sua vez, também não se valeu de sua condição de funcionário público para defender interesse particular, mas apenas cumpriu a ordem que lhe foi dada de fazer a cópia do processo. O ministro João Otávio Noronha também sustentou que o fato de a procuração ter sido impressa num papel com o timbre do TRT não demonstra que o desembargador obteve vantagem ou privilégio, requisitos indispensáveis para a configuração do crime de uso indevido de sinal público. Antes de proferir voto no mesmo sentido do relator, o ministro Teori Zavascki observou que houve excesso de zelo na atuação do MPF. Para ele, a outorga de procuração pelo desembargador poderia configurar uma impropriedade técnica, uma vez que o instrumento adequado seria uma delegação de competência, mas não um crime.
Falsificação de documento público
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa.
§ 1.º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§ 2.º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
§ 3.º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 4.º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3.º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 304 do Código Penal.
- Vide: Art. 19 do Decreto n.º 9.278/2018 - Casos de invalidade da Carteira de Identidade.
Notas:
- Vide: Súmula Vinculante 36 do STF - Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da caderneta de inscrição e registro (CIR) ou de carteira de habilitação de amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.
- Atenção: A competência para julgamento em casos de anotação ou omissão na CTPS dependerá caso a caso, podendo ser da Justiça Federal se houver prejuízo à Previdência Social. Por exemplo, ocorre quando é anotado maior tempo de serviço que o real na CTPS. Se a omissão ou anotação falsa se der em prejuízo apenas do trabalhador (se houver anotação de menor período de trabalho), a competência será da Justiça Estadual. Ver abaixo as notas que referem quando a competência é da Justiça Estadual.
- Se for falsificado atestado ou certidão para fins de concurso público, isenção de ônus e outras vantagens, usa-se o art. 301 do CP.
- O crime de falsidade absorve o de uso, respondendo o agente por crime único, segundo jurisprudência do STJ. O uso funciona como post factum impunível (hipótese de incidência do princípio da consunção). (Questão de concurso - CESPE, 2006).
- Falsificação de Ofício do Poder Judiciário: Advogado que falsifica ofício judicial, assinando com o seu próprio nome, destinado a requisitar informação a terceiros, comete crime de falsificação de documento público, não se confundindo com falsidade ideológica.
Questão de concurso:
- CESPE, 2008: Considere a seguinte situação hipotética. Na qualidade de advogado de determinada empresa em uma causa cível, Wagner havia solicitado ao juiz que oficiasse o Banco Central para localização do endereço dos réus. Como o pedido foi indeferido, Wagner expediu, por sua própria conta, um documento assinado com o seu próprio nome, na forma de um ofício judicial, requisitando o endereço. Nessa situação, Wagner praticou o crime de falsificação de documento público. Wagner cometeu o crime da falsificação de documento público, previsto no art. 297 do CP. Trata-se de uma falsidade material, já que o vício incide sobre o aspecto físico do documento, sua forma. Já a falsidade ideológica – art. 299 do CP – incide sobre o conteúdo do documento, que é formalmente perfeito (por isso não se aplica ao caso).
Jurisprudência:
01) Falsificação de Carteira de Habilitação Naval – Competência da Justiça Federal – Incompetência da Justiça Militar:
Notícias do STJ:
DECISÃO - 24/12/2010 - 10h52 – HC 108134
Justiça Federal é competente para apreciar falsificação de documento civil emitido por autoridade militar
A Justiça Federal é responsável para julgar os crimes de falsificação de documentos civis emitidos por órgão da administração militar. O entendimento é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que declarou o Juízo Federal da 2ª Vara de Ribeirão Preto (SP) competente para julgar o crime praticado por civil perante a Capitania dos Portos do Tietê-Paraná, em Barra Bonita (SP).
O acusado apresentou à equipe de inspeção naval documento falso. Os autos foram enviados à Justiça Militar. A 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar da União se declarou incompetente para julgar o caso e remeteu o processo para a Justiça Federal. O Juízo Federal da 2ª Vara suscitou o conflito de competência ao STJ.
Segundo o relator, ministro Gilson Dipp, embora o objeto da falsificação seja carteira de habilitação de Arrais-Amador (para condução de embarcação), verifica-se a competência da Justiça Federal. A emissão desse tipo de carteira é feita pela Marinha do Brasil, órgão integrante das Forças Armadas.
De acordo com o artigo 21, XXII, da Constituição Federal, a execução da polícia marítima é da competência da União e exercida por meio da Polícia Federal, o que atrai o julgamento da 2ª Vara Federal de Ribeirão Preto.
Falsificação de Carteira de Habilitação Naval e Incompetência da Justiça Militar
Compete à Justiça Federal stricto sensu processar e julgar acusado pela suposta prática do crime de falso relativamente a documento de habilitação naval de natureza civil e não militar. Inicialmente, salientou-se que consubstancia regra a competência da Justiça comum para os processos-crimes, surgindo como exceção a competência penal quer da Justiça Federal stricto sensu, quer da Justiça Federal Militar. Aduziu-se, dessa forma, que os preceitos que encerram exceção merecem interpretação restritiva e que a definição de crime militar a atrair a jurisdição especializada encontra-se contida no art. 9º do Código Penal Militar. Entendeu-se que a situação dos autos não se adequaria à regra linear prevista no inciso I do mencionado art. 9º do CPM (“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;”), haja vista a existência de disciplina na lei penal comum, bem como a correspondência de tipologia entre o art. 311, do CPM e o art. 297, do CP. Ademais, frisou-se, que não haveria campo para a análise considerados os incisos II e III do mesmo dispositivo. Ressaltou-se, entretanto, que, relativamente à alínea a, do inciso III, do art. 9º, do CPM, a menção a “ordem administrativa militar” não alcançaria o serviço de fiscalização presente no caso. Assim, concluiu-se que, estando em jogo serviço público federal — de fiscalização naval —, incidente o art. 109, IV, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”). Por fim, determinou-se a remessa do processo, em tramitação na 2ª Auditoria da Segunda Circunscrição da Justiça Militar, para a primeira instância, considerada a Seção da Justiça Federal do Paraná, declarando insubsistente a peça primeira da ação penal. Precedentes citados: HC 68928/PA (DJU de 19.12.91); CC 7030/SC (DJU de 7.5.93).
HC 90451/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-90451)
COMPETÊNCIA. DOCUMENTO FALSO. HABILITAÇÃO. (Informativo n.º 457 do STJ – Terceira Seção)
Trata-se de conflito de competência (CC) entre as Justiças Federal e Militar. No caso, o Ministério Público Militar denunciou o acusado pela suposta prática do crime previsto no art. 315 c/c o art. 311, ambos do Código Penal Militar (uso de documento falso). Isso porque ele teria apresentado carteira de habilitação de arrais amador (para condução de embarcação) falsificada à equipe de inspeção naval da capitania dos portos. A Seção conheceu do conflito e declarou competente para o julgamento do feito a Justiça Federal, ao entendimento de que, não obstante o objeto da falsificação seja carteira de habilitação de arrais amador, cuja emissão é realizada pela Marinha do Brasil, órgão integrante das Forças Armadas, a hipótese não atrai a competência da Justiça Militar. Observou-se que se trata de delito de falso cometido por sujeito ativo civil que apresentou a documentação quando instado para tanto no ato de fiscalização naval. Contudo, conforme dispõe o art. 21, XXII, da CF/1988, a execução de polícia marítima é da competência da União e exercida pela Polícia Federal (art. 144 do mesmo texto constitucional). Precedentes citados do STF: HC 103.318-PA, DJe 10/9/2010, e HC 90.451-SP, DJe 3/10/2008.
STJ - CC 108.134-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 24/11/2010.
02) Falsificação de Caderneta de Instrução e Registro expedida pela Marinha – Competência da Justiça Federal – Incompetência da Justiça Militar:
HC N. 96.561-PA
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: COMPETÊNCIA. Criminal. Ação penal. Falsificação de Cadernetas de Instrução e Registro (CIRs), expedidas pela Marinha. Licença de natureza civil. Inexistência de prejuízo patrimonial a instituição militar. Infração comum em dano de interesse da União. Incompetência da Justiça Militar. Feito da competência da Justiça Federal. HC concedido. Aplicação dos arts. 21, XXII, 109, IV, e 144, § 1º, III, todos da CF. Precedente. É da Justiça Federal a competência para processar e julgar ação penal por falsificação de Caderneta de Instrução e Registro – CIR, expedida pela Marinha.
* Publicado no Informativo n.º 549 do STF.
03) Uso de documento falso produzido pelo mesmo agente – Conduta posterior impunível (ligação teleológica) – Condenação apenas pela falsificação de documento:
FALSIFICAÇÃO. DOCUMENTOS. USO. (Informativo n.º 475 do STJ – Sexta Turma)
No caso, o paciente fora condenado pela prática de três crimes, dois de falsificação de documentos e um de uso de documento falso. Isso porque teria falsificado duas certidões de casamento, uma que fora utilizada por ele próprio para obtenção do passaporte e outra utilizada pelo corréu para o mesmo fim. Assim, apenas a condenação relativa a um dos três crimes deve ser afastada. Somente com relação à falsificação e utilização do mesmo documento pelo paciente pode incidir o princípio da consunção. Como a falsificação e o respectivo uso se encontram teleologicamente ligados, em respeito ao princípio mencionado, tem-se um único delito. Quanto ao delito de falsificação da outra certidão de casamento, é inviável tal proceder, uma vez que foi utilizado pelo corréu, pois o bis in idem somente é reconhecido quando o mesmo agente falsifica e usa o documento. Precedentes citados: HC 107.103-GO, DJe 8/11/2010; HC 146.521-SP, DJe 7/6/2010, e CC 107.100-RJ, DJe 1º/6/2010.
STJ - HC 150.242-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 31/5/2011.
USO. DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO. CRIME ÚNICO. (Informativo n.º 452 do STJ – Sexta Turma)
Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90 dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa. Em sede de apelação, o tribunal a quo manteve a sentença. Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito. Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente. Para o Min. Relator, seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida, faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a imputação de falsificação de documento público. Registrou que, apesar de seu comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação. Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior. Diante dessas considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ 8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002.
STJ - HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 19/10/2010.
04) Falsificação de documento, uso e tráfico de drogas – Condutas ocorridas em momento diverso – Bis in idem não configurado:
STF - HC N. 111.706-SP
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. 1. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA DE USO DESSE DOCUMENTO COM A FINALIDADE DE OCULTAR SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS. NÃO HÁ FALAR EM EXERCÍCIO DA AUTODEFESA. 2. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE EM RAZÃO DE FATO AUTÔNOMO DAQUELES QUE ENSEJARAM A CONDENAÇÃO PELO USO DE DOCUMENTO FALSO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA EM HABEAS CORPUS. 3. REITERAÇÃO DELITIVA CONSIDERADA NA PRIMEIRA E NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM CARACTERIZADO.
1. Alegação de atipicidade da conduta imputada ao Paciente. Uso de documento falso com a finalidade de ocultar situação irregular no país, que não caracteriza o exercício da autodefesa.
2. Delito de tráfico internacional praticado pelo Paciente em 7.4.2008. Denúncia relativa à imputação da prática dos delitos previstos no art. 304 c/c 297 do Código Penal pela utilização de documento falso em momentos distintos. Inexistência de bis in idem. Impossibilidade de reexame de fatos e de provas em habeas corpus.
3. Reiteração da conduta imputada ao Paciente considerada na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, com a aplicação da causa de aumento da continuidade delitiva do art. 71 do Código Penal. Bis in idem caracterizado.
4. Ordem parcialmente concedida para determinar que o juízo da 1ª Vara Federal de Guarulhos, Seção Judiciária de São Paulo, refaça a dosimetria da pena do Paciente sem considerar a reiteração delitiva do Paciente em bis in idem e, em razão da nova pena a ser imposta, reexamine os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para a fixação do regime prisional.
05) Falsificação de contrato com a Administração Pública – Denúncia com base no Código Penal – Impossibilidade de prescrição com base em alegada violação à Lei de Licitações:
Notícias do STJ: Decisão – 20.01.2011 – STJ – RHC 29027
Homem que adulterou contrato público não consegue extinguir punibilidade
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso em habeas corpus a um homem acusado de falsificar e alterar folhas de contrato do Departamento de Limpeza Urbana do Município de São Paulo (SP). A defesa pedia o reconhecimento da extinção da punibilidade.
Segundo a denúncia, o homem e um funcionário público em função de direção substituíram folhas de um contrato elaborado pelo município, alterando o conteúdo da cláusula 7ª, referente à duração do negócio jurídico. A falsificação e alteração de documento público verdadeiro teriam como fim prejudicar direito e criar obrigação para o município.
O rapaz foi denunciado por falsificação de documento público, falsidade ideológica e peculato. A defesa alegou que os artigos 89 a 98 da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93) dispõem, especificamente, sobre os crimes passíveis de serem praticados durante o processo licitatório. Acrescentou que se trata inquestionavelmente de lei especial, que prevalece à regra geral, por aplicação do princípio da especialidade.
O relator, ministro Gilson Dipp, verificou que a denúncia narra fatos que se amoldam em teoria a delitos previstos no Código Penal. Na análise do ministro, na norma especial de licitações, que prevê penas menores, em tese, estaria prescrita a pretensão punitiva estatal, favorecendo os interesses da defesa, pois os fatos em análise datam de outubro de 2000.
Gilson Dipp ressaltou que o reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal, em via de habeas corpus, somente é possível se constatadas, sem necessidade de exame valorativo dos autos, a ausência de indícios que fundamentem a acusação ou a extinção da punibilidade, entendimento consolidado no STJ.
“Contudo, na singularidade do caso em análise, vê-se que as condutas imputadas na denúncia não se distanciam dos tipos penais indicados pela acusação nem tampouco se amoldam perfeitamente aos dispositivos da lei especial”, argumentou o relator.
Por essa razão, o ministro Gilson Dipp concluiu ser inviável em sede de habeas corpus alterar a classificação jurídica na denúncia do Ministério Público e reconhecer a extinção da punibilidade do acusado sem que sejam suprimidas as instâncias ordinárias.
06) Falsificação de documento destinado à fiscalização de estado de aeronave – Competência da Justiça Federal:
Falsificação documental e incompetência da justiça militar (Informativo n.º 630 do STF – Segunda Turma)
A 2ª Turma deferiu habeas corpus a fim de declarar a incompetência da justiça militar para processar e julgar acusado pela suposta prática do crime de falsificação documental, relativo a condutas atentatórias à fiscalização exercida pelo Serviço Regional de Aviação Civil - Serac.
Na espécie, o paciente, major da reserva e mecânico da Aeronáutica, teria elaborado diversas Declarações de Inspeção Anual de Manutenção - Diam, bem como as assinado na qualidade de responsável técnico. Esses documentos destinar-se-iam ao Serac e demonstrariam a conformidade de cada aeronave com suas respectivas documentação e manutenção.
A defesa alegava que o Serac não realizaria atividade de natureza estritamente militar.
Inicialmente, destacou-se a excepcionalidade da jurisdição militar para processamento de práticas delituosas cometidas por civil em tempo de paz, consubstanciada na interpretação restritiva do art. 9º do CPM.
Entendeu-se, ademais, que não se vislumbraria, diante da conduta atribuída ao paciente, qualquer ofensa aos bens jurídicos associados àquela justiça especializada.
Salientou-se que o Serac integraria a Administração Direta da União, o que determinaria a competência da justiça federal para apreciação do caso, consoante o art. 109, IV, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”).
Precedentes citados: CC 7040/RS (DJU de 22.11.96); HC 100230/SP (DJe de 23.9.2010); HC 106171/AM (DJe de 26.11.2010).
STF - HC 107146/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.6.2011. (HC-107146)
07) Uso de documento com falsificação grosseira – Crime empossível – CNH:
Notícias do STJ: DECISÃO - 11/03/2010 - 11h49 – STJ – HC 119054
Uso de falsificação grosseira de documento não é crime
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um cidadão de São Paulo do crime de falsificação de uma carteira nacional de habilitação (CNH). Ele havia sido condenado a dois anos de reclusão, mas a Sexta Turma reconheceu que, por ser grosseira e notada por uma pessoa comum, a falsificação não constitui crime, pela ineficácia do meio empregado.
A decisão se baseou em voto do desembargador convocado Haroldo Rodrigues, relator do habeas corpus. Ele destacou um precedente do STJ do ano de 2007, quando a Quinta Turma, pela mesma razão, acabou inocentando uma pessoa do crime de falsificação de CNH (Resp 838.344). A decisão da Sexta Turma foi unânime.
No processo analisado, o cidadão foi absolvido em primeiro grau, mas o Ministério Público de São Paulo apelou. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão, considerou o ato como crime e condenou o homem a dois anos de reclusão por falsificação de documento e uso de documento público falso. O TJSP considerou que “o elemento subjetivo do crime consiste na vontade de fazer uso de documento falso e no conhecimento da falsidade, pouco importando seja ela grosseira e de fácil constatação ou não”. A pena foi substituída por duas medidas restritivas de direito.
Foi, então, que o habeas corpus chegou ao STJ. A tese de que a falsificação grosseira constitui “crime impossível”, porque o meio utilizado é ineficaz, foi acolhida pela Sexta Turma.
08) Omissão em CTPS pelo empregador – Competência – Justiça Federal se a omissão (ou anotação) trouxer prejuízo à Previdência Social (e não ao trabalhador):
CRIME. EMPREGADOR. OMISSÃO. ASSINATURA. CTPS.
A questão consiste em definir a competência para processar e julgar ação penal contra o empregador que não realiza as devidas anotações nas carteiras de trabalho e previdência social (CTPS) de seus empregados. Destacou-se que, de acordo com o art. 29 da CLT e o art. 201 da CF/1988, cabe ao empregador, ao contratar um empregado, realizar as anotações e contribuir para a Previdência Social, garantindo-lhe os direitos trabalhistas, previdenciários e relativos ao FGTS.
A CTPS, instituída pelo Dec. n. 21.175/1932 e regulamentada pelo Dec. n. 22.035/1932, é o único comprovante da vida funcional do empregado. Dessa forma, observa a Min. Relatora, quem omite dados na CTPS, atentando contra o interesse da autarquia previdenciária, estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público, nos termos do § 4º do art. 297 do CP, sendo competente a Justiça Federal para processar e julgar esse delito, de acordo com o art. 109, IV, da CF/1988.
STJ - CC 58.443-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/2/2008.
09) Omissão em CTPS pelo empregador – Competência – Justiça Estadual se a omissão (ou anotação) trouxer prejuízo ao trabalhador (e não diretamente à Previdência Social):
Notícias do STJ: 09/09/2009 - 13h15 - DECISÃO STJ – CC 99451
Deixar de anotar carteira de trabalho é crime de competência estadual:
Processos contra empresa que deixa de anotar o contrato na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado são de competência da Justiça estadual. Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro prejudicado nessas situações é o trabalhador, não a Previdência. A decisão foi tomada por voto de desempate do presidente da Seção.
O relator original, ministro Jorge Mussi, entendia que o caso deveria ser julgado pela Justiça Federal. Para ele, o tipo penal específico (Código Penal, artigo 297, parágrafo 4º) foi introduzido pela Lei n. 9.983/2000, que também estabeleceu outros crimes contra a Previdência (artigos 168-A e 337-A), o que revelaria a intenção do legislador de proteger, primeiramente, a União. A doutrina também reforçaria tal entendimento ao considerar que se buscava proteger a arrecadação de tributos previdenciários, calculados com base no valor do salário pago ao empregado.
Esse entendimento foi acompanhado pelos ministros Og Fernandes – que sugeriu a revisão da súmula 62 do STJ –, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura, no entanto, apresentou voto vista em sentido contrário. Para ela, haveria duas situações fáticas distintas envolvidas na prática descrita no Código Penal. Uma é a cometida pela empresa que deixa de anotar a CTPS ou anota período menor que o efetivamente trabalhado, com o objetivo de frustrar direitos trabalhistas do empregado. Outra consistiria na inserção de dados falsos pelo trabalhador ou seu procurador, registrando-se períodos maiores que os trabalhados com o fim de criar condições para pleitear benefícios previdenciários.
Na segunda situação, afirmou a ministra, a jurisprudência do STJ seria sólida e confirmada também pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a competência é da Justiça Federal. No entanto, no caso da primeira hipótese, os entendimentos seriam oscilantes. Em seu entendimento, continuou, nessas situações não haveria dano imediato à Previdência, mas ao trabalhador. Essa seria a posição contida na súmula 62, definindo pela competência da Justiça estadual.
A ministra acrescentou que, pelo descrito na denúncia, não havia menção à supressão de tributos ou mesmo de ocorrência de crime contra a organização do trabalho, por se tratar de caso isolado. O voto vista foi acompanhado pelos ministros Nilson Naves e Napoleão Nunes Maia e pelo desembargador convocado Celso Limongi.
Em seu voto de desempate, o então presidente, ministro Paulo Gallotti, afirmou que, mesmo trazendo eventuais dificuldades em alguns casos, deveria ser feito o esforço de determinar qual a hipótese exata em julgamento em cada processo, em vez de simplesmente decidir pela aplicação de uma ou outra regra de competência, já que se tratava de definir o juiz natural das causas.
10) Obtenção de vantagem mediante uso de formulários falsos da Receita Federal – Agentes se passaram por auditores – Prejuízo à União não verificado – Competência da Justiça Estadual:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE FORMULÁRIOS FALSOS DA RECEITA FEDERAL E COMPETÊNCIA.
O fato de os agentes, utilizando-se de formulários falsos da Receita Federal, terem se passado por Auditores desse órgão com intuito de obter vantagem financeira ilícita de particulares não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Isso porque, em que pese tratar-se de uso de documento público, observa-se que a falsidade foi empregada, tão somente, em detrimento de particular.
Assim sendo, se se pudesse cogitar de eventual prejuízo sofrido pela União, ele seria apenas reflexo, na medida em que o prejuízo direto está nitidamente limitado à esfera individual da vítima, uma vez que as condutas em análise não trazem prejuízo direto e efetivo a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV, da CF).
STJ - CC 141.593-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/8/2015, DJe 4/9/2015.
11) Uso de documento falso – Crime praticado por brasileiro no exterior – Falsificação de documentos portugueses em território lusitano – Competência da Justiça Federal - Tratado de Cooperação – Extradição de nacional – Inadmissibilidade – Réu deve ser julgado no Brasil:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PENAL
CC 154.656-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 25/04/2018, DJe 03/05/2018 (Terceira Seção)
Crimes de falsificação de documento e uso de documento falso praticados por brasileiros em território estrangeiro. Cooperação internacional. Relações com estados estrangeiros e cumprimento de tratados firmados (CF/88, artigos 21, I, e 84, VII e VIII). Competência da União. Extradição de Nacional. Inadmissibilidade.
Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior que tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição.
Cumpre registrar, inicialmente, que a Terceira Seção possui precedentes que trilham em sentidos opostos acerca da competência para a ação penal nos casos de aplicação da lei brasileira aos crimes praticados por nacionais no exterior. Na hipótese, apura-se a participação de brasileiros em suposto esquema de falsificação de documentos públicos portugueses no território lusitano, a fim de posterior uso para ingressar no Canadá e nos EUA.
Por se tratar de crime praticado por agente de nacionalidade brasileira, não é possível a extradição, em conformidade com o art. 5º, LI, da CF/88.
Aplicável, no caso, o Decreto n. 1.325/1994, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Tratado de Extradição entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, no qual estabelece, na impossibilidade de extradição por ser nacional da parte requerida, a obrigação de "submeter o infrator a julgamento pelo Tribunal competente e, em conformidade com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram, ou poderiam ter fundamentado, o pedido de extradição" (art. IV, 1, do Tratado de Extradição).
Além disso, cabe à União, segundo dispõem os arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da Carta da República, manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, no caso, o Direito Penal interno e não seja possível a extradição.
No plano interno, em decorrência da repercussão das relações da União com estados estrangeiros e o cumprimento dos tratados internacionais firmados, a cooperação passiva, a teor dos arts. 105 e 109, X, da CF/88, impõe a execução de rogatórias pela Justiça Federal após a chancela por esta Corte Superior.
Assim, compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF/88.
Falsificação de documento particular (Redação dada pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos, e multa.
Falsificação de cartão (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito. (Incluído pela Lei n.º 12.737, de 2012) Vigência
Jurisprudência:
01) Apresentação à Receita Federal de recibos falsos – Quitação dos débitos que resultou em trancamento da ação penal – Prosseguimento do processo em relação aos crimes de falsificação e de uso de documento falso:
SONEGAÇÃO FISCAL. ABSORÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO. DOCUMENTO FALSO. (Informativo n.º 455 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de recurso especial interposto pelo MP que busca a reforma do acórdão recorrido para que se determine o prosseguimento da apuração dos delitos previstos nos arts. 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso), ambos do CP.
Noticiam os autos que o recorrido fez deduções em sua declaração de imposto de renda de despesas médico-odontológicas e, quando exigidos os comprovantes do efetivo pagamento das referidas despesas, o recorrido utilizou recibos falsos para tentar dar aparência de veracidade às informações prestadas ao Fisco, praticando, assim, o delito de falsidade ideológica.
In casu, foi instaurado inquérito policial contra o recorrido a fim de apurar a eventual prática do crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária).
No entanto, impetrado habeas corpus em seu favor, a ordem foi concedida para determinar o trancamento do inquérito policial, visto que houve o pagamento integral do débito tributário.
Daí o REsp do MP, discutindo se o crime de sonegação fiscal absorve a eventual prática dos crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso.
Para a Min. Relatora, não há como admitir que a extinção da punibilidade com relação ao crime de sonegação fiscal em razão da quitação integral dos débitos tributários atinja os demais crimes pelos quais estava sendo investigado o recorrido, visto que não há o nexo de dependência entre as condutas delituosas.
Pois, conforme consta do próprio acórdão recorrido, a falsidade ideológica e o uso de documento falso foram praticados após a consumação do crime contra a ordem tributária, no intuito de ocultar o crime praticado, o que, em se tratando de condutas diversas, evidencia a autonomia entre os delitos.
Diante do exposto, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para cassar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do inquérito policial. Precedentes citados: HC 98.993-MG, DJe 31/8/2009; HC 76.503-MG, DJe 8/2/2010, e HC 103.647-MG, DJe 4/8/2008.
STJ - REsp 996.711-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 9/11/2010.
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 01 (um) a 03 (três) anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
Jurisprudência:
01) Burla no sistema de distribuição processual – Duas petições idênticas a juízos especializados – Falsificação da segunda procuração não comprovada (sutil alteração no nome da parte) – Atipicidade - Ausência de perícia em uma das peças:
MATERIALIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. (Informativo n.º 435 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de HC impetrado contra acórdão do tribunal a quo em que se objetivava o trancamento da ação penal na qual a impetrante responde pela suposta prática dos delitos dispostos nos arts. 171 e 299, caput, ambos do CP, em razão do fato de que teria, supostamente, ingressado com duas ações idênticas perante os juízos especializados de defesa do consumidor, objetivando burlar a distribuição processual, falsificando a procuração acostada aos autos do segundo processo, alterando sutilmente o nome de seu cliente.
Sustenta a impetração a ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal em curso, na medida em que não haveria provas da materialidade e da autoria delitiva, pois a via original da suposta procuração falsa não teria sido remetida pelo juízo singular para a confecção da perícia necessária e, mesmo diante desse fato, o representante do órgão ministerial ofereceu denúncia sem a presença dos elementos essenciais. Diante disso, a Turma concedeu a ordem para trancamento da ação penal em curso contra a impetrante, reconhecendo, inclusive, a existência de constrangimento ilegal por ausência de justa causa (art. 395, III, CPP) para sua deflagração e continuidade, porquanto, da análise dos documentos acostados aos autos, não se verifica qualquer outro elemento mínimo e razoável que comprove a materialidade do delito e legitime o recebimento da denúncia. Precedente citado: AgRg na APn 510-BA, DJe 23/11/2009.
STJ - HC 124.379-BA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 20/5/2010.
02) Falsidade ideológica - Ato de advogado - Inserção de dado equivocado em petição - Atipicidade:
FALSIDADE IDEOLÓGICA. ADVOGADO. PETIÇÃO.
Mostra-se atípica a conduta do advogado que insere dado incorreto na petição de habeas corpus (corrigido nas informações da própria autoridade coatora).
Esse dado (o número de um procedimento administrativo fiscal que se mostrou ser o de uma representação fiscal para fins penais) lastreou-se em informações constantes da própria denúncia, a evidenciar o equívoco ou a falsa representação a respeito do fato objeto da falsidade.
Anote-se que, a par da ciência ou não do agente acerca do falso, não caracteriza o crime de falsidade ideológica a declaração que depende de confirmação ou controle posterior, pois ela não produz efeitos por sua própria força, tal como no caso, em que o dado inserto na petição foi confrontado pelo juízo com a informação correta da autoridade coatora, a Receita Federal, quanto mais se a petição judicial não pode ser tida por documento particular a amoldar-se ao elemento normativo do tipo penal do art. 299 do CP. Por último, vê-se que um exame mais aprofundado da prova pré-constituída jungida ao habeas corpus é possível se necessário para a constatação da existência de justa causa no recebimento da denúncia. Precedente citado do STF: HC 82.605-9-GO, DJ 11/4/2003.
STJ - HC 51.613-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25/9/2008.
03) Falsidade ideológica – Troca de foto em carteira de identidade por indivíduo procurado – Dolo específico demonstrado:
FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOLO ESPECÍFICO. NECESSIDADE. (Informativo n.º 453 do STJ – Sexta Turma)
O Ministério Público, na denúncia, assinalou que o paciente teria cometido o delito do art. 299 do CP (falsidade ideológica) pelo fato de ser procurado pela Justiça.
O tribunal a quo, na apelação, entendeu que o paciente teria inserido sua foto na carteira de identidade civil de outrem a fim de não ser reconhecido pela Justiça, haja vista existir mandado de prisão expedido em seu desfavor.
Logo, a Turma, por maioria, reiterou o entendimento de que, uma vez indicado pelas instâncias ordinárias o dolo específico do paciente, de maneira suficiente a configurar o crime pelo qual foi condenado, não cabe em habeas corpus analisar profundamente as provas para chegar à conclusão diversa. Assim, a Turma, por maioria, denegou a ordem. Precedentes citados: HC 139.269-PB, DJe 15/12/2009; HC 111.355-SP, DJe 8/3/2010, e HC 80.646-RJ, DJe 9/2/2009.
STJ - HC 132.992-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/10/2010.
04) Apresentação à Receita Federal de recibos falsos – Quitação dos débitos que resultou em trancamento da ação penal – Prosseguimento do processo em relação aos crimes de falsificação e uso de documento falso:
SONEGAÇÃO FISCAL. ABSORÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO. DOCUMENTO FALSO. (Informativo n.º 455 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de recurso especial interposto pelo MP que busca a reforma do acórdão recorrido para que se determine o prosseguimento da apuração dos delitos previstos nos arts. 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso), ambos do CP. Noticiam os autos que o recorrido fez deduções em sua declaração de imposto de renda de despesas médico-odontológicas e, quando exigidos os comprovantes do efetivo pagamento das referidas despesas, o recorrido utilizou recibos falsos para tentar dar aparência de veracidade às informações prestadas ao Fisco, praticando, assim, o delito de falsidade ideológica. In casu, foi instaurado inquérito policial contra o recorrido a fim de apurar a eventual prática do crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária). No entanto, impetrado habeas corpus em seu favor, a ordem foi concedida para determinar o trancamento do inquérito policial, visto que houve o pagamento integral do débito tributário. Daí o REsp do MP, discutindo se o crime de sonegação fiscal absorve a eventual prática dos crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso. Para a Min. Relatora, não há como admitir que a extinção da punibilidade com relação ao crime de sonegação fiscal em razão da quitação integral dos débitos tributários atinja os demais crimes pelos quais estava sendo investigado o recorrido, visto que não há o nexo de dependência entre as condutas delituosas. Pois, conforme consta do próprio acórdão recorrido, a falsidade ideológica e o uso de documento falso foram praticados após a consumação do crime contra a ordem tributária, no intuito de ocultar o crime praticado, o que, em se tratando de condutas diversas, evidencia a autonomia entre os delitos. Diante do exposto, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para cassar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do inquérito policial. Precedentes citados: HC 98.993-MG, DJe 31/8/2009; HC 76.503-MG, DJe 8/2/2010, e HC 103.647-MG, DJe 4/8/2008.
STJ - REsp 996.711-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 9/11/2010.
05) Crime de descaminho absorve falsidade ideológica (crime-meio) - Alteração de preço para não pagar tributo:
DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DA FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO CRIME DE DESCAMINHO.
Responderá apenas pelo crime de descaminho, e não por este em concurso com o de falsidade ideológica, o agente que, com o fim exclusivo de iludir o pagamento de tributo devido pela entrada de mercadoria no território nacional, alterar a verdade sobre o preço desta. Isso porque, na situação em análise, a primeira conduta realizada pelo agente, com adequação típica no art. 299 do CP, serve apenas como meio para alcançar o fim pretendido, qual seja, a realização do fato previsto como crime no art. 334 do CP. Trata-se, pois, de uma das hipóteses em que se aplica o princípio da consunção, quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime. Nesse contexto, evidenciado o nexo entre as condutas e inexistindo dolo diverso que enseje a punição do falso como crime autônomo, fica este absorvido pelo descaminho.
STJ - RHC 31.321-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/5/2013.
06) Crime de sonegação fiscal absorve o de falsidade ideológica e de uso de documento falso:
DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO PELO DE SONEGAÇÃO FISCAL.
O crime de sonegação fiscal absorve o de falsidade ideológica e o de uso de documento falso praticados posteriormente àquele unicamente para assegurar a evasão fiscal. Após evolução jurisprudencial, o STJ passou a considerar aplicável o princípio da consunção ou da absorção quando os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica – crimes meio – tiverem sido praticados para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do pretendido crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito fim. Cabe ressalvar que, ainda que os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica sejam cometidos com o intuito de sonegar o tributo, a aplicação do princípio da consunção somente tem lugar nas hipóteses em que os crimes meio não extrapolem os limites da incidência do crime fim. Aplica-se, assim, mutatis mutandis, o comando da Súmula 17 do STJ (Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.714-MG, Quinta Turma, DJe 5/11/2013; AgRg no REsp 1.241.771-SC, Sexta Turma, DJe 3/10/2013.
STJ - EREsp 1.154.361-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/2/2014.
07) Falsidade ideológica - Crime envolvendo junta comercial – Competência da Justiça Estadual:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR CRIME ENVOLVENDO JUNTA COMERCIAL.
Compete à Justiça Estadual processar e julgar a suposta prática de delito de falsidade ideológica praticado contra Junta Comercial.
O art. 6º da Lei 8.934/1994 prescreve que as Juntas Comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão federal. Ao interpretar esse dispositivo legal, a jurisprudência do STJ sedimentou o entendimento de que, para se firmar a competência para processamento de demandas que envolvem Junta Comercial de um estado, é necessário verificar a existência de ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União, conforme determina o art. 109, IV, da CF. Caso não ocorra essa ofensa, como na hipótese em análise, deve-se reconhecer a competência da Justiça Estadual. Precedentes citados: CC 119.576-BA, Terceira Seção, DJe 21.6.2012; CC 81.261-BA, Terceira Secão, DJe 16.3.2009.
STJ - CC 130.516-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/2/2014.
08) Falsidade ideológica – Declaração falsa em currículo – Documento sem assinatura digital - Atipicidade:
DIREITO PENAL - RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017.
Crime de falsidade ideológica. Currículo Lattes. Dado que não condiz com a realidade. Conduta atípica.
Crime de falsidade ideológica. Não é típica a conduta de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade.
A plataforma Lattes é virtual e nela o usuário, mediante imposição do "login" e senha, insere as informações. Não se trata de um escrito palpável, ou seja, um papel do mundo real, mas de uma página em um sítio eletrônico. Nesse sentido, embora possa existir "documento eletrônico", não está ele presente no caso concreto, porquanto somente pode ser assim denominado aquele constante de página ou sítio na rede mundial de computadores que possa ter sua autenticidade aferida por assinatura digital.
A regulamentação que garante a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica se dá pela Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e a responsabilidade por essa base é da Autarquia Federal, o ITI – Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da República. Reitere-se que, na hipótese, não se pode ter como documento o currículo inserido na plataforma virtual Lattes do CNPq, porque desprovido de assinatura digital e, pois, sem validade jurídica. Mas ainda que pudesse ser considerada a sua validade, para fins penais, tem-se que, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o Currículo Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão ser objeto de aferição por quem nelas tem interesse, o que denota atipicidade. Nesse sentido, a doutrina afirma que "havendo necessidade de comprovação - objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo, dissociada da realidade".
09) Falsidade ideológica - Retratação de testemunha por documento registrado em cartório - Atipicidade:
EMENTA: 1. Falsidade ideológica. 2. Petição de advogado, dirigida ao Juiz, contendo a retratação de testemunha registrada em cartório, não é considerada documento idôneo para os fins de reconhecimento do tipo penal previsto no art. 299 do Código Penal. 3. Ausência de dano relevante provocado pela declaração, tendo em vista a confirmação inicial do depoimento. 4. Ocorrência de constrangimento ilegal. 5. O escrito submetido à verificação não constitui o falsum intelectual. Precedente aplicado: RHC no 43.396-RS, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, DJ de 22.08.1966. 6. Falta de justa causa para a ação penal. Superação da tese de que a investigação adequada para averiguar a procedência ou não da acusação deve ser realizada no curso da ação penal. Precedentes citados: HC no 71.622-MT, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 08.09.1995, RHC no 81.034-SP, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 10.05.2002, HC no 81.256-SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 14.12.2001. 7. No caso concreto, o depoimento inicialmente prestado pela testemunha foi confirmado em momento posterior, perante juízo competente. A declaração ofertada com o suposto auxílio do paciente não pode ser considerada documento para os fins penais do art. 299 do CP. 8. Recurso de habeas corpus provido (STF HC 85064)
10) Falsidade ideológica - Declaração de pobreza - Documento sujeito à comprovação posterior - Atipicidade:
FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO. POBREZA.
Para o Min. Relator, a declaração de pobreza fora das hipóteses da Lei n. 1.060/1950, com a finalidade de obter o benefício da gratuidade judiciária, por si só, não se amolda ao delito tipificado no art. 299 do CP (falsidade ideológica), uma vez que essa declaração, em si mesma, goza da presunção juris tantum que está sujeita à comprovação posterior realizada de ofício pelo magistrado ou mediante impugnação (art. 5º da citada lei), portanto não constitui documento para fins penais.
Destaca ser também nesse sentido o entendimento do STF. Precedente citado do STF: HC 85.976-3-MT, DJ 24/2/2006.
STJ - REsp 1.044.724-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/9/2008.
11) Falsidade ideológica - Omissão de cargo em documento público (laudo) - Documento para obter título de propriedade rural - Responsabilidade do subscritor conferir o documento que assina:
APN. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO PÚBLICO.
O réu, conselheiro do Tribunal de Contas estadual, foi denunciado pela prática do crime tipificado no art. 299 do CP, pois, em laudo de vistoria de imóvel (por ele assinado sob termo de responsabilidade) constante de processo administrativo conduzido pelo Incra, com fins de subsidiar a emissão de título de propriedade rural, no preenchimento do respectivo formulário, omitiu do técnico responsável sua condição, à época, de prefeito municipal (pela segunda vez) da localidade onde se situa o imóvel, ao declarar que não exercia função pública ou mandato eletivo. Anote-se que o réu, em interrogatório, não contesta o fato de que firmou sua assinatura no laudo. Daí que, conforme o conjunto da prova, efetivamente fez, em documento público, declaração diversa da que devia ser escrita. Anote-se que essa resposta à pergunta inequívoca e relacionada a fato juridicamente relevante era condição sine qua non à obtenção do título dominial (frise-se, sob condição resolutiva), registro ora em vias de cancelamento (Lei n. 4.504/1964 e Lei n. 4.947/1966). Diante disso, a Corte Especial julgou procedente a denúncia para condenar o réu nas sanções do referido artigo do CP, que foram substituídas por pena de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, as duas dirigidas a entidades voltadas às políticas agrárias. Gizou-se não haver como prosperar a alegação de que o réu ignorava o conteúdo do documento, pois se está no trato de impedimento notório na seara da divisão de terras (art. 25, § 3º, da Lei n. 4.504/1964), e pesar o fato de o réu, durante todo o curso do processo perante o Incra, nunca declinar o exercício de seu mandato eletivo de prefeito (ou mesmo deputado estadual). Não há como, também, atribuir a outrem a hipotética falha em preencher o documento, visto que se tem por certo que as respostas foram ditadas e que o réu subscritor era o responsável pela veracidade dessas informações. Exsurgem, daí, como induvidosas a materialidade e a autoria do fato subsumido no tipo do art. 299 do CP. Por fim, esclareça-se que o antecedente registrado (ação penal em curso neste Superior Tribunal), apesar de ser óbice ao deferimento do sursis processual, não pode ser considerado na individualização da resposta penal em razão da força que tem a presunção da não culpabilidade.
STJ - APn 239-RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgada em 19/8/2009.
12) Declaração falsa em documento - Estrangeiro em pedido de residência - Revogação do Estatuto do Estrangeiro - Continuidade normativo típica da ação com base no CP:
DIREITO PENAL - AgRg no AREsp 1.422.129-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/11/2019, DJe 12/11/2019 (Informativo n.º 660 do STJ - Quinta Turma)
Estatuto do estrangeiro. Revogação. Lei n.º 13.445/2017. Declaração falsa em pedido de residência provisória. Alteração da capitulação jurídica. Continuidade normativo típica. Art. 299 do Código Penal.
A conduta prevista no revogado art. 125, XIII, da Lei n.º 6.815/1980, subsume-se agora ao art. 299 do Código Penal.
Insta salientar, inicialmente, que a Lei n.º 6.815/1980 foi expressamente revogada pela Lei n. 13.445/2017. No entanto, a conduta de fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer ou, quando exigido, visto de saída, prevista no art. 125, XIII, da Lei n.º 6.815/1980, não deixou de ser crime no Brasil com a revogação da referida lei, não havendo que se falar em abolitio criminis, mas subsume-se agora ao art. 299 do Código Penal. Operou-se, na espécie, o princípio da continuidade normativa típica.
13) Falsidade ideológica - Prescrição - Crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no tempo - Termo inicial - Consumação do delito:
DIREITO PENAL - RvCr 5.233-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/05/2020, DJe 25/05/2020 (Informativo n.º 672 do STJ - Terceira Seção)
Falsidade ideológica. Crime instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no tempo. Prescrição da pretensão punitiva. Termo inicial. Consumação do delito.
Na falsidade ideológica, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva é o momento da consumação do delito e não o da eventual reiteração de seus efeitos.
A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no tempo. A despeito dos efeitos que possam, ou não, gerar, ela se consuma no momento em que é praticada a conduta. Diante desse contexto, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva é o momento da consumação do delito e não o da eventual reiteração de seus efeitos. No caso, os falsos foram praticados em 2003 e 2007, quando as sócias "laranja" foram incluídas, pela primeira vez, no contrato social da empresa. Erra-se ao afirmar que teriam sido reiterados quando, por ocasião das alterações contratuais ocorridas em 21/06/2010, 1°/06/2011 e 26/07/2011, deixou-se de regularizar o nome dos sócios verdadeiramente titulares da empresa, mantendo-se o nome dos "laranjas". Isso porque não há como se entender que constitui novo crime a omissão em corrigir informação falsa por ele inserida em documento público, quando teve oportunidade para tanto. Tampouco há como se entender que a lei pune um crime instantâneo porque ele continua produzindo efeitos depois de sua consumação.
Falso reconhecimento de firma ou letra
Art. 300 - Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não seja:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público; e de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Certidão ou atestado ideologicamente falso
Art. 301 - Atestar ou certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Falsidade material de atestado ou certidão
§ 1.º - Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem:
Pena - detenção, de três meses a dois anos.
§ 2.º - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade, a de multa.
Notas:
- O crime de falsidade absorve o de uso, respondendo o agente por crime único, segundo jurisprudência do STJ. O uso funciona como post factum impunível (hipótese de incidência do princípio da consunção). (CESPE, 2006).
- O crime de falsidade material de atestado ou certidão prevê pena de detenção ao agente que o pratica. No entanto, se o crime for praticado com o fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade, a pena de multa. (CESPE, 2008)
Jurisprudência:
01) Falsificação de certidão de ajuizamento de ação judicial na Justiça Federal – Competência da Justiça Estadual – Ausência de lesão à União:
COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO. CERTIDÃO. (Informativo n.º 441 do STJ – Sexta Turma)
O documento que se tem por falsificado, certidão de distribuição de ações e execuções, cuja expedição é atribuição da Justiça Federal, foi utilizado para fins particulares na celebração de compromisso de compra e venda.
Dessarte, não há lesão a interesse, bem ou serviço da União a ponto de determinar a competência da Justiça Federal, pois foi o particular quem sofreu o prejuízo, o que determina a competência da Justiça estadual para apreciar a suposta prática do delito de falsificação. Precedentes citados: CC 104.893-SE, DJe 29/3/2010, e CC 45.243-SC, DJ 28/11/2005.
STJ - HC 143.645-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 5/8/2010.
02) Falsificação de certidão emitida por autarquia federal – Competência da Justiça Federal:
Falsificação de Certidão Emitida por Autarquia Federal:
RE N. 468.783-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
COMPETÊNCIA - DOCUMENTO FALSO. Conforme disposto no artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, a falsidade de certidão emitida por autarquia federal direciona à competência da Justiça Federal.
Falsidade de atestado médico
Art. 302 - Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:
Pena - detenção, de um mês a um ano.
Parágrafo único - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Nota:
- O médico que, no exercício de sua profissão, fornecer atestado médico falso, pratica o crime de falsidade de atestado médico, que, se cometido com o intuito de lucro, deve ser punido de forma mais severa. (CESPE, 2008).
Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica
Art. 303 - Reproduzir ou alterar selo ou peça filatélica que tenha valor para coleção, salvo quando a reprodução ou a alteração está visivelmente anotada na face ou no verso do selo ou peça:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos, e multa.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, para fins de comércio, faz uso do selo ou peça filatélica.
Uso de documento falso
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 297 do Código Penal.
- Vide: Art. 109 da CF/1988 - Crimes de competência da Justiça Federal.
- Vide: Decreto n.º 9.278/2018 - Regulamenta a expedição da Carteira de Identidade.
Notas:
- Vide: Súmula Vinculante 36 do STF - Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.
- O crime de falsidade absorve o de uso, respondendo o agente por crime único. O uso funciona como post factum impunível (hipótese de incidência do princípio da consunção). Vide notas aos crimes de falsificação.
- Apreensão por Autoridade Incompetente – Atipicidade: É necessário à caracterização do crime do art. 304 do CP que o documento falso seja efetivamente usado em sua destinação específica. Por isso, não pratica o crime em comento o agente que tem o mencionado documento apreendido por autoridade incompetente. (CESPE, 2008).
- Vide notas ao art. 305 do CTB sobre autodefesa.
- Vide notas ao art. 307 do CP: Falsa identidade vs. autodefesa. Tipicidade.
Jurisprudência:
01) Uso de documento falso – Impossibilidade de alegação de autodefesa:
HC N. 111.706-SP
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. 1. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA DE USO DESSE DOCUMENTO COM A FINALIDADE DE OCULTAR SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS. NÃO HÁ FALAR EM EXERCÍCIO DA AUTODEFESA. 2. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE EM RAZÃO DE FATO AUTÔNOMO DAQUELES QUE ENSEJARAM A CONDENAÇÃO PELO USO DE DOCUMENTO FALSO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA EM HABEAS CORPUS. 3. REITERAÇÃO DELITIVA CONSIDERADA NA PRIMEIRA E NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM CARACTERIZADO.
1. Alegação de atipicidade da conduta imputada ao Paciente. Uso de documento falso com a finalidade de ocultar situação irregular no país, que não caracteriza o exercício da autodefesa.
2. Delito de tráfico internacional praticado pelo Paciente em 7.4.2008. Denúncia relativa à imputação da prática dos delitos previstos no art. 304 c/c 297 do Código Penal pela utilização de documento falso em momentos distintos. Inexistência de bis in idem. Impossibilidade de reexame de fatos e de provas em habeas corpus.
3. Reiteração da conduta imputada ao Paciente considerada na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, com a aplicação da causa de aumento da continuidade delitiva do art. 71 do Código Penal. Bis in idem caracterizado.
4. Ordem parcialmente concedida para determinar que o juízo da 1ª Vara Federal de Guarulhos, Seção Judiciária de São Paulo, refaça a dosimetria da pena do Paciente sem considerar a reiteração delitiva do Paciente em bis in idem e, em razão da nova pena a ser imposta, reexamine os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para a fixação do regime prisional.
USO SE DOCUMENTO FALSO: TIPICIDADE DA CONDUTA E PRINCÍPIO DA AUTODEFESA.
A Turma denegou habeas corpus no qual se postulava o reconhecimento da atipicidade da conduta praticada pelo paciente – uso de documento falso (art. 304 do CP) – em razão do princípio constitucional da autodefesa. Alegava-se, na espécie, que o paciente apresentara à autoridade policial carteira de habilitação e documento de identidade falsos, com objetivo de evitar sua prisão, visto que foragido do estabelecimento prisional, conduta plenamente exigível para a garantia de sua liberdade. O Min. Relator destacou não desconhecer o entendimento desta Corte de que não caracteriza o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do CP, a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade à autoridade policial para ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que atuou amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXII, da CF. Considerou, contudo, ser necessária a revisão do posicionamento desta Corte para acolher entendimento recente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário, proferido no julgamento do RE 640.139-DF, quando reconhecida a repercussão geral da matéria. Ponderou-se que, embora a aludida decisão seja desprovida de caráter vinculante, deve-se atentar para a finalidade do instituto da repercussão geral, qual seja, uniformizar a interpretação constitucional. Conclui-se, assim, inexistir qualquer constrangimento ilegal suportado pelo paciente uma vez que é típica a conduta daquele que à autoridade policial apresenta documentos falsos no intuito de ocultar antecedentes criminais negativos e preservar sua liberdade.
STJ - HC 151.866-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º/12/2011.
USO. DOCUMENTO FALSO. AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE.
A Turma, após recente modificação de seu entendimento, reiterou que a apresentação de documento de identidade falso no momento da prisão em flagrante caracteriza a conduta descrita no art. 304 do CP (uso de documento falso) e não constitui um mero exercício do direito de autodefesa.
Precedentes citados STF: HC 103.314-MS, DJe 8/6/2011; HC 92.763-MS, DJe 25/4/2008; do STJ: HC 205.666-SP, DJe 8/9/2011.
STJ - REsp 1.091.510-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 8/11/2011.
02) Uso de documento com falsificação grosseira – Crime impossível – CNH:
Uso de falsificação grosseira de documento não é crime
Notícias do STJ - DECISÃO - 11/03/2010 - 11h49 – STJ – HC 119054
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um cidadão de São Paulo do crime de falsificação de uma carteira nacional de habilitação (CNH). Ele havia sido condenado a dois anos de reclusão, mas a Sexta Turma reconheceu que, por ser grosseira e notada por uma pessoa comum, a falsificação não constitui crime, pela ineficácia do meio empregado.
A decisão se baseou em voto do desembargador convocado Haroldo Rodrigues, relator do habeas corpus. Ele destacou um precedente do STJ do ano de 2007, quando a Quinta Turma, pela mesma razão, acabou inocentando uma pessoa do crime de falsificação de CNH (Resp 838.344). A decisão da Sexta Turma foi unânime.
No processo analisado, o cidadão foi absolvido em primeiro grau, mas o Ministério Público de São Paulo apelou. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão, considerou o ato como crime e condenou o homem a dois anos de reclusão por falsificação de documento e uso de documento público falso. O TJSP considerou que “o elemento subjetivo do crime consiste na vontade de fazer uso de documento falso e no conhecimento da falsidade, pouco importando seja ela grosseira e de fácil constatação ou não”. A pena foi substituída por duas medidas restritivas de direito.
Foi, então, que o habeas corpus chegou ao STJ. A tese de que a falsificação grosseira constitui “crime impossível”, porque o meio utilizado é ineficaz, foi acolhida pela Sexta Turma.
03) Uso de documento falso – Indiferente se é apresentado ou é apreendido pelo preso:
Notícias do STF:
Negada liminar a condenado por falsidade ideológica e uso de documento falso
Segunda-feira, 12 de Abril de 2010
Condenado pela Justiça Federal de primeiro grau em São Paulo a dois anos e seis meses de reclusão em regime inicial semiaberto pela prática dos crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica (artigo 304 combinado com o artigo 299 do Código Penal – CP), Steve Alexandre teve negado o pedido de liminar em que pedia o arquivamento da ação penal contra ele movida e, subsidiariamente, o reconhecimento da prescrição do crime ou que o ato não seja considerado um crime.
O ministro José Antonio Dias Toffoli, relator do Habeas Corpus (HC) 103313, no qual o pedido foi formulado, indeferiu-o, assim como o pleito para que o processo fosse imediatamente remetido ao juízo estadual competente.
A Defensoria Pública da União (DPU), que atua em defesa de Steve, alega incompetência da Justiça Federal para processá-lo e julgá-lo, sustentando falta de conexão entre o crime imputado a dois corréus presos juntamente com ele (falsificação de moeda) e os delitos a ele imputados, tanto que a ação penal originária foi desmembrada para que ele fosse processado separadamente.
Steve foi preso em flagrante em 17 de agosto de 2006 durante uma diligência policial, juntamente com dois corréus, após ter tentado evadir-se do local e, na ocasião, apresentou documento de identidade que não era o seu. Inicialmente, foi também denunciado por falsificação de moeda, mas posteriormente o Ministério Público alterou a denúncia, retirando esta acusação.
Negativas
A DPU interpôs apelação ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que entendeu que a apuração do crime seria de competência da Justiça Federal e, no mérito, indeferiu o recurso. Também um HC impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi negado pela corte, que não aceitou a alegação de que o documento foi encontrado em poder de Steve durante revista policial.
Em sua decisão, o STJ louvou-se em jurisprudência do próprio tribunal, segundo a qual é irrelevante, para a caracterização do crime de uso de documento falso, que o agente use o documento por exigência da autoridade policial.
Ademais, sustentou que HC não é instrumento adequado para o exame de provas.
Decisão
Ao decidir, o ministro Dias Toffoli observou que o deferimento de liminar em HC “é medida de caráter excepcional, cabível apenas se a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano, ou quando a situação apresentada nos autos representar manifesto constrangimento ilegal, o que não se verifica na espécie”.
Além disso, segundo ele, não há nenhuma ilegalidade na decisão do STJ que justificasse a concessão de liminar, pois o acórdão proferido encontra-se motivado para formação do convencimento daquela corte.
Ainda segundo o ministro Dias Toffoli, o STJ não examinou a questão relativa à incompetência do Juízo Federal para processar e julgar Steve. E esse fato impede o exame da matéria pelo STF. O ministro lembrou que a questão foi examinada na sentença condenatória e, como preliminar, também no julgamento da apelação no TRF-3, mas a DPU não a colocou ao exame do STJ.
Processo Relacionado: 103313
04) Uso de documento falso para praticar sonegação fiscal – Absorção – Possibilidade:
DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO PELO DE SONEGAÇÃO FISCAL.
O crime de sonegação fiscal absorve o de falsidade ideológica e o de uso de documento falso praticados posteriormente àquele unicamente para assegurar a evasão fiscal.
Após evolução jurisprudencial, o STJ passou a considerar aplicável o princípio da consunção ou da absorção quando os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica – crimes meio – tiverem sido praticados para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do pretendido crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito fim.
Cabe ressalvar que, ainda que os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica sejam cometidos com o intuito de sonegar o tributo, a aplicação do princípio da consunção somente tem lugar nas hipóteses em que os crimes meio não extrapolem os limites da incidência do crime fim.
Aplica-se, assim, mutatis mutandis, o comando da Súmula 17 do STJ (Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.366.714-MG, Quinta Turma, DJe 5/11/2013; AgRg no REsp 1.241.771-SC, Sexta Turma, DJe 3/10/2013.
STJ - EREsp 1.154.361-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/2/2014.
FALSO. SONEGAÇÃO FISCAL. (Informativo n.º 440 do STJ – Sexta Turma)
Os impetrantes buscam o trancamento da ação penal, ao sustentar que o crime de uso de documento falso (recibos apresentados ao Fisco três anos após a declaração de imposto de renda com o fim de justificá-la) deveria ser absorvido pelo delito de sonegação fiscal, também em questão.
Da leitura da denúncia, percebe-se que os documentos foram forjados e utilizados com um único fim, o de instrumentalizar a fraude fiscal, o desfalque ao erário, daí ser imperioso, em respeito à jurisprudência deste Superior Tribunal, o reconhecimento da absorção, como medida de política criminal, em sintonia com o entendimento cristalizado na Súm. n. 17-STJ.
Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu, por maioria, a ordem.
O voto vencido entendia que, na hipótese, a falsificação consubstanciava delito autônomo.
Precedentes citados do STF: HC 84.453-PB, DJ 4/2/2005; do STJ: HC 70.930-SP, DJe 17/11/2008, e HC 94.452-SP, DJe 8/9/2008.
STJ - HC 111.843-MT, Rel. originário Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/6/2010.
05) Uso de documento falso produzido pelo mesmo agente – Conduta posterior impunível – Condenação apenas pela falsificação de documento:
USO. DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO. CRIME ÚNICO. (Informativo n.º 452 do STJ – Sexta Turma)
Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90 dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa.
Em sede de apelação, o tribunal a quo manteve a sentença.
Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito.
Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente.
Para o Min. Relator, seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida, faz uso dele, responde apenas pela falsificação.
Destarte, impõe-se o afastamento da condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a imputação de falsificação de documento público.
Registrou que, apesar de seu comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.
Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior.
Diante dessas considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.
Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ 8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002.
STJ - HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 19/10/2010.
06) Falsificação, uso de documento falso e tráfico internacional de drogas – Momentos distintos – Ausência de bis in idem:
HC N. 111.706-SP
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. 1. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA DE USO DESSE DOCUMENTO COM A FINALIDADE DE OCULTAR SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS. NÃO HÁ FALAR EM EXERCÍCIO DA AUTODEFESA. 2. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE EM RAZÃO DE FATO AUTÔNOMO DAQUELES QUE ENSEJARAM A CONDENAÇÃO PELO USO DE DOCUMENTO FALSO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA EM HABEAS CORPUS. 3. REITERAÇÃO DELITIVA CONSIDERADA NA PRIMEIRA E NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM CARACTERIZADO.
1. Alegação de atipicidade da conduta imputada ao Paciente. Uso de documento falso com a finalidade de ocultar situação irregular no país, que não caracteriza o exercício da autodefesa.
2. Delito de tráfico internacional praticado pelo Paciente em 7.4.2008. Denúncia relativa à imputação da prática dos delitos previstos no art. 304 c/c 297 do Código Penal pela utilização de documento falso em momentos distintos. Inexistência de bis in idem. Impossibilidade de reexame de fatos e de provas em habeas corpus.
3. Reiteração da conduta imputada ao Paciente considerada na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, com a aplicação da causa de aumento da continuidade delitiva do art. 71 do Código Penal. Bis in idem caracterizado.
4. Ordem parcialmente concedida para determinar que o juízo da 1ª Vara Federal de Guarulhos, Seção Judiciária de São Paulo, refaça a dosimetria da pena do Paciente sem considerar a reiteração delitiva do Paciente em bis in idem e, em razão da nova pena a ser imposta, reexamine os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para a fixação do regime prisional.
07) Apresentação à Receita Federal de recibos falsos – Quitação dos débitos que resultou em trancamento da ação penal – Prosseguimento do processo em relação aos crimes de falsificação e uso de documento falso:
SONEGAÇÃO FISCAL. ABSORÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO. DOCUMENTO FALSO. (Informativo n.º 455 do STJ – Quinta Turma)
Trata-se de recurso especial interposto pelo MP que busca a reforma do acórdão recorrido para que se determine o prosseguimento da apuração dos delitos previstos nos arts. 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso), ambos do CP. Noticiam os autos que o recorrido fez deduções em sua declaração de imposto de renda de despesas médico-odontológicas e, quando exigidos os comprovantes do efetivo pagamento das referidas despesas, o recorrido utilizou recibos falsos para tentar dar aparência de veracidade às informações prestadas ao Fisco, praticando, assim, o delito de falsidade ideológica. In casu, foi instaurado inquérito policial contra o recorrido a fim de apurar a eventual prática do crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária). No entanto, impetrado habeas corpus em seu favor, a ordem foi concedida para determinar o trancamento do inquérito policial, visto que houve o pagamento integral do débito tributário. Daí o REsp do MP, discutindo se o crime de sonegação fiscal absorve a eventual prática dos crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso. Para a Min. Relatora, não há como admitir que a extinção da punibilidade com relação ao crime de sonegação fiscal em razão da quitação integral dos débitos tributários atinja os demais crimes pelos quais estava sendo investigado o recorrido, visto que não há o nexo de dependência entre as condutas delituosas. Pois, conforme consta do próprio acórdão recorrido, a falsidade ideológica e o uso de documento falso foram praticados após a consumação do crime contra a ordem tributária, no intuito de ocultar o crime praticado, o que, em se tratando de condutas diversas, evidencia a autonomia entre os delitos. Diante do exposto, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para cassar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do inquérito policial. Precedentes citados: HC 98.993-MG, DJe 31/8/2009; HC 76.503-MG, DJe 8/2/2010, e HC 103.647-MG, DJe 4/8/2008.
STJ - REsp 996.711-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 9/11/2010.
08) Apresentação de documento falso – Conduta perpetrada por agente público de cargo elevado e com nível superior – Culpabilidade acentuada que autoriza elevação da pena-base:
DOCUMENTO FALSO. CARGO PÚBLICO RELEVANTE. ELEVAÇÃO. CULPABILIDADE. (Informativo n.º 481 do STJ – Quinta Turma)
A Turma decidiu que não há constrangimento ilegal em fixar a pena-base acima do mínimo legal, considerando-se mais elevada a culpabilidade do paciente, ocupante de cargo público relevante, com alto grau de instrução, por ter apresentado, em uma barreira de fiscalização policial, documento público falsificado, praticando, assim, o crime do art. 304 do CP.
Para os ministros, ratificando acórdão do tribunal a quo, o grau de culpabilidade do denunciado seria superior ao ordinário, porque exercia, no momento da infração, entre outros, o cargo de secretário de Estado adjunto e era detentor de três cursos superiores.
Por tanto, o paciente tinha maiores condições de entender o caráter ilícito do seu ato, razão pela qual não se mostra injustificada a decisão que considerou um pouco mais elevada a sua culpabilidade.
STJ - HC 194.326-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/8/2011.
09) Uso de documento falso - Falsa carta de fiança da CEF - Competência estadual - Ausência de interesse da União:
Notícias do STJ: DECISÃO - HC 186398
Uso de falsa carta de fiança da CEF é crime de competência estadual
O uso, em negócio particular, de falsa carta de fiança da Caixa Econômica Federal (CEF) não configura, por si, lesão a bem ou interesse da União. Por isso, a competência para esse crime é da Justiça estadual, não da Justiça Federal.
No caso analisado, o documento supostamente falso foi usado em contestação em ação cível de nunciação de obra nova. Ela serviria para prestar caução.
Conforme o relator, desembargador convocado Campos Marques, o processo não revela nenhuma lesão a interesses, bens ou serviços da União. Assim, não se justifica o deslocamento da competência para a Justiça Federal, como pretendia a defesa.
10) Apresentação de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa a policial rodoviário federal - Competência da Justiça Federal para processar a ação penal:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. JUSTIÇA ESTADUAL. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO FALSA APRESENTADA À POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. LESÃO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA UNIÃO. PRECEDENTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Apresentar carteira nacional de habilitação falsa à autoridade da Polícia Rodoviária Federal constitui lesão a bem jurídico tutelado pela União. Precedentes.
2. Neste caso, a carteira nacional de habilitação falsa foi apresentada a policiais rodoviários federais, em abordagem de rotina.
3. Reconhecimento de competência da Justiça federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.
4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara de Juiz de Fora - SJ/MG, ora suscitado.
(STJ - CC 131.113/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 17/12/2013)
11) Uso de documento falso – Desnecessidade de perícia:
HABEAS CORPUS. FALSA IDENTIDADE. ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IRRELEVÂNCIA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTRAS PROVAS. DISPENSABILIDADE. ART. 307. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. NÃO-CONFIGURAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ORDEM DENEGADA.
1. A ausência do laudo pericial não afasta o crime de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal), que se consuma com a simples utilização de documentos comprovadamente falsos, dada a sua natureza de delito formal.
2. Em se considerando que a conduta do Paciente não se deu imediatamente a uma abordagem policial, tampouco visou evitar a própria prisão, já que se encontrava em prisão albergue domiciliar, não havendo contra ele qualquer mandado de prisão, não há falar em exercício da autodefesa, até porque agiu visando vantagem indevida, qual seja, não ser parado em barreiras policiais.
3. Ordem denegada.
(STJ - HC 134.341/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011)
12) Uso de documento militar falso por civil – Competência da Justiça Federal:
Ministro determina que Justiça Federal julgue civil acusado de uso de documento militar falso
Apoiado em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli concedeu o Habeas Corpus (HC) 120913 para declarar que não cabe à Justiça Militar julgar um civil acusado do crime de uso de documento militar falso (artigo 315 do Código Penal Militar – CPM).
Em consequência, anulou todos os atos processuais praticados na ação penal em curso contra P.R.F. na 4ª Auditoria da 1ª Circunscrição da Justiça Militar (CJM), reconhecendo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o caso.
O acusado teria se utilizado de documento falso da Marinha do Brasil, a Caderneta de Inscrição e Registro (CIR), junto a empresas particulares. Consta dos autos que ele usou a carteira para embarcar e prestar serviço em diversos navios de frota privada. O juiz auditor decidiu pela incompetência da Justiça Militar, por entender que o fato criminoso não gerou prejuízo à Marinha e que seu autor só pretendia usar a carteira para obter trabalho em navios privados.
O Ministério Público Militar, entretanto, interpôs recurso ao Superior Tribunal Militar (STM), que lhe deu provimento para reconhecer a competência da Justiça Militar. É contra essa decisão que a defesa impetrou HC no Supremo. Em 6 de fevereiro passado, o relator, ministro Dias Toffoli, já havia concedido liminar suspendendo o andamento do procedimento penal.
Alegações
A defesa alegou que o uso do documento falso afeta não a Marinha, mas sim empresa particular e o direito de terceiros, mas nunca a estrutura militar. Além disso, de acordo com os advogados, existem provas de que o documento não foi forjado no interior de unidade militar. Tampouco, segundo a defesa, houve participação de militares ou funcionários civis de instituições militares na confecção do documento falso, que também não teria sido gerado no interior da capitania dos portos, e a assinatura nele aposta não conferiria com a do militar responsável por sua expedição.
Decisão
Em sua decisão, o ministro Dias Toffoli observou que o STM, ao assentar a competência da Justiça Militar no caso, “decidiu na contramão da jurisprudência da Suprema Corte”. Ele lembrou que, em casos precedentes, se assentou que “cabe à Justiça Federal processar e julgar civil denunciado pelo crime de uso de documento falso, quando se tratar de falsificação de CIR expedida pela Marinha do Brasil, por aplicação dos artigos 21, XXII; 109, IV e 144, parágrafo 1º, III, todos da Constituição da República”.
O ministro citou uma série de precedentes no mesmo sentido, entre eles os HCs 104619 e 90451, julgados pela Primeira Turma do STF, e 104617 e 96561, pela Segunda Turma da Corte. “Conclui-se, portanto, que o tema trazido à baila é objeto de jurisprudência consolidada desta Suprema Corte, razão pela qual, nos termos do artigo 192 do Regimento Interno – atualizado pela Emenda Regimental 30/09, concedo a ordem de habeas corpus para o fim de declarar a incompetência absoluta da Justiça Militar, anulando, por consequência, todos os atos processuais praticados na ação penal, inclusive a denúncia, devendo os autos serem remetidos a uma das Varas Federais da Subseção Judiciária de Macaé (RJ)”, concluiu o ministro.
13) Uso de documento falso – Crime praticado por brasileiro no exterior – Falsificação de documentos portugueses em território lusitano – Competência da Justiça Federal - Tratado de Cooperação – Extradição de nacional – Inadmissibilidade – Réu deve ser julgado no Brasil:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PENAL
CC 154.656-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 25/04/2018, DJe 03/05/2018 (Terceira Seção)
Crimes de falsificação de documento e uso de documento falso praticados por brasileiros em território estrangeiro. Cooperação internacional. Relações com estados estrangeiros e cumprimento de tratados firmados (CF/88, artigos 21, I, e 84, VII e VIII). Competência da União. Extradição de Nacional. Inadmissibilidade.
Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior que tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição.
Cumpre registrar, inicialmente, que a Terceira Seção possui precedentes que trilham em sentidos opostos acerca da competência para a ação penal nos casos de aplicação da lei brasileira aos crimes praticados por nacionais no exterior. Na hipótese, apura-se a participação de brasileiros em suposto esquema de falsificação de documentos públicos portugueses no território lusitano, a fim de posterior uso para ingressar no Canadá e nos EUA.
Por se tratar de crime praticado por agente de nacionalidade brasileira, não é possível a extradição, em conformidade com o art. 5º, LI, da CF/88.
Aplicável, no caso, o Decreto n. 1.325/1994, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Tratado de Extradição entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, no qual estabelece, na impossibilidade de extradição por ser nacional da parte requerida, a obrigação de "submeter o infrator a julgamento pelo Tribunal competente e, em conformidade com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram, ou poderiam ter fundamentado, o pedido de extradição" (art. IV, 1, do Tratado de Extradição).
Além disso, cabe à União, segundo dispõem os arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da Carta da República, manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, no caso, o Direito Penal interno e não seja possível a extradição.
No plano interno, em decorrência da repercussão das relações da União com estados estrangeiros e o cumprimento dos tratados internacionais firmados, a cooperação passiva, a teor dos arts. 105 e 109, X, da CF/88, impõe a execução de rogatórias pela Justiça Federal após a chancela por esta Corte Superior.
Assim, compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF/88.
Supressão de documento
Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.
Jurisprudência:
01) Documento – Filme fotográfico – Configuração do delito:
CRIME. DESTRUIÇÃO. FILME FOTOGRÁFICO. (Informativo n.º 443 do STJ – Sexta Turma)
No RHC, o delegado, denunciado pela prática de violência arbitrária, abuso de poder e supressão de documentos (filme fotográfico), busca o trancamento da ação penal e, alternativamente, a anulação do processo. Anotou-se que, no habeas corpus originário, o TJ não conheceu das matérias não decididas pelo juízo de origem. Diante disso, ressalta a Min. Relatora que delas conhecer configuraria supressão de instância. Quanto à falta de defesa preliminar (art. 514 do CPP), observa ser essa formalidade dispensável na ação penal instituída por inquérito policial (Súm. n. 330- STJ). Esclarece, também, não ser possível o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, visto não demonstrada a atipicidade das condutas. Por outro lado, segundo a Min. Relatora, pelo mesmo motivo, não se pode acolher a tese da atipicidade do delito de supressão de documento (art. 305 do CP). Anota que, semanticamente, e em tese, o filme fotográfico seria registro gráfico e como tal, não há razão plausível para excluí-lo da definição de documento particular constante do dispositivo legal, afinando-se também com o tipo descrito na denúncia, no qual teria o recorrente, deliberada e abusivamente, se apoderado do filme para impedir a comprovação das suas condutas tidas como delitivas. Assim, no dizer da Min. Relatora, afeiçoa-se o ocorrido com o arquétipo legal definido no art. 305 do CP. Diante do exposto, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa extensão, negou-lhe provimento. Precedentes citados: RHC 20.237-RJ, DJe 18/12/2009; HC 94.720-PE, DJe 18/8/2008, e HC 91.723-PE, DJe 8/9/2008.
STJ - RHC 20.618-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2010.
CAPÍTULO IV
DE OUTRAS FALSIDADES
Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins
Art. 306 - Falsificar, fabricando-o ou alterando-o, marca ou sinal empregado pelo poder público no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou usar marca ou sinal dessa natureza, falsificado por outrem:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Parágrafo único - Se a marca ou sinal falsificado é o que usa a autoridade pública para o fim de fiscalização sanitária, ou para autenticar ou encerrar determinados objetos, ou comprovar o cumprimento de formalidade legal:
Pena - reclusão ou detenção, de um a três anos, e multa.
Falsa identidade
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
Notas:
- Vide: Súmula 522 do STJ – A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.
- O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que o princípio constitucional da vedação à autoincriminação não pode ser interpretado de maneira absoluta. Essa relativização alcança aquele sujeito que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus antecedentes, o que torna típica a conduta prevista no art. 307 do Código Penal (3), sem qualquer traço de ofensa ao disposto no art. 5º, LXIII, da CF (4) (RE 640139 – Tema 478 da repercussão geral).
Jurisprudência:
01) Atribuir-se nome falso – Autodefesa – Possibilidade:
ATIPICIDADE. DECLARAÇÃO. NOME FALSO.
A paciente foi presa em flagrante pela suposta prática de delitos previstos nas Leis ns. 11.343/2006 e 10.826/2003, mas o MP somente a denunciou pelo pretenso cometimento do crime previsto no art. 307 do CP, visto que ela, na delegacia de polícia, declarou chamar-se por nome que, em realidade, não era o seu, mas sim de sua prima, tudo a demonstrar que almejava encobrir seus antecedentes criminais.
Contudo, este Superior Tribunal já firmou que a conduta de declarar nome falso à autoridade policial é atípica, por inserir-se no exercício do direito de autodefesa consagrado na CF, o que levou a Turma a absolvê-la da imputação.
Precedentes citados: HC 153.264-SP, DJe 6/9/2010, e HC 81.926-SP, DJe 8/2/2010.
STJ - HC 145.261-MG, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 8/2/2011.
02) Apresentação de Documento Falso à Autoridade Policial não é autodefesa:
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 640.139-DF (Info 644 do STF – Repercussão Geral)
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA INDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.
DIREITO PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
É típica a conduta do acusado que, no momento da prisão em flagrante, atribui para si falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que em alegada situação de autodefesa.
Isso porque a referida conduta não constitui extensão da garantia à ampla defesa, visto tratar-se de conduta típica, por ofensa à fé pública e aos interesses de disciplina social, prejudicial, inclusive, a eventual terceiro cujo nome seja utilizado no falso. Precedentes citados: AgRg no AgRg no AREsp 185.094-DF, Quinta Turma, DJe 22/3/2013; e HC 196.305-MS, Sexta Turma, DJe 15/3/2013. REsp 1.362.524-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/10/2013.
USO SE DOCUMENTO FALSO: TIPICIDADE DA CONDUTA E PRINCÍPIO DA AUTODEFESA.
A Turma denegou habeas corpus no qual se postulava o reconhecimento da atipicidade da conduta praticada pelo paciente – uso de documento falso (art. 304 do CP) – em razão do princípio constitucional da autodefesa. Alegava-se, na espécie, que o paciente apresentara à autoridade policial carteira de habilitação e documento de identidade falsos, com objetivo de evitar sua prisão, visto que foragido do estabelecimento prisional, conduta plenamente exigível para a garantia de sua liberdade. O Min. Relator destacou não desconhecer o entendimento desta Corte de que não caracteriza o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do CP, a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade à autoridade policial para ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que atuou amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXII, da CF. Considerou, contudo, ser necessária a revisão do posicionamento desta Corte para acolher entendimento recente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário, proferido no julgamento do RE 640.139-DF, quando reconhecida a repercussão geral da matéria. Ponderou-se que, embora a aludida decisão seja desprovida de caráter vinculante, deve-se atentar para a finalidade do instituto da repercussão geral, qual seja, uniformizar a interpretação constitucional. Conclui-se, assim, inexistir qualquer constrangimento ilegal suportado pelo paciente uma vez que é típica a conduta daquele que à autoridade policial apresenta documentos falsos no intuito de ocultar antecedentes criminais negativos e preservar sua liberdade.
STJ - HC 151.866-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º/12/2011.
Art. 308 - Usar, como próprio, passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista ou qualquer documento de identidade alheia ou ceder a outrem, para que dele se utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro:
Pena - detenção, de quatro meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
Fraude de lei sobre estrangeiro
Art. 309 - Usar o estrangeiro, para entrar ou permanecer no território nacional, nome que não é o seu:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único - Atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em território nacional: (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Art. 310 - Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro, nos casos em que a este é vedada por lei a propriedade ou a posse de tais bens: (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
Adulteração de sinal identificador de veículo (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)
Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 1.º - Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)
§ 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023)
I – o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial; (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
II – aquele que adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput deste artigo; ou (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
§ 3º Praticar as condutas de que tratam os incisos II ou III do § 2º deste artigo no exercício de atividade comercial ou industrial: (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
§ 4º Equipara-se a atividade comercial, para efeito do disposto no § 3º deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive aquele exercido em residência. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)
Redação anterior:
"Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)"
"Art. 311 - Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (Redação dada pela Lei n.º 9.426, de 1996)"
"§ 2.º - Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial. (Incluído pela Lei n.º 9.426, de 1996)"
Legislação correlata:
- Vide: Art. 180 do Código Penal - crime de receptação.
Notas:
- O crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor é formal, já que a sua consumação se opera com a mera adulteração ou remarcação, independentemente de resultado naturalístico (concretização de prejuízo). A prática de adulteração é um crime formal, pois independe de resultado lesivo para sua configuração, além de ser delito que depende de complementação normativa (norma penal em branco), uma vez que a legislação de trânsito precisará ser utilizada para integrar o conceito de sinais identificadores de veículos automotores. (CESPE, 2006).
- Tem como objetivo jurídico a fé pública. Ao criminalizar a adulteração de veículos automotores, a vontade do legislador foi proteger a confiança que se deposita nos sinais que têm por finalidade conferir autenticidade aos veículos, bem como aos seus agregados. Nesse contexto, o crime de adulteração é considerado crime contra a fé pública. (CESPE, 2006).
- A alteração de um único dígito de cada numeração original tem o condão de comprometer a identificação do veículo. Não incide, aqui, pois, o princípio da insignificância.
Jurisprudência:
01) Alteração de Sinal de Veículo Automotor – Dolo específico – Inexigibilidade:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA AO ART. 311 DO CP. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico no sentido de que não se mostra necessário o dolo específico para configuração do delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previsto no artigo 311 do Código Penal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ - AgRg no Ag 1361634/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 01/02/2011)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ARTS. 386, III, DO CPP E 311 DO CP.
OCORRÊNCIA. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
DOLO ESPECÍFICO. NÃO EXIGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É firme o entendimento deste Tribunal Superior de que "para configurar o delito tipificado no art. 311 do Código Penal, não se exige o dolo específico (demonstração de que a adulteração de sinal identificador de veículo automotor visava a prática de outra infração), sendo suficiente o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar o ato." (AgRg no REsp 1.268.357/MS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, DJe 23/09/2013) 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ - AgRg no REsp 1533625/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 17/08/2015)
02) Troca de placa de veículo basta para configuração do crime do art. 311 do CP:
TROCA. PLACAS. VEÍCULO. ART. 311 DO CP. (Informativo n.º 469 do STJ – Quinta Turma)
A Turma deu provimento ao recurso do Parquet ao entender que a troca das placas originais de automóvel por outras de outro veículo constitui adulteração de sinal identificador (art. 311 do CP).
Precedentes citados; AgRg no REsp 783.622-DF, DJe 3/5/2010, e HC 107.301-RJ, DJe 21/6/2010.
STJ - REsp 1.189.081-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 14/4/2011.
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TROCA DE PLACA. CONDUTA TÍPICA. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. REAVALIAÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...)
2. Na hipótese vertente, o Tribunal a quo indeferiu, por maioria, a revisão criminal, consignando o voto vencedor, no que tange ao crime previsto no art. 311 do CPC, verbis: O crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor também deve remanescer, pois sendo a placa um dos sinais identificadores do veículo, segue-se que a troca dela ou sua alteração, é conduta que se subsume à figura típica do artigo 311 do Código Penal.
3. Não se vislumbra flagrante ilegalidade, porquanto consolidou-se nesta Corte Superior diretriz jurisprudencial no sentido de que a conduta consistente na troca de placas de veículo automotor configura o crime previsto no art. 311, caput, do Código Penal, tendo em vista a adulteração dos sinais identificadores.
4. Além do mais, a rediscussão da matéria mostra-se incompatível com a via mandamental eleita, porquanto, para se invalidar a conclusão da instância originária, torna-se imprescindível a reavaliação do contexto fático probatório.
5. Habeas corpus não conhecido.
(STJ - HC 306.507/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 30/09/2015)
AGRAVO REGIMENTAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (MOTO). TROCA DE PLACAS. TIPICIDADE.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a substituição das placas originais do veículo constitui nítida adulteração de sinal identificador de veículo automotor, tipificando o ilícito do art. 311 do Código Penal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ - AgRg no AREsp 126.860/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 06/09/2012, DJe 12/09/2012)
03) Sobreposição de placas – Adulteração de sinal de veículo automotor – Reconhecimento:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SOBREPOSIÇÃO DAS PLACAS. TIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. ENTENDIMENTO CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A condenação do agravante emana do exame das provas carreadas aos autos, não podendo esta Corte Superior proceder à alteração da conclusão firmada nas instâncias ordinárias, sem revolver o acervo fático-probatório, providência incabível em recurso especial.
Incidência da Súmula 7/STJ.
2. A jurisprudência do STJ é firme de que a conduta de substituir a placa original de veículo automotor por placa de outro se amolda ao tipo descrito no art. 311 do Código Penal, tendo em vista a adulteração dos sinais identificadores. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no AREsp 182.005/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 29/06/2015)
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONCOMITANTE A RECURSO ESPECIAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CONDUTA DE APOSIÇÃO DE PLACA SOBRE A "VERDADEIRA". TIPICIDADE. CONDENAÇÃO. CONFIRMAÇÃO EM GRAU DE RECURSO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE PATENTE. NÃO CONHECIMENTO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem contra acórdão de apelação, na concomitância de recurso especial.
2. O trancamento da ação penal somente é possível em habeas corpus quando se demonstra, de plano, sem maiores indagações, falta de higidez material (justa causa) da acusação.
3. Descabimento patente do writ, na espécie, pois, quando da sua impetração, já havia sentença condenatória, confirmada por acórdão de apelação que, atualmente, encontra-se abrigado pelo pálio da coisa julgada.
4. No raciocínio analógico que o próprio tipo penal autoriza (art.
311 do Código Penal) inclui-se a conduta de apor sobre a placa verdadeira do veículo uma outra, confeccionada à revelia da autoridade de trânsito, com o fim de ludibriar a fiscalização, por conta de diversas infrações que constavam no prontuário do automóvel. Precedentes desta Corte e ensinamentos doutrinários.
5. Ausência de ilegalidade flagrante, apta a fazer relevar a gritante impropriedade do habeas corpus que, em última ratio, busca a absolvição do paciente, não condizente com a via eleita.
6. Writ não conhecido.
(STJ -HC 226.468/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 20/11/2013)
04) Adulteração de placa de veículo com fita isolante – Mera infração administrativa – Fraude que não chega a convencer cidadão incauto:
APN. MODIFICAÇÃO. PLACA. VEÍCULO. (Informativo n.º 427 do STJ – Sexta Turma)
Trata-se, na origem, de habeas corpus no qual se objetivava o trancamento de ação penal (APN) por falta de justa causa, em razão de que o paciente, ora recorrido, teria modificado letra da placa identificadora de veículo.
O tribunal a quo concedeu a ordem sob o fundamento de que, na hipótese, trata-se de fato atípico caracterizado como mera infração administrativa; assim, inexistiria sustentação fático-jurídica para o prosseguimento da referida ação.
Daí, o MP interpôs o REsp em que, além de divergência jurisprudencial, sustentou que a conduta é típica, pois o recorrido alterou a placa do veículo, ato que se insere no tipo penal descrito no art. 311, caput, do CP.
Nesta instância especial, entendeu-se que, no caso, efetivamente, houve a colocação de fita adesiva ou isolante para alterar letra ou número da placa de identificação do veículo, o que é perceptível a olho nu.
Em sendo assim, o meio empregado para a adulteração não se presta à ocultação de veículo, objeto de crime contra o patrimônio.
Observou-se que qualquer cidadão, por mais incauto que seja, tem condições de identificar a falsidade, que, de tão grosseira, a ninguém pode iludir.
Em suma, a fraude é risível, grotesca.
Logo, a fé pública não é sequer atingida.
Ressaltou-se que a punição de mera infração administrativa com a sanção criminal prevista no tipo descrito no art. 311 da lei subjetiva penal desafia a razoabilidade e proporcionalidade, porquanto a fé pública permaneceu incólume e, à mingua de lesão ao bem jurídico tutelado, a conduta praticada pelo recorrido é atípica.
Não é possível dar a um ato que merece sanção administrativa o mesmo tratamento dispensado à criminalidade organizada.
Diante disso, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 503.960-SP, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 16/3/2010.
05) Adulteração de placa de veículo automotor – Fita isolante – Tipicidade reconhecida:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AO ART. 41 DO CPP. (I) - SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESE DE INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO. (II) - INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS. OFENSA AO ART. 18 DO CP. DOLO DA CONDUTA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. (I) - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ARESTO RECORRIDO E O PARADIGMA INVOCADO. (II) - ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. UTILIZAÇÃO DE FITA ISOLANTE. TIPICIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. "A superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal". (AgRg no AREsp 537.770/SP, Rel. Min ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 18/08/2015) 2. Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Corte Superior de Justiça, tem-se que não é inepta a denúncia que, como no caso presente, narra a ocorrência de crimes em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica os respectivos tipos penais, viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do previsto no artigo 41 do Código de Processo Penal.
3. "A desconstituição do entendimento firmado pelo Tribunal Regional diante de suposta contrariedade a lei federal, buscando a reforma da condenação, ante a alegação de ausência do elemento subjetivo do tipo penal (dolo), não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material probante, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias - soberanas no exame do conjunto fático-probatório -, e vedado ao Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 7/STJ". (AgRg no AREsp 401.199/RJ, Rel.
Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 12/06/2014) 4. "Como as conclusões dos arestos em comparação decorreram do exame de aspectos específicos de cada caso, não há falar em similitude fática a justificar a alegação de dissídio, pois não se trata de adoção de soluções diversas para casos idênticos, mas sim de decisões diferentes em razão de circunstâncias diversas peculiares a cada situação analisada". (AgRg nos EREsp 1269166/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 03/09/2015) 5. "O Superior Tribunal de Justiça bem como o Supremo Tribunal Federal já assentaram ser típica a conduta de modificar a placa de veículo automotor por meio de utilização de fita isolante. De fato, a jurisprudência é pacífica no sentido de que, a conduta de adulterar ou remarcar placas dianteiras ou traseiras de veículos automotores, por qualquer meio, se subsume perfeitamente ao tipo previsto no art. 311 do Código Penal". (HC 336.517/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 15/02/2016) 6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1670062/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)
06) Adulteração de placa de reboque ou semirreboque – Atipicidade – Ausência do elemento normativo do tipo “veículo automotor”:
DIREITO PENAL - RHC 98.058-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 24/09/2019, DJe 07/10/2019 (Informativo n.º 657 do STJ - Sexta Turma)
Crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Veículo semirreboque. Atipicidade formal.
A conduta de adulterar placa de veículo semirreboque é formalmente atípica.
O art. 311, caput, do Código Penal prevê como crime apenas a adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Por sua vez, a redação do art. 96, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, expressamente, diferencia os veículos automotores dos veículos semirreboques. Desse modo, constata-se que a conduta de adulterar placa de semirreboque é formalmente atípica, pois não se amolda à previsão do art. 311, caput, do Código Penal.
ADULTERAÇÃO. PLACA. REBOQUE. (Informativo n.º 499 do STJ – Quinta Turma)
A Turma concedeu a ordem de habeas corpus a paciente denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 311, caput, do CP (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) ante o reconhecimento da atipicidade da conduta. In casu, o réu foi acusado de ter substituído a placa original do reboque com o qual trafegava em rodovia federal. Entretanto, de acordo com o Min. Relator, a classificação estabelecida pelo art. 96 da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) situa os veículos automotores e os veículos de reboque ou semirreboque em categorias distintas, diferença também evidenciada pelo conceito que lhes é atribuído pelo Manual Básico de Segurança no Trânsito, elaborado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Asseverou, ademais, que o legislador, ao criminalizar a prática descrita no art. 311 do CP, assim o fez por razões de política criminal, para coibir a crescente comercialização clandestina de uma classe específica de veículos e resguardar a fé pública. Concluiu, portanto, estar ausente o elemento normativo do tipo – categoria de veículo automotor –, ressaltando que a interpretação extensiva do aludido dispositivo ao veículo de reboque caracterizaria analogia in malam partem, o que ofenderia o princípio da legalidade estrita.
STJ - HC 134.794-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/9/2010.
07) Adulteração de placa – Veículo automotor – Alteração de cor da placa – Tipicidade:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALTERAÇÃO DA COR DA PLACA. CONDUTA TÍPICA. ART. 311 DO CP. BEM TUTELADO. FÉ PÚBLICA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A objetividade jurídica tutelada pelo art. 311 do Código Penal é a fé pública ou, mais precisamente, a proteção da autenticidade dos sinais identificadores dos automóveis.
2. Para que se configure o delito, não se exige que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, basta que modifique qualquer sinal identificador do veículo automotor.
3. As cores das placas também são consideradas como um sinal para fins de identificação do veículo, sendo inclusive regulamentas por resoluções dos órgãos de trânsito competentes, de modo que a sua alteração clandestina configura sim ofensa ao art. 311 do Código Penal.
4. Nos termos do disposto no art. 1.029, § 1º, do CPC e do art. 255, § 1º, do RISTJ, verifica-se que não há similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma colacionado. No acórdão recorrido ficou evidenciado que não se tratou de adulteração grosseira, diferentemente do acórdão paradigma que afirmou, naquela situação, ter havido uma falsidade grosseira incapaz de tipificar a infração penal.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ - AgRg no AREsp 594.263/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 311 DO CÓDIGO PENAL. PINTURA DAS PLACAS PARA CONSTAR COMO TÁXI. CONDUTA TÍPICA. OFENSA AO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. A adulteração de sinal identificador de veículo automotor será típica independentemente da forma pela qual a modificação for realizada, pois a conduta atinge a fé pública, que é o bem juridicamente protegido pelo tipo penal.
2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o crime previsto no art. 311 do Código Penal se configura com a adulteração ou remarcação do chassi ou de qualquer sinal identificador do veículo, componente ou equipamento, incluindo-se neste rol a pintura da placa com o intuito de que o automóvel conste como táxi.
MATÉRIA NÃO ARGÜIDA EM SEDE DE APELAÇÃO. INOVAÇÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
ÓBICE DAS SÚMULAS N. 211/STJ E 282/STF.
1. Se a questão que é objeto do recurso especial não foi debatida nas instâncias ordinárias, tratando-se de inovação em sede de embargos declaratórios, os quais foram rejeitados, se mostra inviável a sua análise na via do especial, pois recai o óbice das Súmulas n. 211/STJ e 282/STF para o conhecimento da matéria por este Superior Tribunal de Justiça.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ - AgRg no REsp 1612728/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 26/10/2016)
08) Adulteração de placas – Sinal de veículo automotor – Desnecessidade de perícia:
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ADITAMENTO DA DENÚNCIA QUANTO AO DELITO DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. IMPARCIALIDADE DO JUIZ. INOCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. 2. A denúncia, à luz do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, deve conter a descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a definição da conduta do autor, sua qualificação ou esclarecimentos capazes de identifica-lo, bem como, quando necessário, o rol de testemunhas. 3. A peça de aditamento à denúncia narra de modo suficiente que o paciente, no dia 03/12/2015, no Distrito Federal, aproveitando-se da condição de policial civil do DF, trocou por placas diversas não identificadas as placas da viatura da Policia Civil do Distrito Federal vinculada à Coordenadoria de Homicídios CH/DPF.
4. A falta de mais precisa especificação ou detalhamento dos fatos ou do local exato em que teria ocorrido o crime, não impede a defesa, pois explicitado na denúncia que os fatos ocorreram no dia 03/12/2015, no Distrito Federal, tendo sido inclusive referido que as placas trocadas Policia Civil do Distrito Federal GM ASTRA JEF-5511, cor branca, vinculada à Coordenadoria de Homicídios CH/DPF.
5. Já se pronunciou esta Corte no sentido de que a simples troca de placas do veículo não deixa vestígios capazes de serem aferidos por meio pericial, sendo assim, prescindível o referido laudo para se atestar a materialidade do delito.
6. É entendimento desta Corte que a abertura de prazo para aditamento da denúncia não implica ofensa ao princípio da imparcialidade, uma vez que ao Juízo compete prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos.
7. Habeas corpus denegado.
(STJ - HC 374.589/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 23/03/2017)
09) Adulteração de sinal de veículo automotor – Tipicidade – Desnecessidade de prévia ou posterior ocorrência de crime patrimonial:
CRIMINAL. RESP. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TIPO PENAL QUE NÃO EXIGE FIM ESPECÍFICO. SUBSTITUIÇÃO DE PLACAS. CONDUTA TÍPICA. PLACAS. SINAL IDENTIFICADOR EXTERNO.
DESNECESSIDADE DE PRÉVIA OU POSTERIOR OCORRÊNCIA DE CRIME PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.
I. O art. 311 do Código Penal revela crime que se consuma com a própria adulteração ou remarcação do chassi ou de qualquer sinal identificador do veículo, componente ou equipamento, não exigindo finalidade específica do autor para a sua caracterização.
II. Dispositivo inserido no Título X do Código Penal, que trata dos "Crimes contra a fé pública", e cujo objetivo é a proteção da autenticidade dos sinais identificadores de veículo automotor, pouco importando a motivação do agente.
III. A conduta de substituir placas de veículo enquadra-se nos núcleos do tipo penal em exame, pois pode configurar mudança, alteração por meio de qualquer modificação, remarcação com alteração ou colocação de nova marca.
IV. A norma penal em questão revela crime que se consuma com a própria adulteração ou remarcação do chassi ou de qualquer sinal identificador do veículo, componente ou equipamento, não exigindo finalidade específica do autor para a sua caracterização.
IV. Não se exige, para a caracterização do delito, a prévia ou posterior ocorrência de crime patrimonial, bem como não se pode enquadrar como delituosa apenas a alteração ou remarcação de chassi, sob pena de se esvaziar o tipo do art. 311 do CP, cuja objetividade jurídica é a fé pública, especialmente "a proteção da propriedade e da segurança no registro de automóveis".
V. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(STJ - REsp 1186340/AC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 14/03/2012)
10) Adulteração de sinal de veículo automotor – Crime Formal – Competência – Justiça Estadual – Flagrante por autoridade federal - Irrelevância:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. 1. CRIME DE NATUREZA FORMAL. SUBSTITUIÇÃO DAS PLACAS ORIGINAIS. CONSUMAÇÃO. LESÃO A BENS, INTERESSES OU SERVIÇOS DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. FISCALIZAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. IRRELEVÂNCIA. INTENÇÃO DO AGENTES. IRRELEVÂNCIA.
COMPETÊNCIA DEFINIDA COM A CONSUMAÇÃO DO CRIME. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.
1. O fato de a falsidade ter sido descoberta por agentes da Polícia Rodoviária Federal, quando o acusado passou por barreira policial, em nada altera a natureza formal do crime, que se consuma com a mera falsidade, com lesão direta à fé pública do órgão em que registrado o veículo, no caso, do DETRAN do Estado de sua proveniência.
Inexistência de lesão direta a bens, interesses ou serviços da União ou de suas autarquias.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, suscitado, para julgar o recurso de apelação interposto pela defesa.
(STJ - CC 100.414/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 07/05/2009)
11) Supressão das placas de veículo – Atipicidade e trancamento da ação - Denegação:
HABEAS CORPUS – PENAL - DELITO POR REMOÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO – PLACAS - SINAIS EXTERNOS DE IDENTIFICAÇÃO DO DELITO – ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE – PEDIDO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO – IMPOSSIBILIDADE - ORDEM DENEGADA.
1- As placas dianteira e traseira dos automóveis constituem seus sinais identificadores externos e, como tais, se substituídas sem a devida autorização, configuram o crime de supressão de sinal identificador de veículos.
2- O trancamento de inquérito policial só pode ser determinado em casos excepcionais, desde que se comprove, de plano, a inexistência do presumido delito, a atipicidade da conduta, a ausência de indício da autoria ou causa extintiva da punibilidade.
3-Negado provimento.
(STJ - RHC 22.025/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 10/12/2007, p. 399)
CRIMINAL. HC. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RETIRADA DAS PLACAS. SINAL IDENTIFICADOR EXTERNO. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO NOS NÚCLEOS “ADULTERAR” E “REMARCAR”. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DA EFETIVA CORRUPÇÃO. ORDEM DENEGADA.
Hipótese em que o paciente foi condenado pela prática, dentre outros, do crime de adulteração de veículo automotor e corrupção de menores.
É possível identificar um veículo tanto a partir de caracteres gravados no chassi ou no monobloco pelo montador ou fabricante, quanto pelas placas, dianteira e traseira, sendo esta lacrada, as quais são identificadores externos do automóvel.
Não se pode excluir do elemento do tipo “qualquer sinal identificador de veículo” as placas, as quais constituem sinal identificador externo.
O objeto jurídico tutelado pelo delito de corrupção de menores é a proteção da moralidade do menor e visa a coibir a prática de delitos em que existe sua exploração.
A corrupção de menores é crime formal, o qual prescinde de prova da efetiva corrupção do menor. Precedentes.
Ordem denegada.
(STJ- HC 45.082/ES, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2005, DJ 12/12/2005, p. 405)
12) Alteração de placa de veículo – Automóvel utilizado por Magistrado, com placa reservada fornecida pelo Detran – Tipicidade reconhecida:
CRIMINAL. HC. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. UTILIZAÇÃO DE PLACAS "RESERVADAS", EM AUTOMÓVEL, POR MAGISTRADOS FEDERAIS. TIPO PENAL QUE NÃO EXIGE FIM ESPECÍFICO. SUBSTITUIR PLACAS. CONDUTA TÍPICA, EM PRINCÍPIO. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO NOS NÚCLEOS “ADULTERAR” E “REMARCAR”. PLACAS. SINAL IDENTIFICADOR EXTERNO. DISPENSABILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA OU COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA OU POSTERIOR OCORRÊNCIA DE CRIME PATRIMONIAL. PLACAS PROVENIENTES DO DETRAN. PACIENTE QUE NÃO TERIA PARTICIPADO DA OBTENÇÃO DAS PLACAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO AFASTAM A TIPICIDADE DA CONDUTA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INOCORRÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL EMBASADO EM DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. QUESTÕES CONTROVERTIDAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA.
Hipótese em que o paciente, Magistrado Federal, teria procedido, em tese, à adulteração de sinais identificadores externos de seu veículo particular, ao substituir as placas do automóvel por outras reservadas à Polícia Federal.
A norma penal do art. 311 do Estatuto Repressor, inserida no Título X, que trata dos “Crimes contra a fé pública”, cujo objetivo é a proteção da autenticidade dos sinais identificadores de veículo automotor, revela crime que se consuma com a própria adulteração ou remarcação do chassi ou de qualquer sinal identificador do veículo, componente ou equipamento, não exigindo finalidade específica do autor para a sua caracterização.
É irrelevante o argumento da impetração no sentido de que as placas reservadas teriam sido utilizadas pelo paciente para fins de segurança, pois não se pode presumir que a função do acusado possa revestir de legalidade o uso de placas reservadas.
Substituir placas de veículo particular por outras reservadas enquadra-se, em princípio, no tipo penal imputado ao paciente, pois pode configurar “mudança”, “alteração por meio de qualquer modificação”, “remarcação com alteração” ou “colocação de nova marca”, condutas elucidativas dos núcleos “adulterar” e “remarcar”.
É possível identificar um veículo tanto a partir de caracteres gravados no chassi ou no monobloco pelo montador ou fabricante, quanto pelas placas, dianteira e traseira, sendo esta lacrada, as quais são identificadores externos do automóvel.
Não se exige regulamentação administrativa ou norma complementar para a caracterização do crime de adulteração ou remarcação de sinal identificador externo de veículo automotor.
CRIMINAL. HC. UTILIZAÇÃO DE PLACAS "RESERVADAS", EM AUTOMÓVEL, POR MAGISTRADOS FEDERAIS. ART. 311 DO CP. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO JUDICIAL. INOBSERVÂNCIA DE SIGILO NA APURAÇÃO DOS FATOS.
IRREGULARIDADE IMPUTÁVEL À IMPETRADA NÃO-VISLUMBRADA. INEXISTÊNCIA DO DELITO. CONDUTA CONTROVERTIDA, QUE NÃO SE MOSTRA, EM PRINCÍPIO, ATÍPICA. ELUCIDAÇÃO MERECIDA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA PRÉVIA DO TRIBUNAL AO QUAL ESTÁ VINCULADA A PACIENTE. INOCORRÊNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
LIMINAR CASSADA.
I. Não se acolhe alegação de inobservância do sigilo na apuração dos fatos, se os elementos trazidos não permitem a pronta visualização de flagrante irregularidade nesse sentido, imputável à Autoridade Impetrada.
II. O delito do art. 311 do Código Penal consuma-se com a própria adulteração ou remarcação de chassi ou que qualquer sinal identificador do veículo, de seu componente ou equipamento, não exigindo finalidade específica do autor para a sua caracterização.
Trata-se de crime contra fé pública e que tem por objetivo a proteção da autenticidade dos documentos em si, pouco importando a motivação do agente.
III. O fato das placas reservadas terem sido requeridas pelo Diretor do Foro não legaliza, por si só, o seu uso, pois há procedimento próprio para a concessão de placas para veículos: a autoridade legitimada para fornecê-las é o Secretário de Segurança Pública, com a ressalva de que tais placas podem ser utilizadas apenas em veículos públicos, nunca em particulares, e sempre com o obrigatório registro dos números das placas reservadas com a correspondente indicação do veículo para o qual foram encaminhadas.
IV. Ressalva de que os autos não permitem certeza acerca da obtenção de autorização da Autoridade competente para o uso das placas, sendo possível que tenham sido entregues pelo Detran 10 (dez) placas para "uso em diligência policial", porém somente em relação a 2 (duas), provavelmente desviadas para uso particular, foram identificados os usuários.
V. Se a conduta não se mostra, em princípio, atípica, merece a devida elucidação.
VI. Existência de dúvidas quanto à propriedade do veículo no qual afixada uma das placas reservadas e ausência de demonstração da prévia comunicação à Polícia ou ao Detran, sobre eventual transferência ou uso em mais de um veículo, em relação a outra das placas reservada.
VII. Não se pode presumir que a função de Magistrada possa revestir de legalidade o uso de placas reservadas.
VIII. Questão que não se apresenta, de plano, livre de controvérsias, não levando à pronta conclusão pela atipicidade, como pretende a impetração.
IX. Tipicidade, ou não, que depende de correto procedimento inquisitorial, com a devida apuração de fatos e provas.
X. O mero indiciamento em Inquérito não caracteriza constrangimento ilegal reparável via habeas corpus. Precedentes.
XI. Afirmada a observância ao art. 33 da LOMAN, não prospera a alegação de ausência da indispensável anuência do Órgão Especial do Tribunal a quo para as investigações contra a paciente.
XII. Ordem denegada, cassando-se a liminar concedida. (HC 22.839/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2002, DJ 03/02/2003, p. 330) Para a caracterização do delito descrito na denúncia ofertada contra o paciente não se pode exigir a prévia ou posterior ocorrência de crime patrimonial, como roubo, furto ou receptação, bem como não se pode enquadrar como delituosa apenas a alteração ou remarcação de chassi, sob pena de se esvaziar o tipo penal, cuja objetividade jurídica é a fé pública, especialmente “a proteção da propriedade e da segurança no registro de automóveis”. O fato de as placas eventualmente utilizadas pelo paciente terem sido provenientes do DETRAN, bem como de o agente não ter participado de sua obtenção irregular, não afasta a tipicidade da conduta. A questão relativa à cominação da reprimenda imposta à infração penal imputada ao réu reflete a opção do legislador em coibir mais severamente esta ou aquela prática criminosa, não sendo afeta ao Poder Judiciário tal discussão, motivo pelo qual não se cogita de atipicidade da conduta por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Não se cogita de violação aos princípios da igualdade, pela não incriminação de todos quantos fazem uso de placas reservadas, e da dignidade da pessoa humana, pois a imputação apresentada pelo Ministério Público revela-se motivada e os fatos carecem de esclarecimentos no momento oportuno, qual seja, a instrução criminal. Não prospera a argumentação relativa à ocorrência de constrangimento ilegal decorrente da instauração de ação penal cuja denúncia teria sido embasada em “denúncia telefônica anônima”, se evidenciado que o inquérito policial iniciou-se após criterioso exame das informações levadas ao Ministério Público. As questões levantadas pela impetração não se apresentam, de plano, livre de controvérsias, isto é, não há como concluir se a conduta do paciente é, de fato, atípica. Somente após a regular instrução criminal, com a devida apuração dos fatos e provas, é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade, ou não, do uso de placas reservadas por parte de Magistrados. Não há que se falar em ausência de justa causa para a ação penal, a qual só pode ser obstada na hipótese de flagrante e inequívoca atipicidade ou impossibilidade de ser o paciente o autor dos fatos, o que, primo oculi, não se verifica. Ordem denegada.
(STJ - HC 41.366/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 20/06/2005, p. 319)
CAPÍTULO V
Das fraudes em certames de interesse público
(Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
Fraudes em certames de interesse público (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de: (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
I - concurso público; (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
II - avaliação ou exame públicos; (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei: (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput. (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
§ 2.º Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública: (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
§ 3.º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público. (Incluído pela Lei n.º 12.550 de 2011)
TÍTULO XI
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CAPÍTULO I
DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
Peculato
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1.º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2.º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano.
§ 3.º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Nota:
- O peculato-desvio é crime formal que se consuma no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto.
Jurisprudência:
01) Peculato - Depositário judicial que vende bens em seu poder - Atipicidade - Agente não ocupante de cargo público:
DIREITO PENAL
HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 13/03/2018, DJe 26/03/2018 (Sexta Turma)
Depositário judicial que vende os bens em seu poder. Ausência da ocupação de cargo público. Peculato. Atipicidade.
O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato.
De início, verifica-se que o depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não recebe vencimento, tampouco tem vínculo estatutário. Trata-se de uma pessoa que, embora tenha de exercer uma função no interesse público do processo judicial, é estranha aos quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus público). Não ocupa, de igual modo, emprego público e nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que fica com o encargo de cuidar de bem litigioso. Não se satisfaz, em tal caso, a figura típica do art. 312 do Código Penal, porque não há funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do Código Penal, em razão da ausência da ocupação de cargo público. Não basta, como se vê, à caracterização do peculato, o fato de o agente ser considerado funcionário público. É preciso mais. Que ele se aproprie do bem em razão do cargo público que exerça. Essa relação entre o agente e o cargo público é inarredável no crime de peculato.
02) Peculato-desvio - Desconto de valores dos contracheques dos servidores para quitação de empréstimos consignados - Retenção dos valores sem o repasse à instituição financeira - Demonstração de proveito próprio ou alheio - Desnecessidade:
DIREITO PENAL - APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em 06/11/2019, DJe 04/02/2020 (Informativo n.º 664 do STJ - Corte Especial)
Peculato-desvio. Desconto de valores dos contracheques dos servidores para quitação de empréstimos consignados. Não repasse à instituição financeira. Demonstração do proveito próprio ou alheio. Desnecessidade.
O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa à instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
De início, ressalta-se que a diferença entre manipulação de dinheiro público ou particular tem especial importância na análise da questão do dolo na obtenção de proveito próprio ou alheio com desvio de finalidade das verbas e da simples aplicação inadequada dessa mesma verba. Essa discussão, que eventualmente surge na hipótese de o administrador público dar destino diverso ao previsto para a verba, mas ainda no âmbito público, a exemplo de deslocar montante que seria aplicado à saúde para a pavimentação de rodovia. Contudo, sendo o dinheiro particular, esse tipo de controvérsia se desfaz, pois não é dado ao administrador deslocar esse dinheiro para nenhuma outra finalidade que não a ajustada. Assim, tratando-se de aplicação de dinheiro particular e tendo o administrador público traído, evidentemente, a confiança que lhe fora depositada, ao dar destinação diversa à ajustada, não é requisito para a configuração do crime a demonstração do proveito próprio ou alheio. Mesmo que necessário fosse, sendo o dinheiro de servidores, ou seja, particular, o proveito exsurge do fato em si. O peculato-desvio é crime formal que se consuma no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto. A obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime, sendo suficiente a mera vontade de realizar o núcleo do tipo. Desse modo, configura peculato-desvio a retenção dos valores descontados da folha de pagamento dos servidores públicos que recebiam seus vencimentos já com os descontos dos valores de retenção a título de empréstimo consignado, mas, por ordem de administrador, os repasses às instituições financeiras credoras não eram realizados.
03) Peculato-desvio - Governador de Estado - Fomento econômico de candidatura com patrimônio de empresas estatais - Tipicidade - Posse em sentido amplo:
DIREITO PENAL - REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 21/02/2020
Peculato-desvio. Governador de Estado. Fomento econômico de candidatura. Desvio de dinheiro público. Empresas estatais. (Informativo n.º 666 do STJ - Quinta Turma)
Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador de Estado com o patrimônio de empresas estatais.
Na configuração do peculato-desvio, previsto no art. 312, caput, segunda parte, e § 1.º, do Código Penal, de acordo com a doutrina, a posse "deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados)". A jurisprudência desta Corte Superior mantém esse entendimento ao afirmar que "a expressão posse, utilizada no tipo penal do art. 312, caput, do Código Penal, não deve ser analisada de forma restrita, e sim, tomada como um conceito em sentido amplo, que abrange, também, a detenção. Dessa forma, o texto da lei aplica-se à posse indireta, qual seja, a disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material". Idêntica compreensão da matéria é ventilada em precedentes do Supremo Tribunal Federal, para o qual, "no peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica".
O Governador exercia plena ingerência nas empresas do estado, mediante imposição da autoridade de seu cargo sobre os respectivos dirigentes, e a autonomia gerencial própria das entidades da administração indireta não representava óbice ao acesso e ao controle fático das disponibilidades financeiras das estatais.
Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Inserção de dados falsos em sistema de informações (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento
Art. 314 - Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Emprego irregular de verbas ou rendas públicas
Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 13.964/2019)
Excesso de exação
§ 1.º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
§ 2.º - Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Redação anterior:
"Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa."
Notas:
Excesso de exação e complexidade da legislação tributária: Segundo leciona PRADO, "se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito" (PRADO. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral e Parte Especial. Luiz Regis Prado, Érika Mendes de Carvalho, Gisele Mendes de Carvalho. 14. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 1.342/1.343, grifei).
Excesso de exação e erro de interpretação da norma tributária: Confirme leciona BITENCOURT, "tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar" (BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Econômico. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 730, grifei).
Excesso de exação e dolo da conduta: Conforme ensina CUNHA, "utilizando uma técnica legislativa reservada a poucos crimes, o art. 316, § 1º, exige, além dos normais requisitos do dolo com relação aos elementos de fato, 'o saber' que a exação é indevida. Logo, o agente deverá ter ciência plena de que se trata de imposto, taxa ou emolumento não devido" (CUNHA. Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial. 12. ed. rev, atual. e ampl. Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, pp. 872/873, grifei).
Excesso de exação e forma culposa: Leciona Guilherme de Souza Nucci que o elemento subjetivo do crime "é o dolo, nas modalidades direta ('que sabe') e indireta ('que deveria saber'). Não há elemento subjetivo específico, nem se pune a forma culposa." (NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 21. ed. rev, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021, p. 1.253, grifei).
Jurisprudência:
01) Concussão - Contratação de servidor comissionado mediante rateio de vencimentos - Tipicidade - Dolo - Irrelevância dos motivos determinantes apresentados pelo réu - Perda do cargo de Desembargador (ainda que tenha sido aposentado compulsoriamente no curso do processo penal) - Cabimento:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) PRATICADA POR DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ QUE EXIGE VANTAGEM INDEVIDA CONSISTENTE NO RATEIO DE VENCIMENTOS PERCEBIDOS POR DUAS SERVIDORAS COMISSIONADAS, COMO CONDIÇÃO PARA A INDICAÇÃO A CARGO EM COMISSÃO E SUA POSTERIOR MANUTENÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS E NÃO CONTESTADAS. TIPICIDADE CONFIGURADA. ÁLIBIS NÃO COMPROVADOS, OS QUAIS, MESMO AUTÊNTICOS, NÃO AFASTARIAM A TIPICIDADE. DOLO EVIDENCIADO. PERDA DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO, CONFORME ARTIGO 92 DO CÓDIGO PENAL, MESMO QUE APOSENTADO COMPULSORIAMENTE PELO CNJ. INDEPENDÊNCIA DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA E PENAL. OBRIGATORIEDADE DE QUE O DECRETO DE PERDA DO CARGO SEJA LANÇADO MESMO NAS HIPÓTESES EM QUE O CONDENADO JÁ SE ENCONTRE APOSENTADO, EXONERADO OU DEMITIDO EM ÂMBITO ADMINISTRATIVO. FATO 1. Ação Penal derivada do Inquérito 1.059/DF, que originou também as APns 841/DF, 885/DF e 909/DF, na qual o mesmo Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará responde por corrupção passiva, decorrente de venda de liminares em plantões judiciais, e lavagem de dinheiro. Nesta, o fato cinge-se à indicação de duas servidoras para o exercício de cargos em comissão, nomeadas respectivamente em 26/5/2011 e 21/7/2011. Valendo-se da posição hierárquica, desde a data da investidura de cada uma delas o magistrado passou a exigir, para si, vantagem mensal indevida, à ordem de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais da de menor remuneração e R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais da de maior vencimento, o que perfez, em relação à primeira, R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais) e, concernente à segunda, R$ 141.000,00 (cento e quarenta e um mil reais). Exigência que foi reiterada 49 (quarenta e nove) vezes a uma e 47 (quarenta e sete) vezes à outra. 2. Pagamentos que ocorriam mediante envelopes depositados sobre a mesa de trabalho do acusado ou mediante transferências bancárias, com manutenção de rigoroso controle por parte do réu, que mantinha contracheque das vítimas e caderno de registro de créditos, artefatos esses recolhidos em busca e apreensão realizada em seu local de trabalho. PRELIMINARES COMPETÊNCIA: APOSENTADORIA COMPULSÓRIA (...) MÉRITO MATERIALIDADE 13. Materialidade devidamente comprovada por farta prova documental e por prova testemunhal. A existência do crime está devidamente demonstrada pelos atos de nomeação de fls. 75-77, pelo Laudo 28/2015 - SETEC/SR/DPF/CE, juntado às fls. 11-63 do Apenso 17, especialmente pela folha 19, na qual consta tabela indicativa dos créditos de valores transferidos mensalmente das contas bancárias das vítimas secundárias e a identificação das suas contas de origem, de onde se percebe que a primeira efetivou transferências em 6/13, 8/13, 9/13, 11/13, 12/13, 1/14, 3/14, 4/14 e 5/14, que totalizaram R$ 27.315,00, para a conta do denunciado; e a segunda transferiu R$ 2.500,00 em cinco operações de R$ 500,00, cada, realizadas em 10/13, 12/13, 1/14, 2/14 e 5/14. As demais operações ocorreram em dinheiro. 14. Fato que ainda é provado pelo teor de diálogo captado em monitoramento telefônico, no qual filho do acusado, de prenome "Fernando", indaga à sua mãe sobre se o acusado "tá fazendo a metade". AUTORIA E EXAME DAS PROVAS 15. Autoria bem demonstrada, com narrativa de uma das vítimas de que a indicação para o cargo em comissão só aconteceu porque ela aceitou repassar a metade do que lhe seria devido pelo Estado ao acusado, ainda que este tenha justificado a ela que assim o seria para que ela pudesse trabalhar apenas meio expediente e, assim sendo, retribuir a concessão que lhe estava sendo feita por ele. 16. Indicação para cargo em comissão que só aconteceu diante da anuência da vítima em entregar percentual de seu vencimento ao acusado. (...). TIPICIDADE 22. O crime previsto no art. 316 do CP é espécie de extorsão praticada por funcionário público contra particular e se aperfeiçoa com a obtenção de vantagem. Não se requer constrangimento físico contra as vítimas. Dessa forma, a indicação para cargo em comissão mediante condição sine qua non de repasse de parte dos futuros vencimentos e a ameaça implícita e velada, mas sempre concreta, de exoneração pelo não rateio do percentual entabulado àquele que tem o poder para indicar a nomeação e a exoneração, notadamente quando se trata de vítimas de menor capacidade econômica, é o que basta para satisfazer o verbo nuclear do tipo. Nem se cogita que as vítimas pudessem ter a audácia de informar ao desembargador acusado que deixariam de fazer os repasses a ele, sagrando-se ilesas no cargo. 23. "Exigir" é impor como obrigação ou reclamar imperiosamente. A exigência pode ser formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob a ameaça explícita de represálias (imediatas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infligir mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira. E, nesse enredo, não há dúvida de que a imposição do repasse de parte dos vencimentos, sob pena de um mal maior, qual seja, não obter a indicação para cargo ou dele ser exonerado, perfaz o crime de concussão. Nesse sentido, o entendimento do STJ: Quinta Turma - REsp 215.459 - Rel. José Arnaldo Fonseca - j. 02.12.99 - RT 778/563. 24. Motivos determinantes da exigência que são absolutamente desimportantes. Não descaracteriza o crime que os valores embolsados pelo réu tenham sido destinados ao pagamento de festas do próprio gabinete, assinaturas de periódicos ou ajuda a estagiário. As quantias exigidas das vítimas não se classificam como contribuições espontâneas ou voluntárias para essas finalidades e em muito superam os alegados dispêndios. Basta que se verifique que foram arrecadados R$ 141.000,00 (cento e quarenta e um mil reais) de uma e R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais) de outra, respectivamente entre agosto de 2011 e junho de 2015 e entre junho de 2011 e junho de 2015, totalizando R$ 165.500,00 (cento e sessenta e cinco mil e quinhentos reais), o que em muito supera os gastos com as finalidades apontadas pelo acusado. ALEGAÇÃO DE QUE AS "CONTRIBUIÇÕES" ERAM VOLUNTÁRIAS E DESTINAVAM-SE AO CUSTEIO DE DESPESAS DO GABINETE E AJUDA A ESTAGIÁRIO CARENTE 25. Álibi invocado que nem mesmo foi demonstrado ou comprovado. Suposto estagiário carente beneficiário das "contribuições" que encerrou sua atividade no gabinete em 9/11/2011, muito embora os repasses ao acusado tenham prosseguido por mais quatro anos e só tenham sido estancados com a busca e apreensão ocorrida em seu local de trabalho, o que demonstra a ausência de liame entre os valores pagos pelos comissionados e a ajuda financeira ao hipossuficiente. Inquirição de estagiário que não foi pedida pela defesa nem na defesa prévia e nem na fase de diligências complementares (arts. 8.º e 10.º da Lei 8.038/1990). Testemunha que desde sempre era conhecida pela defesa. 26. Assinaturas de livros ou revistas não comprovadas. Ainda que essas justificativas pudessem ser tomadas como autênticas, em nada afastariam a indevida exigência de vantagem pecuniária. 27. Organizada contabilidade do crédito desses valores encontrada no correr da busca e apreensão realizada no gabinete do acusado que afasta a por ele afirmada espontaneidade dos repasses, principalmente diante do registro de entradas, mas não de saídas destinadas ao suposto estagiário carente ou ao pagamento das demais despesas que apontou. PENA (...) PERDA DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO 34. Conforme o artigo 92 do Código Penal, porque a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a um ano por crime praticado com violação de dever para com a Administração Pública, deve incidir o efeito específico da perda do cargo público. Trata-se de crime ligado ao exercício funcional, praticado no desempenho do cargo e com abuso dele. Como membro do Poder Judiciário, cumpria ao réu, acima de tudo, zelar pela escorreita aplicação da lei, pela defesa da regularidade dos procedimentos e pelo combate ao crime e a quem os pratica. A integridade, a probidade e a seriedade são corolários inafastáveis do desempenho do relevante cargo de magistrado. Nessa esteira, a incidência do efeito de perdimento do cargo é imperativa, como medida adequada, necessária e proporcional, forma de se preservar a sociedade e a dignidade do Poder Judiciário do Ceará, que exige atuar de seus membros impecavelmente probo e íntegro, e sobre os quais não deve pairar qualquer suspeita de ato que atente contra a moralidade administrativa ou que suscite dúvidas sobre sua legalidade. NECESSIDADE DA DECRETAÇÃO DA PERDA DO CARGO, NÃO OBSTANTE A SANÇÃO DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA APLICADA PELO CNJ 35. O acusado, detentor de cargo vitalício, foi aposentado compulsoriamente com proventos proporcionais pelo CNJ em 18/9/2018. A aposentadoria que o levou à inatividade é resultado da aplicação da penalidade máxima cominada no artigo 42, inciso V, da Lei Complementar 37/1997 (Loman). O artigo 76 da Lei Estadual 9.628/1974 do Ceará, Estatuto dos Funcionários Públicos Civis daquele Estado, estipula que "O funcionário perderá o cargo vitalício somente em virtude de sentença judicial". Já o artigo 179 do mesmo Estatuto preconiza que "São independentes as instâncias administrativas civil e penal, e cumuláveis as respectivas cominações". Colhe-se ainda da citada Lei, em seus artigos 180 e 181, que "A apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo" e que "Extingue-se a responsabilidade administrativa: I - com a morte do funcionário; II - pela prescrição do direito de agir do Estado ou de suas entidades em matéria disciplinar". Por fim, o artigo 196 do mesmo Estatuto determina que "As sanções aplicáveis ao funcionário são as seguintes: I a V omissis; VI - cassação de aposentadoria"; 36. Como bem se percebe da legislação cearense (artigo 180 da Lei Estadual 9.628/1974), "a apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo". Nota-se claramente que o fato de o agente público ter perdido o cargo não afasta sua responsabilização, que, a teor do artigo 181 do mesmo diploma normativo, só se extingue com a sua morte ou com a prescrição. 37. Perduram, conforme se vê, os efeitos do exercício da função pública desempenhada para além do seu perdimento, o que fundamenta o prosseguimento da apuração da responsabilidade administrativa, que pode culminar até mesmo na pena de cassação de aposentadoria. É dizer: o Direito Administrativo preservou a sua autonomia e a sua independência, assegurando a conclusão do processo disciplinar e a incidência da pena administrativa mesmo que o servidor público tenha perdido o cargo que desempenhava por força de sentença penal condenatória ou de sentença cível de improbidade administrativa. 38. O objeto da discussão nestes autos, entretanto, trata da hipótese reversa: a autonomia e a independência do Direito Penal, designadamente na aplicação da sanção do artigo 92 do Código Penal, quando o funcionário público perdeu o cargo pela via administrativa. INDEPENDÊNCIA DA ESFERA PENAL E ADMINISTRATIVA 39. O ponto aqui analisado versa exclusivamente sobre a independência da esfera penal e administrativa. Não se está a discutir cassação da aposentadoria do acusado, muito embora, se presentes determinados pressupostos, a Procuradoria do Estado do Ceará ou o Ministério Público daquele Estado possam ingressar com ação própria objetivando a supressão do benefício, como prevê a lei, tal como diante se verá. 40. Importa observar que a mesma repartição da competência penal e da administrativa ditada pela Lei Estadual 9.628/1974 é encontrada no artigo 125 da Lei 8.112/1990, o Estatuto do Servidor Civil da União, o que demonstra que a previsão cearense não é exceção à regra, mas a reafirma. Nesses termos, o servidor (em sentido amplo) responderá civil, penal e administrativamente pelos atos praticados. A independência de instâncias é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência do STF: AI 681487 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, Acórdão Eletrônico DJe-022 divulgado em 31/1/2013; MS 22899 AgR, Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 2/4/2003, DJ 16/5/2003 PP-00092 Ement. Vol.-02110-02 PP-00279; 41. À vista disso, conclui-se que, embora tanto a aposentadoria compulsória com proventos proporcionais quanto o decreto de perda do cargo conduzam ao mesmo efeito - vacância do cargo -, levando ao afastamento do agente da função pública, o fato é que a independência das instâncias impõe que assim seja - embora, como dito, o resultando, ao menos quando à vacância do cargo, possa ser o mesmo. POSSIBILIDADE DA REVERSÃO DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA PELA VIA JUDICIAL OU MESMO ADMINISTRATIVA 42. E isso se explica porque, verbi gratia, se o condenado eventualmente lograr a reversão da penalidade administrativa - seja pela via mandamental, por via de ação ordinária ou mesmo por recurso administrativo -, a ausência da declaração do efeito do perdimento do cargo no âmbito criminal implicará o seu regresso à atividade, sem que nada possa ser feito em relação a isso. Ou seja: estará impune porque o juízo criminal confiou na sanção administrativamente aplicada, que, ao fim e ao cabo, pode ser revertida pelas mais diversas vias. CONCOMITÂNCIA DO EFEITO ADMINISTRATIVO E PENAL DO AFASTAMENTO DO CARGO QUE VIGOROU DURANTE TODO O PROCESSO 43. No caso concreto, essa sobreposição de comandos vigorou - vale enfatizar - durante todo o presente processo penal. Observa-se que o acusado foi afastado cautelarmente pelo STJ da função pública exercida em 15/6/2015. Não obstante a cautelar processual-penal, o CNJ, no Processo Administrativo Disciplinar 0005022-44.2015.2.00.0000, também determinou o afastamento do magistrado, em outubro de 2015, de forma que ele ficou impedido de exercer a função pública tanto por força do processo criminal quanto por determinação lançada no processo administrativo disciplinar. 44. Se foi assim durante todo o curso da instrução, não há o que justifique que, condenado penalmente, a ele subsista apenas a sanção administrativa e que se despreze o efeito da condenação penal. DECRETO DE PERDA DO CARGO PÚBLICO QUE NÃO AGRAVARÁ A SITUAÇÃO DO RÉU E NEM IMPLICARÁ APLICAÇÃO DE PENA NÃO COMINADA NA LEI PENAL 45. Na prática, a sobreposição do efeito (vacância do cargo) da pena de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais à pena de perdimento do cargo decretada em Acórdão penal não implicará resultado imediato e concreto direto porque, como se disse, o magistrado já está aposentado. Todavia, a questão ganha contorno de relevância exatamente na hipótese de eventual reversão judicial ou mesmo administrativa da penalidade lançada pelo CNJ. 46. Tal qual bem enfatizado pela Eminente Ministra Nancy Andrighi, caso se tratasse de aposentadoria voluntária, haveria a possibilidade - ainda que remota - de o Tribunal de Contas entender que não estavam adimplidos os pressupostos necessários do ato e determinar o regresso do servidor ao cargo, até a satisfação dos requisitos necessários ao ato de aposentação. 47. Tratando-se, todavia, de aposentadoria compulsória de agente vitalício, a situação é ainda mais grave, porque nesta há sempre a possibilidade concreta da reversão judicial do ato administrativo, seja pela inobservância de alguma formalidade procedimental ou formal, seja pelo reexame dos pressupostos ou mesmo da reanálise da proporcionalidade da pena. 48. Dessa forma, não há como se ter a certeza de que a decisão do CNJ é imutável. Bem por isso, é fundamental que o Acórdão penal condenatório imponha, como a lei determina, a pena de perdimento do cargo, a lattere da pena administrativa já vigente. DISTINGUISHING - APOSENTADORIA COMPULSÓRIA COM PROVENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO (PENA ADMINISTRATIVA) E PERDA DO CARGO (EFEITO DA CONDENAÇÃO PENAL) 49. Também se faz necessário, apenas ad argumentandum, o distinguishing entre a pena administrativa de aposentadoria compulsória prevista para os detentores de cargos vitalícios e a pena de perda do cargo decretada em sentença penal para os vitalícios e não vitalícios, indistintamente. 50. Se a aposentadoria compulsória é pena administrativa prevista na Loman, a perda do cargo ditada em sentença penal é reflexo da condenação criminal. São institutos que encontram bases, fundamentos e consequências diferentes. A perda do cargo extingue o vínculo do servidor condenado com a Administração Pública. A aposentadoria compulsória, como pena, mantém esse vínculo, mas altera a situação do servidor para "inativo". 51. Não por acaso, o Estatuto de Servidor Público do Ceará e a própria Lei 8.112/90 estipulam a cassação da aposentadoria daquele que foi responsabilizado administrativamente por fato praticado na condição de servidor ativo, caso já aposentado no momento do término do processo administrativo disciplinar, e ordenam que o processo de apuração interna seja ultimado. Como bem se percebe da legislação cearense (artigo 180 da Lei Estadual 9.628/1974), "a apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo". E isso se explica justamente porque a perda do cargo e a aposentadoria compulsória são institutos diferentes que geram consequências diferentes. POSSIBILIDADE DE DECRETO PERDA DO CARGO DE AGENTES VITALÍCIOS EM SENTENÇA PENAL 52. A Corte Especial do STJ sedimentou de longa data a possibilidade de determinar a perda do cargo ocupado por agentes vitalícios, como efeito secundário da condenação, nos crimes funcionais. É o que se verifica dos seguintes julgados: APn 224, Relator Ministro Luis Felipe Salomão; APn 266, Relatora Ministra Eliana Calmon; APn 300, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APn 327, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APn 422, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APn 675, Relatora Ministra Nancy Andrighi, entre várias outras. 53. Diante dessa distinção entre aposentadoria compulsória e perda do cargo em sentença penal, torna-se ainda mais necessário que conste do Acórdão condenatório a incidência da pena de perdimento da função pública ocupada por Carlos Rodrigues Feitosa, medida que propiciará que, em ação própria, os legitimados promovam a eventual cassação do benefício previdenciário. 54. Em obter dictum, especificamente em relação a magistrado, destaco que a Quinta Turma do STJ, no RMS 18.763/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 6/11/2005, DJ 13/2/2006 p. 832, decidiu que "prescinde de previsão legal expressa a cassação de aposentadoria de magistrado condenado à perda de cargo em sentença penal transitada em julgado, uma vez que a cassação é consectário lógico da condenação, sob de pena de se fazer tábula rasa à norma constitucional do art. 95, inciso I, da CF/88, que prevê a perda de cargo de magistrado vitalício, somente em face de sentença judicial transitada em julgado". Já no RMS 13.934/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 12/8/2003, ficou decidido que "Legítima é a cassação de aposentadoria de servidor, decorrente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória pela prática de crime cometido na atividade, que lhe impôs expressamente, como efeito extrapenal específico da condenação, a perda do cargo público". CASO CONCRETO 55. Não obstante, no caso destes autos, não se está a tratar de cassação de aposentadoria, mas de simples reconhecimento - em âmbito penal - da necessidade de decreto de perda do cargo e da presença dos fundamentos necessários a tanto, em reforço da decisão administrativa. Eventualmente revertida esta, remanescerá a pena criminal. Daí a necessidade da declaração expressa deste efeito da condenação, ainda que o réu já esteja aposentado compulsoriamente. 56. Expostas essas premissas, percebe-se que os precedentes jurisprudenciais - AgInt no REsp 1.529.620 /DF, Rel. Min. Sebastião Reis Junior; e AgRg no REsp 1.227.116/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - invocados no início da sessão de julgamento são não se amoldam a este caso, ou a justificar a não decretação da perda do cargo (e não a cassação da aposentadoria), porque, todos eles, cuidam de hipóteses em que a perda do cargo vinha seguida da cassação da aposentadoria, na própria sentença penal. 57. Assim também o REsp 1.317.487/MT, Relatora Ministra Laurita Vaz, cujo mote da questão lá examinada era, novamente, discussão a respeito da cassação de aposentadoria de policial militar acusado de tortura e já aposentado voluntariamente no momento do julgamento. 58. Portanto, diferentemente do que foi compreendido ao início do julgamento desta Ação Penal, o que se está a sedimentar aqui é tão somente a perda do cargo público como efeito da condenação criminal, em homenagem à independência das instâncias administrativa e penal e como forma de viabilizar a concretização do efeito da condenação criminal. Se não houver modificação da pena imposta em seara administrativa, a deliberação não terá efeito prático. Do contrário, assegurará a autonomia e a independência do Direito Penal diante do Administrativo, assegurando a efetiva perda do cargo por aquele que cometeu crime contra a Administração. 59. Certo é que não se está a decretar a cassação da aposentadoria do réu, muito embora, como atrás registrado, ela possa ser obtida pela via judicial adequada e mediante ação própria a ser proposta pelos legitimados, nos termos do artigo 204 do Estatuto do Servidor Público Civil do Ceará, que dispõe que "Será cassada a aposentadoria ou disponibilidade se ficar provado, em inquérito administrativo, que o aposentado ou disponível praticou, quando no exercício funcional, ilícito punível com demissão". 60. Portanto, reafirmo a necessidade de que o réu seja penalmente condenado à perda do cargo público, conquanto dele já tenha sido afastado. EXECUÇÃO DA PENA 61. Não cabendo mais recursos ordinários, e na esteira da atual jurisprudência do STF (ARE 964246), deve ser expedido o mandado de prisão, tão logo julgados eventuais Embargos de Declaração, ou decorrido o prazo para a sua interposição, caso não protocolados. DISPOSITIVO 62. Condenação a 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e multa de 30 (trinta dias-multa), ao valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes ao tempo dos fatos, devidamente corrigidos até o efetivo pagamento, dando-se o réu como incurso nas sanções do artigo 316, caput, do Código Penal, por 49 (quarenta e nove) vezes em relação à primeira vítima, em continuidade delitiva, na forma do artigo 71, caput, do Código Penal, e por 47 (quarenta e sete) vezes em relação à segunda, também em continuidade delitiva, na forma do dispositivo atrás citado, pena essa a ser cumprida em regime inicial semiaberto. 63. Afastamento do cargo mantido, até o trânsito em julgado.
(STJ - APn 825/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/04/2019, DJe 26/04/2019)
02) Concussão - Prática enquanto o agente público está em licença - Irrelevância - Tipicidade:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCUSSÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. SÚMULA 7/STJ. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INEXISTÊNCIA. ART. 92, I, DO CP. LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. IRRELEVÂNCIA PARA A INCIDÊNCIA DA NORMA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. EXAME DAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO RÉU. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A pretensão absolutória, como posta no recurso, não demanda simples revaloração da prova, consubstanciada na atribuição do devido valor jurídico a fato incontroverso, mas o reexame de todo o acervo fático-probatório carreado aos autos, providência vedada pela Súmula 7/STJ. 2. Inexiste inversão do ônus da prova quando a acusação produz arcabouço probatório suficiente à formação do juízo condenatório. Precedentes. 3. A circunstância de o acusado encontrar-se em licença para tratamento de saúde ao tempo da sentença é irrelevante para a incidência do art. 92, I, do Código Penal. E, nos termos do art. 316 do Código Penal, o crime de concussão pode ser cometido ainda que fora da função. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o exame da alegação referente ao suposto exagero nos valores fixados a título de dias-multa e prestação pecuniária, exige a apreciação da situação econômico-financeira do acusado, providência incompatível com o recurso especial, conforme preceitua a Súmula n. 7/STJ. 5. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp 1664149/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 18/04/2018)
03) Excesso de exação - Equívoco de interpretação da norma tributária - Dificuldade exegética - Ausência de elemento subjetivo - Atipicidade:
REsp 1.943.262-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021. Corte Especial
Tema
Excesso de exação. Art. 316, § 1.º, do Código Penal. Comprovada dificuldade exegética da legislação de custas e emolumentos. Conduta resultante de equívoco na interpretação da norma tributária. Ausência de comprovação do elemento subjetivo. Atipicidade.
Destaque
A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação.
Informações do Inteiro Teor
O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação), seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou gravoso, ou sem autorização legal. Ademais, o elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda, de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos. E, consoante a doutrina, "se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito". Outrossim, ressalta-se que "tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar". Nesse palmilhar, a relevância típica da conduta prevista no art. 316, § 1º, do Código Penal depende da constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual tinha ou deveria ter ciência de ser indevido. Deve o titular da ação penal pública, portanto, demonstrar que o sujeito ativo moveu-se para exigir o pagamento do tributo que sabia ou deveria saber indevido. Na dúvida, o dolo não pode ser presumido, pois isso significaria atribuir responsabilidade penal objetiva ao registrador que interprete equivocadamente a legislação tributária. No caso, os elementos constantes do acórdão recorrido evidenciam que o texto da legislação de regência de custas e emolumentos à época do fatos provocava dificuldade exegética, dando margem a interpretações diversas, tanto nos cartórios do Estado, quanto dentro da própria Corregedoria, composta por especialistas na aplicação da norma em referência. Desse modo, a tese defensiva de que "a obscuridade da lei não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos cartorários no caso especificado pela denúncia" revela-se coerente com a prova dos autos. Ademais, frisa-se que os elementos probatórios delineados pela Corte de origem evidenciam que, embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Temerária, portanto, a sua condenação à pena de 4 anos de reclusão e à gravosa perda do cargo público. Outrossim, oportuno relembrar que, no RHC n. 44.492/SC, interposto nesta Corte, a defesa pretendeu o trancamento desta ação ainda em sua fase inicial. A em. Ministra Laurita Vaz, relatora do feito, abraçou a tese defensiva assentando que "não basta a ocorrência de eventual cobrança indevida de emolumentos, no caso, em valores maiores do que os presumidamente devidos, para a configuração do crime de excesso de exação previsto no § 1.º do art. 316 do Código Penal, o que pode ocorrer, por exemplo, por mera interpretação equivocada da norma de regência ou pela ausência desta, a ensejar diferentes entendimentos ou mesmo sérias dúvidas de como deve ser cobrado tal ou qual serviço cartorial. É mister que haja o vínculo subjetivo (dolo) animando a conduta do agente." E arrematou que "a iniciativa de acionar o aparato Estatal para persecução criminal de titular de cartório, para punir suposta má-cobrança de emolumentos, em um contexto em que se constatam fundadas dúvidas, e ainda sem a indicação clara do dolo do agente, se apresenta, concessa venia, absolutamente desproporcional e desarrazoada, infligindo inaceitável constrangimento ilegal ao acusado." (RHC n. 44.492/SC, relatora Ministra LAURITA VAZ, relator para acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 21/8/2014, DJe 19/11/2014). A em. relatora ficou vencida, decidindo a Turma, por maioria, pelo prosseguimento da ação penal em desfile, desfecho esse que desconsiderou que, em observância ao princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve manter-se subsidiário e fragmentário, e somente deve ser aplicado quando estritamente necessário ao combate a comportamentos indesejados. Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal. (...)
(Fonte: Informativos do STJ - Edição Especial n.º 4 - disponível em https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?ativa=2)
Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 10.763, de 12.11.2003)
§ 1.º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2.º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, ou multa.
Jurisprudência:
01) Corrupção passiva - Prática de ação (ou omissão) fora de suas atribuições formais - Elemento normativo do tipo ("em razão dela") - Tipicidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.745.410-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, por unanimidade, julgado em 02/10/2018, DJe 23/10/2018 (Informativo n.º 635 do STJ – Sexta Turma)
Corrupção passiva. Art. 317 do CP. Expressão "em razão dela". Equiparação a "ato de ofício". Inviabilidade. Ações ou omissões indevidas fora das atribuições formais do funcionário público. Condenação. Possibilidade.
O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada.
De início, cumpre observar que recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito da interpretação do artigo 317 do Código Penal são no sentido de que "se exige, para a configuração do delito (de corrupção passiva), apenas o nexo causal entre a oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função pública exercida, sem que necessária a demonstração do mesmo nexo entre a oferta (ou promessa) e o ato de ofício esperado, seja ele lícito ou ilícito" (Voto da Ministra Rosa Weber no Inq 4.506/DF). Com efeito, nem a literalidade do art. 317 do CP, nem sua interpretação sistemática, nem a política criminal adotada pelo legislador parecem legitimar a ideia de que a expressão "em razão dela", presente no tipo de corrupção passiva, deve ser lida no restrito sentido de "ato que está dentro das competências formais do agente". A expressão "ato de ofício" aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este último delito, a expressão "ato de ofício" figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na modalidade privilegiada do § 2º do mesmo dispositivo. Além disso, a desnecessidade de que o ato pretendido esteja no âmbito das atribuições formais do funcionário público fornece uma visão mais coerente e íntegra do sistema jurídico. A um só tempo, são potencializados os propósitos da incriminação - referentes à otimização da proteção da probidade administrativa, seja em aspectos econômicos, seja em aspectos morais - e os princípios da proporcionalidade e da isonomia. Conclui-se, que o âmbito de aplicação da expressão "em razão dela", contida no art. 317 do CP, não se esgota em atos ou omissões que detenham relação direta e imediata com a competência funcional do agente. Assim, o nexo causal a ser reconhecido é entre a mencionada oferta ou promessa e eventual facilidade ou suscetibilidade usufruível em razão da função pública exercida pelo agente.
02) Corrupção passiva - Parlamentar - Fornecimento de sustentação política a terceiro para obter vantagens ilícitas - Requisitos da denúncia atendidos - Transporte do dinheiro auferido configura exaurimento da conduta, e não lavagem de valores:
DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL (Informativo n.º 955 do STF - Primeira Turma)
Lavagem de dinheiro e exaurimento da infração antecedente -
A Primeira Turma recebeu denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática de crime de corrupção e a rejeitou quanto ao delito de lavagem de dinheiro. No caso, o inquérito foi instaurado para apurar o cometimento, por parlamentar federal e seu assessor, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ante a apreensão de vultosa quantia em espécie, na posse do último, quando tentava embarcar em avião, utilizando passagens custeadas pelo primeiro. A procuradora-geral da República apresentou denúncia em desfavor do deputado, imputando-lhe o cometimento dos delitos tipificados nos arts. 317, § 1.º (corrupção passiva com causa de aumento em razão de infringir dever funcional), do Código Penal (CP) e 1.º, V (lavagem de dinheiro proveniente de crime contra a Administração Pública), da Lei 9.613/1998, com redação anterior à Lei 12.683/2012, na forma do 69 (concurso material) do CP. Segundo a denúncia, o parlamentar, na condição de líder de partido, teria recebido, por intermédio de assessor, vantagem indevida visando obter apoio para manter determinada pessoa na Presidência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU. A denúncia assevera ter o parlamentar deixado de praticar ato de ofício consistente na fiscalização das atividades do Poder Executivo e da Administração Pública indireta, infringindo deveres funcionais atinentes ao mandato de deputado federal. Além disso, o investigado, com a finalidade de ocultar a natureza, a origem, a disposição e a propriedade da quantia ilícita recebida, teria ordenado que o assessor movimentasse o dinheiro, camuflando as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, de modo a dissimular a natureza, a origem e a propriedade dos valores, caso fosse surpreendido, o que veio a acontecer. A Turma, inicialmente, afastou as preliminares suscitadas. No mérito, quanto ao delito previsto no art. 317, § 1.º, do CP, reputou que a denúncia atendeu às exigências versadas no art. 41 do Código de Processo Penal (CPP): conter descrição do cometimento, em tese, de fato criminoso e das circunstâncias, estando individualizada a conduta imputada ao acusado. Afirmou haver indícios de participação do denunciado no suposto fornecimento de sustentação política com a finalidade de obter vantagens ilícitas oriundas da aquisição de bens e serviços no âmbito da mencionada sociedade de economia mista. Ficou demonstrada, nos autos, a intensa troca de mensagens e de ligações efetuadas entre o assessor do deputado e o beneficiário que pretendia se manter na presidência da mencionada companhia no dia da apreensão do numerário. Ressaltou que cumpre viabilizar, sob o crivo do contraditório, a instrução processual, para que o tema de fundo da imputação, atinente à omissão de ato de ofício com vistas à obtenção de vantagem ilícita, seja analisado. No que se refere ao delito de lavagem de dinheiro, no entanto, não vislumbrou narrativa fática a ensejar a configuração típica da infração, surgindo relevante o articulado pela defesa acerca da ausência de justa causa. Esclareceu que o crime de branqueamento de capitais corresponde a conduta delituosa adicional, a qual se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é própria do exaurimento da infração antecedente. Entretanto, a procuradoria-geral da República limitou-se a expor, a título de conduta reveladora de lavagem de dinheiro, a obtenção da vantagem indevida proveniente do delito de corrupção passiva. Asseverou que o ato de receber valores ilícitos integra o tipo previsto no art. 317 do CP, de modo que a conduta de esconder as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, não se reveste da indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no art. 1.º, V, da Lei 9.613/1998. Também se mostram atípicas as condutas apontadas como configuradoras do delito de lavagem de dinheiro na modalidade de dissimulação da origem de valores, visto que ausente ato voltado ao ciclo de branqueamento. A falta de justificativa a respeito da origem da quantia ou a apresentação de motivação inverossímil estão inseridas no direito do investigado de não produzir prova contra si, sem implicar qualquer modificação na aparência de ilicitude do dinheiro.
STF - Inq 3515/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.10.2019. (Inq-3515)
03) Corrupção passiva praticada por ex-deputado federal - Vantagem indevida decorrente da manifestação de sua força política sobre condução ou sustentação de determinado agente em cargo - Limites do exercício legítimo da representação - Violação - Tipicidade - Indenização - Danos morais coletivos - Cabimento - Danos materiais - Descabimento - Matéria do juízo cível:
SEGUNDA TURMA - DIREITO PENAL – CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL
Corrupção passiva e danos morais coletivos -
A Segunda Turma, ao concluir exame de ação penal, julgou parcialmente procedente denúncia recebida em desfavor de um ex-deputado federal e um engenheiro civil, cujos fatos se referem à concretização de acordo extrajudicial sobre a remuneração de serviços de praticagem entre empresas de praticagem atuantes em certa zona portuária e a Petrobrás S/A. No mérito, os réus foram: (i) condenados, em votação majoritária, pela prática do delito de corrupção passiva, com incidência de causa de aumento apenas na reprimenda do ex-parlamentar; e (ii) condenados, em votação unânime, pelo cometimento do delito de lavagem de dinheiro por dezenove vezes. Ambos foram absolvidos, por unanimidade, das imputações remanescentes. Na sequência, as penas e os respectivos regimes de cumprimento foram fixados, declarada a extinção da punibilidade do engenheiro quanto ao delito de corrupção passiva, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal. Acerca de outros efeitos da condenação, a Turma, por maioria: (i) fixou valor mínimo indenizatório para a reparação dos danos morais coletivos em quantia a ser adimplida de forma solidária pelos sentenciados; e (ii) assentou o prejuízo do pedido de perda de mandato parlamentar. Ademais, por unanimidade: (i) não acolheu a pretensão de danos materiais; (ii) decretou, em favor da União, a perda dos bens, direitos e valores objeto da lavagem em relação a qual foram condenados, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (iii) decretou a interdição dos condenados para o exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da Lei 9.613/1998, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade a eles aplicada; (iv) condenou-os ao pagamento das custas processuais e determinou a expedição de guia de execução das reprimendas cominadas tão logo esgotada a análise das insurgências cognoscíveis que venham a ser interpostas contra esta decisão. Ao tratar do crime de corrupção passiva cometido pelo ex-deputado, o colegiado afirmou que o tipo exige a demonstração de que o favorecimento negociado pelo agente público se encontre no rol das atribuições previstas para a função que exerce. As circunstâncias fáticas verificadas permitem essa conclusão no caso concreto. Depois de refletir acerca do “presidencialismo de coalização”, compreendeu que se confere aos parlamentares um espectro de poder para além da mera deliberação de atos legislativos, tanto que a participação efetiva deles nas decisões de governo se dá com a indicação de quadros para o preenchimento de cargos no Poder Executivo. Entretanto, há evidente “mercadejamento” da função parlamentar quando o poder de indicar alguém para determinado cargo ou de dar sustentação política para nele permanecer é exercido de forma desviada, voltado à percepção de vantagens indevidas. A singela assertiva de que não compete ao parlamentar nomear ou exonerar alguém de cargos públicos vinculados ao Poder Executivo desconsidera a organização do sistema presidencialista brasileiro. Não fosse isso, deve-se ter em mente que a Constituição Federal (CF), expressamente, atribui aos parlamentares funções que vão além da tomada de decisões voltadas à produção de atos legislativos. Logo, é plenamente viável a configuração do delito de corrupção passiva quando a vantagem indevida é solicitada, recebida ou aceita pelo agente público, em troca da manifestação da força política que este detém para a condução ou sustentação de determinado agente em cargo que demanda tal apoio. O exercício do mandato eletivo se faz de forma concomitante e indissociável à atividade partidária. Esse contexto não encaminha à criminalização da atividade político-partidária, apenas responsabiliza os atos de pessoas que, na condição de parlamentares, transbordam os limites do exercício legítimo da representação popular. Vencidos, no ponto, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que desclassificaram a infração para o crime de tráfico de influência. Para eles, a vantagem indevida teria sido recebida a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público. O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que as vantagens auferidas não estavam vinculadas a ato de ofício ou a conjunto de atribuições inerentes ao cargo parlamentar. Noutro ponto, ainda admitiu a coexistência da prática do delito de tráfico de influência e de lavagem de dinheiro pelo mesmo agente, desde que se comprove a realização de dolos distintos para cada um deles. Já, na compreensão do ministro Gilmar Mendes, os valores recebidos não estavam vinculados ao exercício das funções de deputado federal. O fato determinante não foi o mandato ocupado, mas a relação pessoal de suposta influência que possuía junto a determinado funcionário público e não teria a ver com a manutenção do funcionário na empresa. Além disso, o ministro ponderou não caber a aplicação aos titulares de mandatos eletivos do incremento de pena previsto em parágrafo próprio do preceito do delito de corrupção passiva. Isso ocorre em virtude da impossibilidade do uso da interpretação extensiva. Viola ainda a proibição de dupla punição pelo mesmo fato. Em outro passo, a Turma não acolheu o pedido do Ministério Público quanto à fixação de danos materiais. Considerou impassível de cognição na seara processual penal, pois os limites de conhecimento definidos nos autos não se mostram adequados à mensuração do possível dano material advindo das condutas dos imputados. Assinalou que a prestação jurisdicional pode ficar eventualmente reservada ao juízo cível competente, mediante instrumentos próprios de definição de responsabilidade civil. Ao acolher a pretensão relativa aos danos coletivos, o colegiado entendeu que o ordenamento jurídico também tutela, no âmbito da responsabilidade, o dano moral na esfera individual e na forma coletiva, conforme o inciso X do art. 5.º da Constituição Federal (CF) (1); o art. 186 do Código Civil (CCv) (2); e, destacadamente, o inciso VIII do art. 1.º da Lei 7.347/1985 (3). Na tutela dos direitos coletivos em sentido amplo, a doutrina admite, de longa data, a configuração da responsabilidade civil decorrente de dano moral coletivo com base na prática de ato ilícito. Considerou ser nessa direção que o Poder Constituinte originário se postou à luz dos objetivos fundamentais elencados no art. 3.º (4) e declarados no preâmbulo da CF. Por fim, avaliou estar presente o dever de indenizar nos termos do art. 927 do CCv (5). O ministro Celso de Mello reputou ser legítima a condenação, especialmente ao se considerarem a natureza e a finalidade resultantes do reconhecimento de que se revestem os danos morais coletivos cuja metaindividualidade, caracterizada por sua índole difusa, atinge, de modo subjetivamente indeterminado, uma gama extensa de pessoas, de grupos e de instituições. Vencido, no ponto, o ministro Ricardo Lewandowski, que afastou a possibilidade de se processar a condenação ao dano moral no próprio processo penal, no que foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, o processo coletivo situa-se em outro âmbito, no qual não se leva em consideração o direito do indivíduo, e sim os direitos coletivos de pessoas que pertençam a determinado grupo ou ao público em geral. Na espécie, inexiste ambiente processual adequado para a análise de dano moral coletivo, o que recomenda o exame da querela em ação autônoma. Sobre a proposta de perda do mandato eletivo, a Turma julgou ter havido a perda do objeto. Com o término da Legislatura 2015-2019, encerrou-se o mandato político do denunciado. A despeito de ter reassumido o mandato de deputado federal na Legislatura 2019-2023, na qualidade de suplente, não mais se encontra no exercício desse cargo parlamentar. No particular, vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que não considerou prejudicado o pedido e se manifestou contra a perda do mandato, no que foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes. O ministro Ricardo Lewandowski aduziu, ademais, que, apesar de o réu ter se afastado na legislatura em curso, nada impede que ele retorne a qualquer momento. A sua posição de deputado suplente persiste integralmente.
(1) CF: “Art. 5º (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
(2) CCv: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
(3) Lei 7.347/1985: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...) VIII – ao patrimônio público e social.”
(4) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
(5) CCv: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
STF - AP 1002/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 9.6.2020. (AP-1002)
Facilitação de contrabando ou descaminho
Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):
Pena - reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 8.137, de 27.12.1990)
Jurisprudência:
01) Facilitação ao descaminho - Desclassificação - Descabimento - Dever funcional de agir - Policial Rodoviário Federal - Prevalecimento da função:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA DESCAMINHO. DEVER FUNCIONAL DE AGIR PRESENTE. DELITO CONFIGURADO. PREVALECIMENTO DA FUNÇÃO ASSENTADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. PRETENDIDA REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR FIXADO FUNDAMENTADAMENTE PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento desta Corte, ainda que o policial rodoviário federal não tenha a função precípua de atuar contra o descaminho, atua na repressão de crimes, devendo portanto responder pelo delito do art. 318 do CP, subsistindo o dever funcional de agir, independentemente de estar em serviço, em horário ou em local de trabalho.
2. A pretendida revisão do julgado, firmada no sentido de que réu se valeu de sua condição de policial rodoviário federal para evitar a fiscalização durante o trajeto, a fim de desclassificar a conduta para o delito de descaminho, encontra óbice na Súmula 7/STJ.
3. Fixado fundamentadamente pelas instâncias ordinárias o valor da prestação pecuniária, levando em consideração "a significativa quantidade de eletrônicos transportados e a não comprovação de hipossuficiência nos autos", não há como ser alterado o entendimento com vistas à redução do valor da prestação pecuniária, nos termos da Súmula 7/STJ.
4; Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp 1853897/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 25/05/2020)
Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei n.º 11.466, de 2007).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Condescendência criminosa
Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, além da multa.
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 8.137/90 - Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo.
- Vide: Art. 8.º, § 3.º, da Lei n.º 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.
Jurisprudência:
01) Advocacia administrativa - Correções feitas por agente público à impugnação apresentada por particular - Atipicidade - Norma especial - Aplicabilidade:
DIREITO PENAL - REsp 1.770.444-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, por maioria, julgado em 08/11/2018, DJe 03/12/2018 (Informativo n.º 639 do STJ – Sexta Turma)
Advocacia administrativa perante a administração fazendária. Art. 3º, III, da Lei n. 8.137/1990. Impugnações administrativas apresentadas por terceiro particular. Prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico realizada por agente público. Atipicidade da conduta.
É atípica a conduta de agente público que procede à prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas, não configurando o crime de advocacia administrativa perante a Administração Fazendária.
Inicialmente cumpre salientar que a conduta tipificada no art. 3º, III, da Lei n. 8.137/1990 - tipo especial em relação ao delito previsto no art. 321 do Código Penal - pressupõe que o agente, valendo-se da sua condição de funcionário público, patrocine, perante a administração fazendária, interesse alheio em processo administrativo. Pressupõe-se que o agente postule o interesse privado, direta ou indiretamente, utilizando-se da sua condição de funcionário para influenciar os responsáveis pela análise do pleito. Segundo a doutrina, "patrocinar significa defender, pleitear, advogar junto a companheiros ou superiores hierárquicos o interesse particular. Para que se configure este delito, não basta que o agente ostente a condição de funcionário público, mas é necessário e indispensável que pratique a ação aproveitando-se das facilidades que sua qualidade de funcionário público lhe proporciona". A doutrina também ensina que "é claro que o patrocínio incriminado exige efetiva defesa de interesse privado por parte do funcionário público da administração fazendária, e não simples ato que poderia ser praticado por qualquer pessoa, como no caso do agente que obtém certidões devidamente pagas ou informações passíveis de serem colhidas por qualquer um, sob pena de violação dos princípios da ofensividade e da proporcionalidade". Desse modo, não se pode tomar como típica a conduta de proceder à correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas anteriormente confeccionadas pelos causídicos do administrado. Muito embora a conduta perpetrada possa ser avaliada sob o aspecto ético, ela não se justapõe à conduta típica descrita no art. 3º, III, da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária.
Violência arbitrária
Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência.
Abandono de função
Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 01 (um) mês, ou multa.
§ 1.º - Se do fato resulta prejuízo público:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa.
§ 2.º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos, e multa.
Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado
Art. 324 - Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Violação de sigilo funcional
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1.º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 3.º, § 5.º, da Lei n.º 11.671/2008 - Violação ao sigilo do preso em estabelecimentos federais de segurança máxima.
Violação do sigilo de proposta de concorrência
Art. 326 - Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:
Pena - Detenção, de três meses a um ano, e multa.
Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1.º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei n.º 6.799, de 1980)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 1.º e seguintes da Lei n.º 13.869/2019 (Lei do Abuso de Autoridade).
- Vide: Dec. n.º 4.410/2002 - Convenção Interamericana contra a Corrupção - conceitos de função pública, funcionário público e bens, etc.
"Para os fins desta Convenção, entende-se por:
"Função pública" toda atividade, temporária ou permanente, remunerada ou honorária realizada por uma pessoa física em nome do Estado ou a serviço do Estado ou de suas entidades, em qualquer de seus níveis hierárquicos.
"Funcionário público", "funcionário de governo" ou "servidor público" qualquer funcionário ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive os que tenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar atividades ou funções em nome do Estado ou a serviço do Estado em qualquer de seus níveis hierárquicos.
"Bens" os ativos de qualquer tipo, quer sejam móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos e instrumentos legais que comprovem ou pretendam comprovar a propriedade ou outros direitos sobre estes ativos, ou que se refiram à propriedade ou outros direitos."
Jurisprudência:
01) Depositário judicial - Agente não ocupante de cargo público, emprego ou função pública - Mero auxiliar da Justiça:
DIREITO PENAL
HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 13/03/2018, DJe 26/03/2018 (Sexta Turma)
Depositário judicial que vende os bens em seu poder. Ausência da ocupação de cargo público. Peculato. Atipicidade.
O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato.
De início, verifica-se que o depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não recebe vencimento, tampouco tem vínculo estatutário. Trata-se de uma pessoa que, embora tenha de exercer uma função no interesse público do processo judicial, é estranha aos quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus público). Não ocupa, de igual modo, emprego público e nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que fica com o encargo de cuidar de bem litigioso. Não se satisfaz, em tal caso, a figura típica do art. 312 do Código Penal, porque não há funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do Código Penal, em razão da ausência da ocupação de cargo público. Não basta, como se vê, à caracterização do peculato, o fato de o agente ser considerado funcionário público. É preciso mais. Que ele se aproprie do bem em razão do cargo público que exerça. Essa relação entre o agente e o cargo público é inarredável no crime de peculato.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
Usurpação de função pública
Art. 328 - Usurpar o exercício de função pública:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único - Se do fato o agente aufere vantagem:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa.
Resistência
Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - detenção, de 02 (dois) meses a 02 (dois) anos.
§ 1.º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos.
§ 2.º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
Notas:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- Resistência ativa: É quando o agente usa violência ou ameaça contra o servidor público.
- Resistência passiva: Ocorre quando o agente se opõe à execução do ato legal sem atacar ou agredir o funcionário público, atitude identificada por Nelson Hungria como "ghândica". Neste caso o indivíduo resiste por outros meios, não violentos, como, por exemplo, não atendendo às ordens de comando, fugindo, permanecendo imóvel para não ser colocado na viatura, escondendo as mãos para não ser algemado, deitando-se no chão etc.
- A embriaguez voluntária do agente não afasta o crime de residência. Vide art. 28, inc. II, do CP.
Jurisprudência:
01) Prisão em flagrante por furto – Resistência – Impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime do art. 329 do CP – Condutas autônomas:
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. RESISTÊNCIA. (Informativo n.º 441 do STJ – Quinta Turma)
A Turma concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelos delitos de furto e de resistência, reconhecendo a aplicabilidade do princípio da insignificância somente em relação à conduta enquadrada no art. 155, caput, do CP (subtração de dois sacos de cimento de 50 kg, avaliados em R$ 45). Asseverou-se, no entanto, ser impossível acolher o argumento de que a referida declaração de atipicidade teria o condão de descaracterizar a legalidade da ordem de prisão em flagrante, ato a cuja execução o apenado se opôs de forma violenta. Segundo o Min. Relator, no momento em que toma conhecimento de um delito, surge para a autoridade policial o dever legal de agir e efetuar o ato prisional. O juízo acerca da incidência do princípio da insignificância é realizado apenas em momento posterior pelo Poder Judiciário, de acordo com as circunstâncias atinentes ao caso concreto. Logo, configurada a conduta típica descrita no art. 329 do CP, não há de se falar em consequente absolvição nesse ponto, mormente pelo fato de que ambos os delitos imputados ao paciente são autônomos e tutelam bens jurídicos diversos. HC 154.949-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/8/2010.
PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. IRRELEVÂNCIA PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RESISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE RESISTÊNCIA ANTE A ATIPICIDADE DA CONDUTA DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. ATO LEGAL DE AUTORIDADE.
I - No caso de furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. III - In casu, imputa-se ao paciente o furto de dois sacos de cimento de 50 Kg, avaliados em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais). Assim, é de se reconhecer, na espécie, a irrelevância penal da conduta. IV - Ademais, a absolvição quanto ao crime de furto, tendo em vista a aplicação do princípio da insignificância, não tem o condão de descaracterizar a legalidade da prisão em flagrante contra o paciente. Na hipótese, encontra-se configurada a conduta típica do crime de resistência pela repulsão contra o ato de prisão, já que o paciente, por duas vezes após a captura e mediante violência, conseguiu escapar do domínio dos policiais, danificando, neste interregno, a viatura policial, fato este que o levou posteriormente a ser algemado e amarrado. Habeas corpus parcialmente concedido.
(STJ - HC 154.949/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 23/08/2010)
02) Crime de resistência e roubo - Absorção pelo roubo - Descabimento - Momentos distintos:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. ROUBO MAJORADO. ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA. DESNECESSIDADE. TESTEMUNHOS FIRMES. ERESP 961.863/RS. RESISTÊNCIA. ABSORÇÃO PELO CRIME DE ROUBO. MOMENTOS DISTINTOS. NÃO OCORRÊNCIA. MODIFICAÇÃO QUE IMPLICA EM REEXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. DECISÃO FUNDAMENTADA. REGIME FECHADO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...)
- Não prospera a afirmação de que o crime de resistência decorreu de contexto único, tendo em vista que os dois crimes restaram bem definidos em momentos distintos: inicialmente o roubo e, posterior a consumação deste, a resistência quando, após ordem dada pelos policiais, os meliantes não teriam acatado e, em fuga, efetuaram disparos contra a guarnição policial, sendo certo que a modificação do que ficou decidido pelas instâncias ordinárias implicaria no reexame aprofundado do conjunto fático probatória, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
(...)
- Habeas Corpus não conhecido.
(STJ - HC 221.741/RJ, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 20/05/2013)
03) Crime de resistência e roubo - Resistência como desdobramento da violência caracterizadora do crime patrimonial - Concurso material não reconhecido:
RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RESISTÊNCIA E ROUBO QUALIFICADO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
- A resistência oposta por assaltante para evitar a prisão, quando perseguido logo após a prática do crime de roubo, não constitui crime autônomo, representa, tão-somente, um desdobramento da violência caracterizadora do delito patrimonial.
- Recurso especial conhecido e desprovido.
(STJ - REsp 173.466/PR, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/1999, DJ 04/10/1999, p. 116)
04) Crime de resistência e desacato - Delitos autônomos - Momentos distintos - Consunção - Impossibilidade:
PENAL. RESISTÊNCIA À PRISÃO E DESACATO A POLICIAIS MILITARES. CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO SEGUNDO CRIME PELO PRIMEIRO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. ORDEM DENEGADA.
1 - A consunção do crime de desacato pelo delito de resistência é possível, a depender das circunstâncias do caso concreto.
2 - Na espécie, consoante análise probatória realizada pelo acórdão, é possível concluir que as ações, embora em um mesmo contexto, foram praticadas em momentos distintos, tendo sido as ofensas verbais irrogadas pelo paciente quando já estava dominado pelos policiais e dentro da viatura. Descrição, portanto, de dois ilícitos penais.
3 - Ordem denegada.
(STJ - HC 375.019/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017)
05) Crime de resistência e disparo de arma de fogo - Absorção - Descabimento - Contextos distintos:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL. RECLAMO NÃO ADMITIDO NA ORIGEM. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO POR ESTE SODALÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO. (...) RESISTÊNCIA QUALIFICADA E DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA (ARTIGOS 329, § 1º, DO CÓDIGO PENAL E 15 DA LEI 10.826/2003). ALEGADA NECESSIDADE DE ABSORÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO PELO CRIME DE RESISTÊNCIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS.
1. O artigo 15 da Lei 10.826/2003 configura um tipo subsidiário, ou seja, somente incide quando a conduta de disparar arma de fogo em via pública não tenha por finalidade a prática de outro crime.
2. Tendo a autoridade apontada como coatora consignado que os disparos de arma de fogo teriam ocorrido em contexto distinto do crime de resistência qualificada, o que não autorizaria a aplicação do princípio da consunção, não há que se falar em constrangimento ilegal a ser reparado por este Sodalício. (...)
3. Habeas corpus não conhecido.
(STJ - HC 176.640/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 18/12/2012)
06) Crime de resistência - Forma qualificada - Caso em que foi efetivada a prisão - Afastamento da qualificadora:
HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CRIME DE RESISTÊNCIA QUALIFICADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA NO CASO DOS AUTOS. CRIMES AUTÔNOMOS. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO SEGUNDO DELITO, POIS RESTOU COMPROVADO QUE O PACIENTE OFERECEU RESISTÊNCIA, NÃO SUFICIENTE, CONTUDO, PARA OBSTAR A SUA PRISÃO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. DOSIMETRIA DA PENA. RECONHECIMENTO DE DUAS CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO DE PENA. AUMENTO DA PENA ACIMA DA RAZÃO MÍNIMA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. MERA UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIO MATEMÁTICO (OBJETIVO). IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 443/STJ. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. (...)
3. A figura qualificada do crime de resistência ocorre se o agente efetivamente consegue obstar a execução da prisão, que significa "o exaurimento da resistência já consumada" (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO. Código Penal Comentado, 6.ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, p. 655).
4. No caso dos autos, restou comprovado que o Paciente ofereceu resistência, contudo, a conduta não foi suficiente para obstar a sua prisão. Não há, portanto, como imputar ao ora Paciente a qualificadora prevista no § 1.º do art. 329, do Código Penal. (...)
(STJ - HC 131.161/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 03/11/2011)
07) Crime de resistência - Eventual lesão corporal deve ser apurada como crime autônomo:
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL LEVE E RESISTÊNCIA. DELITOS AUTÔNOMOS. REPRESENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
O delito de lesão corporal leve é autônomo frente ao crime de resistência, ao teor do § 2º, do art. 329, do Código Penal. Segundo art. 88, da Lei nº 9.099/95, para o crime descrito no art. 129, caput, do Código Penal, é necessário a representação do ofendido. Não apresentada a representação do ofendido, em crimes de ação penal pública condicionada, no prazo de 6 (seis) meses (art. 38 do Código de Processo Penal), ocorre a extinção da punibilidade pela decadência, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. Ordem CONCEDIDA para declarar extinta a punibilidade para o delito de lesão corporal leve.
(STJ - HC 36.175/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2005, DJ 19/09/2005, p. 387)
08) Crime de resistência e lesão corporal - Condutas autônomas - Consunção ou Absorção - Descabimento:
APELAÇÃO CRIME. RESISTÊNCIA E LESÃO CORPORAL. PALAVRA DOS POLICIAIS. CONTEXTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA JUÍZO CONDENATÓRIO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. IMPROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70076725043, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 10/05/2018). (...) RESISTÊNCIA. CONDENAÇÃO. Configurado o delito de resistência em razão de ter o réu agredido o policial militar que tentava detê-lo, lesionando-o. CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. Inviável a aplicação do princípio da consunção entre os delitos de resistência e lesões corporais posto que o artigo 329, § 2º, do Código Penal determina a obrigatoriedade do cúmulo material de infrações quando configurada a prática de violência. PENAS DE RECLUSÃO E MULTA. Redimensionadas. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70075003384, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 18/12/2017).
APELAÇÃO CRIME. RESISTÊNCIA E LESÃO CORPORAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. PALAVRA DOS POLICIAIS. VALIDADE. TESE DE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO-ACOLHIMENTO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70075168344, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 30/11/2017).
09) Resistência passiva - Ausência de violência - Atipicidade - Condução à Delegacia sem que houvesse flagrante:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO. RESISTÊNCIA. CONDUTA QUE NÃO SE CONFIGURA COMO DELITUOSA.
A oposição manifestada pelo agente, mediante resistência passiva, sem o uso de violência, contra ordem emanada por autoridades policiais sem amparo legal ? tendo em vista que pretendiam levá-lo à Delegacia, mediante coação, sem que houvesse flagrante ? não caracteriza crime.
Recurso provido.
(STJ - RHC 10.333/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2001, DJ 13/08/2001, p. 173)
Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 68 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n.º 3.688/1941)
"Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de um a seis meses, e multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, se o fato não constitue infração penal mais grave, quem, nas mesmas circunstâncias, faz declarações inverídicas a respeito de sua identidade pessoal, estado, profissão, domicílio e residência."
- Vide: Art. 24-A da Lei n.º 11.340/2006 - Lei Maria da Penha
"Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei n.º 13.641, de 2018)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n.º 13.641, de 2018)
§ 1.º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. (Incluído pela Lei n.º 13.641, de 2018)
§ 2.º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. (Incluído pela Lei n.º 13.641, de 2018)
§ 3.º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei n.º 13.641, de 2018)"
Notas:
- No caso de descumprimento de medidas protetivas, referentes à violência doméstica e familiar, aplica-se a norma específica acima referida, prevista na Lei Maria da Penha. A tipificação nova entrou em vigor em 04/04/2018 e representa novatio legis in pejus em relação ao art. 330 do CP, ou seja, aplica-se a regra especial apenas aos delitos cometidos após sua entrada em vigor.
- Desobediência à ordem judicial decorrente de mandado de segurança: Vide:
"Art. 26 da Lei n.º 12.016/09. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei n.º 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis."
- Vide Resolução n.º 34/2013 do CETRAN-RS - penalidade administrativa de suspensão/cassação do direito de dirigir e ordem administrativa de entrega da CNH.
- Vide: Enunciado nº 007/2011 da COPEVID - Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica do CNPG - O descumprimento das medidas protetivas de urgência configura, em tese, crime de desobediência, cuja competência para processar e julgar é dos Juízos Especializados de Violência Doméstica, em razão da conexão e pelo fato de a mulher ser o sujeito passivo secundário do delito, sofrendo diretamente as consequências do descumprimento. (Aprovado na Plenária da IV Reunião Ordinária do GNDH de 07/12/2011 e pelo Colegiado do CNPG de 19/01/2012). (Obs.: O STJ possui precedente em sentido oposto - Vide notas ao art. 22 da Lei Maria da Penha).
- Desobediência e condenação por posse de entorpecentes para uso pessoal (art. 28 da Lei n.º 11.343/06): Caso o condenado pelo delito de posse de entorpecentes para uso próprio não atenda às determinações da sentença, vindo a descumprir as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou de comparecimento a programa ou curso educativo, não cabe o reconhecimento do crime de desobediência, pois há na própria Lei de Drogas (art. 28, parágrafo 6.º) as consequências para tal agir (admoestação verbal; multa).
- Vide: Recursos Repetitivos - Afetação - STJ - ProAfR no REsp 1.859.933-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020 (Tema 1060) - A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "caracterização do crime de desobediência quando a ordem de parada a veículo for emitida por policial no exercício de atividade ostensiva de segurança pública"
Jurisprudência:
01) Crime de desobediência – Ordem encaminhada via postal – Necessidade de intimação pessoal do destinatário da ordem:
DIREITO PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DESTINATÁRIO DA ORDEM.
Não se configura o crime de desobediência na hipótese em que as notificações do responsável pelo cumprimento da ordem foram encaminhadas por via postal, sendo os avisos de recebimento subscritos por terceiros. Para caracterizar o delito de desobediência, exige-se a notificação pessoal do responsável pelo cumprimento da ordem, demonstrando a ciência inequívoca da sua existência e, após, a intenção deliberada de não cumpri-la. Precedentes citados: HC 115.504-SP, DJe 9/2/2009; HC 84.664-SP, DJe 13/10/2009, e RHC 24.021-SP, DJe 28/6/2010.
STJ - HC 226.512-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/10/2012.
02) Descumprimento de medida protetiva de urgência – Lei Maria da Penha – Atipicidade – Entendimento anterior ao art. 24-A da Lei Maria da Penha, que tipificou a conduta:
DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.
O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP).
De fato, o art. 330 do CP dispõe sobre o crime de desobediência, que consiste em “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.
Para esse crime, entende o STJ que as determinações cujo cumprimento seja assegurado por sanções de natureza civil, processual civil ou administrativa retiram a tipicidade do delito de desobediência, salvo se houver ressalva expressa da lei quanto à possibilidade de aplicação cumulativa do art. 330 do CP (HC 16.940-DF, Quinta Turma, DJ 18/11/2002).
Nesse contexto, o art. 22, § 4º, da Lei 11.340/2006 diz que se aplica às medidas protetivas, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 do CPC, ou seja, no caso de descumprimento de medida protetiva, pode o juiz fixar providência com o objetivo de alcançar a tutela específica da obrigação, afastando-se o crime de desobediência.
Vale ressaltar que, a exclusão do crime em questão ocorre tanto no caso de previsão legal de penalidade administrativa ou civil como no caso de penalidade de cunho processual penal. Assim, quando o descumprimento da medida protetiva der ensejo à prisão preventiva, nos termos do art. 313, III, do CPP, também não há falar em crime de desobediência.
STJ - REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2014.
03) Réu que não entrega veículo adquirido via leasing – Descabimento do crime de desobediência – Lei extrapenal deve prever cumulação de sanções de natureza civil e administrativa com a de natureza penal:
PENAL. RHC. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. FEITO EM CURSO PERANTE A JUSTIÇA COMUM. DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DO ART. 66 DA LEI 9.099/95. DENÚNCIA CONSUBSTANCIADA NA NÃO ENTREGA DE VEÍCULO OBJETO DE CONTRATO DE LEASING EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. LEI ESPECÍFICA QUE NÃO PREVÊ CUMULAÇÃO DE SANÇÃO DE NATUREZA CIVIL E PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO.
I - O crime de desobediência, cuja pena varia de 15 dias a 6 meses de detenção e, portanto, considerado delito de menor potencial ofensivo, submete-se às regras da Lei 10.259/01, ensejando a competência dos Juizados Especiais Criminais.
II - Hipótese em que o feito se encontra em curso perante a Justiça Comum Estadual, em virtude da aplicação, ao caso, do disposto no parágrafo único do art. 66 da Lei 9.099/95, face a não localização do réu para efeito de citação.
III - O delito de desobediência não se configura se a lei específica de natureza extrapenal não prevê expressamente a possibilidade de cumulação de sanções de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal. Precedentes.
IV - Trancamento da ação penal por atipicidade da conduta.
V - Recurso provido.
(STJ - RHC 14.490/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2004, DJ 19/04/2004, p. 210)
04) Crime de desobediência - Depositário - Descumprimento de ordem de oficial de justiça - Entrega de bem - Tipicidade:
DIREITO PENAL – CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL (Informativo n.º 966 do STF - Primeira Turma)
Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade -
A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus deduzido em favor de condenado à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, pela prática do crime de desobediência [Código Penal (CP), art. 330]. Na espécie, a denúncia narra que o paciente não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça por ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização. A impetração aponta, como autoridade coatora, relator do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu monocraticamente pedido de liminar lá formulado em writ de mesma natureza. Requer, no campo precário e efêmero, a absolvição do paciente, haja vista a atipicidade da conduta, e, sucessivamente, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição de regime aberto. No mérito, busca a confirmação da providência. O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para, considerada a atipicidade da conduta, tornar insubsistente o título condenatório. Preliminarmente, quanto à adequação do habeas corpus, afirmou que, sem fato, não há julgamento. Noutro ponto, compreendeu que a circunstância de a condenação desafiar revisão criminal não obstaculiza a impetração. Tampouco há de se falar em supressão de instância. Ato contínuo, reportou-se ao que consignado no deferimento da medida acauteladora. Asseverou que o delito previsto no art. 330 do CP constitui tipo penal subsidiário, cuja caracterização típica pressupõe, além do descumprimento de ordem emitida por funcionário público, que o ato de desobediência não se mostre suscetível de, considerada previsão legal, sofrer sanção administrativa, civil ou penal. Esclareceu que o comportamento imputado ao paciente consubstancia ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeitando-se à imposição de multa de até 20% do valor do débito executado, a teor dos arts. 14, V e parágrafo único; 600, III, e 601 do Código de Processo de Civil de 1973 (CPC/1973), correspondentes aos arts. 77, §§ 1.º e 2.º; e 774, IV, do CPC de 2015 (CPC/2015). Dessa forma, a existência de sanção específica na legislação de regência, ausente qualquer ressalva expressa acerca da possibilidade de aplicação cumulativa do crime versado no art. 330 do CP, torna a conduta desprovida de tipicidade penal e inviabiliza a condenação pelo delito de desobediência. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
(...)
DIREITO PENAL – CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL (Informativo n.º 975 do STF - Primeira Turma)
Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade – 2
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, de ofício, para determinar a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, cabendo ao juízo de origem fixar as condições da pena substitutiva (Informativo 966). Na espécie, o paciente foi condenado à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, pela prática do crime de desobediência [Código Penal (CP), art. 330]. Segundo a denúncia, ele não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça na ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização. A defesa requeria a absolvição do paciente, sob o argumento de atipicidade da conduta, e, sucessivamente, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição de regime aberto. O colegiado rejeitou a alegação de que a conduta seria atípica. Assentou não haver prejuízo da responsabilidade penal e ser possível a aplicação de sanções civis, criminais e processuais. Após salientar que a condenação é pequena e o delito, sem gravidade, assegurou a substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos, a ser imposta na origem. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que deferiu a ordem em maior extensão, para tornar insubsistente o título condenatório. A seu ver, a conduta é desprovida de tipicidade penal.
(...)
STF - HC 169417/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 28.4.2020. (HC-169417)
05) Uso de telefone celular em audiência - Advogado - Crime de desobediência - Trancamento da ação penal:
Notícias do STF - 05/02/2021 - 17h08
Encerrada ação penal contra advogada que desobedeceu ordem de não utilizar celular em audiência
O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, explicou que a conduta narrada nos autos não se enquadra no crime de desobediência.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu Habeas Corpus (HC 194092) para determinar o trancamento de ação penal aberta contra uma advogada que desobedeceu à ordem de um juiz do trabalho de não usar o aparelho de celular durante uma audiência. Segundo o ministro, o uso do celular por advogado em audiência está previsto em lei e independe de autorização judicial.
Desobediência
De acordo com os autos, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), que presidia audiência, ocorrida em janeiro de 2018, determinou à advogada, por diversas vezes, que deixasse de utilizar o celular. Segundo o magistrado, a providência era necessária para que a parte ou a testemunha ainda não ouvida não tomasse ciência dos atos processuais já praticados, conforme manda a norma processual. Em razão do episódio, Carla responde à ação penal perante a Justiça Federal de São Paulo, pela suposta infração ao artigo 330 do Código Penal (desobediência de ordem legal de funcionário público).
O pedido de trancamento da ação penal foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STF, a defesa sustenta inexistência do dolo na conduta e a ilegalidade da ordem do juiz do trabalho, pois sua cliente agiu em conformidade com o ordenamento jurídico e no exercício constitucional da advocacia.
Ordem legal
Ao acolher o pedido de habeas corpus, o ministro Gilmar Mendes observou que, de acordo com o Código Penal, para a configuração do crime de desobediência, não basta que o agente desobedeça a ordem emitida por funcionário público. É necessário, ainda, que tal ordem seja legal. Para o ministro, não é razoável que o legislador, no artigo 367 do Código de Processo Civil (CPC), tenha garantido a gravação da audiência, independentemente de autorização judicial, e, ao mesmo tempo, considere crime o uso do celular quando o juiz determina que ele não seja usado.
Medidas administrativas
Mendes frisou, ainda, que o Supremo tem entendimento pacífico de que não há crime de desobediência quando houver previsão de sanção civil para o caso de o agente desobedecer a ordem. Segundo o relator, o juiz deveria ter oficiado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apurar a conduta da profissional e aplicar as penalidades previstas em lei, se for o caso. “Inobstante caber ao magistrado a presidência da audiência e o exercício do poder de polícia, há outras medidas administrativas previstas para aquele que, sendo parte ou advogado, tumultue o andamento dos atos solenes”, concluiu.
Processo relacionado: HC 194092
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460020&tip=UN)
06) Desobediência - Desclassificação para o art. 68 da Lei das Contravenções Penais - Cabimento:
APELAÇÃO CRIMINAL. DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CÓDIGO PENAL. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO ART. 68 DO DECRETO-LEI 3.688/41. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. Hipótese em que a conduta descrita na exordial acusatória se correlaciona, em obediência ao princípio da especialidade, à contravenção prevista no art. 68 da Lei das Contravenções Penais. Conjunto probatório suficiente para a manutenção da condenação. Nos termos do art. 84 da Lei 9.099/95, efetuado o pagamento da multa, não deve constar o registro no rol de culpados RECURSO IMPROVIDO.(Recurso Crime, Nº 71006134837, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Madgeli Frantz Machado, Julgado em: 26-09-2016)
Desacato
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa.
Legislação correlata:
- Vide: Dec. n.º 678/1992 - Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
- Vide:
"Art. 7º da Lei n.º 8.906/94. São direitos do advogado: (...)
§ 2.º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação o̶u̶ ̶d̶e̶s̶a̶c̶a̶t̶o puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer." (Vide ADIN 1.127-8)
Nota:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
Jurisprudência:
01) Crime de desacato – Não recepção pela CF/88 – Descabimento da tese – Controle de convencionalidade:
HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado.
2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes.
3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional.
4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto.
5. As deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral", podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos, porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos direitos humanos.
6. Com efeito, as recomendações expedidas pela CIDH não possuem força vinculante, mas tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização da vergonha".
7. Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já tenha se pronunciado sobre o tema "leis de desacato", não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato atrelado ao Brasil.
8. Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se posicionou acerca da liberdade de expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto, como demonstrado no Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão.
9. Teste tripartite. Exige-se o preenchimento cumulativo de específicas condições emanadas do art. 13.2. da CADH, para que se admita eventual restrição do direito à liberdade de expressão. Em se tratando de limitação oriunda da norma penal, soma-se a este rol a estrita observância do princípio da legalidade.
10. Os vetores de hermenêutica dos Direitos tutelados na CADH encontram assento no art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, ao passo que o alcance das restrições se situa no dispositivo subsequente. Sob o prisma de ambos instrumentos de interpretação, não se vislumbra qualquer transgressão do Direito à Liberdade de Expressão pelo teor do art. 331 do Código Penal.
11. Norma que incorpora o preenchimento de todos os requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral pública e, por conseguinte, a própria ordem pública.
12. A CIDH e a Corte Interamericana têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos direitos humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, no processo de harmonização, o Estado desempenha um papel crucial mediante o estabelecimento das responsabilidades ulteriores necessárias para alcançar tal equilíbrio exercendo o juízo de entre a liberdade de expressão manifestada e o direito eventualmente em conflito.
13. Controle de convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de acordo com a doutrina, "compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional."
14. Para que a produção normativa doméstica possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade vertical material.
15. Ainda que existisse decisão da Corte (IDH) sobre a preservação dos direitos humanos, essa circunstância, por si só, não seria suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania que é inerente ao Estado. Aplicação da Teoria da Margem de Apreciação Nacional (margin of appreciation).
16. O desacato é especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública. Apontamentos da doutrina alienígena.
17. O processo de circunspeção evolutiva da norma penal teve por fim seu efetivo e concreto ajuste à proteção da condição de funcionário público e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra, da Administração Pública.
18. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2. do Pacto de São José da Costa Rica, de modo a acolher, de forma patente e em sua plenitude, a incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em que entalhado no art. 331 do Código Penal.
19. Voltando-se às nuances que deram ensejo à impetração, deve ser mantido o acórdão vergastado em sua integralidade, visto que inaplicável o princípio da consunção tão logo quando do recebimento da denúncia, considerando que os delitos apontados foram, primo ictu oculi, violadores de tipos penais distintos e originários de condutas autônomas.
20. Habeas Corpus não conhecido.
(STJ - HC 379.269/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/05/2017, DJe 30/06/2017)
APELAÇÃO CRIME. DESACATO. ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. TIPICIDADE. RECEPÇÃO DO TIPO PENAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA Á CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. 1. Não há correção em afirmar falta de receptividade da matéria pela norma constitucional vigente. O tipo penal do desacato tem como bem jurídico tutelado a honra do funcionário público no exercício de suas funções, assegurando o respeito de trato entre os agentes, além do prestígio da administração pública como órgão também com função de garante. Assim, não há incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos. 2. A palavra dos policiais militares envolvidos pode ser considerada suficiente quando os elementos de prova convergirem para a mesma conclusão de culpabilidade do agente. Entretanto, não é o que ocorre nos autos, pois os brigadianos, apontados como vítimas secundárias do delito, somente confirmaram a acusação após a denúncia ter-lhes sido lida, tendo respondido afirmativamente às perguntas efetuadas de forma indutiva, o que é vedado pelo art. 212 do CPP. 3. Além disso, a prova indica a ocorrência de mera exaltação, afastando o elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade livre e consciente de praticar a ação ou de proferir palavra injuriosa com o propósito de ofender e de menosprezar a função pública. 4. Absolvição com base no princípio in dúbio pro reo. APELO PROVIDO.
(Recurso Crime Nº 71005056866, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 24/11/2014)
RECURSO CRIME. DESACATO. ART. 331 DO CP. SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. TIPICIDADE DA CONDUTA. RECEPÇÃO DO TIPO PENAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE COM A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1- Réu que ofende policial militar, no exercício de suas funções, comete o delito de desacato, pois demonstra desrespeito e desprestígio com relação à autoridade. 2- Suficiência do testemunho da vítima para comprovar a ocorrência do fato típico, mormente porque não demonstrado que teria motivos para realizar uma falsa imputação contra o réu. 3- A ofensa gratuita e injuriosa praticada contra o funcionário público não encontra amparo na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tampouco na garantia constitucional da liberdade de expressão, que não é absoluta. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71004800934, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 26/05/2014)
APELAÇÃO CRIME. DELITO DE DESACATO. TIPICIDADE. ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. Precedentes da Turma no sentido de que o tipo penal restou recepcionado pela Constituição Federal e que ausente queda qualquer incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Tese de atipicidade que não se alberga. Desacato que resta caracterizado diante da ofensa irrogada contra funcionário público, no exercício de sua atividade funcional, maculando, portanto, a dignidade de sua função, de molde a atingir a própria administração pública. Alteração de ânimo ou embriaguez não elide o dolo. Não é de se esperar, ademais, em delitos de tal espécie, detenha o autor o absoluto controle de suas emoções, razão pela qual o alegado descontrole não se presta, por si só, para afastar a tipicidade da conduta, notadamente quando a atuação dos policiais civis não era ilegal. Não se vislumbra insuficiência probatória na circunstância de residir a prova exclusivamente na palavra dos policiais militares, notadamente quando esta se revela coerente desde o momento em que registrada a ocorrência e não há qualquer elemento nos autos que permita infirmar a credibilidade destes. RECURSO IMPROVIDO.
(Recurso Crime Nº 71004662193, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 28/04/2014)
02) Crime de desacato não viola garantia de liberdade de expressão - Norma recepcionada pela CF/1988:
STF - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 496
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental e fixou a seguinte tese: “Foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato", nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Falaram: pelo requerente, o Dr. Juliano Breda; pelo amicus curiae Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Orlando Carlos Neves Belém, Procurador de Justiça do Estado; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Gustavo Zortéa da Silva, Defensor Público Federal; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o Dr. Mauricio Stegemann Dieter; e, pelo amicus curiae Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Domingos Barroso da Costa, Defensor Público do Estado. Plenário, Sessão Virtual de 12.6.2020 a 19.6.2020.
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CRIME DE DESACATO. ART. 331 DO CP. CONFORMIDADE COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 1. Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se questiona a conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como a recepção pela Constituição de 1988, do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato. 2. De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, em casos de grave abuso, faz-se legítima a utilização do direito penal para a proteção de outros interesses e direitos relevantes. 3. A diversidade de regime jurídico – inclusive penal – existente entre agentes públicos e particulares é uma via de mão dupla: as consequências previstas para as condutas típicas são diversas não somente quando os agentes públicos são autores dos delitos, mas, de igual modo, quando deles são vítimas. 4. A criminalização do desacato não configura tratamento privilegiado ao agente estatal, mas proteção da função pública por ele exercida. 5. Dado que os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, deles se exige maior tolerância à reprovação e à insatisfação, limitando-se o crime de desacato a casos graves e evidentes de menosprezo à função pública. 6. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “Foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato”.
Notícias do STF - 22/06/2020 - 19h13
Tipificação do crime de desacato não viola a garantia de liberdade de expressão
Para a maioria dos ministros, o artigo 331 do Código Penal, que trata da matéria, foi recepcionado pela Constituição Federal.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual finalizada na última sexta-feira (19), decidiu, por maioria de votos, que o crime de desacato foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para questionar o artigo 331 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940).
A entidade argumentava que o dispositivo, que tipifica o delito de desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, não especifica a conduta e traz uma normatização extremamente vaga. Como decorrência dessa imprecisão, o tipo penal estaria sendo usado para reprimir a liberdade de expressão de cidadãos, que ficariam intimidados a não se manifestar diante de condutas praticadas por agentes públicos. Ainda de acordo com a OAB, a norma seria incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tutela a liberdade de expressão.
Tratados internacionais
Ao afastar a alegada não observância a tratados internacionais, o relator afirmou que nem o texto expresso da Convenção nem a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos vedam que os Estados-membros se valham de normas penais para a proteção da honra e do funcionamento adequado da administração pública, desde que de modo proporcional e justificado. Segundo Barroso, nos precedentes internacionais citados pela OAB, a violação ao artigo 13 da Convenção não decorreu da mera tipificação em abstrato de crimes contra a honra ou de desacato, mas da utilização indevida do direito penal como instrumento de perseguição e de inibição da liberdade de expressão. Essa situação, no entanto, não se equipara ao pedido formulado na ação.
Administração pública
Em relação aos fundamentos da tipificação penal do desacato, o ministro observou que, ao atuar no exercício de sua função, o agente público representa a administração pública, o que lhe sujeita a um regime jurídico diferenciado de deveres e prerrogativas. Em razão dessa responsabilidade, ao praticar determinadas condutas idênticas às perpetradas por particulares, os funcionários públicos são punidos de modo mais rigoroso. Em contrapartida, têm prerrogativas próprias para que possam atender adequadamente ao interesse público.
É nesse contexto que, segundo Barroso, se justifica a criminalização do desacato. “Não se trata de conferir um tratamento privilegiado ao funcionário público”, assinalou. “Trata-se, isso sim, de proteger a função pública exercida pelo funcionário, por meio da garantia, reforçada pela ameaça de pena, de que ele não será menosprezado ou humilhado enquanto se desincumbe dos deveres inerentes ao seu cargo ou função públicos”. O ministro lembrou que desacato está previsto no capítulo dos crimes praticados por particular contra a administração pública. Ou seja, o bem jurídico diretamente tutelado não é a honra do funcionário público, mas a própria administração pública.
Liberdade de expressão
Para que efetivamente tenha potencial de interferir no exercício da função pública, Barroso ressaltou que o crime de desacato deve ser praticado na presença do funcionário público e não abrange, dessa forma, eventuais ofensas perpetradas por meio da imprensa ou de redes sociais, resguardando-se, dessa forma, a liberdade de expressão. Ainda de acordo com o relator, não basta que o funcionário se veja ofendido em sua honra, ou seja, não há crime se a ofensa não tiver relação com o exercício da função. Barroso destacou que o Supremo possui jurisprudência ampla e consolidada de defesa da liberdade de expressão, mas ressalvou que, como qualquer direito fundamental, ela encontra limites quando é utilizada como pretexto para violações graves a outros interesses e direitos fundamentais. O ministro enfatizou, no entanto, que o artigo deve ser interpretado restritivamente, a fim de evitar a aplicação de punições injustas e desarrazoadas. “Os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tolerância à reprovação e à insatisfação, sobretudo em situações em que se verifica uma tensão entre o agente público e o particular”, concluiu.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber.
Processo relacionado: ADPF 496
(Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446054&tip=UN)
03) Crime de desacato – Não recepção pela CF/88 – Controle de convencionalidade - Acolhimento: (Atenção: Posicionamento já superado pelo próprio STJ):
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO, DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas, ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e 1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo Penal).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça, como o roubo.
3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF.
4. O art. 2º, c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais.
5. Na sessão de 4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade."
6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade."
7. A adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto, por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa, até mesmo em sede de recurso especial.
8. Nesse particular, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v. Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas internas que aplica aos casos concretos.
9. Por conseguinte, a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão.
10. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário.
11. A adesão ao Pacto de São José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine, composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos.
12. A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo.
13. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato.
15. O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público.
16. Recurso especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).
(REsp 1640084/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 01/02/2017)
04) Desacato – Vários temas julgados pelo STJ - Reportagem especial sobre o tema, publicada no site do referido Tribunal:
Notícias do STJ: 24/06/2012 - 08h00 - ESPECIAL
Desacato: muito além da falta de educação
No dia 7 de maio, a comissão de juristas responsável por elaborar o anteprojeto do Código Penal decidiu, por maioria de votos, sugerir a retirada do crime de desacato da legislação brasileira. A ideia sugerida pelo anteprojeto é fazer com que o desacato seja absorvido em um parágrafo do crime de injúria. Quem praticar injúria contra servidor público em razão de suas funções pode ter a pena dobrada.
A proposta ainda deve ser votada no Congresso Nacional, mas tem grande chance de ser aprovada. Segundo o presidente da comissão, ministro Gilson Dipp, os organismos internacionais ligados à defesa de direitos humanos repudiam a tipificação do crime de desacato, que vem sendo usado historicamente como um ato de coação do estado em relação ao cidadão. Segundo o professor Lélio Braga Calhau, estudioso do tema, em sua obra “Desacato”, há uma resistência do Ministério Público na aplicação desse tipo penal em um grande número de ocorrências. É que muitas vezes não há desacato propriamente dito nas circunstâncias que o envolve, mas abuso de autoridade. O agente público provoca uma situação ou lança no boletim de ocorrência uma agressão que nunca existiu. Atualmente, a pena para o crime de desacato a servidor no exercício de sua função ou em razão dela é de seis meses a dois anos de detenção ou multa. Com a mudança, se o crime for classificado como injúria, a pena será de seis meses a um ano e multa. Se considerado injúria qualificada, a pena será de até três anos e multa. Com a aplicação da Lei 10.259/01, esse crime passou para a competência dos juizados especiais criminais, podendo o réu, nas condições do artigo 76 da Lei 9.099/95, ser beneficiado com o instituto da transação penal (HC 22.881). Isso significa que o réu pode fazer um acordo para o processo criminal não seguir, desde que cumpra determinadas condições estabelecidas em juízo.
Menosprezo
Segundo entendimento do STJ, desacato significa menosprezo ao funcionário público no exercício de sua função e não se confunde com a falta de educação (HC 7.515). É um crime que não possibilita retratação, pois dirigido contra o estado. Segundo Calhau, a ofensa pode ser qualquer palavra ou ato que acarrete vexame, desprestígio ou irreverência ao funcionário. A pessoa investida da função pública não precisa estar diretamente em frente do agressor, mas pode estar separado por uma divisória, um pequeno obstáculo ou por um pequeno grupo de pessoas, bastando que ela veja ou ouça a ofensa. O ministro Luiz Vicente Cernicchiaro esclareceu, no julgamento do habeas corpus, que o crime de desacato exige um elemento subjetivo voltado para a desconsideração. “Não se confunde apenas com o vocabulário grosseiro”, ressaltou o ministro. Uma palavra mal-educada proferida no momento de exaltação é incompatível com o dolo exigido para a tipificação do crime.
Liberdade de expressão
Segundo o professor Calhau, avaliar o crime de desacato é problemático quando esse passa a ser um instrumento de arbítrio do estado para coibir a liberdade de expressão. Sua criminalização deve surgir de um ponto de equilíbrio em que se preservem os interesses da administração pública e o direito de crítica. O ministro Nilson Naves apontou a dificuldade de encontrar esse equilíbrio ao julgar um habeas corpus na Quinta Turma (HC 104.921). Ele se utilizou da frase atribuída ao ensaísta francês Montaigne para justificar o emprego do mau uso das palavras em determinadas situações. “A palavra é metade de quem a pronuncia, metade de quem a escuta”, resumiu. No mesmo julgamento, o ministro também citou Oscar Wilde, para quem “se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio nesse mundo”. E o ditado popular que assinala que “a palavra foi dada ao homem para ocultar seu pensamento”. No crime de desacato, muitas vezes, a agressão vai além das palavras.
Rasgar documentos
O desacato pode surgir, por exemplo, de um advogado descontente com uma decisão judicial. Segundo jurisprudência do STJ, a imunidade conferida pelo estatuto da OAB não acoberta advogado para desacatar servidor no fórum e sair atirando ao lixo documento assinado por juiz (RHC 4.007). A imunidade não acoberta ainda os excessos de linguagem desnecessários e desonrosos dirigidos a magistrado ou promotor (RHC 923). Por isso, nesse caso, as expressões ofensivas contidas em petições configuraram crime contra a honra em ação penal pública condicionada. O STJ entende que não se caracteriza o desacato quando há exaltação mútua de ânimos, com troca de ofensas. Em um de seus julgados, a Quinta Turma considerou que o tipo penal exige o dolo, intenção de ultrajar ou desprestigiar a função pública, não se configurando o tipo se houve discussão acalorada. No caso julgado, houve troca de ofensas entre o réu e o escrivão, sem se saber quem deu início às agressões (REsp 13.946).
Indignação
A reação indignada do cidadão em repartição pública, onde esbarra com intolerância de servidor ou em situações de protesto, não é desacato para a jurisprudência do STJ. A Quinta Turma decidiu em um processo que a indignação é arma do cidadão contra a má prestação de serviços em quaisquer de suas formas, quaisquer que sejam os agentes estatais (RHC 9.615). Segundo o ministro Edson Vidigal, relator do habeas corpus julgado, sobre o caso em que um policial acusou um homem de desacato, o estado pode ser eficiente ou não dependendo do nível de cidadania dos que pagam impostos. “Pagar impostos e conformar-se, aceitando as coisas como sempre estão, em suas mesmices, implica aumentar o poder dos mandantes e seus mandados, ampliando-se a arrogância de todos em todas as esferas da administração.”, disse.
Exercício da função
O exercício da função pública é condição essencial para que haja o crime de desacato, mesmo que seja exercida de forma temporária. No julgamento de um habeas corpus, o réu teve prisão em flagrante decretada por desobediência após ter sido intimado, em um dia de feriado, por oficial de Justiça que não tinha sido regularmente nomeado (RHC 10.015). A Quinta Turma entendeu que, mesmo que o oficial não tenha prestado concurso para o cargo, ele estava no exercício da função pública e deveria, por isso, ser respeitado. Segundo o ministro Felix Fischer, para o direito penal, o conceito de funcionário público é amplo. O artigo 327 considera funcionários públicos quem, mesmo transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Em caso semelhante, o réu sustentava ausência de justa causa para a ação penal por ser a ofendida empregada prestadora de serviço (RHC 9.602). Segundo o ministro Nilson Naves, o exercício da função pública caracteriza a condição de funcionário público perante o direito penal.
Desobediência
O crime de desobediência está previsto pelo artigo 330 do Código Penal e não se confunde com o desacato. Segundo o professor Calhau, quando o agente, além de desobedecer à ordem proferida pelo funcionário, também se utiliza de violência ou ameaça, a conduta se ajusta ao tipo resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal. De acordo com Calhau, o desacato difere da resistência, já que nesta a violência ou ameaça visa à não realização de um ato de ofício, ao passo que naquele tem por finalidade desprestigiar a função exercida pelo funcionário. No crime de desacato, conforme a jurisprudência, é imprescindível a existência do nexo causal. Um desentendimento na fila de um aeroporto envolvendo um juiz, por exemplo, não pode ser enquadrado nesse tipo penal por não ter nenhuma relação com a função jurisdicional. Segundo a relatora de um habeas corpus julgado, ministra Laurita Vaz, “para a perfeita subsunção da conduta ao tipo, o que se perquire é se foi dirigida em razão da função pública exercida” (HC 21.228).
Bate-boca em CPI
O crime de desacato, historicamente, surgiu para proteger servidores públicos no exercício da função contra a atuação de particulares. Mas há casos em que as agressões envolvem servidores, às vezes, de mesma função hierárquica. Exemplo disso foi o julgamento do habeas corpus relativo ao processo em que o então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, foi acusado de desacatar parlamentares, em decorrência de um depoimento em CPI na Assembleia Legislativa, em 2006. O secretário havia sido convocado para prestar esclarecimentos sobre as medidas adotadas para investigar e punir os responsáveis por crimes praticados por policiais militares no combate aos atentados promovidos pela organização criminosa PCC. O depoimento, entretanto, resultou numa série de constrangimentos. Segundo a denúncia, Saulo teria se portado de forma inadequada ao ensaiar passos de dança e batucar na mesa na sessão da CPI. O secretário foi acusado de desviar o olhar propositadamente do interlocutor enquanto era inquirido e fazer gestos obscenos em uma das situações.
Mau comportamento
Os ministros da Sexta Turma não analisaram a existência de dolo na conduta do réu, mas a maioria julgou haver indícios suficientes para o prosseguimento da ação penal (HC 104.921). De acordo com a denúncia, o secretário teria dito a um dos deputados que “não daria para explicar para criminoso como a polícia atua”. Quando o presidente da sessão retirou o microfone de sua mão, teria se levantado da cadeira e dado uma volta em torno de si mesmo, “simulando estar disponível para ser revistado ou detido”. O secretário foi denunciado por desacato e ingressou no STJ pedindo o trancamento da ação penal. A defesa alegou que, para o funcionário público ser sujeito ativo de desacato, é necessário que ele esteja despido da qualidade funcional ou o fato tenha sido cometido fora do exercício de suas funções. Por três votos a dois, a Sexta Turma entendeu que o réu poderia responder pelo crime de desacato independentemente da hierarquia, pois o que se busca na lei é o prestígio da função pública. “Se o bem jurídico é o prestígio da função pública, não se compreende como possa haver lesão apenas quando a conduta é praticada por particular”, ressaltou o ministro Og Fernandes.
05) Crime de desacato – Necessário intuito de ofender/menosprezar a vítima – Atipicidade - Manifestação descortês de membro do MP em evento interno – Imunidade material:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. IMUNIDADE MATERIAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ORDEM CONCEDIDA.
I - A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, bem como desta eg. Corte, há muito já se firmaram no sentido de que o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
II - No caso, a paciente teve recebida contra si a denúncia pelo Tribunal a quo, pela suposta prática do crime de desacato, por ter pronunciado a frase "eu nunca ouvi tanta besteira", direcionada ao Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado da Paraíba.
III - Não obstante a paciente tenha faltado com os deveres de urbanidade ao se dirigir à vítima, o fato é que a conduta não se amolda ao tipo penal descrito na exordial. Não se evidencia dos autos o claro intuito de ofender ou menosprezar a vítima, mas sim demonstrar, de maneira descortês, ressalte-se, intensa insatisfação com a temática debatida no evento interno do Ministério Público do Estado da Paraíba.
IV - Ademais, imperioso ressaltar que incide para o caso o art. 41, inciso V, da Lei n. 8.625/93, que confere ao membro do Ministério Público Estadual a prerrogativa da imunidade material, sendo ele inviolável pelas opiniões que externar, nos limites da sua independência funcional.
Ordem concedida para trancar a ação penal n.2002298-83.2013.815.0000, em trâmite perante o eg. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.
(STJ - HC 305.141/PB, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 18/02/2015)
06) Crime de desacato – Ato de advogado perante servidor do judiciário – Imunidade não autoriza a prática do ilícito – Denúncia não descreveu o fato:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESACATO. INJÚRIA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO. TRANCAMENTO. IMUNIDADE DO ADVOGADO. CLÁUSULA ASSECURATÓRIA SUBMETIDA AOS LIMITES LEGAIS. FALTA DE JUSTA CAUSA. INCIDÊNCIA. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE DA CONDUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A prática de atos pelo advogado submete-se e restringe-se ao exame da estrita legalidade, não podendo ser invocada a imunidade profissional, que não é absoluta, para respaldar o cometimento de eventuais atos ilícitos, pois, do contrário, apresentar-se-ia de modo inconciliável com a dignidade da profissão, atentando contra todo o conjunto normativo que lhe rege o exercício regular e legítimo.
2. Na hipótese dos autos, a advogada encontrava-se na secretaria do juízo, em evidente exercício do seu munus, eis que atuava na defesa dos interesses de seu cliente, ocorrendo em seu manifestar possível ênfase em prol do alcance do seu objetivo, entrevendo-se no seu agir, em decorrência do patrocínio da causa para a qual foi contratada, até mesmo, qui scit, uma descortesia com a serventuária, mas não qualquer ato pertinente à esfera criminal.
3. Do teor da incoativa, apura-se que não restou demonstrada qualquer circunstância delitiva, decursiva do agir da recorrente, a ensejar a adequação típica da conduta.
4. Ademais, a bem do contido no art. 5.º, LV, da Carta Magna e no art. 41 do Código de Processo Penal, a adequada descrição do comportamento delituoso na exordial acusatória é indispensável para a perfeita constituição da marcha processual penal.
5. De se notar que o Ministério Público apontou o cometimento dos crimes de desacato e injúria contra funcionário público sem sequer precisar quais as condutas executadas pela recorrente, não primando por particularizar o Parquet as elementares dos tipos, nem declinou qualquer embasamento para a consideração de prática delitiva, prejudicando, assim, o exercício da mais ampla defesa.
6. Recurso provido a fim de reconhecer a falta de justa causa e determinar o trancamento do processo.
(STJ - RHC 47.013/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 27/02/2015)
07) Crime de desacato – Necessidade de gestos ou palavras ofensivas – Profissional apenas se retirar da sala de julgamento não caracteriza o delito:
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. DESACATO. SESSÃO DO JÚRI. JUIZ QUE NEGA A FORMULAÇÃO DE QUESITO PROPOSTO PELO PACIENTE, DEFENSOR PÚBLICO. PROTESTOS CONSIGNADOS EM ATA. RETIRADA DO PLENÁRIO. ATO QUE PODE SER TIDO COMO DESELEGANTE, MAS, NÃO, COMO PENALMENTE TÍPICO.
ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O crime de desacato envolve a ofensa desferida a funcionário público, no exercício da função ou em razão dela. Na espécie, durante sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o paciente, Defensor Público, diante da negativa do magistrado em formular quesito defensivo, após consignar em ata seu protesto, retirou-se da assentada. Não houve encaminhamento de palavras ou gestos ofensivos contra o juiz, o promotor ou jurados, a corporificar conduta tipicamente relevante.
2. Ordem concedida, confirmada a liminar e acolhido o parecer ministerial, para trancar o processo n.º 0052153-04.2012.8.08.0030, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
(STJ - HC 290.108/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 17/12/2014)
08) Crime de desacato contra funcionário da CEF no interior da agência – Insultos sem relação ao exercício das funções – Configuração de Injúria – Competência da Justiça Estadual por não haver interesse da União (JF):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. QUEIXA CRIME. ADEQUAÇÃO TÍPICA DO FATO, EM TESE, AO ART. 140 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE LESÃO A BEM, SERVIÇO OU INTERESSE DE EMPRESA PÚBLICA. OFENSAS A SERVIDORA DA CEF, QUE NÃO GUARDAM RELAÇÃO COM O EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SÚMULA 147/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I. Cuida-se de Queixa Crime que narra ter a querelada dirigido, à querelante, palavras de baixo calão, no ambiente de trabalho da ofendida, que ocupava o cargo de gerente da Caixa Econômica Federal da cidade Ivaiporã/PR, configurando-se, em tese, o suposto crime de injúria, previsto no art. 140 do Código Penal.
II. Em que pese terem sido cometidos os insultos no ambiente de trabalho da ofendida, não restou configurado que a conduta tenha motivação propter officium, a atrair a competência da Justiça Federal, em face da ausência de prejuízo a bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, consoante disposto no art.109, IV, da Constituição Federal. Precedentes do STJ e do STF. Inteligência da Súmula 147/STJ.
III. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Ivaiporã/PR, o suscitado.
(CC 127.575/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 19/11/2013)
09) Crime de desacato – Infração pode ser praticada por funcionário público contra outro funcionário público no exercício de suas funções:
PENAL E PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE DESACATO PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA OUTRAS PESSOAS NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA – POSSIBILIDADE. NULIDADE POR SER DADA VISTA À ACUSAÇÃO APÓS A RESPOSTA DEFENSIVA – DEFESA QUE FOI OUVIDA EM SEGUIDA – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA GARANTIDOS – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – NULIDADE NÃO DECLARADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA E DA EXISTÊNCIA DO CRIME – FIGURA TÍPICA – INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
É possível a prática do crime de desacato por funcionário público contra pessoa no exercício de função pública, pois se trata de crime comum em que a vítima imediata é o Estado e a mediata aquela que está sendo ofendida.
Quando é dada vista ao Ministério Público, ainda que sem previsão legal, mas, logo em seguida, é ouvida a defesa, garantidos estão o contraditório e a ampla defesa, não ocorrendo qualquer prejuízo que enseje declaração de nulidade.
Só se tranca uma ação penal quando, de plano, se verifica a ausência de provas da existência do crime, indícios da autoria, atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade.
Ordem denegada.
(STJ - HC 104.921/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 26/10/2009)
10) Crime de desacato praticado por militar da aeronáutica (fora de serviço) contra policial militar – Justiça Comum – Crime do JEC:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESACATO. CRIME PRATICADO POR MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS FORA DE SERVIÇO CONTRA POLICIAL MILITAR EM BATALHÃO DA POLÍCIA MILITAR. JUSTIÇA COMUM. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.
1. Apenas o fato de o delito ter sido praticado por soldado militar da Aeronáutica não enseja a competência da Justiça Militar federal.
2. Cabe à Justiça Militar estadual processar e julgar apenas os crimes praticados por policiais militares e membros do Corpo de Bombeiros.
3. O crime cometido por militar das Forças Armadas fora de serviço contra policial militar não se enquadra nas hipóteses elencadas no art. 9º do Código Penal, bem como no § 4º do art. 125 da Constituição Federal, restando afastada a competência da Justiça Militar federal e estadual.
4. Tratando-se de crime de menor potencial ofensivo, cabe ao Juizado Especial Criminal o processamento e julgamento do feito.
5. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito do 2º Juizado Especial Criminal de Ceilândia/DF, ora suscitado.
(CC 79.435/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2007, DJe 28/10/2008)
11) Crimes de desacato e resistência – Não absorção – Momentos distintos:
PENAL. RESISTÊNCIA À PRISÃO E DESACATO A POLICIAIS MILITARES. CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO SEGUNDO CRIME PELO PRIMEIRO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. ORDEM DENEGADA.
1 - A consunção do crime de desacato pelo delito de resistência é possível, a depender das circunstâncias do caso concreto.
2 - Na espécie, consoante análise probatória realizada pelo acórdão, é possível concluir que as ações, embora em um mesmo contexto, foram praticadas em momentos distintos, tendo sido as ofensas verbais irrogadas pelo paciente quando já estava dominado pelos policiais e dentro da viatura. Descrição, portanto, de dois ilícitos penais.
3 - Ordem denegada.
(STJ - HC 375.019/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017)
12) Desacato - Crime praticado por civil contra militar - Constitucionalidade - Crime militar - Recepção da norma supralegal (Pacto de San José da Costa Rica):
DIREITO PENAL – CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL (Informativo n.º 849 do STF – Segunda Turma)
Desacato praticado por civil contra militar e constitucionalidade
A 2ª Turma, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus” impetrado em favor de civil, condenado pela prática do crime descrito no art. 299 do CPM (desacato).
A defesa sustentou a inconstitucionalidade da imputação do delito a civil, bem assim a incompatibilidade da criminalização da conduta com o Pacto de São José da Costa Rica.
A Turma assinalou que o delito de desacato, quer conforme tipificado na legislação penal comum, quer na militar, tem por sujeito passivo secundário o funcionário público (civil ou militar), figurando o Estado como sujeito passivo principal. O bem jurídico tutelado é a Administração Pública, levando-se em conta seu interesse patrimonial e moral. A tutela penal está no interesse em se assegurar o normal funcionamento do Estado, protegendo-se o prestígio do exercício da função pública. Assim, a norma tem como destinatário da proteção legal mais a função pública do que a pessoa (civil ou militar). Portanto, para a configuração do crime, não é necessário que o funcionário público se sinta ofendido, sendo indispensável que o menoscabo tenha alvo certo, de forma que a vítima deve ouvir a palavra injuriosa ou sofrer diretamente o ato.
O desacato é crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. É essencial para a configuração do delito que o funcionário público esteja no exercício da função, ou, estando fora, que a ofensa seja empregada em razão dela. Deve, pois, haver o chamado nexo funcional. A crítica ou a censura sem excessos, por sua vez, não constituem desacato, ainda que veementes.
No que se refere à suposta incompatibilidade desse delito com a liberdade de expressão e de pensamento, garantidos pelo Pacto de São José da Costa Rica e pela Constituição, sabe-se que os tratados de direitos humanos podem ser: a) equivalentes às emendas constitucionais, se aprovados após a EC 45/2004; ou b) supralegais, se aprovados antes da referida emenda. De toda forma, estando acima das normas infraconstitucionais, são também paradigma de controle da produção normativa.
Nesse sentido, não se infere, da leitura do aludido tratado, afronta na tipificação do crime de desacato. Não houve revogação da norma penal, mas recepção pela regra supralegal. O texto dispõe que o exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão, embora não sujeito a censura prévia, deve assumir responsabilidades ulteriores, expressamente fixadas em lei, para assegurar o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas. Portanto, não se está diante de descriminalização ou de “abolitio criminis”.
A liberdade de expressão prevista no Pacto de São José da Costa Rica não difere do tratamento conferido pela Constituição ao tema, sendo que esse direito não possui caráter absoluto. A Constituição, ao tutelar a honra, a intimidade e a dignidade da pessoa humana, recepcionou a norma do desacato prevista na legislação penal.
O direito à liberdade de expressão deve harmonizar-se com os demais direitos envolvidos, não eliminá-los. Incide o princípio da concordância prática, pelo qual o intérprete deve buscar a conciliação entre normas constitucionais.
O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A ninguém é lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia. O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente, da dignidade de quem a exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana, em razão do “status” de funcionário público (civil ou militar). A investidura em função pública não constitui renúncia à honra e à dignidade. Nesse aspecto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de situações concretas de abusos e violações de direitos humanos, reiteradamente tem decidido contrariamente ao entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal pode punir condutas excessivas no exercício da liberdade de expressão.
Por conseguinte, a figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos. A Constituição impõe à Administração a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, podendo-se dessumir daí a compatibilidade entre a defesa da honra e intimidade do funcionário público e a liberdade de expressão.
Não parece ainda o caso de se invocar a teoria da adequação social como causa supralegal de exclusão da tipicidade, pela qual se preconiza que determinadas condutas, consensualmente aceitas pela sociedade, não mais se ajustam a um modelo legal incriminador. A evolução dos costumes seria fator decisivo para a verificação da excludente de tipicidade, circunstância ainda não passível de aferição, mas é preciso que o legislador atualize a legislação para punir eficazmente desvios e abusos de agentes do Estado. Havendo lei, ainda que deficitária, punindo o abuso de autoridade, pode-se afirmar que a criminalização do desacato se mostra compatível com o Estado democrático.
Vencido o ministro Edson Fachin, que concedeu a ordem.
STF - HC 141949/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.3.2018. (HC-141949)
Tráfico de Influência (Redação dada pela Lei n.º 9.127, de 1995)
Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: (Redação dada pela Lei n.º 9.127, de 1995)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 9.127, de 1995)
Parágrafo único - A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. (Redação dada pela Lei n.º 9.127, de 1995)
Nota:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Legislação correlata:
- Vide: Dec. n.º 4.410/2002 - Convenção Interamericana contra a Corrupção.
Notas:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- Vantagem: Pode ser econômica ou não. Deve ser prometida/oferecida antes do ato.
- O agente que, valendo-se das atribuições de um assessor de funcionário público, lhe promete (ao assessor) ou oferece vantagem indevida, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, comete crime de corrupção ativa. (Questão de concurso - CESPE, 2006).
- Obs.: Se o sujeito ativo promete vantagem para o funcionário público executar ato que é sua obrigação, este igualmente comete o delito.
- Não há corrupção ativa no caso de o sujeito, sem oferecer ou prometer qualquer utilidade ao funcionário público, pedir-lhe que “dê um jeitinho” em sua situação perante a Administração Pública. (Questão de concurso - CESPE, 2006). O crime de corrupção ativa tem dois núcleos alternativos, oferecer e prometer. Se o agente, dessa forma, sem oferecer ou prometer vantagem ao funcionário público tão só pede a ele que dê um jeitinho, não incorrerá no crime do art. 333 do CP.
- O parágrafo único aplica-se quando o funcionário público efetivamente age de acordo com o solicitado. O crime passa a ser material.
Jurisprudência:
01) Corrupção ativa - Emissão de guia por servidor corrompido - Valor menor que o devido - Pagamento da diferença devida antes de recebida a denúncia - Extinção da punibilidade - Impossibilidade:
DIREITO PENAL - RHC 95.557-GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018 (Informativo n.º 631 do STJ – Sexta Turma)
Corrupção ativa. Emissão de guia de recolhimento de imposto em montante menor do que o devido. Pagamento da diferença antes do recebimento da denúncia. Causa de extinção da punibilidade. Aplicação analógica ao delito de corrupção. Impossibilidade.
O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúnca, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal.
De início, é mister consignar que não há razão plausível para reconhecer que o crime de corrupção ativa tenha extinta a punibilidade porque a autora pagou, antes do recebimento da denúncia, o montante de tributo que havia elidido, indevidamente, com o oferecimento da vantagem indevida a servidor público encarregado de emitir a guia de recolhimento respectiva. São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, tem a ver com a proteção da ordem tributária e com a efetividade da arrecadação estatal, enquanto no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da administração pública. Nesse sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que não emita guia com o valor realmente devido a título de tributo causa mortis, é, em tese e sem qualquer prejulgamento, conduta de reprovabilidade patente e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade, muito menos por lógica de analogia, porque subverte a ordem da administração pública, depõe contra a sua reputação e influencia o comportamento de outros agentes públicos, ainda que a diferença do quantum devido, tenha sido solvida antes do recebimento da denúncia. Este fato, por si só, não tem força para apagar a agressão ao prestígio da Administração. O crime de corrupção, abstratamente descrito como típico no art. 333 do Código Penal, possui natureza formal e se aperfeiçoa com a oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público, para praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Por outro lado, o que motivou o legislador ordinário a decretar a Lei nº 9.249/1995, que em seu artigo 34 dispõe acerca da extinção da punibilidade do crime contra a ordem tributária, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, foi o mote arrecadador, ou seja, para o Estado, em se tratando de delito fiscal, afigura-se vantajoso receber o montante pecuniário relativo ao tributo com a "ameaça" do processo criminal, ainda que a ordem tributária tenha sido, em tese, malferida com a ação de sonegar.
02) Corrupção ativa – Civil que oferece vantagem em estabelecimento militar para obter carteira náutica – Crime de competência da Justiça Castrense:
Corrupção ativa de civil contra militar e competência
Compete à justiça castrense processar e julgar civil denunciado pela suposta prática de crime de corrupção ativa (CPM, art. 309) perpetrado contra militar em ambiente sujeito à administração castrense. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que sustentada competência da justiça comum. Reputou-se que a conduta de pagar vantagem indevida a agente militar para obter documento falso, expedido para série de atividades profissionais e de lazer em âmbito de transporte fluvial e marítimo seria apta a afetar a ordem administrativa militar, suficiente a atrair a autoridade daquela justiça especializada (CPM, art. 9º, III, a e CF, art. 124).
Vencido o Min. Celso de Mello, que concedia a ordem para que o paciente fosse processado e julgado pela justiça federal comum. Destacava que os bens, os interesses e os serviços da União estariam diretamente afetados, a ensejar a incompetência da justiça castrense. Obtemperava que o delito cometido por civil, em tempo de paz, sem abalo das instituições militares ou comprometimento das seguranças interna ou externa do país, deveria ser submetido ao Poder Judiciário comum, sob pena de transgressão à Convenção Americana de Direitos Humanos, de que o Brasil seria signatário.
STF - HC 113950/CE, rel. Min. Ricardo Lewandoski, 27.11.2012. (HC-113950)
Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
§ 1.º Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
§ 2.º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
§ 3.º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. (Redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
Redação anterior:
"Contrabando ou descaminho
Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1.º. Incorre na mesma pena quem:
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
§ 2.º. Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3.º. A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo."
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990 - Crimes tributários.
- Vide: Art. 109 da CF/88 - Interesse da União.
- Vide: Lei n.º 10.522/2002 - limite de cobrança para débito tributário.
- Vide: Portarias n.º 75 e 130 do Ministério da Fazenda.
- Vide: Lei n.º 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro)
"Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos. (Acrescentado pela Lei n.º 13.804/2019)
§ 1.º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.
§ 2.º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção."
- Vide dispositivo sobre extinção da punibilidade:
"Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia."
- Vide: Lei n.º 9.430/96 - Procedimento administrativo de representação fiscal.
- Vide: Lei n.º 9.964/00 - Art. 15.
- Vide: Lei n.º 10.684/03 - Suspensão da pretensão punitiva e extinção da punibilidade.
- Vide: Lei n.º 11.941/09 - Suspensão da ação penal pelo parcelamento do débito. Ver arts. 68 e 69.
- Vide: Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965 - Crime de sonegação fiscal.
Notas:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- Vide: Súmula 151 do STJ - A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
- Vide: Súmula Vinculante 24 do STF - Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
- O delito só se consuma na modalidade dolosa. Descabe a forma culposa ou dolo eventual.
- Nova redação, pela Lei n.º 13.008/14, entrou em vigor em 27/06/2014.
- Sobre defesa preliminar de funcionário público, vide art. 514 do CPP.
- Sobre uso de documento falso para praticar sonegação fiscal (o que gera a absorção do crime tributário) vide art. 304 do CP.
Jurisprudência:
01) Descaminho - Princípio da insignificância - Aplicabilidade - Débito não excedente a R$ 20.000,00 - Adequação de jurisprudência:
DIREITO PENAL REsp 1.688.878-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 28/02/2018, DJe 04/04/2018 (Tema 157). (Informativo n.º 622 do STJ - Recurso Repetitivo)
Princípio da insignificância. Crimes tributários federais e de descaminho. Débito não excedente a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Portarias n. 75 e 130/MF. Parâmetro de 20.000,00 (vinte mil reais). Orientação consolidada no STF. Revisão do tema n. 157.
Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.112.748/TO, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos - regulado pelo art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973 -, firmou o entendimento de que incide o princípio da insignificância aos crimes federais contra a ordem tributária e de descaminho, quando o débito tributário não ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 (Rel. Min. Felix Fischer, DJe 13/10/2009, Tema - 157). O julgado, na ocasião, representou um alinhamento da jurisprudência desta Corte com a do Supremo Tribunal Federal, pois, até então, ao contrário do Pretório Excelso, a orientação que predominava nesta Corte era no sentido da impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários com base no parâmetro fixado no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Com o advento das Portarias n. 75 e 130/MF, ocorreu um novo distanciamento entre a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, pois, enquanto o Pretório Excelso aderiu ao novo parâmetro fixado por ato normativo infralegal, qual seja, de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), esta Corte não o fez. Dessarte, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos dos arts. 927, § 4º, do Código de Processo Civil, e 256-S do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, revisa-se a tese fixada no REsp Representativo da Controvérsia n. 1.112.748/TO - Tema 157 (Rel. Min. Felix Fischer, DJe 13/10/2009), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte.
02) Descaminho - Introdução de cigarros estrangeiros no território nacional - Competência da Justiça Federal:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 26/09/2018, DJe 04/10/2018 (Informativo n.º 635 do STJ - Terceira Seção)
Contrabando de cigarros. Indícios de transnacionalidade na conduta do agente. Desnecessidade. Crime que tutela interesse da União. Competência da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta.
Destaque-se, de início, que a jurisprudência desta Corte definia a competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes de contrabando e descaminho, nos termos da Súmula n. 151/STJ. No julgamento do CC 149.750/MS, de 26/4/2017, modificou-se tal orientação para limitar a competência federal, no caso de contrabando, às hipóteses em que for constatada a existência de indícios de transnacionalidade na conduta do agente. No entanto, o referido conflito de competência tratava de crime distinto (violação de direito autoral), no qual a fixação da competência federal decorre da hipótese do art. 109, V, da Constituição Federal (crime que o Brasil se obrigou a reprimir em tratado internacional), hipótese na qual se exige efetivamente indícios de transnacionalidade para a competência federal. Essa compreensão ficou consolidada, até que, no julgamento do CC 159.680/MG (realizado em 8/8/2018), a Terceira Seção decidiu pela competência federal para o julgamento do crime de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta. Embora o referido precedente verse acerca de figura penal distinta (descaminho), o entendimento ali acolhido deve prevalecer também para o crime de contrabando. Primeiro, porque o crime de contrabando, tal como o delito de descaminho, tutela prioritariamente interesse da União, que é a quem compete privativamente (arts. 21, XXII e 22, VII, ambos da CF) definir os produtos de ingresso proibido no país, além de exercer a fiscalização aduaneira e das fronteiras, mediante atuação da Receita Federal e Polícia Federal. Segundo, para preservar a segurança jurídica. Ora, a jurisprudência desta Corte, na esteira do entendimento firmado na Súmula n. 151/STJ, tradicionalmente sinalizava que a competência para o julgamento de tais delitos seria da Justiça Federal, afigurando-se desarrazoada a adoção de entendimento diverso, notadamente sem um motivo jurídico relevante para tanto.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 159.680-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 08/08/2018, DJe 20/08/2018 (Informativo n.º 631 do STJ – Terceira Seção)
Inquérito policial. Descaminho. Venda de cigarros estrangeiros. Importação permitida pela ANVISA. Ausência de nota fiscal. Conduta anterior à Lei n. 13.008/2014. Art. 334, § 1º, alínea "d", do CP. Súmula 151/STJ. Competência da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no art. 334, § 1.º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação.
Deve-se averiguar, de início, se a conduta se amolda, ou não, no tipo descrito no art. 334 do Código Penal, na redação anterior à lei n. 13.008/2014. Para que se configure o delito do caput do art. 334 do Código Penal, é necessário identificar indícios de que o agente de alguma forma, dolosamente, aderiu e/ou participou do processo de introdução do bem no país sem o recolhimento dos tributos devidos. Ressalte-se: não há forma culposa do delito, nem se admite o dolo eventual. No caso concreto, não foram apontados pelos Juízos em conflito, tampouco juntados aos autos, indícios de que o investigado tenha, de qualquer maneira, participado da importação dos cigarros, o que demonstra ser inviável a tipificação de sua conduta no caput do art. 334 do CP (na redação anterior à da Lei n. 13.008/2014). Entretanto, a conduta do investigado pode se amoldar ao delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal que atribui a mesma pena a quem adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. Desse modo, como o descaminho tutela prioritariamente interesses da União (ordem tributária), é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se à hipótese dos autos o disposto no enunciado n. 151 da Súmula desta Corte.
03) Descaminho de mercadoria de Zona Franca – Aplicabilidade do princípio da insignificância:
Contrabando e princípio da insignificância (Informativo n.º 612 do STF – Segunda Turma)
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de denunciados como incursos nas penas do art. 334, § 1º, b, do CP (“Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria ... § 1º - Incorre na mesma pena quem ... b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho”) c/c o art. 39 do Decreto-Lei 288/67 (“Será considerado contrabando a saída de mercadorias da Zona Franca sem a autorização legal expedida pelas autoridades competentes”). Pretendia a defesa fosse trancada a ação penal com base na aplicação do princípio da insignificância, pois o valor dos bens contrabandeados não ultrapassaria R$ 10.000,00. Sustentava, também, inépcia da denúncia, sob o argumento de ser genérica. Reputou-se, inicialmente, que o caso dos autos trataria de um tipo especial de contrabando, assemelhado ao descaminho, visto que os produtos oriundos da Zona Franca de Manaus não teriam sua utilização proibida em território nacional. Nesse sentido, aduziu-se razoável a aplicabilidade, em tese, do postulado da insignificância. Entretanto, explicitou-se que a defesa não teria comprovado a alegação de que o valor dos bens seria inferior a R$ 10.000,00, razão pela qual o pedido não foi conhecido nesse ponto. Por fim, no tocante à alegada inépcia da peça acusatória, considerou-se inexistir o vício aventado na impetração.
STF - HC 97541/AM, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.12.2010. (HC-97541)
04) Insignificância – Crime de descaminho – Valor aquém de R$ 10.000,00:
HC N. 96.819-PR (Informativo n.º 595 do STF)
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida.
1. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04.
2. Ordem concedida.
HC e Trânsito em Julgado (Informativo n.º 589 do STF)
Ao aplicar o princípio da insignificância, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor de denunciado pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, c). Preliminarmente, conheceu-se do writ. Asseverou-se que, embora a impetração tivesse impugnado decisão já transitada em julgado, tal fato não impediria a apreciação do tema pela via do habeas corpus, haja vista que a questão trazida seria exclusivamente de direito, não havendo o envolvimento de matéria fática. Assim, reputou-se desnecessário o ajuizamento de revisão criminal, pois o próprio habeas seria a via adequada para a reanálise do tema jurídico colocado diante do quadro fático, o qual seria incontroverso. No mérito, consignou-se que o valor do tributo iludido estaria muito aquém do patamar de R$ 10.000,00 legalmente previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002 (com a redação dada pela Lei 11.033/2004). Vencida, no ponto, a Min. Cármen Lúcia, que denegava a ordem por rejeitar a incidência do aludido princípio.
STF - HC 95570/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.6.2010. (HC-95570)
Descaminho: Princípio da Insignificância e Quota de Isenção (Informativo n.º 586 do STF – Primeira Turma)
Ante a incidência do princípio da insignificância, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal instaurada em desfavor de vendedor ambulante acusado pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, c), em decorrência do fato de haver sido surpreendido colocando à venda, em calçadão de praia, produtos importados sem as respectivas notas fiscais. Ressaltou-se que o valor dos bens seria de R$ 389,00, montante este inferior à quota de isenção de tributos, estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, relativos à importação e à exportação de mercadorias. Vencido o Min. Marco Aurélio, que indeferia o writ por considerar que se teria, na espécie, o envolvimento de vendedores ambulantes os quais, geralmente, não portam toda a mercadoria que trazem do exterior. Ademais, aduziu que o valor em questão seria superior àquele que autoriza a extinção do executivo fiscal (R$ 100,00).
STF - RHC 94905/CE, rel. Min. Dias Toffoli, 11.5.2010. (RHC-94905)
05) Descaminho – Valor superior a R$ 10.000,00 – Descabimento do Princípio da Insignificância, ainda que haja Portaria do MF ampliando para R$ 20.000,00 o valor mínimo para cobrança:
DIREITO PENAL. PARÂMETRO PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE DESCAMINHO.
O valor de R$ 20 mil fixado pela Portaria MF 75/2012 – empregado como critério para o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos na Dívida Ativa da União – não pode ser utilizado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho. Inicialmente, importante ressaltar que o entendimento, tanto do STF quanto do STJ (REsp 1.112.748-TO, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 13/10/2009), tem sido o de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10 mil, valor este fixado pela Lei 10.522/2002 para servir como piso para arquivamento, sem baixa nos autos, de execuções fiscais. Mais recentemente, o Ministério da Fazenda editou a Portaria MF 75/2012, a qual elevou o valor de arquivamento para R$ 20 mil. Desde então, o STF tem, em alguns de seus julgados, empregado o referido patamar para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao descaminho, quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 20 mil. Não obstante esse entendimento, importante analisar a validade formal da elevação do parâmetro pela Portaria MF 75/2012. Nesse passo, ressalte-se que, atualmente, com o advento da Lei 10.522/2002, o Ministro da Fazenda possui autonomia tão somente para estabelecer o cronograma, determinando as prioridades e as condições a serem obedecidas quando forem remetidos os débitos passíveis de inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança judicial pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A lei não previu a competência para que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, altere o valor fixado como parâmetro para arquivamento de execução fiscal, sem baixa na distribuição. Com isso, a alteração do valor para arquivamento de execução fiscal só pode ser realizada por meio de lei, não sendo a referida portaria, portanto, meio normativo válido para esse fim. Ademais, da leitura da aludida portaria, extrai-se que o valor foi estabelecido para orientar a ação em sede executivo-fiscal, com base apenas no custo benefício da operação; claramente, portanto, como uma opção de política econômico-fiscal. Em vista disso, importante ponderar: pode-se aceitar que o Poder Judiciário se veja limitado por parâmetro definido por autoridade do Poder Executivo, estabelecido unicamente por critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito? Afigura-se inusitada a compreensão de que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, ao alterar o patamar de arquivamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Pública, determine o rumo da jurisdição criminal de outro Poder da República. Por fim, não há como aplicar os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal ao caso analisado. O caráter fragmentário orienta que o Direito Penal só pode intervir quando se trate de tutelar bens fundamentais e contra ofensas intoleráveis; já o caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do Direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos. Os referidos princípios penais ganhariam relevo se o atuar do Direito Administrativo eliminasse a lesão ao erário, e não na situação ora analisada, em que, por opção decorrente da confessada ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional, queda-se inerte a Administração Pública quanto ao seu dever de cobrar judicialmente os tributos iludidos. STJ - REsp 1.393.317-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/11/2014.
DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE DESCAMINHO.
O princípio da insignificância não é aplicável ao crime de descaminho quando o valor do tributo iludido for superior a R$ 10 mil, ainda que a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda tenha estabelecido o valor de R$ 20 mil como parâmetro para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Por um lado, o valor de R$ 10 mil fixado pelo art. 20 da Lei 10.522/2002 não foi alterado. É que portaria emanada do Poder Executivo não tem força normativa capaz de revogar ou modificar lei em sentido estrito, conforme dispõe o art. 2º da Lei 4.657/1942. Por outro lado, o patamar utilizado para a incidência do princípio da insignificância é jurisprudencial e não legal, ou seja, não foi a Lei 10.522/2002 que definiu ser insignificante, na seara penal, o descaminho de valores de até R$ 10 mil; foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei. Não é correto, portanto, fazer uma vinculação de forma absoluta, de modo que toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar. Além disso, a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda não proíbe de modo absoluto a cobrança de créditos inferiores a R$ 20 mil, mas o permite desde que atestado o elevado potencial de recuperabilidade do crédito ou quando se mostre – observados os critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito – conveniente a cobrança. Desse modo, ao novo valor apresentado, agregam-se outros requisitos de cunho eminentemente subjetivo. Note-se ainda que, pela forma como redigidas as disposições da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, fica patente o intuito de se aperfeiçoar a utilização da máquina pública, visando autorizar o não ajuizamento de execução cujo gasto pode ser, naquele momento, maior que o crédito a ser recuperado. Inviável, pois, falar em valor irrisório, mas sim em estratégia de cobrança. Por fim, embora relevante a missão do princípio da insignificância na seara penal, por se tratar de critério jurisprudencial e doutrinário que incide de forma tão drástica sobre a própria tipicidade penal – ou seja, sobre a lei –, deve-se ter criterioso cuidado na sua aplicação, sob pena de se chegar ao extremo de desproteger por completo bens juridicamente tutelados pelo direito penal.
STJ - AgRg no REsp 1.406.356-PR, Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/2/2014.
DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE DESCAMINHO.
O princípio da insignificância não é aplicável ao crime de descaminho quando o valor do tributo iludido for superior a R$ 10 mil, ainda que a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda tenha estabelecido o valor de R$ 20 mil como parâmetro para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Com efeito, a Sexta Turma do STJ entende que o parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância ao delito de descaminho não está necessariamente atrelado aos critérios fixados nas normas tributárias para o ajuizamento da execução fiscal – regido pelos critérios de eficiência, economicidade e praticidade, e não sujeito a um patamar legal absoluto –, mas decorre de construção jurisprudencial erigida a partir de medida de política criminal, em face do grau de lesão à ordem tributária que atribua relevância penal à conduta, dada a natureza fragmentária do Direito Penal. Precedentes citados: AgRg no AREsp 242.049-PR, Quinta Turma, DJe 13/12/2013; AgRg no REsp 1.384.797-RS, Quinta Turma, DJe 29/11/2013; AgRg no AREsp 321.051-PR, Sexta Turma, DJe 6/12/2013; REsp 1.334.500-PR, Sexta Turma, julgado em 26/11/2013.
STJ - AgRg no REsp 1.402.207-PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 4/2/2014.
06) Descaminho – Princípio da insignificância – Inaplicabilidade ainda que a dívida seja inferior a 10.000,00 pois o réu respondia a outro processo cujo valor, somado, ultrapassava o referido parâmetro:
Crime de Descaminho e Princípio da Insignificância (Informativo n.º 603 do STF – Primeira Turma)
A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito de descaminho (CP, art. 334), no qual se pretendia o trancamento de ação penal, por atipicidade da conduta, com base na aplicação do princípio da insignificância, pois o tributo devido seria inferior a R$ 10.000,00. Considerou-se que, embora o tributo elidido totalizasse R$ 8.965,29, haveria a informação de que o paciente responderia a outro processo — como incurso no mesmo tipo penal — cujo valor não pago à Fazenda Pública, considerados ambos os delitos, seria de R$ 12.864,35. Destacou-se estar-se diante de reiteração de conduta delitiva, pois o agente faria do descaminho seu meio de vida, daí a inaplicabilidade do referido postulado. O Min. Marco Aurélio, relator, enfatizou seu convencimento no sentido de que, sendo o montante superior a R$ 100,00, caberia concluir-se pela tipicidade.
STF - HC 97257/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 5.10.2010. (HC-97257)
07) Princípio da insignificância – Impossibilidade se há habitualidade na conduta:
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA HIPÓTESE DE REITERAÇÃO DA PRÁTICA DE DESCAMINHO.
A reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da insignificância em caso de persecução penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite previsto para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional.
Com efeito, para que haja a incidência do princípio da insignificância, não basta que seja considerado, isoladamente, o valor econômico do bem jurídico tutelado, mas, também, todas as circunstâncias que envolvem a prática delitiva, ou seja, “é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social” (STF, HC 114.097-PA, Segunda Turma, DJe 14/4/2014).
Nessa linha, o princípio da insignificância revela-se, segundo entendimento doutrinário, importante instrumento que objetiva restringir a aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade normativa, a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico tutelado (tipicidade material). A par disso, se de um lado a omissão no pagamento de tributo relativo à importação de mercadorias é suportada como irrisória pelo Estado, nas hipóteses em que uma conduta omissiva do agente (um deslize) não ultrapasse o valor de R$ 10 mil, de outro lado não se pode considerar despida de lesividade (sob o aspecto valorativo) a conduta de quem, reiteradamente, omite o pagamento de tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal, amparando-se na expectativa sincera de inserir-se nessa hipótese de exclusão da tipicidade. Nessas circunstâncias, o desvalor da ação suplanta o desvalor do resultado, rompendo-se, assim, o equilíbrio necessário para a perfeita adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a possibilidade de que a aplicação desse instituto, em casos de reiteração na omissão do pagamento de tributos, serve, ao fim, como verdadeiro incentivo à prática do descaminho.
Desse modo, quanto à aplicação do princípio da insignificância é preciso considerar que, “se de um lado revela-se evidente a necessidade e a utilidade da consideração da insignificância, de outro é imprescindível que sua aplicação se dê de maneira criteriosa. Isso para evitar que a tolerância estatal vá além dos limites do razoável em função dos bens jurídicos envolvidos. Em outras palavras, todo cuidado é preciso para que o princípio não seja aplicado de forma a estimular condutas atentatórias aos legítimos interesses dos supostos agentes passivos e da sociedade” (STJ, AgRg no REsp 1.406.355-RS, Quinta Turma, DJe 7/4/2014). Ante o exposto, a reiteração na prática de supressão ou de elisão de pagamento de tributos justifica a continuidade da persecução penal. Precedente citado do STJ: RHC 41.752-PR, Sexta Turma, DJe 7/4/2014. Precedente citado do STF: HC 118.686-PR, Primeira Turma, DJe 3/12/2013.
STJ - RHC 31.612-PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.
HC N. 115.869-RS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus. Processual Penal. Descaminho (CP, art. 334, § 1º, d). Trancamento da ação penal. Pretensão à aplicação do princípio da insignificância. Contumácia na conduta. Não cabimento. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.
1. Embora seja reduzida a expressividade financeira do tributo omitido ou sonegado pelo paciente, não é possível acatar a tese de irrelevância material da conduta por ele praticada, tendo em vista ser ela uma prática habitual na sua vida pregressa, o que demonstra ser ele um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na espécie, a existência da reincidência.
2. Conforme a jurisprudência da Corte, “o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário” (HC nº 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28/5/10).
3. Ordem denegada.
PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. DESCAMINHO. HABITUALIDADE. (Informativo n.º 478 do STJ – Quinta Turma)
A Turma deu provimento ao recurso especial do MPF para afastar a incidência do princípio da insignificância na hipótese em que havia habitualidade na prática do crime de descaminho, ainda que o valor apurado do tributo tenha sido inferior a R$ 10 mil.
Precedentes citados do STF: HC 102.088-RS, DJe 21/5/2010; HC 97.007-SP, DJe 31/3/2011; HC 101.998-MG, DJe 22/3/2011; HC 103.359-RS, DJe 6/8/2010; HC 96.202-RS, DJe 28/5/2010; do STJ: REsp 784.091-PR, DJ 30/10/2006; HC 44.986-RS, DJ 7/11/2005, e HC 38.965-RS, DJ 22/8/2005.
STJ - REsp 1.241.696-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/6/2011.
08) Perícia em notas e maquinários – Competência do juízo de primeiro grau:
Coisa Julgada: Extensão da Perícia e Critério da Autoridade Judicial - 1
A Turma deferiu, em parte, habeas corpus impetrado em favor de denunciados como incursos nos delitos previstos nos artigos 334, § 1º, c e d, e 288, parágrafo único, todos do CP — por suposta participação em contabilidade de quadrilha acusada de vários delitos, incluindo contrabando e comercialização de máquinas caça-níqueis —, sob o argumento de ofensa à coisa julgada e ao princípio da inércia do juízo.
No caso, após o trânsito em julgado do aresto do TRF da 2ª Região que concedera writ lá impetrado para determinar a realização de perícia nos “noteiros” das máquinas apreendidas e, de ofício, a estendera para todos os seus componentes, e diante da informação prestada pelo Juízo de 1º grau no sentido da impossibilidade de perícia nos componentes de alguns aparelhos, fora acolhida questão de ordem para se determinar que o Juízo desse prosseguimento à prova pericial ordenada, sendo que, com relação às máquinas caça-níqueis, deveria fazê-la por amostragem.
Contra essa decisão, impetrara-se habeas corpus ao STJ, que fora indeferido.
HC 95295/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-95295)
Coisa Julgada: Extensão da Perícia e Critério da Autoridade Judicial - 2
Assentou-se, no que tange à violação à coisa julgada, assistir razão aos impetrantes, uma vez que, publicado o acórdão e não sido impugnado pelas partes, transitara em julgado, estando, pois, encerrada e exaurida a função jurisdicional do tribunal de origem.
Assim, o julgamento não poderia ser revisto, em questão de ordem, para que fosse substancialmente modificado o teor da decisão, sendo indiscutível o direito dos pacientes à realização da perícia em todos os componentes das máquinas apreendidas, cuja necessidade e relevância para solução do processo foram reconhecidas judicialmente, tendo se operado, a respeito, a preclusão.
Asseverou-se, todavia, que, dada a impossibilidade de se efetuar a perícia em todas as máquinas, caberia ao STF dar sentido à decisão do TRF no primeiro acórdão.
Reputou-se, no ponto, improcedente o pedido da defesa para que se fizesse perícia em todas as máquinas restantes.
Aduziu-se que, sendo inquestionável a relevância da produção da prova nos termos requeridos, a extensão do seu alcance seria questão meramente prática, devendo ser resolvida a critério da autoridade judiciária de 1º grau.
Após ressaltar que o objetivo do referido exame técnico seria a análise da origem dos equipamentos apreendidos, considerou-se que, para se alcançá-lo, a quantidade de máquinas a ser periciada, por não estar inserida no objeto da causa, deveria ficar a critério do órgão que executaria a ordem.
Concluiu-se, assim, caber ao juízo de 1º grau providenciar a perícia em todos os componentes, e não apenas nos “noteiros”, de tantas máquinas quantas julgue necessárias para apurar, com segurança, a procedência das peças.
Ordem concedida, em parte, para cassar a decisão do TRF, na questão de ordem, e determinar que o Juízo do 1º grau realize o exame pericial em todos os componentes das máquinas apreendidas, na extensão que julgue suficiente para atingir os objetivos da prova.
STF - HC 95295/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-95295)
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos. (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
§ 1.º Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação; (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
§ 2.º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Incluído pela Lei n.º 4.729, de 14.7.1965)
§ 3.º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. (Incluído pela Lei n.º 13.008, de 26.6.2014)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro)
"Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos. (Acrescentado pela Lei n.º 13.804/2019)
§ 1.º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.
§ 2.º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção."
- Vide: Art. 109 da CF/1988 - Interesse da União.
Notas:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- Vide: Súmula 151 do STJ - A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
- Vide notas ao art. 334 do CP.
Jurisprudência:
01) Contrabando - Cigarros - Competência da Justiça Federal - Desnecessidade de indícios da transnacionalidade:
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 26/09/2018, DJe 04/10/2018 (Informativo n.º 635 do STJ - Terceira Seção)
Contrabando de cigarros. Indícios de transnacionalidade na conduta do agente. Desnecessidade. Crime que tutela interesse da União. Competência da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta.
Destaque-se, de início, que a jurisprudência desta Corte definia a competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes de contrabando e descaminho, nos termos da Súmula n. 151/STJ. No julgamento do CC 149.750/MS, de 26/4/2017, modificou-se tal orientação para limitar a competência federal, no caso de contrabando, às hipóteses em que for constatada a existência de indícios de transnacionalidade na conduta do agente. No entanto, o referido conflito de competência tratava de crime distinto (violação de direito autoral), no qual a fixação da competência federal decorre da hipótese do art. 109, V, da Constituição Federal (crime que o Brasil se obrigou a reprimir em tratado internacional), hipótese na qual se exige efetivamente indícios de transnacionalidade para a competência federal. Essa compreensão ficou consolidada, até que, no julgamento do CC 159.680/MG (realizado em 8/8/2018), a Terceira Seção decidiu pela competência federal para o julgamento do crime de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta. Embora o referido precedente verse acerca de figura penal distinta (descaminho), o entendimento ali acolhido deve prevalecer também para o crime de contrabando. Primeiro, porque o crime de contrabando, tal como o delito de descaminho, tutela prioritariamente interesse da União, que é a quem compete privativamente (arts. 21, XXII e 22, VII, ambos da CF) definir os produtos de ingresso proibido no país, além de exercer a fiscalização aduaneira e das fronteiras, mediante atuação da Receita Federal e Polícia Federal. Segundo, para preservar a segurança jurídica. Ora, a jurisprudência desta Corte, na esteira do entendimento firmado na Súmula n. 151/STJ, tradicionalmente sinalizava que a competência para o julgamento de tais delitos seria da Justiça Federal, afigurando-se desarrazoada a adoção de entendimento diverso, notadamente sem um motivo jurídico relevante para tanto.
Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência
Art. 335 - Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida.
Inutilização de edital ou de sinal
Art. 336 - Rasgar ou, de qualquer forma, inutilizar ou conspurcar edital afixado por ordem de funcionário público; violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legal ou por ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Subtração ou inutilização de livro ou documento
Art. 337 - Subtrair, ou inutilizar, total ou parcialmente, livro oficial, processo ou documento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Sonegação de contribuição previdenciária (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 1.º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 2.º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
I – (VETADO) (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 3.º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
§ 4.º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social. (Incluído pela Lei n.º 9.983, de 2000)
Legislação correlata:
- Vide: Lei n.º 9.430/1996 - Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências.
Nota:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
Jurisprudência:
01) Crimes previdenciários - Representação ao Ministério Público exige prévio esgotamento do procedimento na esfera administrativa:
Notícias do STF - 10/03/2022
Plenário conclui julgamento de ação sobre judicialização de crimes previdenciários
A Corte decidiu que, para o encaminhamento ao Ministério Público de representação fiscal quanto aos crimes previdenciários, é necessário o prévio esgotamento do procedimento na esfera administrativa.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, para a atuação do Ministério Público em relação aos crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social, é necessário o esgotamento do processo administrativo fiscal para constituição e cobrança do crédito tributário. A decisão se deu na sessão desta quinta-feira (10), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4980. O artigo 83 da Lei 9.430/1996, com redação dada pela Lei 12.350/2010, prevê que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária e aos crimes contra a Previdência Social (apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária) será encaminhada ao Ministério Público depois da decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. Na ação, a Procuradoria-Geral da República pedia a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo em relação aos crimes formais (que não exigem a produção do resultado para sua consumação), especialmente o de apropriação indébita previdenciária. Para a PGR, a Medida Provisória 497/2010, que resultou na edição da Lei 12.350/2010 não preencheu os requisitos de urgência e relevância, além de dispor sobre matéria penal e processual penal, inviável por meio dessa espécie legislativa. Outro argumento era o de vulneração do princípio da equidade na participação do custeio da Previdência Social, que impede o tratamento desigual entre contribuintes.
Casos excepcionais
A maioria do colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Nunes Marques, que considera que o exame jurisdicional do mérito dos requisitos de relevância e urgência na edição de MP só é admitido em casos excepcionais, em que a ausência desses pressupostos seja manifesta e evidente. Não é esse, a seu ver, o caso dos autos. O ministro frisou também que, ao contrário do alegado pela PGR, o dispositivo não legislou sobre matéria penal ou processual penal, mas definiu o momento em que os agentes administrativos deverão encaminhar a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, sem interferência na competência privativa do órgão para ajuizamento de ação penal. Ele também não verificou, no caso, afronta à igualdade, pois não há concessão de vantagem a um grupo social em detrimento de outros.
Razoabilidade
Segundo o ministro Nunes Marques, é razoável aguardar a conclusão do procedimento administrativo antes do encaminhamento da representação para fins penais. A medida, a seu ver, privilegia o exercício da ampla defesa e do contraditório no campo fiscal e indica prudência no tratamento penal da questão, evitando o acionamento indevido da persecução criminal por fato pendente de decisão final administrativa. Acompanharam o relator as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Natureza formal
O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente da posição majoritária. Para ele, em relação aos crimes de natureza formal, não há necessidade de prévio esgotamento da instância administrativa para o encaminhamento ao MP da representação fiscal.
Processo relacionado: ADI 4980
Fonte: (http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=483190)
CAPÍTULO II-A
DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA
(Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Corrupção ativa em transação comercial internacional
Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional: (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Tráfico de influência em transação comercial internacional (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional: (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Funcionário público estrangeiro (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. (Incluído pela Lei n.º 10.467, de 11.6.2002)
CAPÍTULO II-B
DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
(Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Contratação direta ilegal (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Frustração do caráter competitivo de licitação (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) anos a 08 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Patrocínio de contratação indevida (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-G. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração Pública, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-H. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do contratado, durante a execução dos contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no edital da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) anos a 08 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Perturbação de processo licitatório (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-I. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processo licitatório: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Violação de sigilo em licitação (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-J. Devassar o sigilo de proposta apresentada em processo licitatório ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - detenção, de 02 (dois) anos a 03 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Afastamento de licitante (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-K. Afastar ou tentar afastar licitante por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 03 (três) anos a 05 (cinco) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar em razão de vantagem oferecida. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Fraude em licitação ou contrato (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-L. Fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
I - entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais; (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
II - fornecimento, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada, deteriorada, inservível para consumo ou com prazo de validade vencido; (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
III - entrega de uma mercadoria por outra; (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
IV - alteração da substância, qualidade ou quantidade da mercadoria ou do serviço fornecido; (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
V - qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para a Administração Pública a proposta ou a execução do contrato: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) anos a 08 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Contratação inidônea (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-M. Admitir à licitação empresa ou profissional declarado inidôneo: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 01 (um) ano a 03 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
§ 1º. Celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 03 (três) anos a 06 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
§ 2.º Incide na mesma pena do caput deste artigo aquele que, declarado inidôneo, venha a participar de licitação e, na mesma pena do § 1.º deste artigo, aquele que, declarado inidôneo, venha a contratar com a Administração Pública. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Impedimento indevido (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-N. Obstar, impedir ou dificultar injustamente a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, a suspensão ou o cancelamento de registro do inscrito: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Omissão grave de dado ou de informação por projetista (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-O. Omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse: (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Pena - reclusão, de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
§ 1.º Consideram-se condição de contorno as informações e os levantamentos suficientes e necessários para a definição da solução de projeto e dos respectivos preços pelo licitante, incluídos sondagens, topografia, estudos de demanda, condições ambientais e demais elementos ambientais impactantes, considerados requisitos mínimos ou obrigatórios em normas técnicas que orientam a elaboração de projetos. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
§ 2.º Se o crime é praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
Art. 337-P. A pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código e não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta. (Incluído pela Lei n.º 14.133, de 2021)
CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
Reingresso de estrangeiro expulso
Art. 338 - Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena.
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei n.º 14.110/2020)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e multa.
§ 1.º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§ 2.º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
Redação anterior:
"Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei n.º 10.028, de 2000)"
Legislação correlata:
- Vide Lei de Improbidade Administrativa:
"Art. 19 da Lei n.º 8.429/92. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado."
- Vide: Art. 27 da Lei n.º 13.869/2019 (Lei do Abuso de Autoridade)
"Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada."
Jurisprudência:
01) Denunciação caluniosa - Ofendido pode figurar como assistente da acusação - Vítima em segundo plano - Desavenças políticas - Irrelevância:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. PRELIMINAR DE NULIDADE. OFENSA AO ART. 268 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AFASTAMENTO. Com relação à preliminar erigida apenas neste momento processual, qual seja, de nulidade decorrente da admissão do desafeto político do réu, que não poderia ser considerado vítima, como assistente de acusação, ofendendo o art. 268 da Lei Processual Penal, destaca-se que a despeito do entendimento externado pelo embargante, o ilícito tipificado no art. 339 da Lei Substantiva Penal tem como sujeito passivo não só o Estado, mas, em segundo plano, a pessoa prejudicada pela falsa denunciação. Logo, inexiste ofensa ao dispositivo legal invocado. MÉRITO. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 619 DA LEI PROCESSUAL PENAL. Todas as teses recursais foram atacadas e elididas, ainda que indiretamente, como por exemplo, a de ausência de dolo, que restou afastada diante da afirmação do próprio acusado de que todos utilizam a via que foi pavimentada por seu desafeto político, o que faz cair por terra a alegação ventilada, de que apenas aliados deste teriam sido beneficiados com a obra supostamente ilegal e, ao mesmo tempo, demonstra sua ciência sobre a falsidade da acusação. Sobremais, a contradição, obscuridade e ambigüidade aventadas não dizem respeito ao acórdão impugnado, mas a elementos probatórios, motivo pelo qual o recurso também não merece prosperar nestes pontos. Assim, se o embargante não concordou com o entendimento alcançado pelo decisum, cabe a ele, a partir de agora, recorrer às instâncias superiores, haja vista ser inadequada a utilização do recurso em exame para rediscussão da prova. Embargos de declaração rejeitados.(Embargos de Declaração, Nº 70048149827, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em: 19-04-2012)
Comunicação falsa de crime ou de contravenção
Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.
Auto-acusação falsa
Art. 341 - Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
Falso testemunho ou falsa perícia
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 12.850, de 2013) (Vigência)
§ 1.º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
§ 2.º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
Jurisprudência:
01) Falso testemunho – Desnecessidade de a testemunha estar sob compromisso para haver o crime – In casu, tratou-se da esposa do réu – Atipicidade:
CRIME. FALSO TESTEMUNHO. ESPOSA. RÉU. (Informativo n.º 432 do STJ – Sexta Turma)
A impetrante foi denunciada por ter, como testemunha, supostamente mentido em processo criminal no qual figura como réu seu marido. A Turma entendeu que, para a caracterização do crime de falso testemunho, não é necessário o compromisso da testemunha. Porém, no caso, como a testemunha possui fortes laços afetivos com o réu (esposa), não se pode exigir que ela diga a verdade, justamente em desfavor da pessoa pela qual nutre afeição, colocando em risco até mesmo a própria unidade familiar. Assim, por não haver ilicitude na conduta, a Turma concedeu a ordem para trancar a ação penal. Precedentes citados: HC 20.924-SP, DJ 7/4/2003, e REsp 198.426-MG, DJ 5/11/2001.
STJ - HC 92.836-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27/4/2010.
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 04 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. (Redação dada pela Lei n.º 10.268, de 28.8.2001)
Coação no curso do processo
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único. A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual. (Incluído pela Lei n.º 14.245, de 2021)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 400-A do Código de Processo Penal - audiência de instrução e julgamento - dignidade da vítima.
- Vide: Art. 474-A do Código de Processo Penal - instrução em plenário - dignidade da vítima.
- Vide: Art. 81, § 1.º, da Lei n.º 9.099/1995 - audiência - dignidade da vítima.
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 01 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Notas:
- Vide: Súmula 599 do STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
- Para que haja o crime em tela, a pretensão do agente ao executar a cobrança deve ser legítima. Ex.: O agente não pode fazer justiça pelas próprias mãos para cobrar dívida decorrente de "jogo do bicho".
Jurisprudência:
01) Exercício arbitrário das próprias razões para proteger saúde da companheira - Estado de necessidade - Reconhecimento - Uso de arma de fogo - Crime meio absorvido:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 345 DO CP. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003 (CRIME-MEIO) ABSORVIDO PELO CRIME-FIM, ART. 235 DO CP. OCORRÊNCIA. ART. 24 DO CP. ESTADO DE NECESSIDADE. INCIDÊNCIA. CAUSA EXCLUDENTE DE ANTIJURICIDADE.
1. Tendo em vista a incidência do princípio da consunção, adequada a absorção do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, caput, da Lei n. 10.826/2003) pelo delito de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345, caput, do Código Penal.
2. Consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal, o princípio da consunção pressupõe que haja um delito-meio ou fase normal de execução do outro crime (crime-fim), sendo que a proteção de bens jurídicos diversos e a absorção de infração mais grave pelo de menor gravidade não são motivos para, de per si, impedirem a referida absorção (Súmula 83/STJ).
3. Aplicável ao caso o denominado estado de necessidade. A mulher do réu necessitava de tratamento médico e de medicamentos. Por conseguinte, foi necessário que o sujeito atuasse para evitar um perigo atual, isto é, com a probabilidade de dano, presente e imediata, ao bem jurídico (saúde de sua mulher), nos termo do art. 24 do Código Penal (causa excludente de antijuricidade).
4. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
5. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp 1472834/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2015, DJe 18/05/2015)
02) Desclassificação da conduta para o art. 345 do CP – Ausência de queixa em prazo hábil – Extinção da Punibilidade – Ilegitimidade do MP se não houve violência:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES. EQUÍVOCO NA CAPITULAÇÃO. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA PELO OFENDIDO. RECURSO PROVIDO.
1. Tendo o Ministério Público narrado em sua peça de acusação que os recorrentes agiram com o especial fim de serem ressarcidos de suposto prejuízo que entendiam ter sofrido, caracteriza-se o tipo penal previsto no artigo 345 do Código Penal.
2. O crime de exercício arbitrário das próprias razões praticado sem violência somente se procede mediante queixa.
3. O não-exercício do direito de queixa no prazo de seis meses, a contar do conhecimento da autoria pelo ofendido, enseja a extinção da punibilidade.
4. Recurso provido para atribuir nova classificação à conduta dos recorrentes para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal, anulando-se a Ação Penal n.º 0118935-81.2011.8.20.0001, Juízo da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN, em razão da ilegitimidade ativa do Ministério Público e declarar a extinção da punibilidade dos recorrentes pela decadência do direito de exercício da ação penal privada pelo ofendido, nos termos dos artigos 103 e 107, inciso IV, do Código Penal.
(STJ - RHC 33.166/RN, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 05/09/2012)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE EXTORSÃO QUALIFICADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA PELO OFENDIDO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O tipo penal inscrito no art. 158 do CP exige que a vantagem econômica obtida pelo agente seja considerada indevida.
2. O crime de exercício arbitrário das próprias razões praticado sem violência somente se procede mediante queixa.
3. O não-exercício do direito de queixa no prazo de seis meses, a contar do conhecimento da autoria pelo ofendido, enseja a extinção da punibilidade.
4. Ordem concedida para desclassificar a conduta atribuída aos pacientes para exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal, anulando-se a Ação Penal nº 00803001579-9 que teve trâmite na comarca de Barra do São Francisco/ES em razão da ilegitimidade ativa do Ministério Público e, consequentemente, declaro extinta a punibilidade dos pacientes pela decadência do direito de queixa pelo ofendido, nos termos do art. 103 c/c 107, inciso IV, do Código Penal.
(STJ - HC 135.398/ES, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 28/06/2010)
03) Pretensão do agente deve ser legítima – Impossibilidade de desclassificação para o art. 345 do CP se o agente exigia cobrança de juros decorrente de crime de usura:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES DE USURA E CONTRA O PATRIMÔNIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 345 DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DEVE SER LEGÍTIMA. CONTINUIDADE DELITIVA. TRÊS DELITOS. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE 1/5.
1. Para a configuração do crime de exercício arbitrário das próprias razões é necessário que a pretensão seja legítima, o que não ocorre se o agente, mediante o uso de violência e grave ameaça, subtrai bens e exige o pagamento de juros oriundos do crime de usura.
2. Além disso, a desclassificação das condutas perpetradas ensejariam uma nova análise das provas dos autos, o que é vedado na via do especial.
3. É pacífica a jurisprudência desta Corte ao dizer que o aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em conta somente o número de infrações, sendo que esta Corte tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto), em virtude de reconhecimento de continuidade delitiva, na prática de 03 (três) delitos.
4. Recurso parcialmente provido.
(STJ - REsp 1101831/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 11/05/2009)
04) Pretensão do agente deve ser legítima – Impossibilidade de desclassificação para o art. 345 do CP se o agente exigia cobrança de dívida de jogo de azar – Configurada a extorsão:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. EXTORSÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. VANTAGEM ECONÔMICA ORIUNDA DE JOGO DE AZAR. ORIGEM ILÍCITA. ART. 50 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/41. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA N.º 07 DO STJ.
1. A sugerida divergência não foi demonstrada na forma preconizada nos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e 255, §§ 1.º e 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
2. O valor referente à prêmio pelo acerto dos números da chamada "lotinha", que é um jogo de azar, constitui vantagem indevida, pois se origina da prática da contravenção penal prevista no art. 50 do Decreto-lei n.º 3.688/41. Dessa forma, apresenta-se como escorreita a classificação da conduta perpetrada como extorsão.
3. A pretensão recursal de se aplicar o art. 29, § 1.º, do Código Penal implicaria o reexame do conjunto probatório, que é inviável em sede de recurso especial, consoante o verbete sumular n.º 07 desta Corte.
4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(STJ - REsp 741.599/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 19/12/2008)
05) Pretensão do agente deve ser legítima – Impossibilidade de desclassificação para o art. 345 por se tratar de dívida por serviços sexuais:
APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. INVIABILIDADE. CONSUMAÇÃO DELITIVA. 1. Não prospera o pedido defensivo de desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, uma vez que a pretensão deduzida pelo réu - cobrança de valores por serviço sexuais prestados por terceiros - não poderia sequer ser alcançada através do Poder Judiciário, o que torna inviável, de pronto, cogitar-se do delito previsto noart. 345 do CP. Ainda, os bens subtraídos extrapolam em muito o valor supostamente devido. 2. O agente subtraiu a res furtivae e foi detido sem que houvesse perseguição - somente após eficaz diligência realizada pela polícia. Dessa forma, ainda que por curto lapso, houve a consolidação da posse indisputada dos bens subtraídos - que saíram da esfera de vigilância da vítima. Pena redimensionada. APELAÇÃO DEFENSIVA IMPROVIDA. APELAÇÃO MINISTERIAL PROVIDA. (Apelação Crime Nº 70052883394, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 24/04/2013)
06) Cabe à acusação demonstrar que a vantagem buscada era indevida, afastando-se, assim, o cabimento do art. 345 do CP:
HABEAS CORPUS. EXTORSÃO. ELEMENTOS DO TIPO. "VANTAGEM INDEVIDA". ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE DA ACUSAÇÃO. PRESUNÇÃO DESCABIDA. FLAGRANTE ILEGALIDADE.
Cabe à acusação provar a configuração dos elementos do tipo do delito imputado ao réu. No presente caso, tratando-se de delito de extorsão (art. 158, CP), deveria a acusação demonstrar que a vantagem econômica perseguida era indevida de forma a caracterizar efetivamente o crime imputado. Descabe inverter este ônus encarregando a defesa de provar que a vantagem era devida, descaracterizando o delito de extorsão. A configuração de constrangimento mediante grave ameaça não faz supor que a vantagem econômica pleiteada era indevida, elemento que deveria ser provado pela acusação. Ordem concedida, com expedição de alvará de soltura.
(STJ - HC 18.515/RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2001, DJ 25/02/2002, p. 421)
07) Reconhecimento em segundo grau de que a conduta é a do art. 345 do CP – Impossibilidade de mutatio libelli gera a absolvição:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDICAM QUE A CONDUTA DA RÉ CORRESPONDE AO CRIME DE EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. Caso em que a prova testemunhal coligida em juízo revela fortes indícios de que a intenção da ré não era a subtração de coisa alheia móvel, mas sim o recebimento dos valores supostamente devidos pelos serviços prestados à vítima - em que pese tenha-se utilizado da subtração a fim de ver satisfeita tal pretensão. IMPOSSIBILIDADE DE OPERAR-SE A MUTATIO LIBELLI NESTA INSTÂNCIA QUE IMPÕE A ABSOLVIÇÃO DA APELANTE. Não obstante haja elementos que indicam que a conduta praticada pela apelante corresponde àquela prevista no art. 345 do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões), uma vez que tal desclassificação não foi procedida em sentença, e diante da impossibilidade de operar-se a mutatio libelli nesta instância, conforme preceitua a súmula 453 do STF, imposta está a absolvição da ré. APELAÇÃO PROVIDA. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70056863624, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 20/02/2014)
AC Nº. 70.050.576.099AC/M 4.223 - S 06.12.2012 - P 47 APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. PRELIMINAR REJEITADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO MATERIAL À DEFESA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ADEMAIS, O VEREDICTO DE MÉRITO É MAIS FAVORÁVEL AO RÉU. MÉRITO. A PROVA DOS AUTOS NÃO EVIDENCIA EMPREGO DE ARTIFÍCIO, ARDIL OU OUTRO MEIO FRAUDULENTO EMPREGADO PELO RÉU PARA ENGANAR A VÍTIMA E OBTER VANTAGEM ILÍCITA, O QUE, ADEMAIS, NÃO É NARRADO NA DENÚNCIA, POIS DESCREVE CONDUTA QUE SE AMOLDA AO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CASO EM QUE O RÉU INTERMEDIOU A VENDA DE UM TRATOR, RECEBEU PARTE DO PAGAMENTO E NÃO O REPASSOU A VENDEDORA, RAZÃO PELA QUAL O COMPRADOR EFETUOU NOVO PAGAMENTO A ELA. ALÉM DISSO, NÃO SE PODE DESCARTAR QUE O RÉU TENHA SE APROPRIADO DE VALORES AOS QUAIS JULGAVA TER DIREITO, O QUE CARACTERIZARIA O DELITO DE EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES, TIPIFICADO NO ART. 345 DO C.P.B. SENDO A DESCLASSIFICAÇÃO INVIÁVEL EM GRAU DE RECURSO (SÚMULA Nº 453 DO S.T.F.), A ABSOLVIÇÃO É A SOLUÇÃO QUE RESTA, COM FORÇA NO PRINCÍPIO HUMANITÁRIO IN DUBIO PRO REO (ART. 386, INC. VI, DO C.P.P.), PREJUDICADO O RECURSO MINISTERIAL. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DEFENSIVO PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. (Apelação Crime Nº 70050576099, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 06/12/2012)
APELAÇÃO CRIME. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. MÉRITO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. Hipótese em que, aos réus, foi imputada a conduta de se apropriarem indevidamente de quantias em dinheiro e mercadorias, recebidas quando do exercício de suas funções de vendedores da empresa-vítima. Acusados que possuíam direito à comissão, não pagas pela lesada. Agentes que admitem a apropriação de valores, sustentando que o fizeram para saldar parte do débito trabalhista devido. Dúvida acerca da extensão dos créditos um para com o outro. Inexistência de elementos de prova que demonstrem, com segurança, o animus rem sibi habendi, Conduta que poderia enquadrar-se no tipo descrito no art. 345 do CP - exercício arbitrário das próprias razões. Prova oral produzida dando conta da legitimidade, em tese, da pretensão dos agentes. Na inicial acusatória, além de não constar o verbo nuclear do tipo descrito no art. 345 do CP, também não contém, nem implicitamente, elementos configuradores da conduta referida, com o que, inviável a aplicação do disposto no art. 384 do CPP. Caso de mutatio libelli, vedada às Cortes Superiores. Súmula 453 do STF. Apelo improvido. Absolvição mantida. APELO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70034520403, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 11/04/2012)
APELAÇÃO CRIMINAL. EXTORSÃO. ELEMENTARES DO TIPO NÃO COMPROVADAS. COBRANÇA DE DÍVIDA DE VALOR. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. A vítima confirmou ter contratado o réu, seu cunhado, para trabalhar na construção da sua casa. O réu, por sua vez, também disse ter trabalhado na construção da casa, mediante prévio acerto financeiro, o qual, conforme dito pela vítima, não foi totalmente integralizado, tendo em vista que o serviço não foi terminado. Conduta que não se amolda ao tipo penal de extorsão pelo qual o réu foi denunciado. A vantagem que o agente pretendia conseguir não era indevida, pois a própria vítima admitiu não ter pagado todo o valor acordado, tendo em vista que o réu não terminou o serviço que se comprometeu a fazer. A conduta praticada pelo réu melhor se amolda ao tipo previsto no art. 345 do C.P.B. Contudo, considerando que o réu se defende dos fatos descritos na denúncia e que esta, em nenhum momento descreve, explícita ou implicitamente, as elementares do crime de exercício arbitrário das próprias razões, é incabível tal inovação petitória neste âmbito recursal, sob pena de ferir o princípio da correlação entre a denúncia e a sentença. APELO DEFENSIVO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70044478550, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 20/10/2011)
08) Obtenção de vantagem ilícita acima da pretensão devida, ou mera intenção de acrescer patrimônio, afastam a previsão do art. 345 do CP:
CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART. 155, "CAPUT". FURTO. EXISTÊNCIA DO FATO E AUTORIA. Subtração de R$ 1.000,00, de dentro da casa da vítima, enquanto esta estava no banheiro. . Autoria confirmada pela palavra segura da vítima e demais provas. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. Inviável a desclassificação postulada, pois evidenciado que a ré pretendia acréscimo a seu patrimônio, isto é, não pretendia exercer a autotutela para recompô-lo, por algum serviço prestado. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Fixada no mínimo legal. PENAS SUBSTITUTIVAS. Substituída por prestação de serviços à comunidade corretamente. PENA DE MULTA. Fixada no mínimo legal e afastada a exigibilidade na sentença. Ausente recurso do Ministério Público. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70055654164, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 09/10/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. INVIABILIDADE. Prova cabal da materialidade e autoria delitivas concernentes ao furto. Autos que contemplam elementos autorizadores da manutenção da condenação. Testemunha e vítima que relatam de forma clara e segura a investida criminosa do réu na residência do ofendido, durante o repouso noturno. Réu que confessou a subtração do bem para a aquisição de entorpecentes. Ausência do elemento subjetivo do tipo trazido no art. 345 do Código Penal. Bem subtraído com valor bem superior à alegada dívida. Tese desclassificatória afastada. (...) . POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL, QUE VOTAVA PELA ANULAÇÃO DA SENTENÇA. (Apelação Crime Nº 70052185840, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 20/06/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. INVIABILIDADE. Prova cabal da materialidade e autoria delitivas concernentes ao furto. Autos que contemplam elementos autorizadores da manutenção da condenação. Testemunha e vítima que relatam de forma clara e segura a investida criminosa do réu na residência do ofendido, durante o repouso noturno. Réu que confessou a subtração do bem para a aquisição de entorpecentes. Ausência do elemento subjetivo do tipo trazido no art. 345 do Código Penal. Bem subtraído com valor bem superior à alegada dívida. Tese desclassificatória afastada. DOSIMETRIA DA PENA. Reanálise da pena que importa no afastamento dos vetores motivos do crime e personalidade do agente. A obtenção de lucro às custas do patrimônio alheio configura motivo ínsito à espécie criminosa. Outrossim, inexistem elementos para aferição da personalidade do réu. Maus antecedentes revelados pela existência de uma condenação transita em julgado. Redução da pena-base. REINCIDÊNCIA. Afastamento da agravante, porquanto já utilizada a única condenação para fins de maus antecedentes. Na presença das atenuantes da confissão espontânea e menoridade, reduzida a pena provisória ao mínimo legal. MAJORANTE. REPOUSO NOTURNO - ART. 155, §1º, DO CÓDIGO PENAL. MANUTENÇÃO. Caracterizada está a majorante do repouso noturno, ainda que a coisa subtraída estivesse na área externa da residência. Indubitável a maior vulnerabilidade das pessoas no momento do crime. Manutenção da causa de aumento de pena, inclusive no quantum - um terço. Pena total e definitiva estabelecida em um ano e quatro meses de reclusão. Inviabilidade da substituição por penas restritivas de direitos em razão da reincidência específica do réu. PENA DE MULTA. Não há falar em exclusão da pena de multa, pois figura como preceito secundário do tipo penal. É decorrência legal da condenação por crime de roubo. Eventual pleito de suspensão deve ser formulado em sede de execução penal. Todavia, merece redimensionamento a pena pecuniária, em função da valoração negativa de apenas uma elementar do art. 59 do Código Penal. Mostra-se justa a redução da sanção para o mínimo legal, ou seja, 10 (dez) dias-multa. POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL, QUE VOTAVA PELA ANULAÇÃO DA SENTENÇA. (Apelação Crime Nº 70052185840, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 20/06/2013)
09) Agente que rouba bens sob alegação de quitação de dívida já paga pela vítima não desclassifica o agir para o art. 345 do CP:
APELAÇÃO-CRIME. ROUBO SIMPLES. 1. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO. Não há falar em insuficiência de provas para a condenação quando a vítima e uma testemunha presencial foram categóricas em apontar o réu como o autor do roubo, inexistindo, por outro lado, razão para crer que objetivassem prejudicar o acusado imputando-lhe falsamente a prática do crime. 2. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. A hipótese é de roubo e não de exercício arbitrário das próprias razões quando a prova evidencia que o dolo do agente, ao revés de se ressarcir por serviços anteriormente prestados ao proprietário do estabelecimento assaltado e pelos quais já havia sido pago, era o de subtrair os valores existentes no caixa. Desclassificação para o crime do art. 345 do CP que se mostra inviável. 3. FURTO. DESCLASSIFICAÇÃO. DESCABIMENTO. Não obstante a vítima não tenha visualizado arma em poder do acusado, a conduta do réu de, no mínimo, simular a utilização de uma arma sob a jaqueta, causando temor na vítima, configura a grave ameaça caracterizadora do crime de roubo. Desclassificação para furto que se mostra incabível. 4. CUSTAS PROCESSUAIS. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. ART.12 DA LEI N. 1060/50. Diante das parcas condições financeiras do réu, o qual foi assistido pela Defensoria Pública no curso de toda a ação penal, cabível a suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais, com fundamento no art. 12 da Lei n. 1060/50. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70044692366, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marlene Landvoigt, Julgado em 19/10/2011)
Art. 346 - Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Fraude processual
Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 23 da Lei n.º 13.869/2019 (Lei do Abuso de Autoridade)
"Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:
Pena - detenção, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:
I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;
II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo."
Favorecimento pessoal
Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, e multa.
§ 1.º - Se ao crime não é cominada pena de reclusão:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 03 (três) meses, e multa.
§ 2.º - Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena.
Favorecimento real
Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, e multa.
Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei n.º 12.012, de 2009).
Pena: detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano. (Incluído pela Lei n.º 12.012, de 2009).
Legislação correlata:
- Vide: Art. 50, inc. VII, da Lei de Execução Penal.
- Vide: Art. 5.º, inc. IX, do RDP/RS.
"abster-se de possuir, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo."
- Vide: Art. 11, inc. IX, do RDP/RS
"possuir, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo."
Notas:
- Vide: Súmula 661 do STJ - A falta grave prescinde da perícia do celular apreendido ou de seus componentes essenciais.
- Vide: Súmula 660 do STJ - A posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave.
- Trata-se de crime formal.
- Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que pratique alguns dos verbos nucleares do tipo. Trata-se de crime comum que pode ser praticado pelo indivíduo preso, por parente seu ou de outro apenado, visitante, advogado etc.
- Sujeito Passivo: A União ou o Estado. Verificar quem é o responsável pela casa prisional onde ocorreu o ilícito.
Jurisprudência:
01) Favorecimento real - Ingresso de telefone celular em presídio - Crime de menor potencial ofensivo:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 349-A DO CÓDIGO PENAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS. ART. 82 DA LEI Nº 9.099/95. PRECEDENTES.
1. O crime previsto no art. 349-A do Código Penal é de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.099/95. 2. Conforme o art. 82 da Lei nº 9.099/95, a competência é das Turmas Recursais Criminais. Precedentes. COMPETÊNCIA DECLINADA. (Apelação Criminal, Nº 50011927720188210134, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em: 13-04-2023)
02) Favorecimento real - Ingresso de telefone celular em presídio - Forma tentada - Tese de crime impossível - Descabimento:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 349-A, CAPUT, NA FORMA DO ART. 14, II, AMBOS DO CP. FAVORECIMENTO REAL. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA.
1. Prova apta a compor o tipo penal examinado, visto que a ré tentou ingressar em presídio, onde cumpria pena, com aparelho celular na roupa íntima, vislumbrando-se dolo em sua conduta. 2. Inaplicável ao caso o disposto no art. 17 do Código Penal, por não se afigurar impossível a consumação do delito por ineficácia absoluta do meio empregado. A hipótese só ocorre quando inexistir possibilidade de o resultado vir a ser produzido, o que não se verifica com o ingresso de telefones celulares nas casas prisionais. 3. Pena reduzida de ofício. 4. Reincidência e maus antecedentes que inviabilizam a substituição da pena. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. PENA REDUZIDA DE OFÍCIO. (Apelação Criminal, Nº 71010131399, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em: 27-09-2021)
APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INC. III, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. ART. 349-A, C/C ART. 14, INC. II, DO CÓDIGO PENAL – 1º E 2º FATOS. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA.
1. A materialidade dos crimes restou comprovada pelo registro de ocorrência policial, pelo auto de apreensão, pelo laudo de constatação da natureza da substância, laudos toxicológicos, pelo auto de prisão em flagrante, bem como pela prova oral apresentada durante a instrução do feito. (...) - QUANTO AO 2º FATO – ART. 349-A C/C ART. 14, INC. II, DO CÓDIGO PENAL 5. Com relação ao crime de tentativa de ingresso de celulares no presídio, conforme previsto no art. 349-A, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, não há falar em crime impossível, bem como de absolvição do réu por ausência de provas, tendo em vista que o crime não se consumou pois os celulares foram rapidamente arrecadados pelo guarda, que visualizou a ação delitiva do réu. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Criminal, Nº 70085125987, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em: 25-08-2021)
03) Favorecimento real - Ingresso de telefone celular em presídio - Desnecessidade de perícia no aparelho:
FAVORECIMENTO REAL. INGRESSO DE APARELHO DE CELULAR EM CASA PRISIONAL. ART. 349-A DO CÓDIGO PENAL. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA.
1. A tentativa de ingresso em casa prisional na posse de aparelho telefônico é conduta típica atentatória à administração da justiça. Tipicidade da conduta da agente, cujo dolo foi revelado pelo próprio modus operandi. 2. Conjunto probatório suficiente para sustentar a condenação. 3. Desnecessária a realização da perícia para aferição da funcionalidade do aparelho, conforme entendimento do STJ. 4. Não se afigura impossível a consumação do delito por ineficácia absoluta do meio empregado. Hipótese que só ocorre quando inexistir possibilidade de o resultado vir a ser produzido, o que não é o caso do ingresso de telefones celulares nas casas prisionais, onde há real, concreta e estatística probabilidade de ingresso clandestino do aparelho no local. 5. Analisando o iter criminis percorrido pelo agente, impositivo reconhecimento da tentativa, com a consequente redução da corporal da fração de 1/3. Pena privativa de liberdade redimensionada para 03 meses e 15 dias de detenção. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Criminal, Nº 71010124907, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em: 27-09-2021)
04) Favorecimento real - Ingresso de telefone celular em presídio - Aparelho sem chip - Configuração do ilícito:
APELAÇÃO-CRIME. ARTIGO 349-A. TENTATIVA DE INGRESSO DE APARELHO DE CELULAR EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA.
1. Comete o delito de favorecimento real, na forma tentada, o agente que tenta ingressar em estabelecimento prisional com aparelho telefônico, sem autorização legal. 2. Devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito, pela tentativa de ingresso do réu em estabelecimento prisional portando telefone celular, sem autorização legal, imperativa a manutenção da condenação. 3. O fato de o aparelho telefônico estar com ou sem o chip, per se, não desnatura o ilícito penal, vez que para funcionalidade do aparelho basta a introdução de chip de qualquer operadora de telefonia móvel para que opere normalmente. 4. Inaplicável ao presente caso o disposto no art. 17 do Código Penal, por não se afigurar impossível a consumação do delito por ineficácia absoluta do meio empregado. A hipótese só ocorre quando inexistir possibilidade de o resultado vir a ser produzido, o que não se verifica com o ingresso de telefones celulares nas casas prisionais. 5. Sentença condenatória mantida. 6. Reincidência que determina a fixação do regime prisional inicial no semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal. 7. Pedido de isenção de custas. Endereçamento a ser feito no juízo da execução. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 71009288267, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em: 24-08-2020)
E̶x̶e̶r̶c̶í̶c̶i̶o̶ ̶a̶r̶b̶i̶t̶r̶á̶r̶i̶o̶ ̶o̶u̶ ̶a̶b̶u̶s̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶o̶d̶e̶r̶
̶A̶r̶t̶.̶ ̶3̶5̶0̶ ̶-̶ ̶O̶r̶d̶e̶n̶a̶r̶ ̶o̶u̶ ̶e̶x̶e̶c̶u̶t̶a̶r̶ ̶m̶e̶d̶i̶d̶a̶ ̶p̶r̶i̶v̶a̶t̶i̶v̶a̶ ̶d̶e̶ ̶l̶i̶b̶e̶r̶d̶a̶d̶e̶ ̶i̶n̶d̶i̶v̶i̶d̶u̶a̶l̶,̶ ̶s̶e̶m̶ ̶a̶s̶ ̶f̶o̶r̶m̶a̶l̶i̶d̶a̶d̶e̶s̶ ̶l̶e̶g̶a̶i̶s̶ ̶o̶u̶ ̶c̶o̶m̶ ̶a̶b̶u̶s̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶o̶d̶e̶r̶:̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
̶P̶e̶n̶a̶ ̶-̶ ̶d̶e̶t̶e̶n̶ç̶ã̶o̶,̶ ̶d̶e̶ ̶u̶m̶ ̶m̶ê̶s̶ ̶a̶ ̶u̶m̶ ̶a̶n̶o̶.̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
̶P̶a̶r̶á̶g̶r̶a̶f̶o̶ ̶ú̶n̶i̶c̶o̶ ̶-̶ ̶N̶a̶ ̶m̶e̶s̶m̶a̶ ̶p̶e̶n̶a̶ ̶i̶n̶c̶o̶r̶r̶e̶ ̶o̶ ̶f̶u̶n̶c̶i̶o̶n̶á̶r̶i̶o̶ ̶q̶u̶e̶:̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
̶I̶ ̶-̶ ̶i̶l̶e̶g̶a̶l̶m̶e̶n̶t̶e̶ ̶r̶e̶c̶e̶b̶e̶ ̶e̶ ̶r̶e̶c̶o̶l̶h̶e̶ ̶a̶l̶g̶u̶é̶m̶ ̶a̶ ̶p̶r̶i̶s̶ã̶o̶,̶ ̶o̶u̶ ̶a̶ ̶e̶s̶t̶a̶b̶e̶l̶e̶c̶i̶m̶e̶n̶t̶o̶ ̶d̶e̶s̶t̶i̶n̶a̶d̶o̶ ̶a̶ ̶e̶x̶e̶c̶u̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶e̶n̶a̶ ̶p̶r̶i̶v̶a̶t̶i̶v̶a̶ ̶d̶e̶ ̶l̶i̶b̶e̶r̶d̶a̶d̶e̶ ̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶m̶e̶d̶i̶d̶a̶ ̶d̶e̶ ̶s̶e̶g̶u̶r̶a̶n̶ç̶a̶;̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
̶I̶I̶ ̶-̶ ̶p̶r̶o̶l̶o̶n̶g̶a̶ ̶a̶ ̶e̶x̶e̶c̶u̶ç̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶e̶n̶a̶ ̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶m̶e̶d̶i̶d̶a̶ ̶d̶e̶ ̶s̶e̶g̶u̶r̶a̶n̶ç̶a̶,̶ ̶d̶e̶i̶x̶a̶n̶d̶o̶ ̶d̶e̶ ̶e̶x̶p̶e̶d̶i̶r̶ ̶e̶m̶ ̶t̶e̶m̶p̶o̶ ̶o̶p̶o̶r̶t̶u̶n̶o̶ ̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶e̶x̶e̶c̶u̶t̶a̶r̶ ̶i̶m̶e̶d̶i̶a̶t̶a̶m̶e̶n̶t̶e̶ ̶a̶ ̶o̶r̶d̶e̶m̶ ̶d̶e̶ ̶l̶i̶b̶e̶r̶d̶a̶d̶e̶;̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
̶I̶I̶I̶ ̶-̶ ̶s̶u̶b̶m̶e̶t̶e̶ ̶p̶e̶s̶s̶o̶a̶ ̶q̶u̶e̶ ̶e̶s̶t̶á̶ ̶s̶o̶b̶ ̶s̶u̶a̶ ̶g̶u̶a̶r̶d̶a̶ ̶o̶u̶ ̶c̶u̶s̶t̶ó̶d̶i̶a̶ ̶a̶ ̶v̶e̶x̶a̶m̶e̶ ̶o̶u̶ ̶a̶ ̶c̶o̶n̶s̶t̶r̶a̶n̶g̶i̶m̶e̶n̶t̶o̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶a̶u̶t̶o̶r̶i̶z̶a̶d̶o̶ ̶e̶m̶ ̶l̶e̶i̶;̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
I̶V̶ ̶-̶ ̶e̶f̶e̶t̶u̶a̶,̶ ̶c̶o̶m̶ ̶a̶b̶u̶s̶o̶ ̶d̶e̶ ̶p̶o̶d̶e̶r̶,̶ ̶q̶u̶a̶l̶q̶u̶e̶r̶ ̶d̶i̶l̶i̶g̶ê̶n̶c̶i̶a̶.̶ (Revogado pela Lei n.º 13.869/2019)
Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança
Art. 351 - Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1.º - Se o crime é praticado a mão armada, ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento, a pena é de reclusão, de dois a seis anos.
§ 2.º - Se há emprego de violência contra pessoa, aplica-se também a pena correspondente à violência.
§ 3.º - A pena é de reclusão, de um a quatro anos, se o crime é praticado por pessoa sob cuja custódia ou guarda está o preso ou o internado.
§ 4.º - No caso de culpa do funcionário incumbido da custódia ou guarda, aplica-se a pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Evasão mediante violência contra a pessoa
Art. 352 - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.
Arrebatamento de preso
Art. 353 - Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o tenha sob custódia ou guarda:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, além da pena correspondente à violência.
Motim de presos
Art. 354 - Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 50, inc. I, da Lei de Execução Penal.
Patrocínio infiel
Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Patrocínio simultâneo ou tergiversação
Parágrafo único - Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.
Sonegação de papel ou objeto de valor probatório
Art. 356 - Inutilizar, total ou parcialmente, ou deixar de restituir autos, documento ou objeto de valor probatório, que recebeu na qualidade de advogado ou procurador:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Exploração de prestígio
Art. 357 - Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único - As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.
Violência ou fraude em arrematação judicial
Art. 358 - Impedir, perturbar ou fraudar arrematação judicial; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito
Art. 359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
CAPÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA AS FINANÇAS PÚBLICAS
(Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Contratação de operação de crédito
Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
I – com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal; (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
II – quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Jurisprudência:
01) Assunção de obrigação no último ano do mandato - Crime próprio - Sujeito ativo deve ser o agente público titular do mandato (ou legislatura):
DIREITO PENAL - AREsp 1.415.425-AP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019 (Informativo n.º 657 do STJ - Quinta Turma)
Crime de assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura. Art. 359-C do Código Penal. Delito próprio. Sujeito ativo. Agente público titular de mandato ou legislatura.
O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes públicos titulares de mandato ou legislatura.
Registre-se, inicialmente, que não é cabível a tese de que o crime de assunção de obrigação admite como autor outros funcionários públicos que tenham poder de disposição sobre os recursos financeiros da Administração Pública. De acordo com a doutrina, o crime é próprio ou especial porque somente pode ser cometido pelos agentes públicos titulares de mandato ou legislatura, representantes dos órgãos e entidades indicados no art. 20 da Lei Complementar n. 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal -, pois apenas tais pessoas têm atribuição para assunção de obrigações. Ademais, o crime é cometido pelos gestores nomeados para o exercício de mandato, quando gozam de autonomia administrativa e financeira, além de ser unissubjetivo, possuindo um único sujeito.
Ordenação de despesa não autorizada (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Prestação de garantia graciosa (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-E. Prestar garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Não cancelamento de restos a pagar (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Oferta pública ou colocação de títulos no mercado (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Art. 359-H. Ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados por lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia: (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 10.028, de 2000)
TÍTULO XII
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
CAPÍTULO I
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DOS CRIMES CONTRA A SOBERANIA NACIONAL
Atentado à soberania (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-I. Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 1.º Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se declarada guerra em decorrência das condutas previstas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 2.º Se o agente participa de operação bélica com o fim de submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 288 do CP - Associação criminosa.
- Vide: Art. 288-A do CP - Formação de milícia privada.
- Vide: Lei n.º 12.850/2013 - Organizações Criminosas.
- Vide: Lei n.º 12.694/2012 - Processo e procedimento dos crimes praticados por organização criminosa.
- Vide: Lei n.º 13.260/2016 - Lei Antiterrorismo.
Atentado à integridade nacional (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-J. Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Espionagem (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-K. Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 1.º Incorre na mesma pena quem presta auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da autoridade pública. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 2.º Se o documento, dado ou informação é transmitido ou revelado com violação do dever de sigilo: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 06 (seis) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 3.º Facilitar a prática de qualquer dos crimes previstos neste artigo mediante atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, ou de qualquer outra forma de acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - detenção, de 01 (um) a 04 (quatro) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
§ 4.º Não constitui crime a comunicação, a entrega ou a publicação de informações ou de documentos com o fim de expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
CAPÍTULO II
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Golpe de Estado (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
CAPÍTULO III
(Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
DOS CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO PROCESSO ELEITORAL
Interrupção do processo eleitoral (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 06 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
(VETADO) (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-O. (VETADO). (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Violência política (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-P. Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 03 (três) a 06 (seis) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
(VETADO) (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-Q. (VETADO). (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
CAPÍTULO IV
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DOS CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO
DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS
Sabotagem (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Art. 359-R. Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito: (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 288 do CP - Associação criminosa.
- Vide: Art. 288-A do CP - Formação de milícia privada.
- Vide: Lei n.º 10.826/2003 - Estatuto do Desarmamento.
- Vide: Lei n.º 12.850/2013 - Organizações Criminosas.
- Vide: Lei n.º 12.694/2012 - Processo e procedimento dos crimes praticados por organização criminosa.
- Vide: Lei n.º 13.260/2016 - Lei Antiterrorismo.
CAPÍTULO V
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
(VETADO) (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
CAPÍTULO VI
(Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DISPOSIÇÕES COMUNS
Art. 359-T. Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais. (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
(VETADO) (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
Legislação correlata:
- Vide: Art. 5.º, inc. IV, da Constituição Federal/1988 - manifestação livre do pensamento.
- Vide: Art. 5.º, inc. IX, da Constituição Federal/1988 - liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação.
- Vide: Art. 220 da Constituição Federal/1988 - manifestação do pensamento, criação, censura etc.
Art. 359-U. (VETADO). (Incluído pela Lei n.º 14.197, de 2021) (Vigência)
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 360 - Ressalvada a legislação especial sobre os crimes contra a existência, a segurança e a integridade do Estado e contra a guarda e o emprego da economia popular, os crimes de imprensa e os de falência, os de responsabilidade do Presidente da República e dos Governadores ou Interventores, e os crimes militares, revogam-se as disposições em contrário.
Art. 361 - Este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942.
Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1940; 119.º da Independência e 52.º da República.
GETÚLIO VARGAS
Francisco Campos
Este texto não substitui o publicado no DOU de 31.12.1940